A legalidade dos atos praticado pelo MST

logo Âmbito Jurídico

Ricardo Russell Brandão Cavalcanti – Doutor em Ciências Jurídicas-Públicas pela Universidade do Minho-Braga, Portugal. Mestre em Direito, Processo e Cidadania pela UNICAP. Especialista em Ciência Política pela Faculdade Prominas.  Professor efetivo de Ciências Jurídicas do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Pernambuco – IFPE. Defensor Público Federal.

Resumo: Trata-se de artigo que busca, por meio de uma metodologia descritiva e exploratória, analisar a legalidade dos atos praticados pelo MST, mais especificamente as ocupações de terras improdutivas. Desse modo, o artigo começa falando sobre a autotutela, como forma excepcional de resolução de conflitos. Em seguida, o artigo explica a luz da Constituição da República que a propriedade deve cumprir sua função social, de modo que quem comete um ilícito é quem não cumpre a função social de sua propriedade e não quem ocupa o imóvel improdutivo com fito de viabilizar a reforma agrária. Sendo assim, não se justifica a busca de criminalização dos movimentos sociais, mas sim o reconhecimento da importância deles para a sociedade.

Palavras-chave:  OCUPAÇÃO – INVASÃO – LEGALIDADE – MST

 

Abstract: This is an article that seeks, through a descriptive and exploratory methodology, to analyze the legality of the acts practiced by the MST, more specifically the occupations of unproductive lands. Thus, the article begins by talking about self-protection as an exceptional form of conflict resolution. Then, the article explains in the light of the Constitution of the Republic that property must fulfill its social function, so that those who commit an offense are those who do not fulfill the social function of their property and not those who occupy the unproductive property with the aim of making viable the land reform. Therefore, the search for criminalization of social movements is not justified, but the recognition of their importance to society

Keywords: OCCUPATION – INVASION – LEGALITY – MST

 

Sumário: Introdução; 1.Da autotutela; 2.A juridicidade dos atos praticados pelo MST; Conclusão; Referências.

 

Introdução

          Recentemente, a CNA- A Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil, que é a maior representação dos produtores rurais do Brasil, acionou o STF-Supremo Tribunal Federal contra atos praticados pelo MST-Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, que é o movimento social mais conhecido do país, bem como recentemente houve a abertura de uma CPI para investigar as condutas do MST[1].

Desse modo, claro está existir em curso uma tentativa de criminalizar os atos praticados pelo MST, o que, diga-se de passagem, não é de hoje, pois há muitos anos, muitas vezes com respaldo a própria mídia nacional, que a sociedade brasileira não entende a importância dos movimentos sociais para a sociedade, inclusive com alguns políticos buscando, de forma indevida, comparar os atos dos movimentos sociais com o de grupo de terroristas, o que desde já afirmamos ser uma afirmação que não se justifica.

Assim, o presente artigo pretende demonstrar, por meio de uma metodologia descritiva e exploratória, com a análise dos estudos da doutrina brasileira e da legislação em vigor, que a tentativa de criminalização de movimentos sociais não se justifica.

 

1.Da autotutela

Inicialmente, Fernanda Medina Pantoja e Rafael Alves de Almeida lembram que nem sempre os conflitos foram resolvidos pelo Estado, uma vez que outrora a resolução se dava ou pela força física ou por um acordo com sacrifício de interesses ou, ainda, por meio da escolha de um terceiro de confiança das partes envolvidas para solucionar a desavença[2].

Desse modo, o que se chama hoje de resolução extrajudicial dos conflitos, ou meios adequados de resolução de conflitos, existe antes da criação do Poder Judiciário e até mesmo antes da existência do próprio Estado. Naturalmente, com o tempo foi criado o Estado e, em consequência, o Poder Judiciário como mais uma alternativa para solucionar os conflitos além das opções até então existentes.

