A medida sócio-educativa de internação e suas nuances frente ao sistema protecionista preconizado pelo estatuto da criança e do adolescente e a realidade social

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Resumo: A efetividade de todas as medidas protetivas e sócio-educativas previstas no Estatuto da Criança e do Adolescente, notadamente a medida de internação, encontra-se intimamente relacionada com o cumprimento integral dos princípios e diretrizes de atendimento estabelecidos neste diploma legal, os quais apontam não só a incumbência do ente Estatal em garantir a execução dos fins nele perseguidos, disponibilizando recursos econômicos e mão de obra especializada e engajada na recuperação dos jovens marginalizados, como também, de toda comunidade que almeja resgatar seus filhos do caminho atroz que desvirtua todo o processo de dignidade humana. O êxito de todo este processo depende, pois, da conjugação de esforços de todos os entes relacionados no artigo 227 da Constituição Federal para a consecução dos fins ali almejados, tarefa esta que se torna ainda mais viável diante da descentralização das entidades de internação responsáveis pela ressocialização do jovem infrator e sua reinserção no seio da sociedade.


Palavras-chave: adolescente infrator – internação – proteção integral – descentralização


Sumário: 1. Considerações iniciais 2.. Dos princípios norteadores da medida sócio-educativa de internação 2.1 Princípio da brevidade 2.2 Princípio da excepcionalidade 2.3 Princípio do respeito à condição peculiar de pessoa em desenvolvimento 3. Da importância das entidades educacionais no processo de ressocialização 4. Da municipalização da medida sócio-educativa de internação: uma proposta diferenciada 5. Conclusão 6. Referências.


1. Considerações iniciais:


Do ponto de vista histórico, este é um tema de valor inestimável, visto que a partir do sistema sócio-educativo apresentado pelo antigo Código de Menores, percebe-se a incidência de uma intensa movimentação social na busca da promoção dos direitos infanto-juvenis, tentando coibir, acima de tudo, o tratamento sócio-educativo igualitário direcionado tanto aos maiores imputáveis, como às crianças, que além de atentar contra o ideal de reeducação preconizado pela Doutrina da Proteção Integral, também rejeitava o princípio basilar do respeito à dignidade humana.


Neste contexto, o Estatuto da Criança e do Adolescente, que no ano de 2008 completou a sua “maioridade”, emergiu no mundo jurídico como um importante instrumento codificador dos direitos e garantias que devem ser deferidos em favor das crianças e adolescentes, prestigiando a sua condição peculiar de pessoa em desenvolvimento, que os tornam merecedores de um tratamento mais digno e em consonância aos direitos de cidadania e proteção já conferidos pela Constituição Federal.


Com efeito, os dispositivos do ECA, além de definir as condutas comissivas ou omissivas que estabelecem a responsabilidade não só dos adolescentes, como também dos seus pais, também implica em sanções para os casos mais graves. No caso dos adolescentes, a medida de internação, prevista no artigo 112 do Estatuto Menorista, é a que melhor se enquadra neste conceito, sendo, por isso, objeto de estudo pormenorizado neste trabalho científico.


As medidas inseridas no artigo 112, caput, do Estatuto da Criança e do Adolescente possuem caráter sócio-educativo e sua aplicação, além de condizer com a gravidade do ato infracional perpetrado, ainda desempenha importante função no processo de ressocialização do adolescente em conflito com a lei, fazendo-o repensar acerca da ilicitude de sua conduta infracional.


Assim encontram-se textualizadas:


Art. 112 – Verificada a prática de ato infracional, a autoridade competente poderá aplicar ao adolescente as seguintes medidas:


I – Advertência;


II – Obrigação de reparar o dano;


III -Prestação de serviços à comunidade;


IV – Liberdade assistida;


V – Inserção em regime de semiliberdade;


VI – Internação em estabelecimento educacional


Conforme alude o supracitado dispositivo legal, somente a autoridade competente para tal atribuição, poderá aplicar ao adolescente infrator medidas de caráter sócio-educativo.


Constitui autoridade competente, para fins didáticos, o Juiz e o Promotor da Justiça da Infância e da Juventude, sendo que ao Parquet somente é conferida a prerrogativa de aplicar as medidas sócio-educativas previstas nos incisos I, II e III, nos casos em que couber a concessão de remissão cumulada com medida sócio-educativa, instituto este que promove a extinção do procedimento infracional.


