A licitação sustentável como forma de contribuição para uma gestão pública eficiente

Resumo: O consumo desenfreado da sociedade consumista faz com que os recursos naturais se tornem cada vez mais escassos, tornando a preservação ambiental um requisito básico e desejável no bom desempenho da Administração Pública e de todo o elenco social. O presente trabalho analisa a atuação do Estado na preservação dos recursos ambientais, no processo de desenvolvimento sustentável com a implementação das ações necessárias às também chamadas licitações verdes. Através da visão holística do tema, constatou-se que a Administração Pública pode implementar, na marcha do desenvolvimento sustentável, critérios de salvaguardas ambientais no processo produtivo econômico.[1]

Palavras-chave: Sustentabilidade ambiental. Administração Pública. Licitação sustentável.

Abstract: The unbridled consumption of consumer society makes natural resources become increasingly scarce, making environmental protection a basic and desirable requirement in the good performance of the public administration and the entire social cast. This paper analyzes the state action in the preservation of environmental resources in the process of sustainable development with the implementation of the actions necessary to also called green procurement. Through the theme of the holistic view, it was found that the Government may implement, in the march of sustainable development, environmental safeguards criteria in the economic production process.

Keywords: Environmental sustainability. Public Administration. Sustainable procurement.

Sumário: 1 Introdução; 2 Princípios da Administração Pública; 2.1 Princípio da Legalidade; 2.2 Princípio da Impessoalidade; 2.3 Princípio da Moralidade; 2.4 Princípio da Publicidade; 2.5 Princípio da Eficiência; 3 Licitação; 3.1 Conceitos e Modalidades de Licitação; 4 licitação sustentável; 4.1 A Necessidade da Licitação Sustentável; 4.2 Princípios da Licitação Sustentável; 4.2.1 Princípio da Probidade Administrativa; 4.2.2 Princípio da Vinculação ao Instrumento Convocatório; 4.2.3 Princípio do Julgamento Objetivo; 5 Licitação Sustentável como Instrumento para uma Gestão Pública Eficiente; 6 Conclusão;Referências.

1 Introdução

O objetivo do presente trabalho é fazer uma reflexão crítica acerca do instituto da licitação sustentável. A problemática emerge da observação dos aspectos legais e gerais da lei n. 8.666, de 21 de junho de 1993.

A partir dos critérios contidos na lei que regula as licitações, fez-se uma análise dos entendimentos doutrinário e jurisprudencial, objetivando encontrar-se um consenso, pertinente e juridicamente correto, sobre o que é ou o que deve ser a licitação sustentável / verde.

Após a realização dessa apreciação doutrinária e jurisprudencial, buscou-se obter um entendimento de quais são as consequências, deveres, benefícios e direitos decorrentes da ocorrência de uma licitação sustentável.

A metodologia utilizada foi a jurídico-dogmática, pois a análise da pesquisa teve foco na base legal, específica e geral, bem como no entendimento doutrinário e jurisprudencial acerca do tema em pesquisa.

Com o entendimento obtido a respeito da forma como a licitação sustentável deverá ser realizada, o objetivo deste artigo passou a ser a análise genérica dos efeitos das licitações sustentáveis nas diversas esferas do governo, tangente à forma que esta contribui para uma Gestão Pública eficiente e politicamente correta.

2 Princípios da Administração Pública

Para se adentrar o assunto em comento, necessário se faz visitar os preceitos básicos concernentes ao tema.

Pertinente aos ensinamentos do mestre Afonso Celso Rezende, no Dicionário Jurídico Especial, licitação é o processo administrativo ou em fase preliminar que precede a celebração do contrato entre o licitante e a Administração Pública. É um processo administrativo que tem como propósito assegurar igualdade de condições a todos que queiram realizar contrato com o Poder Público, disciplinada pela lei n. 8.666 de 1993.

Assim, necessário será, também, relembrarmos o significado de “princípios”, como sendo aquelas regras harmonizadoras que auxiliam na interpretação das demais normas e no preenchimento das lacunas porventura existentes. Há que se enxergá-los através da lente de sua função primordial, que é a inspiração de todo o modus operandi da administração pública.

