A legitimidade do interveniente anômalo para a propositura de reclamação perante os tribunais

Resumo: Este estudo transversal concentra-se nas áreas do direito processual civil e constitucional, utiliza a metodologia qualitativa, os métodos dedutivo e monográfico e, através da técnica de pesquisa da revisão de literatura, analisa a legitimidade do interveniente anômalo para a propositura de reclamação perante os tribunais. Considerando as disposições legais e os ensinamentos doutrinários, cogitou-se que o assistente anômalo não deteria legitimidade para ajuizar reclamação, entendida esta como ação, vez que não atenderia ao requisito subjetivo expresso no art. 988, caput do Código de Processo Civil de 2015 – CPC/2015, salvo na hipótese em que recorresse, quando, por força de lei, seria considerado parte. Todavia, seguindo a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal – STF – e parte da doutrina, descartou-se tal hipótese, compreendendo a reclamação como exercício do direito de petição, para o qual são legitimados ativos todos os que ostentam interesse na causa (inclusive econômico), o que justifica o ajuizamento da reclamação por esse interveniente.

Palavras-chave: assistência anômala; direito de ação; direito de petição; reclamação aos tribunais.

Abstract: This cross-sectional study focuses on the areas of civil and constitutional procedural law, uses qualitative methodology, deductive and monographic methods and, through the research technique of literature review, analyzes the legitimacy of the anomalous actor for the filing of a complaint before the courts. Considering the legal provisions and the doctrinal teachings, it was thought that the anomalous assistant would not have the legitimacy to file a complaint, understood as an action, since it would not meet the subjective requirement expressed in art. 988, caput of the Code of Civil Procedure of 2015 – CPC / 2015, except in the case in which it resorted, when, by virtue of law, it would be considered a party. However, following the case law of the Supreme Federal Court (STF) and part of the doctrine, this hypothesis was rejected, including the claim as an exercise of the right of petition, to which all those who are interested in the cause (including economic), which justifies the lodging of the complaint by that intervener.

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Keywords: Anomalous assistance. Right of Action. Right of Petition. Complaint to the court.

Sumário: Introdução; 1 Intervenção anômala: análise conceitual e repercussões na definição de competência para processar e julgar a demanda; 2 Posições doutrinárias e jurisprudenciais acerca da natureza jurídica da reclamação; 3 Legitimidade ativa do interveniente anômalo: a reclamação aos tribunais como exercício do direito de petição. Considerações Finais. Referências.

INTRODUÇÃO

Este trabalho, que apresenta os resultados finais de pesquisa que se concentra nas áreas do Direito Processual Civil, valendo-se, também, da doutrina especializada do Direito Constitucional, analisa a legitimidade do interveniente anômalo (ou anódino) para propor reclamação aos tribunais, através de um estudo transversal e descritivo, que se insere na metodologia qualitativa.

Aplicou-se, como método de abordagem, o dedutivo, por ser adequado à obtenção de conclusões específicas a partir de generalidades. Empregou-se o método de procedimento monográfico, porquanto esta produção acadêmica, até mesmo por sua natureza, aborda um único objeto de estudo, sendo utilizada, como técnica de pesquisa, a revisão de literatura, vez que esta monografia foi desenvolvida com base em obras bibliográficas pertinentes ao tema estudado.

A intervenção anômala surge com a edição da Lei n.º 9.469/1997, que, em seu art. 5º, positiva tal modalidade de intervenção de terceiros, tratando no caput, exclusivamente, da União, para a qual estabelece uma presunção de interesse jurídico e, no parágrafo único, para todas as pessoas jurídicas de direito público interno, em relação às quais viabiliza a intervenção fundada em interesse econômico, com atuação limitada a prestar esclarecimentos, juntar documentos e memoriais reputados úteis à demanda.

No entanto, o esse diploma legal não tratou da possibilidade de o referido interveniente ajuizar reclamação aos tribunais, o que, também, é pouco abordado diretamente em âmbito científico e jurisprudencial.

Assim, através da referida metodologia, com base nas disposições da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 (CRFB/1988), do CPC/2015, da citada lei e de outras legislações concernentes ao objeto sob estudo, analisou-se o cabimento da propositura de reclamação por interveniente anômalo aos tribunais.

Tendo em vista a natureza jurídica da intervenção anômala e da reclamação, formulou-se, inicialmente, como hipótese, que este instituto, por ser expressão do direito de ação (CRFB/1988, art. 5º, XXXV), requer o atendimento de alguns requisitos formais, entre os quais, partes com legitimidade baseada em interesse jurídico de agir.

Nesse caso, o interveniente anômalo, por não ser considerado parte da demanda, vez que se trata de assistente simples e, sobretudo, por sua intervenção se basear apenas em interesse econômico, não seria dotado de legitimidade ativa para propor reclamação aos tribunais, por não atender, em interpretação literal, ao requisito subjetivo traçado pelo CPC/2015 (art. 988, caput).

Por outro lado, considerando os fins e fundamentos de tal espécie interventiva e da reclamação, bem como o posicionamento do STF no sentido de que este instituto teria natureza jurídica de direito de petição (CRFB/1988, art. 5º, XXXIV, alínea “a”), formulou-se, como segunda hipótese, ser admissível o ajuizamento desse instrumento processual por assistente anômalo, à vista da ampla legitimidade para peticionar aos órgãos públicos em defesa de direitos e contra ilegalidade ou de abuso de poder.

Dessa maneira, à luz da CRFB/1988, o CPC/2015 (art. 988, caput) deveria ser interpretado extensivamente, compreendendo “parte interessada” como qualquer “sujeito interessado” em impugnar a decisão judicial que desafia o ajuizamento de reclamação ao tribunal competente, caso em que o interveniente anômalo poderia legitimamente se valer de tal instituto.