No caso, a medida sócio-educativa de internação, objeto do estudo em apreço, constitui uma forma de privação de liberdade cuja aplicação se encontra condicionada ao ajustamento de determinados critérios e requisitos, sem os quais certamente o adolescente infrator estaria privado de receber o atendimento peculiar que lhe é direcionado nestas situações excepcionais, desrespeitando, desta forma, todos os demais princípios que norteiam o Sistema de Proteção Integral.


Com efeito, sendo uma medida que requer cautela em sua aplicação, vez que se trata de oferecer oportunidades concretas ao sócio-educando, sujeita-se, por consequência, aos princípios constitucionais norteadores da Proteção Integral, quais sejam: os da brevidade, excepcionalidade e respeito à condição peculiar de pessoa em desenvolvimento.


Importante frisar que no Sistema Protecionista, não prevalece o mesmo critério de progressão de regime adotado na Lei de Execuções Penais, no qual se admite a progressão por salto.


A esse despeito, a redação do artigo 121, §4º, do Estatuto da Criança e do Adolescente, permite seja o infrator colocado em regime de semiliberdade ou liberdade assistida, antes mesmo de lhe ter sido aplicada medida sócio-educativa de internação em estabelecimento educacional, ou vice-versa.


Por sua vez, o rol de situações taxadas no artigo 122 do Estatuto Protecionista, realça o caráter breve e excepcional da medida que envolve a privação de liberdade do adolescente em conflito com a lei, delimitando as hipóteses de adoção da medida extrema, em três únicas situações, a saber: a) quando se tratar de ato infracional cometido mediante grave ameaça ou violência à pessoa; b) por reiteração no cometimento de outras infrações graves; c) por descumprimento reiterado e injustificável de medida anteriormente imposta.


Na prática, a primeira hipótese mencionada é causa de inúmeras divergências de opiniões entre doutrinadores e operadores do direito, cuja discussão concentra-se extensão da natureza grave atribuída ao ato infracional perpetrado.


Para alguns juristas, ato infracional de natureza grave é somente aquele cujo cometimento se dá mediante violência ou grave ameaça à pessoa, enquanto que outros defendem que todas as condutas que analogamente importam em pena de privação de liberdade também são suscetíveis de receber a aplicação da reprimenda mais extrema prevista no Estatuto.


Todavia, partindo-se de uma interpretação holística do diploma legal, deve-se considerar para efeitos de adoção da medida de internação a gravidade do fato em si, e não o grau de periculosidade do agente infrator atestado por suas condutas anteriores, ou seja, por seus antecedentes.


Já a segunda a hipótese refere-se à existência de atos infracionais graves, devidamente comprovados, que resultaram na aplicação de quaisquer medidas sócio-educativas previstas no artigo 112 do ECA, com exceção da medida mais gravosa.


Tais situações denotam que o adolescente não se mostra dissuadido da prática de atos infracionais graves, reiterando seu cometimento sem qualquer pudor, o que realça a ineficácia das medidas sócio-educativas anteriormente aplicadas, visto que não surtiram os efeitos práticos almejados sobre o comportamento do jovem infrator, impondo-se a privação de liberdade ao jovem infrator somente em último caso.


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No tocante à reiteração, oportuno destacar que este conceito não se confunde com o de reincidência, que demanda a realização de novo ato infracional após o trânsito julgado de decisão anterior, enquanto que aquela exige seja a conduta infracional revestida de especial gravidade que imponha o regime de privação de liberdade como alternativa mais eficaz.


Outrossim, mesmo que a conduta infracional seja, na esfera menorista, de gravidade anômala àquele tipificado no ordenamento penal, como por exemplo, o crime de tráfico de entorpecentes, não restará autorizada a internação do jovem infrator quer não atesta a presença de registros anteriores que importem violência ou grave ameaça à pessoa, conforme prevê a legislação Federal.


A privação de liberdade pode também ser aplicada nos casos em que houver, por parte do adolescente infrator, descumprimento reiterado e injustificado de medida anteriormente imposta. É o que determina a terceira hipótese de internação prevista pelo Estatuto Menorista.


Nesta, condicionou-se a aplicação de uma “internação-sanção” para o adolescente que não cumprir a medida sócio-educativa determinada por meio de ordem judicial, sanção esta que importará em privação de liberdade nunca superior a três meses.[1]


O caráter “assecutório” desta modalidade de internação manifesta-se nas atitudes adotadas pelos adolescentes infratores como um verdadeiro alerta de que, em havendo o descumprimento reiterado e injustificável das medidas sócio-educativas aplicadas pelo Magistrado, os mesmos terão sua liberdade restringida temporariamente pelo período máximo de 03 (três) meses.