A Constituição da República estatui, em seu artigo 37, in verbis:

“Art. 37 – A administração Pública direta ou indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade, e eficiência.”

Destarte, todos os poderes da UNIÃO devem obedecer às imposições de competência, forma e finalidade do ato, mesmo quando há a liberdade administrativa, conferida pelo poder discricionário. Desobedecê-las é, conforme ensinamentos do ilustre doutrinador José Souto Maior Borges, muito mais danoso que a desobediência à própria Constituição: “Ora, a violação de um princípio constitucional importa em ruptura da própria Constituição, representando por isso mesmo uma inconstitucionalidade de conseqüências muito mais graves do que a violação de uma simples norma, mesmo constitucional” (B0RGES, 1975, p. 13-14).

Porém, o poder constituinte derivado, inserido na Constituição da República pelo art. 25, permite aos Estados exigirem a obediência a outros princípios além daqueles elencados no art. 37. Também o Distrito Federal e os Municípios foram contemplados com a possibilidade de seus legisladores infraconstitucionais poderem estabelecer outros princípios, desde que defesos aqueles já estabelecidos no art.37 (art. 29 e 32, CR/88) (BRASIL, 1988).

A seguir, em breve síntese, apresentam-se os principais princípios da Administração Pública:

2.1 Princípio da Legalidade

Este princípio determina que a Administração Pública, tanto a direta quanto a indireta, somente possui poder de fazer o que for legalmente permitido, ao contrário das relações entre particulares, onde prevalece o princípio da autonomia da vontade.

2.2 Princípio da Impessoalidade

As relações entre a Administração Pública e os administrados devem ser totalmente desprovidas de qualquer tipo de discriminação, em permanente estado de neutralidade, sob pena de configurar abuso de poder e desvio de finalidade (espécies de ilegalidade), a não ser em situações em que determinadas disparidades se justifiquem em face do princípio da supremacia do interesse público sobre o privado.

2.3 Princípio da Moralidade

A Administração Pública e seus agentes devem exercer suas atribuições em coincidência com os princípios éticos, de tal forma que o desprezo a esses princípios constituam violação ao próprio Direito, configurando, assim, ilegalidade sujeita a nulidade.

2.4 Princípio da Publicidade

A Sociedade deve estar sempre ciente de todos os atos da Administração Pública relacionados aos seus interesses, sendo esta obrigada a manter a transparência em sua conduta, posto que o poder emana do povo e este tem o direito à informação incondicional, não sendo, porém, absoluto diante de informações que comprometam o direito pessoal à intimidade (art. 37, §3º, II da CF): “São invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação” (art. 5º, X da CF) e quando o sigilo for imprescindível para a segurança da sociedade ou do Estado (art. 5º, XXXIII da CF) (BRASIL, 1988).

2.5 Princípio da Eficiência

Por ser, a escolha da proposta mais vantajosa, o objetivo final da licitação, sempre aliado ao princípio da moralidade, o administrador deve estar convicto da sua obrigação de honestidade ao lidar com a coisa pública.

Segundo Carlos Pinto Coelho,

“[…] dever de eficiência é o que se impõe a todo o agente público de realizar suas atribuições com presteza, perfeição e rendimento funcional. É o mais moderno princípio da função administrativa, que já não se contenta em ser desempenhada apenas com a legalidade, exigindo resultados positivos para o serviço público e satisfatório atendimento das necessidades da comunidade e de seus membros. (MOTTA, 1998, p.35).”

3 Licitação

Toda contratação realizada por órgãos e entidades públicas tem, como escopo básico, a escolha da proposta mais vantajosa à Administração Pública. Porém, ao contrário da administração privada, esse procedimento deve obedecer a critérios rígidos, do qual o aspecto volitivo não participa. Deve obedecer a critérios definidos antecipadamente em ato próprio (instrumento convocatório), cuja regra inclui a igualdade entre os participantes interessados.

Ao procedimento administrativo formal e isonômico, de observância obrigatória por toda a Administração Pública direta ou indireta, que visa a escolha da proposta mais vantajosa à Administração Pública, dá-se o nome de Licitação.