Por fim, ressalta-se a relevância social deste estudo, precipuamente, por abordar a associação de institutos que expressam interesses coletivos, pois a reclamação viabiliza a promoção da cidadania (defesa de direitos), controle externo – tanto de atividades jurisdicionais quanto administrativas –, possibilitando, ainda, a proteção do estado de direito, por viabilizar a cassação de atos ilegais ou abusivos.

Já a intervenção anômala, por sua vez, embora por alguns criticada, também se reveste de relevância social, pois visa resguardar as pretensões da Fazenda Pública, as quais, quando indevidamente prejudicadas, lesam toda a coletividade que, direta ou indiretamente, se beneficia com o sucesso ou suporta o ônus da má-execução das atividades estatais.

1 Intervenção anômala: análise conceitual e repercussões na definição de competência para processar e julgar a demanda

Conforme referido, a assistência anômala da União está prevista no art. 5º, caput, da Lei n.º 9.469 de 1997, que dispõe: “a União poderá intervir nas causas em que figurarem, como autoras ou rés, autarquias, fundações públicas, sociedades de economia mista e empresas públicas federais”. O parágrafo único do mesmo dispositivo, assim preceitua:

“As pessoas jurídicas de direito público poderão, nas causas cuja decisão possa ter reflexos, ainda que indiretos, de natureza econômica, intervir, independentemente da demonstração de interesse jurídico, para esclarecer questões de fato e de direito, podendo juntar documentos e memoriais reputados úteis ao exame da matéria e, se for o caso, recorrer, hipótese em que, para fins de deslocamento de competência, serão consideradas partes” (grifado).

Em regra, os intervenientes devem demonstrar interesse jurídico para ingressarem como terceiros numa demanda, sendo justamente neste aspecto que ocorre a “anomalia” dessa forma de intervenção, por meio da qual, o ente público, com base nessa disposição legal, poderá intervir simplesmente demonstrando interesse econômico na causa.

Didier Jr. (2016) observa que, enquanto o caput restringe-se à União, criando uma presunção absoluta de interesse jurídico, o parágrafo único, por sua vez, cria espécie de intervenção para a qual estão legitimadas todos as pessoas jurídicas de direito público, incluindo as da administração indireta, de âmbito federal, estadual ou municipal, com regime jurídico semelhante ao traçado para a intervenção prevista na cabeça do dispositivo, isto é: a qualquer tempo e grau de jurisdição, podendo assistir autor ou réu, sem, contudo, ampliar o mérito do processo.

Para o autor, tal intervenção é, por isso, anódina e com limitados poderes de atuação, a qual, embora não se exija a demonstração de interesse jurídico, requer a demonstração de interesse econômico, no entanto, caso recorra, pela dicção legal, tornar-se-á parte, ensejando, inclusive, deslocamento de competência.

Em relação à natureza jurídica de tal instituto, parte da doutrina interpreta a modalidade de intervenção do parágrafo único como uma espécie de amicus curiae. Porém, segundo Theodoro Júnior et al. (2015), reconhecer o interveniente anômalo como espécie sui generis de “amigo da corte” esbarra na essência clássica de tal instituto que, embora remodelada pelo CPC/2015, trata-se de um auxiliar do juízo, nas demandas em que o interesse coletivo reclame ou admita sua manifestação, seja como meio de democratizar o processo ou pela necessidade de colher informações técnicas alheias ao direito, que se mostrem necessárias à solução da demanda.

Além disso, a redação do dispositivo não se amolda ao modelo interventivo traçado pelo CPC/2015 para o amicus curiae, pois, ao contrário deste, o interveniente anômalo, além de gozar de irrestrita legitimidade recursal, quando interpõe recurso, torna-se parte para fins de deslocamento de competência (parágrafo único, do art. 5º, da Lei n.º 9.469/1997) (DIDIER JR., 2016).

Neves (2016) também discorda dos que defendem a posição de que tal figura seria espécie de amicus curiae, porque os entes públicos ingressariam no feito para prestar esclarecimentos e apresentar manifestações, passando a assumir a figura de parte na hipótese de interposição de recurso. Desse modo, sua participação no feito aproxima-se muito mais do instituto da assistência, tanto que, por vezes, essa intervenção é chamada de assistência anômala.

Em consonância com tais ensinamentos, há decisão do STF em que foi reconhecida a natureza jurídica de tal instituto como sendo assistência simples:

“INTERVENÇÃO – UNIÃO – ARTIGO 5º DA LEI Nº 9.469/97. A intervenção prevista no artigo 5º da Lei nº 9.469/97 situa-se no campo da assistência simples, longe ficando de ensejar a necessária intimação da União para implementá-la. Se a União houver por bem intervir, deverá receber o processo no estado em que se encontra – interpretação do sistema processual considerado o disposto no parágrafo único do artigo 50 do Código de Processo Civil. EMBARGOS DECLARATÓRIOS – OMISSÃO – INEXISTÊNCIA DO VÍCIO. Inexistente o vício apontado – de omissão -, impõe-se o desprovimento dos declaratórios. Isso ocorre quando a ausência de exame de certa matéria, não passível de ser conhecida de ofício, haja resultado do silêncio da parte. CARTA ROGATÓRIA – CITAÇÃO – EMPRESA PÚBLICA VOLTADA AO COMÉRCIO DE ARMAS. Não implica atentado à soberania ou à ordem pública nacionais, a impedir a execução da carta rogatória, o fato de se buscar, com a medida, a citação de empresa pública federal dedicada ao comércio de armas” (grifado) (BRASIL. CR 9.790 AgR-ED/EU. Rel. Min. Marco Aurélio Mello, 2002).

