A Lei Federal nº 11.418, de 15 de janeiro de 2007 é, a um só tempo, um marco histórico e a correção de uma injusta discriminação com uma das mais importantes e respeitadas instituições brasileiras.
O artigo 2º dessa Lei, ao dar nova redação ao artigo 5º da Lei nº 7.347/85, denominada Lei da Ação Civil Pública, inscreve a Defensoria Pública entre os legitimados para a propositura de tais demandas.
Nas linhas abaixo, faremos uma análise da evolução legislativa em matéria de ações coletivas. Após, teceremos algumas considerações sobre as modalidades de direitos transindividuais para, em seguida, examinar as perspectivas no Projeto de Código de Direitos Coletivos[1] apresentado recentemente pelo IBDP.
Com efeito, o texto base sobre a ação civil pública é a já referida Lei nº 7.347/85, o que denota que o ordenamento brasileiro é ainda neófito no tema[2].
Portanto, apenas três anos antes[3] da edição de nossa atual Carta Política, nosso legislador começa a se preocupar com a proteção dos interesses sociais, para utilizar a expressão cunhada pelo texto constitucional no artigo 127.
A partir daí, podemos dizer que se inicia o movimento para mover o eixo estrutural do processo de um viés puramente individual para a seara coletiva, o que já vinha acontecendo com o direito civil[4] e já era advertido pela doutrina processual[5] italiana.
Com a Lei nº 7.347/85, foram ampliadas as hipóteses de cabimento de demandas visando à tutela dos direitos difusos e coletivos, podendo tal ação ser utilizada não somente para a proteção do patrimônio público, que já era tutelável via ação popular, mas, da mesma forma, para a proteção do meio ambiente, dos consumidores, bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico, bem como qualquer interesse difuso ou coletivo[6].
Depois, mister fazer referência à Constituição Federal de 1988, que teve papel fundamental na tutela dos direitos coletivos lato sensu, uma vez que ampliou o objeto da ação popular, permitindo a sua utilização também para a preservação do meio ambiente e da moralidade administrativa; previu a possibilidade de mandado de segurança coletivo; e, por fim, dispôs expressamente sobre a legitimidade para tanto[7].
A Lei da Ação Civil Pública foi seguida pela Lei 7853/89, que disciplina especificamente a tutela dos direitos e interesses coletivos e difusos de pessoas portadoras de deficiência, e pela Lei 7913/89, que prevê a ação civil pública de responsabilidade por danos a investidores do mercado de valores mobiliários.
Posteriormente, tivemos a edição do E.C.A. (Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990), que contemplou a viabilidade da ação civil pública por ofensa a direitos da criança e do adolescente.
Logo após, foi editado o Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078, de 11.09.90), que alterou diversos dispositivos da Lei da Ação Civil Pública e também regulamentou no ordenamento pátrio a ação coletiva nos seus artigos 91 a 100.
Importante, ainda, apontarmos a edição da Lei de Improbidade Administrativa (Lei nº 8.429/92), que visa ao combate dos atos ilícitos praticados por funcionários públicos no exercício de suas funções, criando mecanismos para a repressão a esses atos e a devolução aos cofres públicos das quantias desviadas de suas finalidades originais; da Lei nº 8.884/94 (Lei Antitruste), que dispõe sobre a prevenção e a repressão de infrações econômicas; e da Lei 8.974/95, que estabelece normas de proteção à vida e à saúde do homem, dos animais, das plantas, bem como do meio ambiente.
A seguir, tivemos a Lei nº 10.257/01, que em seu artigo 54 (que remete à Lei nº 7.347/85) contemplou a defesa coletiva da ordem urbana, e o Estatuto do Idoso (Lei nº 10.741, de 1º de outubro de 2003) que criou uma série de normas protetivas às pessoas maiores de sessenta anos, bem como regulamentou o uso da ação civil pública para a defesa dos interesses desses indivíduos.
Por fim, a Lei Maria da Penha – Lei nº 10340/06 – que visa a coibir a violência doméstica, também contemplou a tutela coletiva nos artigos 26, inciso II e 37.
Vistos todos esses Diplomas, surge a inevitável indagação: qual a extensão da legitimidade da Defensoria Pública nesse contexto?
Estamos em que, diante da previsão genérica no artigo inciso II do art. 5º da Lei nº 7.347/85, a Defensoria Pública estará legitimada para todas as matérias contempladas nas Leis acima referidas.
A única exceção que poderá ser oposta diz respeito à matéria de improbidade administrativa, uma vez que a Lei nº 8.429/92 traz regra específica e restritiva a respeito do tema no artigo 16, que dispõe serem legitimados apenas o Ministério Público e a pessoa jurídica de direito público interno lesada.
Quer me parecer que aqui, por se tratar de moralidade administrativa, com claros reflexos nas instâncias penal e, por vezes, eleitoral, a legitimidade deve ser mesmo mais restrita, constituindo-se em norma específica que não admite revogação por Lei posterior.