3.1 Conceitos e Modalidades de Licitação

A doutrina nos oferece ampla conceituação acerca do tema.

Apresentamos, dentro das possibilidades de nosso modesto trabalho, alguns desses conceitos:

De Maria Sylvia Zanella Di Pietro,vem o ensinamento:

“[…] o procedimento administrativo pelo qual um ente público, no exercício da função administrativa, abre a todos os interessados, que se sujeitem às condições fixadas no instrumento convocatório, a possibilidade de formularem propostas dentre as quais selecionará e aceitará a mais conveniente para a celebração de contrato” (DI PIETRO, 2009, p. 350).

Já o douto mestre Celso Antônio Bandeira de Melo assim define:

“Licitação – em suma síntese – é um certame que as entidades governamentais devem promover e no qual abrem disputa os interessados em com elas travar determinadas relações de conteúdo patrimonial, para escolher a proposta mais vantajosa às conveniências públicas. Estriba-se na ideia de competição, a ser travada isonomicamente entre os que preencham os atributos e aptidões necessários ao bom cumprimento das obrigações que se propõem assumir” (MELLO, 2009, p. 517).

Como procedimento formal, a licitação tem que, necessariamente, se ater ao princípio doutrinariamente conhecido como “LIMPE”; ou seja, a Legalidade, Impessoalidade, Moralidade, Publicidade e Eficiência, tem que estar presentes em todos os atos praticados pela Administração Pública, com a finalidade de facilitar a aquisição de alguns produtos e introduzir um fundamental item de segurança no processo licitatório.  Para tal, o legislador firmou, no artigo 22 da lei n. 8.666/93, de forma taxativa, o rol das modalidades de licitação e sua aplicabilidade.

Assim, as modalidades de licitação que a legislação brasileira prevê, através da Lei 8.666/93, são as seguintes:

– Convite: Meio célere de contratação, dispensa a publicação de edital. Os interessados, cadastrados ou não, são escolhidos e convidados em número mínimo de três licitantes. Os demais interessados que não forem convidados, poderão comparecer e demonstrar interesse com vinte e quatro horas de antecedência da apresentação das propostas;

– Tomada de preços: necessita de certificado do registro cadastral (CRC). Ou seja, é necessário comprovação dos requisitos para participar da licitação até o terceiro dia anterior ao término do período de proposta;

– Concorrência: na fase inicial, exige requisitos de habilitação (exigidos no edital), comprovados através de documentos. Ocorre quando se trata de concessão de direito real de uso, de obras ou serviços públicos – de engenharia ou não -, na compra e venda de imóveis (bens públicos) e licitações internacionais. A Lei 8666/93, em seu art. 23, assim define os limites de valores para esta modalidade: acima de R$ 1.500.000,00 (um milhão e quinhentos mil reais) para obras e serviços de engenharia; e acima de R$ 650.000,00 (seiscentos e cinquenta mil reais) para compras e serviços de outras naturezas;

– Concurso: ocorrerá, nessa modalidade, a escolha de trabalho científico, artístico, ou técnico com premiação ou remuneração aos vencedores, cuja escolha será feita conforme o edital publicado na imprensa oficial, por uma comissão julgadora especializada na área e com antecedência mínima de quarenta e cinco dias;

– Leilão: não se confunde com o leilão mencionado no Código de Processo Civil. Esta modalidade licitatória versa sobre a venda de bens inservíveis para a Administração Pública, de mercadorias legalmente apreendidas, de bens penhorados (dados em penhor – direito real constituído ao bem) e de imóveis adquiridos pela Administração por dação em pagamento ou por medida judicial;

– Consulta: somente aplicável à tomada de preços.

O caput do art. 3º da Lei n. 8.666/93 estabelece 3 (três) finalidades essenciais da licitação, in verbis:

“Art. 3º A licitação destina-se a garantir a observância do princípio constitucional da isonomia, a seleção da proposta mais vantajosa para a administração e a promoção do desenvolvimento nacional sustentável e será processada e julgada em estrita conformidade com os princípios básicos da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da igualdade, da publicidade, da probidade administrativa, da vinculação ao instrumento convocatório, do julgamento objetivo e dos que lhes são correlatos” (Redação dada pela Lei n. 12.349, de 2010).