Theodoro Júnior et al. (2015) destacam ser a assistência modalidade de intervenção de terceiros, mesmo nas hipóteses em que seja litisconsorcial, sendo certo, para tais doutrinadores, que, quando na modalidade simples, o assistente não será parte do litígio, mesmo com interesse jurídico, pois o terceiro não se confundiria com a figura da parte, porque simplesmente a auxiliaria em defesa de direito próprio que o interveniente não titulariza.

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Levando em conta a natureza jurídica da intervenção anômala na relação processual, que segundo a posição de parte da doutrinária e a jurisprudência do STJ e STF, deve ser compreendida como assistência simples, bem como os posicionamentos apresentados acerca da posição do terceiro interveniente na relação processual, verifica-se não ser possível enquadrar o assistente anômalo no conceito de “parte” em sentido estrito.

Tal posição, ainda, ganha novos fundamentos no caso da intervenção anômala, pois esta viabiliza somente atuação limitada na demanda, o que leva à conclusão de que, salvo nas hipóteses em que manejar recurso (art. 5º, da Lei n.º 9.469/1997), não é possível vislumbrar a Fazenda Pública assistente anódina como parte, sobretudo por lhe faltar o interesse de agir, que sempre é constatado a partir de uma perspectiva jurídica e não somente econômica.

Dessa maneira, concebendo-se a reclamação como exercício do direito de ação, conforme doutrina majoritária, e não sendo possível, em regra, conceber o assistente anômalo como “parte interessada”, observa-se, conseguintemente, a impossibilidade deste se valer de tal instrumento.

De acordo com o art. 109, I, da CRFB/1988, é competência da Justiça Federal processar e julgar as demandas em que a União, entidade autárquica ou empresa pública federal figurarem como interessadas, seja como partes, seja como assistentes ou opoentes, estabelecendo como ressalvas os processos de falência, de acidente de trabalho e as sujeitas à jurisdição especializada.

Analisando a questão da competência para processar e julgar causas em que haja ocorrido a intervenção anômala da União, Theodoro Júnior et al. (2015), destacam que a competência em razão da pessoa atribuída à Justiça Federal, conforme o disposto na CRFB/1988, não abrange as causas que envolvam as sociedades de economias mista.

Dessa maneira, para os referidos autores, a possibilidade de haver deslocamento de competência ficaria restrito às hipóteses em que o ente central interviesse como assistente ou oponente na relação processual originária, tendo que, para tanto, demonstrar interesse jurídico no objeto da demanda. Entretanto apontam que a Lei n.º 9.469/1997, no art. 5º, caput e parágrafo único, não traça tal exigência, de modo que a União poderia intervir com base em mero interesse econômico ante as disposições legais, mas que o deslocamento de competência estaria vinculado à demonstração de interesse jurídico.

Neves (2016), considerando a intervenção anódina fundada em interesse econômico, aponta que caberá à Justiça Federal processar e julgar as causas em que haja o ingresso de tal terceiro interveniente, o que se compatibiliza com a posição do STF, no sentido de ter tal intervenção natureza de assistência simples.

Embora haja discussões acerca do deslocamento de competência quando o interveniente anômalo não recorra, por outro lado, caso ele interponha recurso, conforme a dicção legal, será considerado parte para o fim de deslocamento de competência, o que leva a questionar se haveria possibilidade de um TRF julgar um recurso de decisão de juiz estadual, oriunda de causa envolvendo sociedade de economia mista em que, por exemplo, União, com base em interesse econômico, tenha intervindo e recorrido.

Sobre tal ponto controverso, Didier Jr. (2016) ensina que a previsão do caput encerra uma presunção juris et de jure quanto ao interesse jurídico do ente federativo central nas causas em que sejam autor ou réu pessoas jurídicas da administração indireta federal, podendo, portanto, a União intervir em quaisquer dos polos sem alterar a abrangência dos pontos controvertidos postos em juízo.

Nesse caso, a intervenção do ente central ensejaria o deslocamento da competência para a Justiça Comum Federal de 1º grau, salvo na hipótese de o processo estar tramitando perante o respectivo Tribunal de Justiça, em fase recursal, quando não será remetido ao Tribunal Regional Federal, que, em regra, não detém competência para julgar recurso interposto de decisão de juiz estadual.

2 Posições doutrinárias e jurisprudenciais acerca da natureza jurídica da reclamação

Consoante os ensinamentos de Câmara (2017), o instituto da reclamação ou reclamação constitucional (assim denominada por ter sido o instituto positivado na CRFB/1988, sendo que não havia previsão de tal instrumento no CPC/1973), é um processo que tem como escopo preservar a competência ou garantir a autoridade das decisões de um tribunal, cabendo a este, originariamente, processá-lo e julgá-lo.

Inicialmente restrita às instâncias extraordinárias (STF, ex vi do art. 102, inc. I, i, e art. 103-A, §3; e STJ, art. 105, I, f), encontra-se hoje, com a redação do art. 988 do CPC/2015, ampliado, podendo ser ajuizado perante todos os tribunais, ressaltando os federais de justiça comum ou especializada.

A origem de tal instituto remonta a histórica e consolidada jurisprudência do STF no sentido de admitir a existência dos chamados poderes implícitos ao exercício regular da atividade jurisdicional pelos órgãos colegiados. Assim, podendo um tribunal julgar, poderia garantir a autoridade de tais decisões, se lhe foi atribuída determinada competência, lhe caberia também a resguardar contra usurpações, afinal, conforme a fórmula do antigo brocardo, “in eo quod plus est semper inest et minus” – “quem pode o mais, pode o menos” (DIDIER JR.; CUNHA, 2016).