Assim, a doutrina especializada ordinariamente divide as formas de resolução de conflitos em três grandes subdivisões, quais sejam: a autotutela, quando uma pessoa resolve um conflito por conta própria; a autocomposição, quando as partes envolvidas no litígio resolvem o conflito em comum acordo com ou sem a ajuda de um terceiro e a heterocomposição, quando quem decide o conflito é um terceiro, escolhido ou não pelas partes.

O grande questionamento que surge em relação aos atos praticados pelo MST é se o movimento estaria de forma legítima ou ilegítima praticando a autotutela quando adentram em imóveis que não estão cumprindo a sua função social.

Pois bem, analisando o aspecto semântico, o prefixo auto, em tradução livre, significa “aquilo que funciona por si mesmo” e o sufixo “tutela” significa “proteção”.

Assim, a autotutela ou autodefesa como forma de resolução de conflitos seria quando a pessoa age por conta própria, a chamada justiça realizada pelas próprias mãos, seria a prevalência da lei do mais forte[3], com a aniquilação do outro[4], forma de litígio típica do direito primitivo[5] e da ausência estatal[6], sendo, como regra, considerada um meio de justiça precário e aleatório de resolução dos conflitos, pois acaba vindo a ser uma injustiça com a parte mais fraca na resolução conflituosa, muitas vezes incapaz de se defender[7]. Cândido Rangel Dinamarco afirma ser a autotutela uma: “espécie egoísta de autocomposição unilateral, é antissocial e incivilizada” [8].

Além disso, a autotutela pode vir a colocar fim ao litígio, com o término na discussão, porém sem acabar com a animosidade entre as partes envolvidas, mantendo-se, assim, a desarmonia do meio social[9], o que acaba vindo por não atender o interesse público primário, sendo por isso que Jean Jacques Rousseau afirmava não enxergar moralidade em um ato de força física e concluía que ela não fazia Direito, devendo as pessoas só obedecerem aos poderes legítimos, o que, na visão do referido autor, não se conquista por intermédio da força física [10].

Desse modo, com o tempo, a sociedade começou a ter uma formação ética que tornou ultrapassada os conceitos mais primitivos, trazendo a necessidade de se delimitar a atuação dos mais fortes na resolução dos litígios[11], com a busca de outras formas mais justas de pacificação e que dessem oportunidade também aos mais vulneráveis de efetivarem a busca pelos seus direitos.

Assim, com a evolução da sociedade, a autotutela passou, salvo em hipótese excepcionais, a ser vedada na maioria dos Estados, cabendo, como regra, apenas ao Poder Público o uso “legítimo da violência[12], tal como acontece no ordenamento brasileiro, onde a justiça pelas próprias mãos é tipificada como crime[13].

Entretanto, como toda questão envolvendo o Direito, existem exceções, como no caso de cortar as raízes que ultrapassam o muro do vizinho[14] ou ainda no caso de legítima defesa e no caso de estado de necessidade[15], situações que se inserem no chamado Direito de Resistência, previsto, por exemplo, na Constituição da República Portuguesa para as  situações nas quais os particulares efetivamente precisam, por conta própria, repelir uma ofensa que estão sofrendo em um contexto no qual não seja possível recorrer ao Poder Público[16], o que se alinha ao direito de resistência do indivíduo contra o próprio Estado defendido por John Locke quando o príncipe era o responsável pela prática de um ato de tirania[17].

Outra situação existente no Brasil da possibilidade excepcional da autotutela são justamente as ocupações de propriedades improdutivas pelos movimentos sociais em benefício, diga-se, de pessoas vulneráveis, o que também é feito, no nosso entendimento, com amparo no ordenamento jurídico, inclusive com amparo na nossa Constituição da República, conforme será visto no tópico que segue.

 

2.A juridicidade dos atos praticados pelo MST

Não podemos confundir ocupação com invasão. Invadir é adentrar de forma forçada em um imóvel que cumpre a sua função social, o que pode sim implicar no crime de exercício arbitrário das próprias razões e nas sanções previstas pela lei 8629/93[18], responsável por regulamentar no aspecto normativo a Reforma Agrária.