Importante observar que o Estatuto do Idoso, traz em seu artigo 81 um rol de legitimados para a ação coletiva, que chega a incluir a Ordem dos Advogados do Brasil (inciso III), embora nada disponha sobre a Defensoria Pública.
Também a “Lei Maria da Penha” traz redação restritiva no artigo 37, dispondo que para ações coletivas em matéria de violência doméstica estarão legitimados o Ministério Público e as Associações Civis, observado quanto a essas últimas, o requisito da pertinência temática.
Mesmo nesses dois casos, temos sustentado que a nova Lei nº 11.448/07, por ser norma posterior e por estar inserida exatamente no Diploma Base da Ação civil pública, que, aliás, é invocado por quase todas as demais Leis, se aplica também a esses casos.
Por outro lado, sendo ente legitimado para a propositura da ação, certamente poderá também habilitar-se como litisconsorte (art. 94 do C.D.C.). Pode-se ainda pensar numa interpretação extensiva do art. 5º, § 5º da Lei nº 7.347/85, de modo a se permitir um litisconsórcio entre Defensorias Públicas de Estados diversos ou ainda entre o ente estadual e a Defensoria Pública da União.
Contudo, é mais ponderado que tal dispositivo venha a ser inserido na Lei Orgânica da Defensoria Pública, tanto em nível federal (Lei Complementar nº 80/94) como nos planos estaduais (no caso do Rio de Janeiro, Lei Complementar nº 06/77).
Em razão das restrições contidas no art. 129, inciso III da Constituição da República, c/c art. 8º da Lei nº 7.347/85, a D.P. não pode instaurar inquérito civil, eis que se trata de providência privativa do Ministério Público, na medida em que este instrumento demanda uma série de providências investigatórias, como a requisição de documentos, depoimentos de testemunhas e realização de perícias, incompatíveis com a natureza constitucional da Defensoria.
Por outro lado, nos termos do artigo 5º, § 6º da Lei da Ação Civil Pública, poderá normalmente firmar compromissos de ajustamento de conduta, eis que se insere na definição legal de “órgão público”.
Outras providências, como a convocação de audiências públicas e expedição de recomendações devem ser, por enquanto, evitadas, eis que sua efetivação, a nosso ver, demanda previsão legal específica nas respectivas leis orgânicas, como referido acima.
Como ocorre com os demais legitimados, à D.P. também será imposta a restrição referida no parágrafo único do artigo 1º da Lei da Ação Civil Pública, introduzido pela Medida Provisória nº 2180-35, de 24 de agosto de 2001, no sentido de não ser cabível a tutela coletiva “para veicular pretensões que envolvam tributos, contribuições previdenciárias, o Fundo de Garantia de Tempo de Serviço – FGTS ou outros fundos de natureza institucional cujos beneficiários podem ser individualmente determinados”.
Ainda quanto à legitimidade, é preciso investigar sua dimensão político-social, a fim de ofertar sustentáculo dogmático à nova Lei.
Nesse passo, mister referir dois autores de grande relevância nessa matéria e que ajudaram a construir a “ponte” entre os mundos político e jurídico.
Barbosa Moreira[8] talvez tenha sido o primeiro processualista a ofertar uma visão sistemática da legitimidade, aclarando alguns pontos sobre o instituto.
Para o Mestre, legitimação é “a coincidência entre a situação jurídica de uma pessoa tal como resulta da postulação formulada perante o órgão judicial, e uma situação legitimante prevista em lei para posição que essa pessoa se atribui, ou que ela mesma pretende assumir”.
Prosseguindo nessa linha de raciocínio, Donaldo Armelin[9] faz distinção entre a legitimidade política-social e a legitimidade jurídica, asseverando que o ponto de contato entre elas reside na justificação do exercício do poder.
Destarte, o conceito de legitimidade é formado a partir de dois elementos, a saber: (i) objetivo, que representa a qualidade atribuída pela ordem jurídica ao sujeito legitimado para o exercício de determinados atos; e (ii) subjetivo, que indica a existência de uma situação de fato legitimante e que autorize a atuação do referido sujeito.
Tais considerações são interessantes para a tutela individual, mas não suficientes para fundamentar a legitimação de um ente para a tutela coletiva.
Com efeito, há grande controvérsia doutrinária, de cunho processual, acerca da legitimidade para a propositura da ação coletiva; discute-se ser ela ordinária ou extraordinária.
A bem da verdade, tal divergência já existia ao tempo da Lei nº 7.347/85. Neste trabalho não abordaremos a questão, mas remetemos o leitor às obras especializadas.
Embora prevalecesse o entendimento de que a legitimidade seria extraordinária[10], a idéia de Paulo Cezar Pinheiro Carneiro[11] mostrava-se bastante sedutora. Advogava ele a tese da legitimidade ordinária, na medida em que na ação coletiva o interesse tutelado é da coletividade, e como tal, todos têm certa ligação com ele, não havendo razão plausível para se falar em tutela em nome próprio de interesse alheio.
É certo que tal questão se torna um pouco obscura nas hipóteses de direito individual homogêneo, dada a necessidade de observação de cada caso concreto, mas se torna bastante clara quando se trata de direito difuso ou coletivo.