A doutrina aponta que “a reclamação é uma demanda típica, somente podendo ser utilizada em hipóteses previamente determinadas pelo legislador” (DIDIER JR., Fredie; CUNHA, 2016, p. 540). Dessarte dispõe o art. 988 e incisos do CPC/2015 que caberá reclamação ajuizada pela parte interessada ou pelo Ministério Público, para preservar a competência ou garantir a autoridade das decisões do tribunal, assegurar a observância de enunciado de súmula vinculante e de decisão do STF em controle concentrado de constitucionalidade, bem como garantir a observância de acórdão proferido em julgamento de incidente de resolução de demandas repetitivas ou de incidente de assunção de competência.

Sobre tais hipóteses de cabimento, Bueno (2015) destaca a harmonia dessas com um dos objetivos do CPC/2015, traçado a partir do art. 927, isto é, que certas decisões dos tribunais sejam observadas pelas instâncias inferiores.

Por sua vez, tratando do tema, Câmara (2017) aponta, como exemplo da previsão do inciso I, uma demanda entre União e estado da federação ajuizada perante outro órgão jurisdicional que não seja o STF, caso em que caberá a reclamação, proposta perante tal Tribunal, para preservar sua competência traçada no art. 102, I, f, da CRFB/1988.

Prosseguindo, cita o referido doutrinador outro exemplo, o caso de um juiz exercer indevidamente o juízo de admissibilidade de apelação, negando seguimento ao recurso, afrontando o art. 1.010, §3º, situação em que caberá a reclamação ajuizada perante o tribunal que deveria exercer tal juízo de admissibilidade, nessa situação a reclamação mostra-se como o instrumento adequado de impugnação, sobretudo por ser incabível agravo de instrumento.

Em relação aos enunciados de Súmula Vinculante, consoante o art. 7º, da Lei 11.417/2006, o ato que afrontar, negar vigência ou aplica-los indevidamente ensejará reclamação ao STF, e, sendo ato da Administração, será exigido esgotamento da instância administrativa para o manejo de tal instrumento.

Conforme o art. 988, §5º, inciso I, do CPC/2015, é inadmissível a reclamação após o trânsito em julgado da decisão, nesse sentido o enunciado 734 da Súmula do STF: “não cabe reclamação quando já houver transitado em julgado o ato judicial que se alega tenha desrespeitado decisão do Supremo Tribunal Federal”.

Embora seja uma demanda típica como referido, há certa tendência jurisprudencial à interpretação extensiva das hipóteses de cabimento, compreendendo o instituto como efetivo instrumento de tutela da ordem constitucional.

“A tendência hodierna, portanto, é de que a reclamação assuma cada vez mais o papel de ação constitucional voltada à proteção da ordem constitucional como um todo. […] A reclamação constitucional – sua própria evolução o demonstra – não mais se destina apenas a assegurar a competência e a autoridade de decisões específicas e bem delimitadas do Supremo Tribunal Federal, mas também constitui-se como ação voltada à proteção da ordem constitucional como um todo […]” (BRASIL. STF. Rcl. n.º 5.470/PA, Rel. Min. Gilmar Ferreira Mendes, 2008).

Em relação à natureza jurídica de tal instituto, Neves (2016) afirma que a doutrina, de modo geral, reconhece ser a reclamação um instrumento jurisdicional, sobretudo pela forma como foi modelado pela CRFB/1988, o que torna superadas as discussões concernentes às semelhanças entre a reclamação e a correição parcial. O autor aponta numerosos motivos para tal conclusão, entre eles, o fato de que o manejo da reclamação exige a regular assistência técnica por advogado ou defensor público, salvo nos casos de atuação do parquet.

Também para Didier Jr. e Cunha (2016), tal instituto não ostenta natureza de correição parcial, visto que esta tem natureza essencialmente administrativa, pois busca analisar, com fins disciplinares, conduta de magistrado tendente a obstar o regular andamento do feito.

Ainda de acordo com tais autores, esse vetusto instrumento administrativo perdeu seu sentido diante do princípio fundamental e cláusula pétrea da separação dos poderes (art. 60, §4º da CRFB/1988), de modo que as decisões do Estado-Juiz são recorríveis pela via judicial e não anuláveis administrativamente. A reclamação, por sua vez, seria expressão do direito de ação, consistindo em via de impugnação das decisões judiciais, carecendo de provocação, não cabendo, portanto, a iniciativa ex officio comum no âmbito administrativo.

De acordo com Neves (2016), a ato que enseja reclamação pode envolver uma violação a dispositivo legal e, por isso, é possível cogitar a impugnação pela via recursal que com o referido instituto não se confunde, por não haver previsão nesse sentido, ser procedimento de competência originária dos Tribunais, dispensar o interesse recursal decorrente da sucumbência, não estar sujeita a prazo preclusivo, não ter como objeto a reforma ou anulação do decreto judicial, buscando, na verdade, a cassação da decisão impugnada.

Segundo Gonçalves (2016), cabe salientar que tal instituto guarda autonomia em relação a eventual recurso interposto, malgrado deva ser ajuizada no prazo do recurso cabível, porquanto não se presta a desconstituir a coisa julgada.

Neves (2016) aponta ainda que a reclamação não pode ser concebida como um incidente processual, pois sua propositura não requer a existência de um feito principal em curso, até porque pode ser manejada contra atos administrativos.

Bueno (2015) afirma ser majoritária a posição da doutrina que compreende a reclamação como ação em sentido estrito, devendo, desse modo, ser processada e julgada pelo tribunal ao qual busca proteger a competência ou assegurar a autoridade das decisões, sendo-lhe, portanto, aplicáveis as normas pertinentes ao exercício regular de tal direito.