Entretanto, a lei acima mencionada fala em sanções no caso de invasão e não no caso de ocupação e a diferença entre os referidos institutos não é meramente terminológica, mas sim jurídica, tal como procuraremos demonstrar no presente tópico.

Invadir é quando você entra sem permissão em uma casa que cumpre sua função social. Assim, se alguém mora em uma casa ou produz em sua terra, nenhum movimento social vai entrar na referida propriedade, não havendo por que existir qualquer temor nesse sentido, diferentemente do que muitas vezes é aclamado no meio político.

O que o movimento social faz é uma ocupação. E o que é ocupar? É quando se entra em uma casa, prédio ou terreno que não cumpre sua função social, que está abandonado, onde não existe nem moradia nem produção. Assim, o movimento dá uma função social, seja moradia ou produção, para um bem abandonado.

Importante frisar que o artigo 5º da Constituição 1988, seguindo a mesma linha existente desde a Constituição de 1967[19], prevê o seguinte: “XXII – é garantido o direito de propriedade; XXIII – a propriedade atenderá a sua função social”.

Desse modo, no mesmo momento em que assegura o direito de propriedade, a Constituição de 1988 afirma que ela deverá ter uma função social, com a possibilidade de o Poder Público desapropriar as propriedades improdutivas[20], não sendo o Direito de Propriedade um direito absoluto, mas sim relativo e condicionado[21], exigindo que os proprietários deem alguma utilidade para suas propriedades, sendo mais claro: a pessoa não pode fazer o que bem entender com uma propriedade única e exclusivamente por ser detentor do seu domínio, sendo por essa razão, inclusive, que existem diversas formas de intervenção do Estado na propriedade privada[22]. Frise-se que essa limitação acontece em todo tipo de propriedade, como, por exemplo, com o proprietário de um veículo, que deve obedecer aos limites de velocidade ao utilizar o seu próprio automóvel.

Desse modo, quem comete um ilícito não é quem ocupa uma terra improdutiva para produzir alimentos para si e para outras pessoas, mas sim quem abandona uma terra sem morar ou produzir nela, sendo o Brasil um dos países que mais possui terras improdutivas no mundo[23], o que é algo extremamente preocupante, principalmente porque aumenta a extrema desigualdade social existente no nosso país com a concentração de terras nas mãos de apenas uma parcela privilegiada da população.

Logo, os movimentos sociais de moradia cumprem um papel importantíssimo para a nossa sociedade garantido teto e trabalho para as pessoas, que é, como afirma Jorge Miranda, uma das dimensões da dignidade humana[24], sendo muito melhor para todas e todos um terreno abandonado virar uma moradia ou um local de trabalho produtivo do que continuar como foco de doenças e de outras mazelas.

Desta feita, os movimentos sociais representam a luta por direitos que, diretamente ou indiretamente, beneficiam todas e todos. Para se ter uma ideia desses benefícios diretos, durante a pandemia em virtude do COVID19 o MST doou mais de sete toneladas de alimentos para pessoas com fome[25] e o MTST-Movimento dos Trabalhadores sem Teto possui o projeto Cozinha Solidária[26] para garantir alimentos para quem tem fome.

Outrossim, basta comparar o antes e o depois de uma propriedade ocupada por um movimento social para se perceber que onde havia degradação e abandono sempre passa a existir vida, felicidade e produção com a garantia de moradia e trabalho para pessoas que se encontram normalmente em situação de extrema vulnerabilidade.

No mais, sempre que nosso ordenamento jurídico quer mencionar um apossamento ilícito, menciona-se o termo invasão, tal como acontece na mencionada lei 8629/93.

Já o termo ocupação é usado justamente quando se adentra de forma lícita na propriedade de alguém, tal como acontece no caso previsto no Decreto-Lei 3365/41, que prevê o instituto da ocupação temporária nos seguintes termos: “Art. 36.  É permitida a ocupação temporária, que será indenizada, afinal, por ação própria, de terrenos não edificados, vizinhos às obras e necessários à sua realização” (Grifos Nossos).