De qualquer sorte, parece-nos realmente que o direito processual coletivo está a reclamar melhor regulamentação e mais atenção do legislador, sobretudo ante sua enorme importância social, não sendo, portanto, recomendável que se tente aplicar “forçosamente” as disposições do direito processual individual, como ocorre, in casu, com a suposta incidência do artigo 6º do C.P.C..
Temos sustentado que a legitimação nas ações coletivas é de natureza política[12], por ter sido uma opção do legislador não admitir a legitimidade do interessado, do sujeito da relação de direito material (como ocorre rotineiramente nos Estados Unidos, por exemplo, – Federal Rules of Civil Procedure[13] (FRCP), Rule 23, “b” e criar um rol de entes legitimados para tanto.
Nesse diapasão, a legitimidade da Defensoria Pública, tal como ocorre com os demais integrantes do rol do art. 5º, é fruto de uma escolha discricionária do legislador, que aponta expressamente os entes que considera capacitados para a tutela coletiva, independentemente da vinculação ou não ao direito material em jogo.
Ao se considerar como política essa legitimidade, surge a necessidade de se justificar tal opção pelo legislador. Nesse ponto, mais uma vez socorremo-nos do direito norte-americano, cuja doutrina já debate a questão há vários anos, tendo chegado, apesar dos posicionamentos divergentes, a um bom termo.
Nesse passo, na busca de um substrato jurídico-conceitual para as “class actions”, erigiram-se muitas teorias, dentre as quais destacamos três: (i) Teoria da Comunidade de Interesses; (ii) Teoria do Consenso (essas duas consideradas teorias unitárias e reputadas insatisfatórias pela moderna doutrina do direito processual norte-americano); e (iii) Teoria Substantiva da Ações Coletivas.
A primeira das teorias identifica-se com a produção legislativa e jurisprudencial do século XIX; a segunda com o interregno de 1938 a 1966; e a terceira trata particularmente de questões cujo advento é posterior à reforma[14] de 1966.
Embora nos voltemos aqui para o sistema legal norte-americano, certamente da análise destas teorias será possível depreender elementos aplicáveis universalmente às ações coletivas, em especial no que tange ao ordenamento brasileiro.
Comecemos pela Teoria da Comunidade de Interesses.
A doutrina[15] norte-americana das class actions partiu do pressuposto de que “a class must, for all purposes of the suit, constitute a unit”.
Já em 1837, ensinava Calvert[16] que a “community of interests” era o elemento fundamental para a instauração da “class action”.
Segundo ele: “This form of suit cannot be adopted, unless all the persons on whose behalf the bill is filed, have one common interest in all the objects of the suit”.
Largo dissenso, contudo, se instalou desde cedo na doutrina estadunidense no que tange à verificação do que configuraria a unidade da classe; bastaria a possibilidade de instauração de um mesmo “case”, em que se apreciassem “joint and several rights”, ou seria necessário compartilharem os membros da classe de um mesmo direito, bastando uma única sentença para que todos se vissem contemplados?
O fato é que a Teoria da Unidade de Interesses concebia a classe como uma entidade unitária, engendrada abstrata e juridicamente a partir da natureza de unicidade e homogeneidade dos direitos envolvidos. Derivava, portanto, não de opção das partes ou discricionariedade judicante, mas da própria estrutura das relações jurídicas envolvidas.
Vejamos agora a Teoria do Consentimento.
Como antítese da teoria do “community of interests”, a teoria do consentimento toma por ponto de partida a individualidade dos interesses envolvidos na “class action”. A configuração da “class”, dentro dessa perspectiva, não seria corolário direto da natureza dos direitos e interesses envolvidos, mas situação fática decorrente do consenso expresso dos membros.
A teoria, embora possa ter parecido para alguns uma forma de emprestar maior legitimidade às “class actions”, foi pouco acolhida pela jurisprudência e, nas raras vezes em que foi esposada pelos tribunais, não se revelou bem sucedida. Na verdade, propõe inverter o foco de abordagem da teoria da comunidade de interesses; enquanto esta última interpreta a “class” como um ente unitário distinto de seus membros, a primeira enxerga-a como um agregado de indivíduos.
Assim, cabe ao indivíduo aferir as vantagens e desvantagens envolvidas na litigância coletiva. Por um lado diminuem os custos da ação e aumenta o poder de barganha do grupo. Por outro, contudo, estará o indivíduo no mais das vezes alijado do controle do litígio, embora vinculado aos efeitos da sentença, mesmo em detrimento de seus interesses.
Apesar de tudo o que se afirmou até agora, a bem da verdade, ambas as teorias se encontram em franco desuso desde a reforma de 1966.