Nesse sentido, Didier Jr. e Cunha (2016), corroborando com tal corrente e indicando ser a reclamação uma ação judicial de jurisdição contenciosa, ressaltam o fato de tal instituto ensejar a produção de coisa julgada material, de modo que não pode ser ajuizada outra reclamação com o mesmo objeto de discussão de outra já transitada em julgado, destacando in verbis:

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“Independentemente da acirrada discussão doutrinária quanto à presença, na jurisdição voluntária, de características como a substitutividade e submissão à coisa julgada […], e de tratar-se de atividade judicial ou administrativa, o certo é que a jurisdição voluntária assim se caracteriza por compreender atos autorizativos, homologatórios ou constitutivos de direitos. Em outras palavras, existem atos jurídicos que somente podem ser praticados por particulares, sob a supervisão, fiscalização, chancela ou autorização do Poder Judiciário. Daí ser necessária uma autorização, uma homologação ou uma atividade constitutiva. Essa é, em suma, a característica da jurisdição voluntária, que se destina à “administração de interesses particulares”, como se diz largamente no âmbito doutrinário’. Não é isso que ocorre com a reclamação, pois ela não se destina à “administração de interesses particulares”, não constituindo meio necessário para a realização de atos jurídicos, nem servindo para sua autorização, homologação ou constituição. A reclamação provoca o exercício de uma jurisdição contenciosa, não se enquadrando como atividade de jurisdição voluntária” (grifado) (p. 534-535).

Considerando as citadas lições, conceber a reclamação como exercício do direito constitucional de ação imporia a aplicação da regulamentação processual ao seu exercício regular, o que, conseguintemente, resultaria em concluir ser matéria de competência legislativa da União, ex vi do art. 22, I.

Por não haver delegação específica aos estados quanto a essa matéria nos moldes do parágrafo único do referido dispositivo, questionou-se ao STF a possibilidade jurídica de Constituição Estadual dispor sobre tal matéria, criando reclamação para garantir a observância das decisões e preservação da competência de Tribunal de Justiça, tendo a Corte decidido pela constitucionalidade de tais previsões, afirmando tratar-se a reclamação de típico exercício do direito de petição (art. 5º, XXXIV, “a”) e não de ação (art. 5º, XXXV). Confira-se:

“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. ARTIGO 108, INCISO VII, ALÍNEA I DA CONSTITUIÇÃO DO ESTADO DO CEARÁ E ART. 21, INCISO VI, LETRA J DO REGIMENTO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA LOCAL. PREVISÃO, NO ÂMBITO ESTADUAL, DO INSTITUTO DA RECLAMAÇÃO. INSTITUTO DE NATUREZA PROCESSUAL CONSTITUCIONAL, SITUADO NO ÂMBITO DO DIREITO DE PETIÇÃO PREVISTO NO ARTIGO 5º, INCISO XXXIV, ALÍNEA A DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. INEXISTÊNCIA DE OFENSA AO ART. 22, INCISO I DA CARTA. 1. A natureza jurídica da reclamação não é a de um recurso, de uma ação e nem de um incidente processual. Situa-se ela no âmbito do direito constitucional de petição previsto no artigo 5º, inciso XXXIV da Constituição Federal. Em consequência, a sua adoção pelo Estado-membro, pela via legislativa local, não implica em invasão da competência privativa da União para legislar sobre direito processual (art. 22, I da CF). 2. A reclamação constitui instrumento que, aplicado no âmbito dos Estados membros, tem como objetivo evitar, no caso de ofensa à autoridade de um julgado, o caminho tortuoso e demorado dos recursos previstos na legislação processual, inegavelmente inconvenientes quando já tem a parte uma decisão definitiva. Visa, também, à preservação da competência dos Tribunais de Justiça estaduais, diante de eventual usurpação por parte de Juízo ou outro Tribunal local. 3. A adoção desse instrumento pelos Estados-membros, além de estar em sintonia com o princípio da simetria, está em consonância com o princípio da efetividade das decisões judiciais. 4. Ação direta de inconstitucionalidade improcedente” (grifado) (BRASIL. STF. ADI n.º 2.212/CE, Rel.ª Min.ª Ellen Gracie, 02 out. 2003).

Embora tal julgado, solucionando a referida discussão, tenha reconhecido a possibilidade de as Constituições Estaduais conferirem aos Tribunais de Justiça atribuição para que processem e julguem reclamações, em relação aos Tribunais Regionais Federais, Eleitorais e do Trabalho, tal instituto só teria lugar através de emenda à CRFB/1988.

Entretanto, quanto a extensão de aplicabilidade do instituto, o supramencionado precedente perde seu sentido diante do disposto no art. 988, §1º, do CPC/2015, segundo o qual “a reclamação pode ser proposta perante qualquer tribunal, e seu julgamento compete ao órgão jurisdicional cuja competência se busca preservar ou cuja autoridade se pretenda garantir”.

Em síntese, Lenza (2011, p. 327), valendo-se dos ensinamentos do Min. Marco Aurélio veiculados na Rcl. 336/DF, apresenta sistematicamente as diversas posições referentes à natureza jurídica de tal instituto:

“- ação – Pontes de Miranda, Comentários ao Código de Processo Civil, Forense, t. V, p. 384;

– recurso ou sucedâneo recursal – Moacyr Amaral Santos, RTJ 56/546-548; Alcides de Mendonça Lima, O Poder Judiciário e a Nova Constituição, p. 80;

– remédio incomum (Orosimbo Nonato, “apud” Cordeiro de Mello, O processo no Supremo Tribunal Federal, vol. 1, p. 280;

– incidente processual – Moniz de Aragão, A Correição Parcial, p. 110;