O art. 23 da Lei n. 8.666/1993, define os valores limites para cada modalidade, garantindo a aplicação plena do princípio da isonomia nas licitações, complementando no disposto no artigo supra citado:

– para obras e serviços de engenharia:

a) convite – até R$ 150.000,00 (cento e cinquenta mil reais);

b) tomada de preços – até R$ 1.500.000,00 (um milhão e quinhentos mil reais);

c) concorrência – acima de R$ 1.500.000,00 (um milhão e quinhentos mil reais);

– para compras e serviços não referidos acima:

a) convite – até R$ 80.000,00 (oitenta mil reais);

b) tomada de preços – até R$ 650.000,00 (seiscentos e cinquenta mil reais);

c) concorrência – acima de R$ 650.000,00 (seiscentos e cinquenta mil reais).

Conforme entendimento de Bruno Aurélio Rodrigues Dias, nos casos em que couber convite, a Administração poderá utilizar a tomada de preços e, em qualquer caso, a concorrência. Esta modalidade destina-se aos interessados do ramo de atividade ligado ao objeto a ser licitado, cadastrados ou não no órgão promotor do certame, tendo como exigência principal, o convite feito pela Administração. Deverão ser, no mínimo, 03 (três) convidados; hoje em dia, porém, com as facilidades da informação tecnológica, muitos órgãos já estão expedindo seus editais por meios eletrônicos, permitindo um número maior de convocados, posto ser, o convite, um meio mais célere de licitação.[2]

3 Licitação sustentável

O termo “Licitação Sustentável” deve ser entendido como o procedimento licitatório que ajusta as necessidades da Administração Pública ao inevitável consumo, porém conexo ao conceito de desenvolvimento sustentável. Recebe também outras denominações, a saber, “licitação verde”, “ecoaquisição”, “licitação positiva”, “licitação ambientalmente amigável”, etc.

Ao apresentar a licitação sustentável na 6ª Conferência Anual de Compras Governamentais nas Américas, em Lima, Peru, o Ministério do Planejamento assim definiu:

“As licitações verdes são aquelas que priorizam a compra de produtos que atendem critérios de sustentabilidade, como facilidade para reciclagem, vida útil mais longa, geração de menos resíduos em sua utilização, e menor consumo de matéria-prima e energia. Para isso, é considerado todo o ciclo de fabricação produto, da extração da matéria-prima até o descarte. Essas contratações abrangem, por exemplo, aquisição de “computadores verdes”, equipamento de escritório feitos de madeira legal, papel reciclável, transporte público movido à energia mais limpa, alimentos orgânicos para cantinas e sistemas de ar condicionado com soluções ecológicas mais evoluídas”.[3]

Porém, como acautelam Fernanda Andrade e Jair Eduardo Santana, o conceito de sustentabilidade “abrange muito mais do que suprir as necessidades da geração presente, sem afetar a habilidade das gerações futuras de suprirem as suas”, pois atingem setores socioeconômicos como “reeducação, conscientização quanto aos impactos do consumo desenfreado, proposição de novo estilo de vida, consumo racional e consciente dos recursos naturais, geração, processamento e descarte do lixo, estreitamento da relação indivíduo-planeta” (ANDRADE; SANTANA, 2011, p. 313).

Para Biderman (2008),

“A licitação sustentável é uma solução para integrar considerações ambientais e sociais em todos os estágios do processo da compra e contratação dos agentes públicos (de governo) com o objetivo de reduzir impactos à saúde humana, ao meio ambiente e aos direitos humanos. A licitação sustentável permite o atendimento das necessidades específicas dos consumidores finais por meio da compra do produto que oferece o maior número de benefícios para o ambiente e a sociedade” (BIDERMAN et al., 2008, p. 25).

Estes posicionamentos doutrinários a cerca da Licitação nos mostram o tipo de posicionamento adotado pela doutrina brasileira cerca do tema em discussão.