Já é hora, pois, de examinar a Teoria Substantiva das Ações Coletivas, assim definida pela doutrina da Harvard Law School[17]:
“Class action procedures assist courts in giving full realization to substantive policies in two ways. First, to the extent that they open courts to claims not ordinarely litigated, class actions enable courts to enforce policies underlying causes of action in circumstances where those policies might not otherwise be effectuated. Second, to the extent that they enable courts to see the full implications of recognizing rights or remedies, class action procedures assist courts in judging precisely what outcomes of litigation would best serve the policies underlying causes of action. Class action procedures are fair because courts are more likely to see both significance of the claims of a plaintiff and the consequences of imposing liability to a defendant, and thus are more likely to arrive at a substantively just conclusion. Through class action procedures, moreover, the interests of absentees, who may be affected by litigation regardless of its class nature, are given representation in the litigative process, and thus are more likely to be given their due”.
Desse modo, temos que a “substantive theory” encara a “class action” como uma solução processual de acesso à justiça, principalmente nos casos em que a litigância individual se provaria economicamente inviável.
Dessa forma, a solução processual das “class actions”, sob o prisma da substantive theory, pode e deve representar uma resposta processual adequada aos desafios inerentes à tutela dos direitos transindividuais, servindo igualmente para justificar a opção política do legislador.
A partir dessas premissas apontadas, a legitimidade da Defensoria Pública exsurge de forma inquestionável, apoiada na doutrina da Teoria Substantiva, como instrumento viabilizador ou ao menos facilitador do acesso à justiça.
Questão interessante e que já começa a chamar a atenção dos especialistas diz respeito a uma possível restrição da legitimidade da Defensoria Pública tendo em vista a espécie de direito transindividual tutelado.
Como é de conhecimento geral, o artigo 81, parágrafo único do C.D.C. apresenta as três espécies de direitos coletivos em sentido lato: (i) difuso; (ii) coletivo em sentido estrito; e (iii) individual homogêneo.
Como já temos manifestado, em diversas ocasiões, a opção do legislador foi profundamente equivocada.
Os direitos transindividuais não são estáticos e não admitem uma classificação definitiva. São direitos dinâmicos, na medida em que refletem a pretensão de uma coletividade que está em constante mutação.
Embora seja algo desejável, do ponto de vista teórico e sistemático, na prática, a classificação proposta pelo CDC tem se mostrado catastrófica. Vários problemas têm surgido a partir da dificuldade de adaptação desses conceitos herméticos às situações concretas.
Apenas para citar um exemplo, podemos referir a discussão acerca da legitimidade do Ministério Público no caso do reajuste das mensalidades escolares[18].
Desde o ajuizamento da demanda, mais de cinco anos se passaram até que o Supremo Tribunal Federal resolvesse, por maioria, que o Parquet estava legitimado para tanto.
Cinco anos para se atestar a presença de uma condição para o regular exercício do direito de ação.
A partir daí, os autos do processo retornaram ao juízo de primeira instância, para que esse proferisse o despacho liminar positivo, e desse seguimento à fase postulatória, com a citação do réu.
Como se percebe facilmente, após o decurso de tanto tempo, todos os pais de alunos que estavam em dificuldades financeiras para pagar a mensalidade de seus filhos, tiveram que encontrar outra solução, pois quando o STF finalmente se manifestou, aqueles alunos já haviam concluído o curso secundário.
O legislador, em 1990, trabalhou com conceitos jurídicos indeterminados, com normas em aberto e, com isso, criou toda essa confusão.
Realmente, não faz muito sentido a opção de avocar a responsabilidade de definir e classificar um instituto e não apresentar uma delimitação objetiva clara sobre o mesmo.
O problema é potencializado, na medida em que os Tribunais demonstraram, por muito tempo, extrema dificuldade em trabalhar com os novos conceitos e não há ainda uma estrutura que permita a aplicação de regras próprias à jurisdição coletiva. Nesse sentido, já tivemos oportunidade[19] de ressaltar que:
“Toda a dificuldade surge da conjugação de uma legislação lacônica, fundada em conceitos jurídicos abertos ou indeterminados, aliada a uma postura tradicionalista de alguns membros do Poder Judiciário, que, infelizmente, e com todas as vênias, ainda não se mostram imbuídos de uma mentalidade apropriada à solução dos conflitos de massa, os quais demandam regras próprias, sendo inviável a aplicação das mesmas regras atinentes à jurisdição individual. Nesse passo, percebe-se, não raras vezes, que os tribunais tentam aplicar a teoria geral do processo tradicional, construída para atender às demandas individuais, aos novíssimos conflitos sociais, que, certamente, não eram sequer imaginados pelos grandes mestres clássicos quando disciplinaram os institutos da legitimidade, competência, conexão, litispendência e coisa julgada, entre tantos outros. Hoje, podemos afirmar, a toda evidência, que a legislação brasileira reclama a criação e a sistematização de uma teoria geral diferenciada e específica ao processo coletivo, eis que a concepção tradicional não oferece uma solução apropriada à maioria dos problemas processuais típicos das ações de classe”.
De se referir, nesse ponto, a experiência norte-americana.
Numa tentativa de se chegar a uma base teórica para as ações coletivas, James W. Moore, um dos redatores do Federal Rules of Procedure, concebeu um conceitualismo confuso, consignado na Rule 23 do referido diploma legal, em que se dividiam as ações coletivas em true, hybrid e spurious[20].