A experiência tem demonstrado que, em algumas comarcas, os Juízes determinam o período de três meses completos para permanência do adolescente infrator em estabelecimento educacional, descartando, desta forma, a necessidade de condicionamento da medida à assimilação por parte do adolescente infrator, da importância de que o mesmo se submeta ao comando da sentença dispositiva que determinou o cumprimento de determinada medida sócio-educativa, com sua predisposição em cumpri-la fiel e integralmente.


Vale registrar que, uma vez transcorrido o prazo máximo previsto na aplicação da internação por descumprimento de medida anteriormente imposta, qual seja, 03 (três) meses, impõe-se à autoridade judiciária a determinação da imediata liberação do adolescente, sob pena da prática do crime inserto no artigo 235 da Lei n. º 8.069/90.


2. Dos princípios norteadores da medida sócio-educativa de internação


A aplicação de qualquer medida privativa de liberdade, notadamente a internação, está condicionada aos preceitos legais insertos no artigo 227, §3º, inciso V, da Constituição Federal, reiterado pelo artigo 121 do Estatuto da Criança e do Adolescente, os quais consagram como garantia fundamental, a obediência aos princípios da brevidade, excepcionalidade e respeito à condição peculiar de pessoa em desenvolvimento.


Vale lembrar que o atendimento a estes princípios constitucionais e estatutários é fundamental para o reconhecimento da legalidade da restrição de liberdade imposta ao adolescente que se encontra em conflito com a lei.


Neste sentido, necessário registrar as particularidades dos princípios que orientam a escorreita aplicação da medida sócio-educativa de internação:


2.1.Princípio da Brevidade:


Por tal princípio, entende-se que a internação deve ser mantida pelo menor tempo possível, observando-se o prazo máximo pelo qual a medida poderá perdurar, qual seja, 03 (três) anos, de modo que, há cada 06 (seis) meses transcorridos, deverá ser realizada uma reavaliação acerca das atitudes seguidas pelo reeducando neste lapso temporal, a fim de se verificar a pertinência da manutenção da medida in comento ou, até mesmo, se é caso de substituição desta por outra mais apropriada à sua nova condição.


De acordo com os ensinamentos de Paulo Lúcio Nogueira “ainda que não tenha sido fixado, o prazo mínimo, conforme salientamos deve corresponder a seis meses, que será o prazo para a primeira avaliação e continuidade para a sua aplicação”.[2]


A posição sustentada pelo doutrinador supra-referido é compartilhada também na doutrina de Moacir Rodrigues, o qual explica que a medida de internação “é imposta por prazo indeterminado, baseado no fato de estabelecer o art. 121 da Lei Estatutária que ‘a medida não comporta prazo determinado, devendo sua manutenção ser reavaliada, mediante decisão fundamentada, no máximo a cada seis meses’, não excedendo em nenhuma hipótese, o prazo de três anos”.[3]      


Observe-se que o parecer favorável à desinternação do menor não vincula o magistrado ao acatamento de tal decisão, vez que a autoridade judicial poderá decidir de acordo com sua livre convicção, sendo-lhe permitido, inclusive, requerer outros exames técnicos que fundamentem o seu posicionamento.


Roberto João Elias, ao discorrer sobre este princípio, assevera que “considerando-se que o ideal para o adolescente é a permanência no seu lar, junto com seus familiares, por força até do preceito constitucional do art. 227, um dos princípios a ser observado é o da brevidade”.[4] 


2.2.Princípio da Excepcionalidade:


O princípio em questão informa que, havendo outras medidas, a internação será apropriada nos casos em que o ato infracional é cometido mediante violência à pessoa, reiteração na prática de outras infrações graves e o descumprimento reiterado e injustificável de medida anteriormente imposta, desde que a liberdade do adolescente constitua notória ameaça à ordem pública, evidenciando realmente a necessidade da segregação.


   Entretanto, existindo a possibilidade de ser imposta medida menos onerosa ao direito de liberdade do adolescente, será esta imposta em detrimento da internação, pois o que deve prevalecer é o respeito para com a pessoa do infrator, sendo vedada a prática de abusos que atentem contra as garantias estabelecidas em favor do interno.