3.1 A Necessidade da Licitação Sustentável

A Constituição da República, conforme demonstrar-se-á a seguir, é clara quanto às obrigações dos entes públicos em preservar o meio ambiente:

“Art. 23. É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios: […]

VI – proteger o meio ambiente e combater a poluição em qualquer de suas formas;

VII – preservar as florestas, a fauna e a flora;[…]

Parágrafo único. Leis complementares fixarão normas para a cooperação entre a União e os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, tendo em vista o equilíbrio do desenvolvimento e do bem-estar em âmbito nacional.

Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações” (BRASIL, 1988).

Neste ponto, buscamos o princípio da legalidade e, consequentemente, a vinculação às condições do edital para que sejam devidamente estabelecidas as condições de sustentabilidade e proteção ambiental no edital licitatório, o que possibilitará, ao Estado, cumprir os dispositivos dos artigos 23 e 225 da Constituição Brasileira quando da aquisição de bens e serviços.

O processo licitatório, então, deverá cumprir rigorosamente os princípios constitucionais e os específicos da licitação. Porém, observando o princípio da dignidade humana, com fulcro no interesse público para a aquisição de bens e serviços para Administração Pública.

A supremacia do interesse público deve, portanto, ser combinada ao princípio da dignidade da pessoa humana, uma vez que este princípio (art. 1º, inc. III, CF) [4] autentica a exigência de restrição a outros bens constitucionalmente protegidos, como critério seguro para solução de conflitos tangentes a este basilar princípio da Administração Pública. O processo licitatório deve ter, como ponto de fuga, a dignidade da pessoa humana, que é o maior bem tutelado pela Constituição, protegendo o interesse público e as necessidades da Administração Pública.

3.2 Princípios da Licitação Sustentável

Os princípios básicos da Administração Pública, na Licitação Sustentável, devem ser necessariamente aplicados sob a ótica da sustentabilidade.

Assim, os critérios de sustentabilidade deverão sempre ser aplicados de forma a não violarem os princípios constitucionais elencados no caput do artigo 37 da Constituição da República. Ou seja, após a definição do objeto a ser licitado, a licitação deve contemplar os requisitos da Administração Pública aliados aos requisitos de sustentabilidade ambiental, pois esta, sim, deve ser o princípio norteador do planejamento e execução dos projetos da Administração Pública para assegurar o desenvolvimento econômico baseado na sustentabilidade, pois a “defesa do meio ambiente, inclusive mediante tratamento diferenciado conforme o impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus processos de elaboração e prestação” é a ordem expressa no artigo 170 da Constituição da República.[5]

Além dos princípios que regem a Administração Pública, ao processo licitatório será imposto, ainda, outros princípios além daqueles inseridos no artigo 37 da Constituição, que deverão, necessariamente, ser aplicados sob o mesmo prisma da sustentabilidade. A saber, entre outros pertinentes ao ato administrativo, da probidade administrativa, da vinculação ao instrumento convocatório, do julgamento objetivo.

3.2.1 Princípio da Probidade Administrativa

Estabelece a legitimidade e legalidade dos atos públicos. O § 4º do Art. 37/CF prevê que, aos atos de improbidade administrativa “importarão a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, na forma e gradação prevista em lei, sem prejuízo da ação penal cabível”.[6]

3.2.2 Princípio da Vinculação ao Instrumento Convocatório

“O caput do Art. 41º, da Lei n. 8.666/93 determina: "A Administração não pode descumprir as normas e condições do edital, ao qual se acha estritamente vinculada". Assim, a inobservância desse princípio pode causar a nulidade do procedimento.[7]

3.2.3 Princípio do Julgamento Objetivo

O legislador pode vedar a utilização de todo e qualquer elemento, fator de sigilo ou critério secreto que reduza a isonomia entre os licitantes, conforme os ditames da Lei n. 8.666, Art. 44 § 1º: “É vedada a utilização de qualquer elemento, critério ou fator sigiloso, secreto, subjetivo ou reservado que possa ainda que indiretamente elidir o princípio da igualdade entre os licitantes”[8].