A ocupação temporária acima mencionada é um poder da Administração Pública de intervenção do Estado na propriedade privada[27], mas o nosso ordenamento jurídico reconhece também efeitos jurídicos para a ocupação de terras privadas por particulares, o que ocorre, por exemplo, no caso do conhecido instituto da usucapião, que permite ao possuidor, passado algum tempo e preenchidos alguns requisitos legais, torna-se proprietário da terra de outrem, ou seja: a pessoa pode ocupar uma propriedade abandonada e com o tempo se tonar proprietário do local ocupado, nos seguintes termos:

 

“CAPÍTULO II
Da Aquisição da Propriedade Imóvel

Seção I
Da Usucapião

Art. 1.238. Aquele que, por quinze anos, sem interrupção, nem oposição, possuir como seu um imóvel, adquire-lhe a propriedade, independentemente de título e boa-fé; podendo requerer ao juiz que assim o declare por sentença, a qual servirá de título para o registro no Cartório de Registro de Imóveis.

Parágrafo único. O prazo estabelecido neste artigo reduzir-se-á a dez anos se o possuidor houver estabelecido no imóvel a sua moradia habitual, ou nele realizado obras ou serviços de caráter produtivo.

Art. 1.239. Aquele que, não sendo proprietário de imóvel rural ou urbano, possua como sua, por cinco anos ininterruptos, sem oposição, área de terra em zona rural não superior a cinqüenta hectares, tornando-a produtiva por seu trabalho ou de sua família, tendo nela sua moradia, adquirir-lhe-á a propriedade.

Art. 1.240. Aquele que possuir, como sua, área urbana de até duzentos e cinqüenta metros quadrados, por cinco anos ininterruptamente e sem oposição, utilizando-a para sua moradia ou de sua família, adquirir-lhe-á o domínio, desde que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural.

  • O título de domínio e a concessão de uso serão conferidos ao homem ou à mulher, ou a ambos, independentemente do estado civil.
  • O direito previsto no parágrafo antecedente não será reconhecido ao mesmo possuidor mais de uma vez.

Art. 1.240-A. Aquele que exercer, por 2 (dois) anos ininterruptamente e sem oposição, posse direta, com exclusividade, sobre imóvel urbano de até 250m² (duzentos e cinquenta metros quadrados) cuja propriedade divida com ex-cônjuge ou ex-companheiro que abandonou o lar, utilizando-o para sua moradia ou de sua família, adquirir-lhe-á o domínio integral, desde que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural.

  • O direito previsto no caput não será reconhecido ao mesmo possuidor mais de uma vez.

Art. 1.241. Poderá o possuidor requerer ao juiz seja declarada adquirida, mediante usucapião, a propriedade imóvel.

Parágrafo único. A declaração obtida na forma deste artigo constituirá título hábil para o registro no Cartório de Registro de Imóveis.

Art. 1.242. Adquire também a propriedade do imóvel aquele que, contínua e incontestadamente, com justo título e boa-fé, o possuir por dez anos.

Parágrafo único. Será de cinco anos o prazo previsto neste artigo se o imóvel houver sido adquirido, onerosamente, com base no registro constante do respectivo cartório, cancelada posteriormente, desde que os possuidores nele tiverem estabelecido a sua moradia, ou realizado investimentos de interesse social e econômico.

Art. 1.243. O possuidor pode, para o fim de contar o tempo exigido pelos artigos antecedentes, acrescentar à sua posse a dos seus antecessores (art. 1.207), contanto que todas sejam contínuas, pacíficas e, nos casos do art. 1.242, com justo título e de boa-fé.

Art. 1.244. Estende-se ao possuidor o disposto quanto ao devedor acerca das causas que obstam, suspendem ou interrompem a prescrição, as quais também se aplicam à usucapião.

 

Desse modo, a licitude dos apossamentos do MST se justifica principalmente por dois motivos: os atos são praticados em imóveis que não cumprem sua função social e o objetivo do movimento social é garantir uma reforma agrária com a transformação de terras improdutivas em produtivas, garantido trabalho e alimentação para as pessoas.