– medida de Direito Processual Constitucional – José Frederico Marques, Manual de Direito Processual Civil, 9 ed., Saraiva, 1987, v. 3., 2ª parte, p. 199, item n. 653;

– medida processual de caráter excepcional – Ministro Djaci Falcão, RTJ 112/518-522;

– instrumento de extração constitucional – “inobstante a origem pretoriana de sua criação (RTJ 112/504), destinado a viabilizar, na concretização de sua dupla função de ordem político-jurídica, a preservação da competência e a garantia da autoridade das decisões do Supremo Tribunal Federal (CF, art. 102, I, ‘l’)” e do Superior Tribunal de Justiça (CF, art. 105, I, ‘f’) – Ementa da Rcl 336, Rel. Min. Marco Aurélio;

– simples postulação perante o próprio órgão que proferiu decisão para o seu exato e integral cumprimento – Grinover (Da reclamação, Revista Brasileira de Ciências Criminais, 38/80);

– provimento mandamental de natureza constitucional – Pedro Lenza, para este trabalho” (grifos originais).

Ante o exposto, verifica-se que a conceituação acerca da natureza jurídica da reclamação é assunto não pacificado na doutrina, que, em sua corrente majoritária, conflita com a jurisprudência do STF, cabendo, a esse propósito, apontar os ensinamentos de Bahia (2017, p. 395):

“Mas qual é a natureza jurídica da Reclamação? O assunto ainda é controvertido na doutrina, conforme bem sintetizou o Ministro do STF, Celso de Mello, na Rcl. n.º 336290, mas entendemos, com apoio em abalizada doutrina, que se trata de uma verdadeira ação autônoma de impugnação de decisão judicial e administrativa violadora das decisões ou competência do STF” (grifado).

Por fim, Paulo e Alexandrino (2017), em conformidade com a posição firmada no STF, sustentam ser a reclamação expressão do direito de petição, não se confundindo com outros instrumentos processuais, situando-se, por essa razão, no âmbito de competência originária do Tribunal, destacando tais autores nestes termos: “a reclamação é, portanto, um instrumento jurídico com status constitucional que visa, especialmente, preservar a competência do STF, garantir a autoridade de suas decisões e afastar o descumprimento de súmula vinculante (p. 659).

3 Legitimidade ativa do interveniente anômalo: a reclamação aos tribunais como exercício do direito de petição

A CRFB/1988, no art. 5º, inc. XXXIV, alínea “a”, preceitua que “são a todos assegurados, independentemente do pagamento de taxas, o direito de petição aos Poderes Públicos em defesa de direitos ou contra ilegalidade ou abuso de poder.

Segundo Paulo e Alexandrino (2017), tal remédio constitucional consiste num instrumento democrático e informal de fiscalização difusa e defesa da cidadania, razão pela qual a petição dirigida à autoridade pública deve ser respondida em tempo razoável, ex vi do inc. LXXVIII, caso contrário a demora injustificada ensejará mandado de segurança ante a violação de direito líquido e certo do peticionário.

Ademais destacam os referidos autores ser a legitimidade ampla para o exercício desse direito, sendo que, quando manejado contra ilegalidade ou atos abusivos, independe da demonstração de prejuízo a interesse do próprio peticionário. Tal legitimação, em regra, também dispensa a representação por advogado, embora não se confunda com o direito de postular em juízo, conforme se tratará adiante.

Importa destacar que o STF já vem adotando uma concepção mais ampla do conceito de “parte” para a propositura de reclamação constitucional, confira-se o precedente veiculado no informativo n.º 289:

“EMENTA: QUESTÃO DE ORDEM. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. JULGAMENTO DE MÉRITO. PARÁGRAFO ÚNICO DO ARTIGO 28 DA LEI 9868/99: CONSTITUCIONALIDADE. EFICÁCIA VINCULANTE DA DECISÃO. REFLEXOS. RECLAMAÇÃO. LEGITIMIDADE ATIVA. […] 4. Reclamação. Reconhecimento de legitimidade ativa ad causam de todos que comprovem prejuízo oriundo de decisões dos órgãos do Poder Judiciário, bem como da Administração Pública de todos os níveis, contrárias ao julgado do Tribunal. Ampliação do conceito de parte interessada (Lei 8038/90, artigo 13). Reflexos processuais da eficácia vinculante do acórdão a ser preservado. 5. Apreciado o mérito da ADI 1662-SP (DJ de 30.08.01), está o Município legitimado para propor reclamação. Agravo regimental provido” (grifado) (BRASIL. STF. Rcl-AgR n.º 1.880/SP, Rel. Min. Maurício Corrêa, 2002).

Sobre tal julgado, Lenza 2011 (p. 325-326) destaca:

“Até o julgamento de questão de ordem na Reclamação n. 1.880, em 07.11.2002, a jurisprudência do STF, mesmo após o advento da Lei n. 9.868/99, em um primeiro momento, não considerava parte interessada para a propositura da referida ação terceiros que tivessem, subjetivamente, interesse jurídico ou econômico na observância da decisão, já que o ajuizamento de ação direta de inconstitucionalidade, perante o Supremo Tribunal Federal, como justificavam , fazia instaurar um processo objetivo, sem partes, no qual inexistia litígio referente a situações concretas ou individuais […]. Assim, nessa primeira fase, só seria conhecida a reclamação se proposta por um dos colegitimados do art. 103 da CF/88 (art. 2º da Lei n. 9.868/99) e com idêntico objeto, mesmo que o referido autor não tivesse sido parte na ação direta de inconstitucionalidade cuja decisão fundava o pedido reclamatório (legitimação concorrente – cf. Rcl 354, Rel. Min. Celso de Mello). Declarando novo posicionamento (07.11.2002) coincidente com o deste autor exposto nas edições anteriores deste trabalho, o STF, por maioria de votos, após o julgamento da questão de ordem em agravo regimental, declarou constitucional o parágrafo único do art. 28 da Lei 9868/99, passando a considerar parte legítima para a propositura da reclamação todos aqueles que forem atingidos por decisões contrárias ao entendimento firmado pela Suprema Corte no julgamento de mérito proferido em ação direta de inconstitucionalidade” (grifos originais).