Depreende-se da leitura da antiga Rule 23 que as ações eram classificadas com base no critério da natureza do direito (“character of the right”). Uma “true class action” seria, portanto, aquela que versasse sobre interesses comuns e internos dos membros de uma mesma pessoa jurídica, como as associações, por exemplo. Uma “hybrid class action” (tornada obsoleta pela superveniência de uma legislação de falências) consubstanciaria a hipótese dos concursos de credores. Por fim, as “spurious class actions” seriam meros convites aos litisconsortes a fim de que esses ingressassem naquela relação jurídico-processual.
A propósito, anota José Rogério Cruz e Tucci[21]:
“Antes da reforma de 66, a regra 23, como visto, ensejava uma tríplice distinção das class actions, dependendo do character of right deduzido em juízo e, por isso, diferente era a extensão dos limites subjetivos da coisa julgada (binding effect) em cada uma das espécies então concebidas. Com efeito, na denominada true class action – quando o direito da categoria era joint ou common – a eficácia ultra partes da decisão atingia diretamente todos os membros do grupo, ainda que estranhos ao processo. Tratando-se da hipótese de hybrid class action – quando os direitos dos componentes eram distintos (several), mas referentes a um único bem -, na qual havia um interesse comum, os efeitos da denominada claim preclusion atingiam todos os membros tão somente em relação aos seus respectivos direitos sobre o bem que havia sido objeto da controvérsia. (…) Por outro lado, na hipótese de spurious class action – quando os direitos dos componentes eram distintos (several), mas dependentes de uma questão comum de fato ou de direito, ensejando uma decisão uniforme – a qual, como decorre da própria denominação, apenas do ponto de vista prático era inserida entre as class actions, a sentença projetavas seus efeitos exclusivamente àqueles que participavam do processo: ‘bound only the parties before the court’”.
Durante os vinte e oito anos de vigência da classificação (1938-1966), consignada na Rule 23 do “Federal Rules of Civil Procedure”, não se conseguiu implementar de forma eficiente o sistema, altamente criticado pela doutrina e mal compreendido na jurisprudência.
A partir de 1966, com a reformulação da Rule 23, extinguiram-se as antigas categorias e instalou-se um regime de “opt-out” para as ações coletivas (tutelares de direitos individuais homogêneos) e de dispensa de notificação para as ações populares (tutelares de direitos difusos). Essas alterações foram acompanhadas nas legislações estaduais, se bem que com considerável redução de requisitos para sua propositura, na maioria das vezes.
Nessa linha de raciocínio, e retornando ao problema brasileiro, talvez fosse o caso de o legislador abandonar a classificação no plano material (do direito civil) e adotar uma classificação no plano processual, de modo a conceber apenas duas espécies de ação, de acordo com divisibilidade ou não do direito e, consequentemente, de acordo com o destinatário do valor a ser percebido a título de indenização (o fundo, no primeiro caso e os lesados, no segundo).
Não obstante a crítica, mister examinar o dispositivo do C.D.C. a fim de se avaliar a necessidade de balizamento na atuação da Defensoria Pública.
Os direitos ou interesses difusos são conceituados no art. 81, parágrafo único, inciso I do Código de Defesa do Consumidor como sendo “os transindividuais, de natureza indivisível, de que sejam titulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato”.
Rodolfo de Camargo Mancuso[22], com base na conceituação legal acima apontada, indica como características básicas de tais interesses a indeterminação dos sujeitos, a indivisibilidade do objeto, a intensa conflituosidade, e a sua duração efêmera.
Com relação à indeterminação dos sujeitos, temos que os interesses difusos dirão respeito a um grupo indeterminado ou dificilmente determinável de sujeitos.
Justifica-se a tutela dessa espécie de direitos a partir do raciocínio de que se o interesse individual merece a tutela do Direito, com mais razão ainda a merece o interesse de muitos, ainda que os seus titulares não possam ser identificados precisamente.
A lesão a esses direitos, por conseqüência, também atingirá um número indeterminado de pessoas, que pode ser tanto uma comunidade, quanto uma etnia, ou mesmo um país inteiro. Assim, temos que “os interesses difusos situam-se no ‘extremo oposto’ dos direitos subjetivos, visto que estes apresentam como nota básica o ‘poder de exigir’, exercitável por seu titular, contra ou em face de outrem, tendo por objeto certo bem da vida”.
Quanto à indivisibilidade do objeto, a satisfação dos interesses difusos a um indivíduo implica necessariamente na satisfação de outros, já que a lesão também atingirá toda a coletividade. O caráter da indivisibilidade desses interesses também decorre do fato de que não existe a possibilidade de se afirmar com precisão quanto do direito pertence a cada um dos integrantes do grupo indeterminado, que é o seu titular.
A terceira característica dos direitos difusos é a intensa litigiosidade interna[23] que “deriva basicamente da circunstância de que todas essas pretensões meta individuais não têm por base um vinculo jurídico definido, mas derivam de situações de fato, contingentes, por vezes até ocasionais”.