Nesse sentido, Carol Proner, Doutora em Direito Internacional pela Universidade Pablo de Olavide e Professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro, afirma:

 

“Ocupação não é o mesmo que invasão. A Constituição Federal de 1988 define o conceito de uso social da terra e os critérios para que seja legítimo, que não degrade o meio ambiente, que não se faça por meio de trabalho escravo ou análogo e que seja produtiva. A ocupação de terras tem sido historicamente a forma pela qual os movimentos camponeses chamam a atenção para este compromisso de direitos fundamentais e da necessidade de que a propriedade venha acompanhada de uma função social. Confundir os dois conceitos propositalmente é uma forma de negar a luta pela terra e os legítimos sujeitos de direito, assim reconhecidos pela Declaração da ONU sobre Direitos dos Camponeses”[28].

 

 

Diante dessa realidade, o Poder Judiciário já começa a ver a necessidade de proteger juridicamente as ocupações do MST, tal como já o fez o Superior Tribunal de Justiça-STJ ao impedir intervenção federal em estado-membro que não viabilizava a desocupação de assentamento do MST com 56 famílias em decisão judicial na qual o saudoso Ministro Gilson Dipp afirmou que deveria se: “respeitar a afetação pública do imóvel produzida pela ocupação de terceiros sobre o bem particular com o intuito de ocupá-lo para distribuí-lo”[29]. Assim, o STJ reconheceu a visão coletiva dos atos praticados pelos movimentos sociais que lutam por terra e moradia.

Desta feita, não há como se negar que o interesse público primário do Poder Público seja manter famílias que estão produzindo em uma propriedade ocupada e não as retirar para as deixarem ao desalento e para fazer com que um bem volte a ser improdutivo, uma vez que o interesse público primário é a junção dos interesses privados que as pessoas têm como membros da sociedade, ou seja, como afirma Erick Menezes de Oliveira Junior, “o somatório dos interesses privados em sua dimensão coletiva[30].

Desse modo, a Administração Pública deve preferir um uso coletivo da propriedade ao seu uso meramente egoístico[31], inclusive em obediência ao princípio da supremacia do interesse público, que, tradicionalmente, é considerado um “pilar básico do direito administrativo[32]”, o que justifica acolher as ocupações dos movimentos sociais, ainda que pagando indenização aos proprietários por meio do reconhecimento da existência de uma desapropriação indireta, nos termos do artigo 35 do decreto-lei 3365/41, que prevê:

 

Art. 35.  Os bens expropriados, uma vez incorporados à Fazenda Pública, não podem ser objeto de reivindicação, ainda que fundada em nulidade do processo de desapropriação. Qualquer ação, julgada procedente, resolver-se-á em perdas e danos.

 

 

Nesse diapasão, cabe ao Poder Público reconhecer que os bens ocupados pelo MST estão incorporados à Fazenda Pública, haja vista que estão em consonância, como dito acima, com o interesse público primário, viabilizando, assim, o reconhecimento de uma desapropriação indireta, uma vez que a desapropriação indireta se dá justamente quando, em prol do interesse público, o proprietário fica impossibilitado totalmente de exercer “os poderes inerentes ao domínio”[33].

Além disso, deve existir por parte da sociedade e do Poder Judiciário o reconhecimento da juridicidade dos atos praticados pelo MST e pelos movimentos sociais de um modo geral, pois eles não são praticados com o objetivo de atingir ou causar qualquer dano para as pessoas, mas sim com o fito de garantir justiça social por meio da redistribuição de terras de propriedades improdutivas.

 

 

Conclusão

Infelizmente, desde à Lei de Terra de 1850, o nosso ordenamento jurídico vem fazendo prevalecer os latifúndios improdutivos e não a pequena propriedade rural produtiva[34], o que acaba gerando de um lado a existência de milhares de hectares de propriedades abandonadas e do outro lado milhares de pessoas precisando de terra para trabalharem e garantirem o sustento de suas famílias.