Destarte, o magistrado, ao aplicar qualquer medida sócio-educativa, deverá levar em consideração as condições particulares do adolescente e a natureza do ato infracional, haja vista que o princípio basilar da medida sócio-educativa é a proporcionalidade entre o bem jurídico atingido e a medida imposta.   


2.3. Princípio do respeito à condição peculiar de pessoa em desenvolvimento


 Tal princípio encontra-se esculpido em inúmeros dispositivos legais, como, por exemplo, no rol do artigo 124 do Estatuto Menorista, que trata dos direitos e garantias fundamentais dos Adolescentes, apregoados, também, na “Constituição Cidadã” e na Lei Especial, no sentido de zelar pela integridade física e mental dos internos (artigo 125/ECA), reavaliação da medida a cada seis meses, cumprimento em estabelecimento adequado (artigos 121, parágrafo 2º e 123, ambos do ECA), entre outros.


Informa este preceito, em suma, que as crianças e os adolescentes, além de serem merecedores dos mesmos direitos conferidos à pessoa adulta, são detentoras de algo mais. Justamente porque se encontra em fase de desenvolvimento físico, psicológico, moral e social, são merecedoras e dignas de garantias especiais que lhe conferem proteção integral, cientificando-as das facilidades e oportunidades de alcançar a plena satisfação de seus direitos.


3. Da importância das entidades educacionais no processo de ressocialização


O Estatuto da Criança e do Adolescente surgiu num período de grande descontentamento social como um instrumento hábil a promover a concretização de idéias inovadoras que apontavam mudanças de rumo, bem como a modificação estrutural do sistema de proteção infanto-juvenil, que privilegiava a PRIORIDADE ABSOLUTA da criança e do adolescente.


Dentre este plano de mudanças, preocupou-se o legislador estatutário em definir uma estratégica que impedisse o adolescente infrator de reiterar as suas condutas infracionais, conduzido por uma linha de ação técnico-pedagógica diferenciada e, principalmente, focalizada na reintegração sócio-familiar.


Para tanto, previu o Estatuto Protecionista, de início, uma drástica redução da população internada, o que proporcionaria, conseqüentemente, a concentração de recursos humanos, sem, no entanto, privar o adolescente que se encontra em conflito com a lei de seus direitos fundamentais, tais como a dignidade humana, identidade, privacidade, entre outros.


Surge, a partir de então, dois tipos de instituições voltadas à proteção do menor, só que em âmbitos diversos, quais sejam, os abrigos e os internatos.


Os internatos diferem-se dos abrigos na medida em que aqueles são destinados exclusivamente a recolher adolescentes, leia-se, pessoas entre 12 (doze) e 18 (dezoito) anos de idade, que se encontram envolvidos na marginalidade atuando como autores de atos infracionais.


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Os abrigos, ao seu turno, destinam-se a proteger as crianças que se encontram em situação de risco, seja por omissão de seus pais, da sociedade ou do Poder Público, respeitando-se sempre, nos dois casos em apreço, a condição peculiar de pessoa em desenvolvimento.


Munir Cury, ao descrever em seu escólio acerca da diferenciação existente entre as duas instituições em tela expõe que o “internato não é um presídio. A internação é medida sócio-educativa que a autoridade competente pode aplicar ao adolescente infrator. O internato só se diferencia do abrigo na medida em que priva o adolescente do direito de ir e vir, ou seja, do livre acesso à comunidade […].” [5]


O Estatuto estabelece, ainda, a necessidade de se cumprir determinados requisitos de segurança física dos internos, como, por exemplo, a seletividade dos grupos realizada de acordo com a faixa etária dos adolescentes, desenvolvimento corporal, natureza do ilícito, manifestações de periculosidade, e outros (artigo 123, caput/ECA).


Neste propósito, prevê a primeira parte do artigo 123 do Estatuto da Criança e do Adolescente, que “internação deverá ser cumprida em entidade exclusiva para adolescentes, em local distinto daquele destinado ao abrigo, obedecida rigorosa separação por critérios de idade, compleição física e gravidade da infração”.


Entidade exclusiva, segundo a melhor hermenêutica, seria o local que em hipótese alguma poderia ser destinado a adultos, uma vez que exclusivo, para o saudoso filólogo Aurélio Buarque de Holanda Ferreira, tem o sentido de que exclui, põe à margem ou elimina.[6]


Não se trata de estabelecer um sistema de execução sócio-educativo sem a presença de maiores imputáveis, mas sim uma unidade diferenciada, construída exclusivamente para adolescentes, que atenda aos critérios de desenvolvimento destes cidadãos amparados pela legislação especial justamente por diferenciarem-se dos adultos quanto ao grau de desenvolvimento psicológico.