Já o art. 45 da mesma lei, expressamente ordena:

“O julgamento das propostas será objetivo, devendo a comissão de licitação ou responsável pelo convite realizá-lo em conformidade com os tipos de licitação, os critérios previamente estabelecidos no ato convocatório e de acordo com os fatores exclusivamente nele referidos, de maneira a possibilitar sua aferição pelos licitantes e pelos órgãos de controle”[9].

4 Licitação Sustentável como Instrumento para uma Gestão Pública Eficiente

Ao criar e publicar a Instrução Normativa nº 1 de 19/01/2010, com força de lei, a Secretaria de Logística e Tecnologia da Informação formulou os critérios da sustentabilidade ambiental na aquisição de bens, contratação de serviços ou obras pela Administração Pública Federal, complementada pela Medida Provisória n. 495 de 19 de julho de 2010, que alterou as

Leis n. 8.666/1993, 8.958, de 20 de dezembro de 1994, e 10.973, de 2 de dezembro de 2004, e revogou o § 1º do art. 2º da Lei n. 11.273, de 6 de fevereiro de 2006, com o objetivo de unir a licitação à promoção do desenvolvimento social.

Após a implementação de conceito e legislação específica sobre o tema, não há mais que se falar simplesmente em menor preço, mas sim, em melhor compra. Sob este prisma, buscar-se-á sempre a obtenção de resultados positivos, via medições de qualidade e desempenho, com percepção homogeneizada de demanda e análise do ciclo de vida.

Preço passa a ser um conceito relativizado, posto que nem sempre o mais barato significará melhor compra, tanto em questões de gastos como em cláusulas ambientais, sendo, então o objetivo da administração pública federal, na seleção da proposta mais vantajosa ao interesse público, não apenas o preço, mas principalmente a qualidade, o custo com a utilização e a coerência do dever do Estado de proteção ao meio ambiente, concernente à política de desenvolvimento sustentável.

Destarte, a licitação sustentável surge como uma ferramenta inovadora na administração pública, “visando o incentivo à produção sustentável no país, agregando suporte ao desenvolvimento sustentável do mesmo, com políticas globais dirigida à proteção ambiental e a seguridade econômica e social da nação” (LEAL FILHO; ELOI, 2010, p. 1).

Ao cumprir os critérios de análise das relações de custo/benefício, contratação justa e isonômica, além de manter sempre transparentes os critérios ambientais adidos à realização das licitações verdes, a Administração Pública jamais poderá frustrar a competitividade e nem discriminará participantes. Outrossim, a questão sobre uma possível abscisão  quanto ao aspecto competitivo da disputa licitatória é resolvida pela Lei Federal n. 12.349/2010 que alterou o art. 3º da Lei 8.666/93; quanto ao tratamento diferenciado, a justificativa tem base constitucional (art. 174), não ferindo o princípio da isonomia.

Lembrando Raquel de Pinho, a inserção do conceito de sustentabilidade nas licitações trilha como forma de inserção dos critérios sociais e ambientais nos contratos celebrados pela Administração Pública, enxergando “a redução dos impactos ambientais e sociais e maximizando os valores almejados, tais como a satisfação do usuário, a contribuição para operações eficientes e a preservação da biodiversidade” (PINHO, 2010, p. 2) e, consequente e logicamente, transportando para o presente a responsabilidade e os benefícios que advêm desta conduta.

Conclusão

O presente estudo teve como norte, antes de tudo, os efeitos da licitação sustentável sobre as ações do poder público no seu ato de administrar recursos disponíveis cada vez mais escassos.

A partir do entendimento doutrinário/jurisprudencial e da legislação específica, fica clara a contemporaneidade das preocupações do legislador, no que concerne à preservação do planeta, do consumo de recursos não renováveis, fornecendo o necessário fulcro legal da plena constitucionalidade.

Destarte, a licitação sustentável cumpre seu papel de forte instrumento de metamorfose dos hábitos da iniciativa privada, posto que, por não ser ato discricionário, mas uma obrigatoriedade do administrador público frente aos preceitos constitucionais, impõe aos licitantes as iniciativas servis à finalidade de consumo/desenvolvimento sustentável e consequente preservação dos recursos necessários à sobrevivência e desenvolvimento das gerações futuras. Note-se, neste ponto, que a Administração Pública está entre as maiores contratantes do país, capaz de alvitrar novas práticas no mercado consumidor e instituir formas inovadoras de produção.