Entretanto, a referida realidade não se amolda mais aos preceitos da nossa Constituição cidadã, que afirma se fazer necessário o cumprimento da função social de toda e qualquer propriedade, o que torna legal e legítima a pressão pacífica dos movimentos sociais por meio de ocupações de propriedades improdutivas.

Criminalizar os atos do MST não é o caminho para se evitar os conflitos fundiários, mas sim a realização de uma verdadeira reforma agrária no nosso país, onde as trabalhadoras e os trabalhadores de terra possam produzir os alimentos necessários para a sua alimentação, bem como para a alimentação da população brasileira de um modo geral, pois “Se o campo não planta, a cidade não janta[35]

 

REFERÊNCIAS

BRITO, Wladimir. Teoria Geral do Processo. Coimbra: Almedina, 2019.

 

CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 34ª. Ed. São Paulo: Atlas, 2020.

 

CATHARINA, Alexandre – A mediação como política pública e sua contribuição para construção de uma nova dimensão do princípio do acesso à justiça, Direito das Políticas Públicas: revista do programa de pós-graduação em Direito da Unirio, V 1, N2 (2019), pp.130-147.

 

COSTA, Nilton César Antunes da Costa. Poderes do árbitro, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002.

 

DINAMARCO, Cândido Rangel; BADARÓ, Gustavo Henrique Righi Inahy; LOPES, Bruno Vasconcelos Carrilho. Teoria Geral do Processo. 32ªed. São Paulo: JusPodivm/Malheiros, 2020.

 

DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de Direito Processual Civil I, São Paulo: Malheiros, 2020.

 

DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 33ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2020.

 

GONÇALVES, Pedro Costa. Manual de Direito Administrativo. Vol.1, Almedina: Coimbra, 2020.

 

KELSEN, Hans. A paz pelo Direito. São Paulo: Martins Fontes, 2011.

 

LOCKE, John. Dois tratados sobre o governo. Trad.Júlio Fischer, Martins Fontes: São Paulo, 1998.

 

MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 18ªed. São Paulo: Malheiros, 2004.

 

MIRANDA, Jorge. Direito Fundamentais, 2ªed. Coimbra: Almedina, 2018.

 

NINGELISKI, Adriane de Oliveira. Acesso à justiça pelos caminhos da mediação. Florianópolis: Empório do Direito. 2017.

 

OLIVEIRA JUNIOR, Erick Menezes de Oliveira. A administração pública e a interpretação principiológica: uma forma de solução adequada de conflitos, In MATOS, Taysa; GOSTINSKI, Aline. Meios Adequados de resolução de conflitos. Florianópolis: Empório do Direito, 2017.

 

OLIVEIRA, Rafael Carvalho Rezende. Princípios do Direito Administrativo. 2ªed. São Paulo: Método, 2013.

 

PANTOJA, Fernanda Medina; ALMEIDA, Rafael Alves de. Os métodos “alternativos” de resolução de conflitos. (ADRS), In ALMEIDA Tania; PELAJO, Samantha; JONATHAN, Eva. Mediação de Conflitos, Salvador: JusPodivm, 2016. pp.55-69.

 

PRONER, Carol. Ocupação não é invasão: entenda o que é o uso social da terra. Blog na Rede: Rede Brasil Atual. 2003. Disponível em: https://www.redebrasilatual.com.br/blogs/blog-na-rede/ocupacao-nao-e-invasao-entenda-o-que-e-o-uso-social-da-terra/.

 

SCHLICHTING, Arno Melo. Teoria Geral do Processo. Livro 1, 3ªed, Florianópolis: Momento Atual, 2007.

 

SILVA, Adriana dos Santos. Acesso à Justiça e Arbitragem: um caminho para a crise do Judiciário. Barueri: Manole, 2005.