Caso contrário, note-se bem, não haveria toda a preocupação do legislador em diferenciar a medida sócio-educativa de internação da pena privativa de liberdade.


A realização de atividades pedagógicas junto aos estabelecimentos voltados à recuperação dos adolescentes infratores também foi uma novidade trazida pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, até então não prevista em qualquer legislação especial, e que delegou essencialmente, tal desempenho, à própria entidade de internação.


Neste sentido, passou a vigorar o entendimento de que a abstração de um resultado satisfatório, não só para a entidade aonde é desenvolvida a internação, como também para o jovem que se encontra inserido neste programa, está intimamente atrelada à realização de atividades pedagógicas em estabelecimentos educacionais de rede pública, iniciando, desde aí, o processo de reinserção social do reeducando, com a efetiva participação da comunidade.


Ao tratar das verdadeiras finalidades das entidades de internação, o ilustre doutrinador Afonso Garrido de Paula pontua que “a internação tem finalidade educativa e curativa. É educativo quando o estabelecimento escolhido reúne condições de conferir ao infrator escolaridade, profissionalização e cultura, visando dotá-los de instrumentos adequados para enfrentar os desafios do convívio social. Tem finalidade curativa quando a internação se dá em estabelecimento ocupacional, psicopedagógico, hospitalar ou psiquiátrico, ante a idéia de que o desvio de conduta seja oriundo da presença de alguma patologia, cujo tratamento a nível terapêutico possa reverter o potencial criminógeno do qual o menor infrator seja o portador.” [7]


Destarte, em que pese a existência de um sistema de proteção eficiente e inovador em termos de Infância e Juventude, deve se levar em consideração também a realidade social de uma nação, demonstrada através das políticas de ações desenvolvidas pelo poder Público em prol de quem realmente necessita deste amparo social.


Neste norte, note-se que a incapacidade do adolescente em absorver os preceitos pedagógicos e, conseqüentemente, o aumento estrondoso da marginalidade infantil, nada mais é do que o reflexo da deficiência de uma Justiça especializada, que não possui à sua disposição estabelecimentos de segurança e educação suficientes a recolher e recuperar todos os jovens que apavoram a população.


No Estado de São Paulo, o retrato assustador apresentado pelas FEBEM’s – Fundação do Bem–Estar do Menor, aliada à abstração de resultados desfavoráveis no tocante à ineficácia do sistema sócio-educativo pela quase totalidade das unidades educacionais, reflete na opinião pública, no trabalho desenvolvido pelos aplicadores do direito, bem como nos próprios gerenciadores das unidades de internação, um sentimento de fracasso, mas não de revolta, porque suas atitudes somente demonstram o descaso para com o sistema de proteção dos direitos infanto-juvenis, que só necessita ser efetivamente cumprido para manar resultados benéficos.


Atualmente, vê-se que a situação dos mencionados estabelecimentos educacionais, em nada se difere daquela observada há 16 anos, conforme atesta a reportagem publicada em 20 de setembro do ano de 1988, pela Folha de São Paulo:


“Certas unidades de internação têm sido foco de rebeliões, com reflexos negativos na opinião pública, que passa a desacreditar no tratamento dispensado aos menores infratores, bem como a própria instituição, como tem ocorrido com a FEBEM que chegou a ser considerada pela Teotônio Vilela de Direitos Humanos um campo de concentração”.[8]        


Infelizmente, diversas publicações da imprensa tais como a acima transcrita, estão a demonstrar que não só a FEBEM, como aproximadamente 70% dos centros de internação não estão a propiciar um atendimento digno aos jovens adolescentes, o que trai, efetivamente, o princípio basilar e fundamental da República Federativa Brasileira, estatuído no art. 1º, III, da Constituição Federal, qual seja, o da dignidade da pessoa humana.


Não fossem suficientes as torturas descritas nas reportagens dos órgãos de imprensa, a dignidade do jovem fica seriamente abalada ao ser ele jogado em uma penitenciária, vez que não aufere o tratamento preferencial e exclusivo de que tanto necessita.


Não é demais lembrar que, além da obrigatoriedade de atividades pedagógicas, as unidades de internação devem proporcionar, também, ao sócio-educando, a integralidade de seus direitos, os quais se encontram relacionados no artigo 124, da Lei Federal em estudo.