A quarta característica diferenciadora dos interesses difusos é a sua transição ou mutação no tempo e no espaço, visto que os mesmos surgem e também desaparecem muitas vezes de situações repentinas e imprevisíveis.
Os direitos ou interesses coletivos em sentido estrito são conceituados pelo artigo 81, parágrafo único, inciso II do CDC, como “os transindividuais de natureza indivisível de que seja titular grupo, categoria, ou classe de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica-base”.
Conforme lição de Kazuo Watanabe[24], “com o uso da expressão transindividual de natureza indivisível se destacou, antes de mais nada, a idéia de interesses individuais agrupados ou feixe de interesses individuais da totalidade dos membros de uma entidade ou de parte deles”.
Assim, são direitos coletivos em sentido estrito aqueles cujos sujeitos estão ligados entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica base, e não por circunstâncias fáticas, como ocorre no caso dos direitos difusos.
Ademais, os titulares dos direitos coletivos em sentido estrito são determinados, ou ao menos determináveis em tese, em virtude do fato de que eles fazem parte de certos “grupos, categorias, ou classes”, como, por exemplo, os condôminos de um edifício, os sócios de uma empresa, os membros de uma equipe esportiva, os membros de uma associação de classe, etc.
Também os direitos coletivos em sentido estrito são indivisíveis; tal qual ocorre com os direitos coletivos, também aqui a satisfação ou a lesão do direito irá atingir indistintamente todos os seus possíveis titulares[25].
Ainda podemos apontar como características dos direitos coletivos em sentido estrito, dada a sua natureza, que eles são insuscetíveis de apropriação individual, de renúncia ou de transação, e intransmissíveis.
Finalmente, os direitos individuais homogêneos.
O CDC inovou ao incluir em seu artigo 81, parágrafo único, inciso III, a possibilidade de tutela coletiva desses direitos, definidos, simploriamente, como aqueles que possuem “origem comum”.
Essa falta de conceituação precisa levou a um entendimento errôneo de que seria interesse individual homogêneo aquele que não pudesse ser encaixado nas conceituações de direitos difusos e coletivos[26]. Assim passamos a analisar alguns conceitos que foram desenvolvidos pela doutrina, a fim de delimitar mais precisamente o tema.
De acordo com o magistério de Sérgio Ricardo de Arruda Fernandes[27], “os direitos individuais homogêneos particularizam-se por serem singulares, próprios de cada pessoa (pois, divisíveis), decorrentes de fato comum, mas que por motivos de interesse social podem ser tutelados coletivamente, como meio de lograr maiores êxitos no aspecto da efetiva reparação patrimonial”.
Assim, temos que os direitos individuais homogêneos são aqueles que têm por base uma mesma circunstância fática, sendo os seus titulares determinados ou ao menos determináveis, distinguindo-se exatamente nesse ponto dos direitos difusos, que também têm por base a mesma circunstância fática, todavia os seus titulares são indeterminados.
Muito também se discute quanto à natureza individual ou coletiva dos direitos individuais homogêneos.
Alcides A. Munhos da Cunha[28], assumindo posição minoritária, entende que os direitos ou interesses individuais homogêneos “são interesses meta-individuais, enquanto pressupõem interesses coordenados e justapostos que visam à obtenção de um mesmo bem, de uma mesma utilidade indivisível”.
Em sentido contrário, Rodolfo de Camargo Mancuso[29] preleciona que “tudo indica que os interesses individuais homogêneos não são coletivos em sua essência, nem no modo como são exercidos, mas apresentam certa uniformidade, pela circunstância que seus titulares se encontram em certas situações, que lhes confere coesão suficiente para destacá-los da massa de indivíduos isoladamente considerados”.
Nessa mesma esteira, Pedro da Silva Dinamarco[30] afirma serem eles “verdadeiros interesses individuais, mas circunstancialmente tratados de forma coletiva. (…) São conseqüências da moderna sociedade de massa, em que a concentração de pessoas em grandes centros e a produção em série abrem espaço para que muitas pessoas sejam prejudicadas por um mesmo fato”.
Entendemos nós[31] que o direito individual homogêneo é direito subjetivo individual complexo; “é um direito individual porque diz respeito às necessidades, aos anseios de uma única pessoa; ao mesmo tempo é complexo, porque suas necessidades são as mesmas de todo um grupo de pessoas, fazendo nascer, destarte, a relevância social da questão”.
Examinadas as três espécies, chega a hora de avaliar o papel da Defensoria Pública nesse contexto.