O poder executivo federal, ao editar o fundamental Decreto n. 7.746 de 05/06/2012, que regulamentou os critérios e práticas de sustentabilidade nas licitações, cumpriu o seu papel de interventor estatal, posto que a intervenção nos casos de preservação do meio ambiente deve ser compulsória (BRASIL, 2012).

Enfim, a Licitação Sustentável é o instrumento capaz de posicionar a Administração Pública em prol da sustentabilidade ambiental.

Referências
ANDRADE, Fernanda. SANTANA, Jair Eduardo. As alterações da lei geral de licitações pela lei n. 12.349, de 2010: novos paradigmas, princípios e desafios. Boletim Governet de Licitações e Contratos, Curitiba, n. 72, abril/2011, p. 313.
BIDERMAN, Rachel; MACEDO, Laura Silvia Valente de; MONZONI, Mario e MAZON, Rubens. Guia de compras públicas sustentáveis: Uso do poder de compra do governo para a promoção do desenvolvimento sustentável. 2. ed. Rio de Janeiro: Edição, Editora FGV, 2008.
BORGES, José Souto Maior. Lei Complementar Tributária. São Paulo: Revista dos Tribunais/Educ. 1975, p. 13/14.
BRASIL. Constituição da Republica Federativa do Brasil, de 05 de outubro de 1988. Postado em 2013. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituição/constituição.htm>. Acesso em: 24 mar. 2013.
BRASIL. Decreto n. 7.746 de 05/06/2012. Regulamenta o art. 3o da Lei n. 8.666, de 21 de junho de 1993, para estabelecer critérios, práticas e diretrizes para a promoção do desenvolvimento nacional sustentável nas contratações realizadas pela administração pública federal, e institui a Comissão Interministerial de Sustentabilidade na Administração Pública – CISAP. Brasília: 2012.
BRASIL. Lei n. 8.666, de 21 de junho de 1993. Regulamenta o art. 37, inciso XXI, da Constituição Federal, institui normas para licitações e contratos da Administração Pública e dá outras providências. Brasília: Congresso Nacional, 1993.
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Notas:
[1] Trabalho orientado pela Profa. Karla da Silva Costa Batista

[2] http://portal.virtual.ufpb.br/biblioteca-virtual/files/analise_do_controle_interno_nos_procedimentos_licitatarios_no_municapio_de_marcaaaopb_1343918415.pdf

[3]Disponível em: http://www.planejamento.gov.br/conteudo.asp?p=noticia&ler=6694/Planejamento apresenta “licitação verde” em conferência latino-americana. Acesso em 23 mar. 2015.

[4] Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: […] III – a dignidade da pessoa humana;

[5] Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: […] VI – defesa do meio ambiente, inclusive mediante tratamento diferenciado conforme o impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus processos de elaboração e prestação; 

[6]  Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: (Redação dada pela Emenda Constitucional n. 19, de 1998)
§ 4º – Os atos de improbidade administrativa importarão a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, na forma e gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível.

[7] Lei n. 8.666/93. Art. 41. A Administração não pode descumprir as normas e condições do edital, ao qual se acha estritamente vinculada.

[8] Art. 44. No julgamento das propostas, a Comissão levará em consideração os critérios objetivos definidos no edital ou convite, os quais não devem contrariar as normas e princípios estabelecidos por esta Lei.§ 1o  É vedada a utilização de qualquer elemento, critério ou fator sigiloso, secreto, subjetivo ou reservado que possa ainda que indiretamente elidir o princípio da igualdade entre os licitantes.

[9] Art. 45. O julgamento das propostas será objetivo, devendo a Comissão de licitação ou o responsável pelo convite realizá-lo em conformidade com os tipos de licitação, os critérios previamente estabelecidos no ato convocatório e de acordo com os fatores exclusivamente nele referidos, de maneira a possibilitar sua aferição pelos licitantes e pelos órgãos de controle.


Informações Sobre o Autor

Rogerio Geraldo da Silva

Bacharel em Direito pela Faculdade Pitagóras de Administração Superior.


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