Dentre essas disposições, encontra-se o direito à escolarização e profissionalização, elemento este de relevante fator no processo que almeja a reintegração do jovem ao seio comunitário, abrindo, pois, oportunidades de empregos e mudança de visão com relação ao mundo em que se vive.


Roberto João Elias reforça tal apontamento, ao destacar que “a escolarização e a profissionalização, que também tem base constitucional no art. 227, devem ser ofertados ao adolescente internado como elementos necessários ao seu desenvolvimento intelectual e futura colocação no mercado de trabalho”.[9]


O direito à escolarização e profissionalização deve ser respeitado, na medida em que, é através do oferecimento dos cursos técnicos, que o jovem reeducando poderá adentrar no mercado de trabalho munido de um potencial diferenciado, que o auxiliará na construção de um novo projeto de vida, livre das drogas, marginalidade e dos maus olhares da sociedade excludente.


4. Da municipalização da medida sócio-educativa de internação: Uma proposta diferenciada


Conforme determina o Estatuto da Criança e do Adolescente, mais especificamente em seu Titulo I, as políticas de atendimento são executadas nos municípios através de ações governamentais e não-governamentais com o intuito de promover os direitos próprios das crianças e dos adolescentes.


Para tanto, estabelece o referido diploma legal em seu artigo 88, as diretrizes que devem orientar as linhas de ação desenvolvidas em favor destas pessoas, preconizando, de forma especial, a municipalização do atendimento.


Sobre o tema, a doutrina de Cury, Maçura e Garrido, com maestria, demonstra que “municipalizar, significa a União e o estado abrirem mão de uma parcela do poder que detinham até então nessa matéria, […]. Significa o Município assumir poderes até então privativos daquelas instâncias superiores da federação brasileira”.[10]


A municipalização do atendimento, tal qual preconizado também pelo artigo 204 da Constituição Federal, possibilita um atendimento voltado às necessidades e características de cada região, atendendo, desta forma, as peculiaridades dos problemas apresentados em cada região.


Além do mais, sabe-se que, quanto mais próximo do problema, maior a possibilidade de resolvê-lo e por fim, solucioná-lo de um modo menos gravoso para a criança ou o adolescente.[11]


Neste norte, José Farias de Tavares esclarece que “as atividades protecionistas devem ser, em primeiro lugar (inciso I), no município onde vive o beneficiário por ser o ambiente mais próximo de sua convivência”.[12]


Analisando as vantagens do atendimento regionalizado, o exímio doutrinador Roberto João Elias assevera que “o atendimento personalizado em pequenas unidades representa um grande avanço, pois permitirá que se consiga, com maior sucesso, a recuperação do adolescente. É certo que, em grandes grupos, sendo tratado como um número no meio da multidão será difícil alcançar resultados positivos”.[13]


O Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo e a Secretaria Nacional dos Direitos Humanos, ao realizar o X Encontro de Juízes da Infância e Juventude do Estado de São Paulo, chegaram à conclusão de que as unidades da FEBEM necessitam ser descentralizadas e regionalizadas.


Neste sentido, conferem-se as sábias palavras proferidas durante a palestra:


Todos sabemos que quando um adolescente pratica um ato infracional – crime ou contravenção penal – e recebe a medida sócio educativa de internação, ele é encaminhado para a FEBEM, que fica na Capital do Estado. Este encaminhamento fere os objetivos do Estatuto e dificulta, quando não torna impossível, o objetivo da medida, que é educar o jovem para que retorne a viver em sociedade; junto à sua comunidade.


A descentralização ou municipalização consiste em espalhar unidades da FEBEM por todo o Estado de São Paulo. Sendo inviável a instalação em cada cidade, deve-se ao menos haver a construção de unidades em cada região do Estado, conforme a divisão judiciária, ou mesmo administrativa.”[14]


Necessário esclarecer que a municipalização do atendimento, preconizada pela Carta Magna e pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, obriga o Poder Público a proporcionar à classe infanto-juvenil, meios práticos a fazer cumprir as medidas sócio-educativas porventura lhes aplicada na localidade mais próxima de seus familiares, cabendo ao Ministério Público, como órgão fiscalizador da proteção efetiva aos interesses da classe hipossuficiente, em caso de descumprimento das normas em apreço, recorrer à Ação Civil Pública para compelir a Fazenda Pública a dispensar um tratamento adequado e digno ao sócio-educando.