O Projeto[32] de Código Brasileiro de Direitos Coletivos, em seu artigo 20, inciso IV assegura legitimidade para a tutela dos direitos transindividuais pela Defensoria Pública, regulando a matéria da seguinte forma:
“Art. 20. Legitimação. São legitimados concorrentemente à ação coletiva ativa: (…)
IV – a Defensoria Pública, para a defesa dos interesses ou direitos difusos e coletivos, quando a coletividade ou os membros do grupo, categoria ou classe forem necessitados do ponto de vista organizacional, e dos individuais homogêneos, quando os membros do grupo, categoria ou classe forem, ao menos em parte, hiposuficientes”;(sic)
Como se pode perceber, o Projeto cria duas hipóteses distintas:
(i) se o direito for difuso ou coletivo, a legitimidade da Defensoria Pública depende da verificação, no caso concreto, de um requisito específico, a saber, a necessidade organizacional da coletividade ou dos membros do grupo, categoria ou classe;
(ii) se o direito for individual homogêneo, a legitimidade está condicionada a hipossuficiência de ao menos uma parcela do grupo, categoria ou classe.
Mais uma vez, corremos o risco de o legislador trabalhar com conceitos jurídicos indeterminados e, em razão de intermináveis discussões judiciais, colocar em risco a efetividade da tutela desses direitos.
Como já referimos, a classificação dos direitos coletivos (lato sensu) no plano material é falha, leva a desencontros conceituais, e já foi abandonada, desde o ano de 1966, pela legislação norte-americana.
Como se isso não bastasse, o Projeto cria um requisito de conteúdo indeterminado e que demanda uma avaliação subjetiva.
Afinal de contas, o que é necessidade organizacional? Como pode ser aferida? Quais são os parâmetros objetivos para tanto? E se houver discordância entre o Juiz e o Defensor Público acerca da presença desse requisito?
É razoável exigir-se do Defensor que interrompa todo o seu trabalho (que não é pouco) e faça uma investigação minuciosa para descobrir se há ou não a tal necessidade?
Ainda que ele se disponha a isso, o que fazer se o Juiz não entender dessa forma e rejeitar a inicial sob o fundamento da ausência dessa “condição específica para o regular exercício do direito de ação”? Teremos aqui uma reedição do mesmo problema que ocorreu com a legitimidade do Ministério Público e a extensão dos direitos individuais homogêneos, que emperrou os Tribunais por anos e levou a um atraso desnecessário na prestação jurisdicional?
Ou ainda, por outro lado, se o Defensor entende que não há a referida necessidade organizacional e, fundamentadamente, deixa de propor a ação civil pública, podem os interessados questionar esse ato de alguma forma? Seria cabível exigir do Defensor, ao não propor, que encaminhasse os autos à Chefia da Instituição para exame da conveniência e oportunidade desse ato?
Deveria o Defensor, por outro lado, encaminhar ao M.P. ou a outro legitimado, se entendesse faltar esse requisito, ou simplesmente “arquivar” o pedido de providências ou a notícia de ilícito civil, sem a necessidade de tomar providências outras. Em suma como se daria o controle administrativo desse ato, se é que deveria estar sujeito a algum controle, ou seria apenas uma manifestação de sua independência funcional.
As mesmas questões se aplicam ao direito individual homogêneo, além de outras relativas ao termo “hipossuficiência” utilizado pelos redatores do Projeto.
Inicialmente, não se identifica de que hipossuficiência estamos falando: econômica, social, cultural ou jurídica. Em segundo lugar, não há um referencial proporcional; o texto fala apenas em parte do grupo. Seria, ao menos, a metade mais um?
Ainda que positiva a resposta, como isso poderia ser aferido na prática?
Uma vez mais se coloca a indagação: é razoável exigir do Defensor que abandone suas funções e, de calculadora em punho, saia batendo de porta em porta indagando se aquela pessoa pertence aquele grupo e, em caso positivo, proceda a uma investigação social para verificar ou não uma hipossuficiência que nem ele mesmo sabe como definir ou balizar?
Com todo respeito aos autores do Projeto, e sem ter a pretensão de criticá-los, parece que a redação ainda está a reclamar um amadurecimento e exame sob o ponto de vista prático. Um Projeto com tamanha ambição social não pode ser redigido apenas em gabinetes, sob influxos teóricos e dogmáticos. Deve se submeter ao mais amplo crivo social, ouvindo-se efetivamente os operadores do direito que serão diretamente atingidos por ele e que serão os seus instrumentalizadores!
É certo, por um lado, que se percebe uma preocupação com a questão constitucional. Afinal de contas, a Carta de 1988, ao tratar da Defensoria Pública no art. 134, faz expressa menção à defesa dos “necessitados”. Nessa linha de raciocínio, realmente, não poderia o Projeto conferir uma legitimidade ampla à Defensoria como aquela que se outorga ao Ministério Público, por exemplo.
Por outro lado, hoje, diante da vigência da Lei nº 11.448/07, não há parâmetros concretos para essa defesa, ao mesmo tempo em que a Defensoria, enquanto Instituição Pública, não pode se negar a tutelar um direito de grupo de pessoas, classe ou categoria que a procura e invoca a condição de hipossuficiente ou necessitada.
A questão é ainda mais tormentosa porque sempre pairou a noção de que o Ministério Público deveria tratar de questões coletivas, ao passo que a Defensoria se encarregaria de problemas individuais, os quais, por sua vez, não poderiam ser tutelados pelo M.P., sob pena de se violar o artigo 129, inciso IX da Carta, que veda ao M.P. o exercício de funções atípicas.