Esse precedente, entre outras matérias de mérito, tratou de interpretar o art. 13 da Lei n. 8.038/90, a qual instituiu normas procedimentais para determinados processos perante o Superior Tribunal de Justiça e o Supremo Tribunal Federal e, nesse dispositivo, tratou da reclamação.

Embora tal artigo tenha sido revogado pelo CPC/2015, destaca-se que, quanto a legitimidade, foi mantida idêntica redação no novel diploma, preceituando que “caberá reclamação da parte interessada ou do Ministério Público”, o que preserva, neste ponto, atual a decisão veiculada no mencionado precedente.

A reclamação concebida como exercício do direito de petição torna, apesar da disposição legal, desnecessário que o reclamante seja parte em seu conceito estrito, sendo irrelevante a discussão relacionada à ausência de interesse jurídico do interveniente anômalo, porquanto “[…] diferentemente do direito de ação, não tem o peticionário de demonstrar lesão ou ameaça a interesse, pessoal ou particular. Trata-se de nítida participação política por intermédio de um processo” (LENZA, 2011).

Assim a expressão legal “parte interessada” seria melhor interpretada, à luz da CRFB/1988 (art. 5º, XXXIV), simplesmente como “interessado na causa” tal como prevê o Regimento Interno do STF (RISTF), no Capítulo I (“Da Reclamação”), do Título V (“Dos Processos sobre Competência”), conforme o caput do art. 156, que preceitua: “caberá reclamação do Procurador-Geral da República, ou do interessado na causa, para preservar a competência do Tribunal ou garantir a autoridade das suas decisões”.

Segundo Bahia (2017), o direito de petição é uma garantia constitucional, um remédio constitucional que prescinde do pagamento de taxas e do patrocínio advocatício, visto que, ao contrário do habeas corpus, habeas data, mandado de segurança, mandado de injunção e ação popular – expedientes tipicamente jurisdicionais –, e ao lado do direito de certidão, é um remédio constitucional extrajudicial, que não se confunde com o direito de ação, o qual apresenta requisitos legais indispensáveis para o seu regular exercício (como, em regra, a capacidade postulatória).

Considerando tais distinções entre os institutos, Neves (2016) critica tal decisão do STF, sobretudo por, segundo o autor, desnaturar a natureza da reclamação e pela contradição em que se coloca tal Colegiado que, apesar de afirmar ser a reclamação expressão do direito de petição, segue exigindo para a sua propositura requisitos formais próprios do exercício regular do direito de ação.

Também para Didier Jr. e Cunha (2016), a reclamação é expressão do direito de ação e, por isso, se sujeita ao regramento processual civil, sendo necessária, portanto, para ajuizar tal instrumento, capacidade postulatória. Destacam ser cabível a concessão de tutela provisória passível de recurso, devendo a exordial preencher os requisitos do art. 319 do CPC/2015, destacando, nesse aspecto, em razão das peculiaridades desse processo, a desnecessidade de optar por audiência de conciliação ou mediação, devendo o reclamante indicar, no entanto, as provas pré-constituídas que seguirão com a inicial. Além disso, como já apontado anteriormente, a decisão final em reclamação, findo o prazo recursal, produz coisa julgada material.

Cabe salientar que, conforme Lenza (2011), o exercício do direito de petição não exclui a necessidade de preenchimento do requisito processual subjetivo concernente à capacidade postulatória. Salvo as exceções constitucionais e legais expressas, a assistência de advogado para provocar a jurisdição é imprescindível, por ser tal profissional indispensável à administração da justiça (CRFB/1988, art. 133).

“AÇÃO RESCISÓRIA – AJUIZAMENTO – AUSÊNCIA DE CAPACIDADE POSTULATÓRIA – SENTENÇA DE MÉRITO – INEXISTÊNCIA – PEDIDO NÃO CONHECIDO – AGRAVO REGIMENTAL IMPROVIDO. DIREITO DE PETIÇÃO E A QUESTÃO DA CAPACIDADE POSTULATÓRIA. Ninguém, ordinariamente, pode postular em juízo sem a assistência de Advogado, a quem compete, nos termos da lei, o exercício do jus postulandi. A exigência de capacidade postulatória constitui indeclinável pressuposto processual de natureza subjetiva, essencial à válida formação da relação jurídico-processual. São nulos de pleno direito os atos processuais, que, privativos de Advogado, venham a ser praticados por quem não dispõe de capacidade postulatória. O direito de petição qualifica-se como prerrogativa de extração constitucional assegurada à generalidade das pessoas pela Carta Política (art. 5º, XXXIV, a). Traduz direito público subjetivo de índole essencialmente democrática. O direito de petição, contudo, não assegura, por si só, a possibilidade de o interessado – que não dispõe de capacidade postulatória – ingressar em juízo, para, independentemente de Advogado, litigar em nome próprio ou como representante de terceiros. Precedentes […]. Precedentes” (grifado) (BRASIL. STF. AR-AgR 1354/BA, Rel. Min. Celso de Mello, 1994).

De tal modo, malgrado em regra não se exija formalidades ao exercício do direito de petição, o fato de em casos específicos ser necessário atender a certos requisitos formais não desnatura, de per si, tal remédio constitucional, assim como, em algumas hipóteses, a prescindibilidade da forma e da assistência por advogado não altera a natureza jurídica do direito de ação, como, por exemplo, no caso HC.