Vale ressaltar, outrossim, a importância que a família exerce no processo de ressocialização do adolescente em conflito com a lei, contribuindo tal instituição, incisivamente, para o restabelecimento das relações comunitárias e sociais.


Por derradeiro, o Estatuto da Criança e do Adolescente pontua em seu artigo 94, as obrigações que devem ser seguidas pelas entidades que desenvolvem programas de internação, situando-se, dentre elas, o restabelecimento e a preservação dos vínculos familiares.[15]


Destarte, note-se que o citado diploma legal trata de assegurar a proximidade do adolescente com sua família, quando estabelece as linhas de ação que devem seguir as entidades voltadas à privação da liberdade.


 Roberto João Elias demonstra o pensamento doutrinário sobre a preservação dos vínculos familiares no processo de internação do sócio-educando:


“O adolescente tem direito à convivência familiar (art. 227 da CF). Assim, sendo, os programas desenvolvidos deverão se voltar para este relevante aspecto. Deve-se, portanto, possibilitar o máximo possível o contato com a família por meio das visitas. As dificuldades que surgirem deverão ser comunicadas ao Magistrado, que, achando, oportuno, convocará os familiares do interno para esclarecimentos e advertências, se for o caso. Não pode a família, porque o adolescente foi internado, abster-se de colaborar para a sua recuperação, recordando-se o disposto no art. 4º do Estatuto”.[16]   


De fato, o convívio familiar e comunitário, mais do que uma obrigação por parte das unidades educacionais é um direito das crianças e dos adolescentes, o qual somente resta observado quando o atendimento prestado se dá em localidade próxima à sua comunidade.


Ademais, as políticas de atendimento desenvolvidas pelas sociedades governamentais e não-governamentais necessitam estar efetivamente voltadas para o desenvolvimento e a efetividade integral do sistema de proteção, buscando, indiretamente, fortalecer a família, a escola e a comunidade em que a entidade está inserida, seja através das ações educacionais, seja por meio de atividades de cunho social.


A comunidade local, neste contexto, também assume papel preponderante no funcionamento dos programas que contemplam as unidades de internação municipais, visto que poderão contribuir com no desenvolvimento de projetos assistenciais, bem como participando do planejamento das ações profissionalizantes, o que oportunizando, de certa forma, o estreitamento das relações entre o interno e os membros da sociedade.


5. Conclusão


O Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei Federal n. º 8.069/90), analisado sob todos os prismas possíveis, representou uma grande inovação tanto na esfera política, como também, no aspecto jurídico onde se registrou uma enorme mudança de paradigma ao abolir o antigo Código de Menores, passando a inserir no contexto nacional um sistema de co-responsabilidade entre governo e sociedade organizada, conjugando, outrossim, esforços na formulação, fiscalização, gestão e avaliação de políticas direcionadas à Infância e Juventude.


Também, na esfera social, promoveu uma verdadeira revolução cultural ao exigir e propiciar a mudança de direcionamento do olhar social, com a consequente alteração do sentir, do querer e do agir dos entes sociais voltados às causas das crianças e dos adolescentes.


Todavia, em que pese tenha reunido idéias inovadoras para barrar a delinqüência juvenil, vê-se que este diploma legal ainda encontra sérias dificuldades de ordem prática na implantação do sistema sócio-educativo proposto, notadamente, no que concerne à criação e ao funcionamento adequado de órgãos e estruturas básicas concatenados à reintegração sócio-familiar.


Analisando a sistemática idealizada pelo legislador, o escopo sociológico das normas que preconizam a internação do adolescente infrator e o modo pelo qual vem sendo esta medida aplicada, completamente dissonante aos princípios estatutários e constitucionais, o que pode ser comprovado pelas constantes manifestações dos meios de comunicação, evidencia-se que o atual modelo de internação, em nada difere do espantoso sistema adotado pelo antigo Código de Menores, visto que a cada novo acontecimento triste envolvendo um adolescente na prática de atos infracionais graves, maior a constatação de que a humanidade caminha em um círculo vicioso, que retroage todo o sistema sócio-educativo criado.


O fato de um jovem ser jogado em uma penitenciária trai todo o processo sócio-educativo preconizado em lei, passando ele a incorporar valores típicos de adultos presos, o que se contrapõe à necessidade da pessoa credora de proteção especial. Passa o jovem efetivamente a ser encarado e tratado como adulto.