 

SPENGLER, Fabiana Marion; WRASSE, Helena Pacheco. A (im) possibilidade da (auto) composição em conflitos envolvendo a administração pública: do conflito à posição do terceiro, Revista Eletrônica de Direito Processual – REDP. V 18, N 3 (2017), pp.69-93. Disponível em https://www.e-publicacoes.uerj.br/index.php/redp/article/view/30729

 

ROUSSEAU, Jean-Jacques. O contrato social. Trad. Paulo Neves, Porto Alegre: L&M, 2008.

 

TOMAZETTE, Marlon – Internacionalização do direito além do Estado: a nova lex mercatoria e sua aplicação. Revista de Direito Internacional. V 9 (2012), pp.93-121. Disponível em https://www.publicacoesacademicas.uniceub.br/rdi/article/view/2122.

 

WESTIN, Ricardo. Questão Agrária. Arquivo S. Edição 71, 2020.

 

 

[1]Fonte: https://www1.folha.uol.com.br/poder/2023/04/lira-anuncia-instalacao-de-cpi-do-mst-e-outras-2-na-camara.shtml

[2]PANTOJA, Fernanda Medina; ALMEIDA, Rafael Alves de. Os métodos “alternativos” de resolução de conflitos. (ADRS), In ALMEIDA Tania; PELAJO, Samantha; JONATHAN, Eva. Mediação de Conflitos, Salvador: JusPodivm, 2016. pp.55-69. p.55.

[3]SILVA, Adriana dos Santos. Acesso à Justiça e Arbitragem: um caminho para a crise do Judiciário. Barueri: Manole, 2005. p.4

[4]SPENGLER, Fabiana Marion; WRASSE, Helena Pacheco. A (im) possibilidade da (auto) composição em conflitos envolvendo a administração pública: do conflito à posição do terceiro, Revista Eletrônica de Direito Processual – REDP. V 18, N 3 (2017), pp.69-93. Disponível em https://www.e-publicacoes.uerj.br/index.php/redp/article/view/30729. p.83.

[5]KELSEN, Hans. A paz pelo Direito. São Paulo: Martins Fontes, 2011, p.4.

[6]CATHARINA, Alexandre – A mediação como política pública e sua contribuição para construção de uma nova dimensão do princípio do acesso à justiça. Direito das Políticas Públicas: revista do programa de pós-graduação em Direito da Unirio, V 1, N2 (2019), pp.130-147. p.138.

[7]COSTA, Nilton César Antunes da Costa. Poderes do árbitro. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p.36.

[8]DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de Direito Processual Civil I. São Paulo: Malheiros, 2020.p.155.

[9]SCHLICHTING, Arno Melo. Teoria Geral do Processo. Livro 1, 3ªed, Florianópolis: Momento Atual, 2007. p.27

[10]ROUSSEAU, Jean-Jacques. O contrato social. Trad. Paulo Neves, Porto Alegre: L&M, 2008. p.26/27.

[11]NINGELISKI, Adriane de Oliveira. Acesso à justiça pelos caminhos da mediação. Florianópolis: Empório do Direito. 2017. p.38

[12]TOMAZETTE, Marlon. Internacionalização do direito além do Estado: a nova lex mercatoria e sua aplicação. Revista de Direito Internacional, V 9 (2012), pp.93-121. Disponível em https://www.publicaco

esacademicas.uniceub.br/rdi/article/view/2122. p.97.

[13]Código Penal Brasileiro: Art. 345 – Fazer justiça pelas próprias mãos, para satisfazer pretensão, embora legítima, salvo quando a lei o permite: Pena – detenção, de quinze dias a um mês, ou multa, além da pena correspondente à violência.

[14]BRITO, Wladimir. Teoria Geral do Processo. Coimbra: Almedina, 2019. p.34.

[15]DINAMARCO, Cândido Rangel; BADARÓ, Gustavo Henrique Righi Inahy; LOPES, Bruno Vasconcelos Carrilho. Teoria Geral do Processo. 32ªed. São Paulo: JusPodivm/Malheiros, 2020. p.53.