Ademais, para o STF, a capacidade postulatória para ajuizar reclamação não é exclusiva de advogados, membros do Ministério Público e da Defensoria Pública, a esse respeito, confira-se este precedente, no qual a Corte reconheceu que governador de estado, por ter capacidade semelhante para propor ações de controle concentrado, pode reclamar pelo descumprimento do mérito das decisões que resultam desses processos.

“RECLAMAÇÃO. GOVERNADOR DO ESTADO. LEGITIMIDADE ATIVA. PRECATÓRIO. PEDIDO CONTRA ATO FUTURO: INADMISSIBILIDADE. OBSERVÂNCIA À DECISÃO PROFERIDA NA ADI 1662-SP. PRETERIÇÃO. SEQÜESTRO DE VERBA PÚBLICA. HIPÓTESE DE CABIMENTO DA MEDIDA CONSTRITIVA. 1. Reclamação por descumprimento de decisão proferida em ação direta de inconstitucionalidade. Governador do Estado. Legitimidade ativa para sua proposição, tendo em vista sua capacidade postulatória para o ajuizamento de idêntica ação direta. Precedentes […]” (BRASIL. STF. Rcl 1915/SP. Rel. Min. Maurício Corrêa, 2003).

Logo o requisito da capacidade postulatória, que não é exclusivo do parquet, defensores e advogados, não obsta compreender a reclamação como exercício do direito de petição, que comporta ampla legitimidade ativa de todos que guardem algum interesse na causa, não necessariamente jurídico, de modo que o assistente anômalo, mesmo baseando sua intervenção em interesse puramente econômico, está legitimado a propor reclamação através de seus respectivos procuradores.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Conforme o CPC/2015, em seu art. 988, caput, a legitimidade ativa para a propositura da reclamação restringe-se ás figuras do Ministério Público e da “parte interessada”. Mesmo para os autores que concebem, em alguns casos, ser o terceiro interveniente parte na demanda, muitos excluem de tal categoria os assistentes simples, vez que não titularizam os direitos e obrigações postos em juízo.

Nesse contexto e levando em consideração a literalidade da lei e a posição doutrinária que compreende a reclamação como direito de ação (CRFB/1988, art. 5º, XXXV), a conclusão seria no sentido da impossibilidade jurídica de o interveniente anômalo manejar a reclamação aos tribunais, por ter, segundo parte da doutrina e jurisprudência do STF e STJ, natureza de assistente simples e, sobretudo, por atuar de modo limitado na demanda, sem que apresente interesse de agir para a causa, que é essencialmente jurídico.

Por outro lado, seguindo a posição firmada pelo STF e aceita por parte dos cientistas do direito, que considera a reclamação como expressão do direito de petição, o que amplia a legitimidade ativa para sua propositura, verifica-se ser cabível o ajuizamento da reclamação pelo interveniente anômalo, mesmo quando este atua de modo restrito no processo e com base tão somente em interesse econômico, pois, nesse caso, a interpretação da lei federal, à luz da CRFB/1988, levaria à compreensão de que o conceito de “parte interessada” deve ser visto de modo amplo, como todo aquele que tenha algum interesse em reclamar do ato impugnável, mesmo que tal interesse seja coletivo, difuso, individual homogêneo, meramente econômico ou, simplesmente, vise tutelar pretensão alheia contra ilegalidades ou abuso de poder.

Tal percepção, para além da discussão acerca da natureza jurídica dos institutos, baseia-se, também, nos escopos conexos da assistência anômala e da reclamação, qual seja: a tutela do interesse público, que, em relação a tal intervenção, vincula-se à espécie secundária – o interesse da União e demais pessoas jurídicas de direito público interno.

Além disso, conforme exposto neste estudo, o direito de petição não se confunde com capacidade postulatória e não são, consoante a jurisprudência do STF, incompatíveis, pelo contrário, a reclamação, por mais ampla que seja a legitimidade ativa para propô-la, via de regra, não dispensa a assistência técnica advocatícia, que, por si só, não transforma a natureza jurídica te tal remédio constitucional.

Desse modo, verifica-se não ser possível vislumbrar o interveniente anômalo como parte, o que, a princípio, inviabilizaria sua legitimidade para ajuizar reclamação aos tribunais – se compreendida como ação –, ante o disposto no art. 988, caput do CPC/2015. Ressalva-se, contudo, a hipótese em que o assistente anômalo interponha recurso, caso em que a ele será atribuída a condição processual de parte por força de disposição legal (Lei n.º 9.469/1997, art. 5º, parágrafo único, segunda parte).

Entretanto, na esteira da jurisprudência do STF e de parte da doutrina, verifica-se que a expressão “parte interessada” do mencionado dispositivo do CPC/2015 deve ser interpretada, de modo extensivo e à luz da CRFB/1988, como “sujeito interessado” ou “interessado na causa” (consoante está disposto no RISTF, art. 156), por se tratar a reclamação de direito de petição, caso em que a legitimidade ativa poderá se basear apenas em interesse econômico, vez que o exercício de tal direito exige menos requisitos do peticionário que o direito de ação, excluindo a imprescindibilidade da demonstração de interesse jurídico e a necessidade de ser o reclamante parte stricto sensu da demanda.

 

Referências
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Informações Sobre o Autor

 

Washington Navarro de Souza Júnior

 

Pós-graduando em Direito Processual Civil pela Universidade Cândido Mendes – UCAM. Bacharel em Direito pela Universidade Estadual de Montes Claros – UNIMONTES. Advogado. Currículo na Plataforma Lattes do CNPq disponível em: http://lattes.cnpq.br/7818289720599661

 


 

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