Tal situação é obviamente inadmissível, haja vista que a materialização e operacionalização do Sistema de Garantias idealizado pelo Estatuto da Criança e do Adolescente com a implantação de uma rede de atendimento que permita a efetiva PROTEÇÃO INTEGRAL à criança e ao adolescente constituem-se num direito público subjetivo de toda população, em especial de sua parcela infanto-juvenil, posto que amparado pelo princípio constitucional da PRIORIDADE ABSOLUTA esculpido no art.227, caput, de nossa Carta Magna.


A solução para tais impasses está inserida no próprio texto normativo destinado à proteção das crianças e dos adolescentes, bastando sejam efetivamente operacionalizados os preceitos ali contidos por todos aqueles que se encaixam como co-responsáveis diretos da manutenção da ordem pública e a prosperidade social.


Em suma, o fenômeno da centralização das unidades de internação é responsável pelas inúmeras distorções apresentadas no sistema de proteção infanto-juvenil, de modo que não se pode mais permitir sejam as crianças e os adolescentes tratados como meros objetos da ganância e conveniência pessoal de seres inescrupulosos e descomprometidos com a preservação dos direitos humanos.


Cabe, pois, à sociedade civil, Poder Executivo e Judiciário, empenhados num único objetivo, reunir esforços para que os titulares destes direitos tenham acesso ao que é fundamental para as suas sobrevivências: educação, saúde, cultura, estruturação familiar, profissionalização e, principalmente, respeito à dignidade humana.      


     


Referências

CAVALLIERI, Alyrio. Direito do menor. Rio de Janeiro: Forense, 1997.

CENTRO DE APOIO OPERACIONAL DAS PROMOTORIAS DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE. Revista Igualdade. Livro 37, vol.10, Curitiba: Igualdade Curitiba, 2002.

CHAVES, Antônio. Comentários ao estatuto da criança e do adolescente. 2ªEd., São Paulo: LTr, 1997.

CURY, GARRIDO & MARÇURA. Estatuto da criança e do adolescente anotado. 2ª Ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000.

CURY, Munir e outros. Estatuto da criança e do adolescente comentado – Comentários Jurídicos e Sociais. 2ª Ed., São Paulo: Malheiros, 1996. 

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Notas:

[1] CURY, Munir e Outros. Estatuto da Criança e do Adolescente Comentado – Comentários Jurídicos e Sociais. 2ª Ed., São Paulo: Malheiros, 1996, p. 337.   

[2]  NOGUEIRA, Paulo Lúcio.  Estatuto da Criança e do Adolescente Comentado. Ed. Saraiva, 1991, p.180.

[3] RODRIGUES, Moacir. Medidas Sócioeducativas: teoria – prática – jurisprudência. Belo Horizonte: 2ª Ed., Del Rey, 1995, p. 33.

[4] ELIAS, Roberto João. Comentários ao Estatuto da Criança e do Adolescente – Lei n. º 8.069/90, de 13 de julho de 1990. São Paulo: Saraiva, 1994, p. 99. 

[5] CURY, Munir e Outros, op. cit., p. 272.

[6] Novo Dicionário Aurélio, 1ª edição, Ed. Nova Fronteira.

[7] PAULA, Paulo Afonso Garrido de. Menores, Direito e Justiça. Revista dos Tribunais, 1989, p. 94.

[8] NOGUEIRA, Paulo Lúcio, op. cit., p.196.

[9] ELIAS, Roberto João, op. cit., p. 103.

[10] CURY, GARRIDO & MARÇURA. Estatuto da Criança e do Adolescente Anotado. 2ª Ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000, p. 250.

[11] ELIAS, Roberto João, op. cit., p.63.   

[12] TAVARES, José Farias de. Comentários ao Estatuto da Criança e do Adolescente. Ed. Forense, 1997, p.87. 

[13] ELIAS, Roberto João, op. cit., p 71. 

[14] X Encontro de Juízes da Infância e Juventude do Estado de São Paulo. In Revista Igualdade Curitiba, n. º 16, jan/março-2002, p.29.

[15] CURY, Munir e Outros, op. cit., p. 271.

[16] ELIAS, Roberto João, op. cit., p.71.


Informações Sobre o Autor

Lucyellen Roberta Dias Garcia

advogada, pós graduada pela Escola da Magistratura do Estado do Paraná – EMAP, pela Escola do Ministério Público do Estado do Paraná – FEMPAR e pela ABDConst – Academia Brasilera de Direito Constitucional.


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