Entretanto, é bem verdade que essa divisão nunca foi obedecida em termos absolutos.
Em 1990, o Estatuto da Criança e do Adolescente, em seu artigo 201, inciso III, conferiu ao Parquet a legitimidade para ajuizar ação de alimentos, apesar do silêncio do Código Civil, do C.P.C. e da própria Lei de Alimentos (Lei nº 5.478/68), e este dispositivo nunca foi questionado em A.D.I.N.. Ao contrário, recentemente, o S.T.J.[33] fez referência a essa possibilidade ao reconhecer a legitimidade do M.P. para providências de natureza individual previstas no Estatuto do Idoso.
O Pretório Excelso, a seu turno, examinando a tormentosa questão da legitimidade do M.P. para a ação civil ex delicto[34], na forma do art. 68 do C.P.P., pontificou que, embora não se trate de uma função prioritária, em caso de ausência de Defensor ou Advocacia Dativa, tal direito pode ser tutelado pelo Parquet a fim de evitar seu perecimento.
Numa tentativa de sistematizar a matéria, diante da omissão do legislador, já temos visto algumas posições, em grupos de discussão institucional, na internet, no sentido de que os direitos ditos difusos e coletivos deveriam ficar sob a tutela do M.P., ao passo que os direitos individuais homogêneos poderiam ser defendidos pela Defensoria Pública.
A idéia não é má, mas certamente carece de base legal. Nada impede, contudo, que em determinada comarca, o Defensor e o Promotor façam um acordo de cavalheiros ou, melhor, assinem ambos, em litisconsórcio, a inicial, o que reduziria bastante as chances da sua rejeição pela ausência dos tão invocados requisitos da indisponibilidade do direito invocado e da relevância social da questão.
Esta é uma medida que, sem dúvida, contribuirá, em muito, para a defesa dos direitos coletivos, gerando benefícios concretos à população.
Mas, como isto depende, acima de tudo, de uma certa dose de bom senso e boa vontade dos membros de ambas as instituições, e isto nem sempre ocorre, é preciso traçar, ainda que genericamente, um parâmetro para a legitimidade da Defensoria Pública.
Nesse sentido, e tendo em vista que, em geral, normas definidoras de direitos e garantias devem ser interpretadas de forma extensiva, estamos em que a Defensoria Pública, ao menos hoje, tem legitimidade para a tutela das três espécies de direitos (difusos, coletivos e individuais homogêneos).
Caberá ao Defensor, no caso concreto, aferir se aquela situação demanda a atuação da Defensoria Pública, levando em conta todas as circunstâncias que puder examinar, sobretudo as econômicas, sociais, culturais e jurídicas.
Em ato fundamentado, deverá, ou propor a ação, ou arquivar o material que tiver recebido, dando notícia à Chefia da Instituição, e remetendo os autos, de ofício, ao Ministério Público, legitimado prioritário das ações civis públicas.
Tendo em conta esses precedentes, somos de opinião que, ao menos por enquanto, cabe apenas ao Defensor Público aferir, no caso concreto, a presença ou não da hipossuficiência, dentro dos parâmetros de sua independência funcional.
A fim de evitar um posicionamento judicial restritivo, o Membro do Ministério Público, ao ser intimado da propositura da demanda (art. 5º, § 1º da Lei nº 7.347/85), poderá peticionar no sentido de ser admitido como litisconsorte (art. 94 da Lei nº 8.078/90 c/c art. 46, inciso I do C.P.C.).
Certamente muitas questões ainda surgirão a partir da ausência de normas específicas em matéria tão complexa.
De toda sorte, é de todo conveniente que as Associações de Defensores Públicos se organizem no sentido de viabilizar Projeto de Lei junto ao Congresso Nacional para criar um capítulo próprio para a matéria na Lei Orgânica Nacional (Lei Complementar nº 80/94), devendo haver ainda norma expressa no sentido de que tais disposições se aplicarão às Defensorias Estaduais.
Ademais, é preciso um movimento a fim de sensibilizar as Chefias dos Executivos Estaduais e Federal quanto aos investimentos indispensáveis na ampliação dos quadros, abertura de concurso para pessoal administrativo, e aparelhamento técnico, material e estrutural das Defensorias Públicas.
Não custa lembrar que, não por acaso, a prestação de uma assistência jurídica gratuita de qualidade é a primeira das “Ondas Renovatórias” propostas por Mauro Cappelletti[35] na sua já imortalizada obra “Acesso à Justiça”, e é um dos pilares que garantem a efetividade da prestação jurisdicional.
Informações Sobre o Autor
Humberto Dalla Bernardina de Pinho
Pós-Doutor em Direito (Uconn Law School). Mestre, Doutor e Professor Adjunto de Direito Processual Civil na UERJ. Professor dos Cursos de Graduação, Mestrado e Doutorado da UNESA. Promotor de Justiça Titular no Estado do Rio de Janeiro.