[16]Constituição Portuguesa: Art.21º Todos têm o direito de resistir a qualquer ordem que ofenda os seus direitos, liberdades e garantias e de repelir pela força qualquer agressão, quando não seja possível recorrer à autoridade pública.

[17]LOCKE, John. Dois tratados sobre o governo. Trad.Júlio Fischer, Martins Fontes: São Paulo, 1998. p.560/570.

[18]A referida lei prevê o seguinte: Art. 2º A propriedade rural que não cumprir a função social prevista no art. 9º é passível de desapropriação, nos termos desta lei, respeitados os dispositivos constitucionais.   (…)

  • 7oSerá excluído do Programa de Reforma Agrária do Governo Federal quem, já estando beneficiado com lote em Projeto de Assentamento, ou sendo pretendente desse benefício na condição de inscrito em processo de cadastramento e seleção de candidatos ao acesso à terra, for efetivamente identificado como participante direto ou indireto em conflito fundiário que se caracterize por invasão ou esbulho de imóvel rural de domínio público ou privado em fase de processo administrativo de vistoria ou avaliação para fins de reforma agrária, ou que esteja sendo objeto de processo judicial de desapropriação em vias de imissão de posse ao ente expropriante; e bem assim quem for efetivamente identificado como participante de invasão de prédio público, de atos de ameaça, seqüestro ou manutenção de servidores públicos e outros cidadãos em cárcere privado, ou de quaisquer outros atos de violência real ou pessoal praticados em tais situações.(Grifos Nossos).

[19]DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 33ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2020. p.168.

[20]MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 18ªed. São Paulo: Malheiros, 2004. p.194.

[21]CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 34ª. Ed. São Paulo: Atlas, 2020. p.847

[22]DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 33ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2020. p.166.

[23]Fonte: https://vestibular.uol.com.br/resumo-das-disciplinas/atualidades/latifundio-brasil-tem-maiores-indices-de-concentracao-de-terra-no-mundo.htm

[24]MIRANDA, Jorge. Direito Fundamentais, 2ªed. Coimbra: Almedina, 2018. p238

[25]Fonte: https://mst.org.br/2022/09/12/mst-ja-doou-mais-de-7-mil-toneladas-de-alimentos-desde-o-inicio-da-pandemia/

[26]Fonte: https://mtst.org/colabore-com-o-mtst-donate-to-the-homeless-workers-movement/fundo-de-emergencia-para-sem-tetos-afetados-pelo-coronavirus/

[27]DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 33ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2020. p.173.

[28]PRONER, Carol. Ocupação não é invasão: entenda o que é o uso social da terra. Blog na Rede: Rede Brasil Atual. 2003. Disponível em: https://www.redebrasilatual.com.br/blogs/blog-na-rede/ocupacao-nao-e-invasao-entenda-o-que-e-o-uso-social-da-terra/

[29]Fonte: https://www.stj.jus.br/sites/portalp/Paginas/Comunicacao/Noticias/19062022-Desobediencia-as-ordens-da-Justica-em-conflitos-pela-terra-a-posicao-do-STJ-diante-da-intervencao-federal.aspx

[30]OLIVEIRA JUNIOR, Erick Menezes de. A administração pública e a interpretação principiológica: uma forma de solução adequada de conflitos, In MATOS, Taysa; GOSTINSKI, Aline. Meios Adequados de resolução de conflitos, Florianópolis: Empório do Direito, 2017. pp. 15-31. p.24

[31]GONÇALVES, Pedro Costa. Manual de Direito Administrativo. Vol.1, Almedina: Coimbra, 2020. p.47.

[32]OLIVEIRA, Rafael Carvalho Rezende. Princípios do Direito Administrativo. 2ªed. São Paulo: Método, 2013. p.127.

[33]DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 33ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2020. p.221.

[34]WESTIN, Ricardo. Questão Agrária. Arquivo S. Edição 71, 2020.

[35]Fonte:https://mst.org.br/2020/07/09/mais-do-que-nunca-se-o-campo-nao-planta-a-cidade-nao-janta/