Resumo: O modelo constitucional de processo exige uma visão processual que tenha por base os preceitos constitucionais trazidos pela CRFB de 1988. É como olhar para o processo utilizando a lupa da Constituição. Nesse sentido, a motivação se mostra como uma das maiores representações desse modelo e fruto de instigantes discussões acerca da sua aplicação. Este trabalho visa desvendar a capacidade infirmadora da argumentação jurídica com base na motivação dos provimentos jurisdicionais, tendo como lupa exatamente a CF/88. Assim, tem-se a necessidade de se estudar em que medida a motivação é exigida dos julgadores.
Palavras-chave: motivação, fundamentação, modelo constitucional de processo, capacidade infirmadora, argumentação jurídica.
Abstract: The constitutional process model requires a process view that builds on the constitutional provisions brought by the 1988’s CRFB. It’s like looking for the process using the magnifying glass of the Constitution. In this sense, the motivation appears as one of the largest representations of this model, and the result of thought-provoking discussions about your application. This work aims to uncover the nullifying capacity of legal arguments based on the motivation of judicial decisions, with the magnifying glass exactly the CF/88. There is the need to examine to what extent motivation is required of judges.
Keywords: motivation, rationale, constitutional process model, nullifying capacity, legal argument.
Sumário: Introdução. 1. Marco Teórico. 2. Princípio ou regra da motivação? 3. Motivação: análise constitucional e infraconstitucional. 3.1. A nulidade da decisão não fundamentada: interpretação do texto constitucional. 3.2. A aplicação da motivação conforme o CPC/15: a consolidação do modelo constitucional de processo. 3.3. A nulidade das decisões pela capacidade infirmadora da argumentação. 3.3.1. O julgamento dos EDcl no MS 21.315-DF, pela 1ª Seção do STJ e outras jurisprudências. Conclusão. Referências.
Introdução
O sistema processual brasileiro vem sofrendo importantes transformações impostas pelo modelo constitucional de processo. Este modelo exige uma análise mais detida dos institutos processuais com base nos preceitos consagrados no Brasil pela Constituição de 1988.
Nesse ínterim, mister considerar que a Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015, ou, pela praticidade da nomenclatura, Código de Processo Civil, não pode, de forma alguma, ser isolada do sistema constitucional, sob pena de retroceder no Direito. Há que se reconhecer, portanto, a exigência de um estudo do Direito Processual Civil observando a CRFB/88. Certo é que não mais se aceita um modelo constitucional e um modelo processual desvinculados. Trata-se, portanto, do que orienta o modelo constitucional de processo, sustentado por uma interpretação diferenciada das normas processuais e uma decorrência do Estado Democrático e Constitucional de Direito.
Seguindo justamente a linha de pensamento ora exarada, a presente pesquisa irá buscar responder à seguinte questão – problema: ofende a motivação o provimento jurisdicional que deixa de enfrentar argumento trazido pelas partes sob o fundamento de que o mesmo seria incapaz de infirmar a decisão?
Sendo assim, o tema deste artigo passa pela motivação das decisões judiciais, abordando uma análise constitucional e infra-constitucional, de modo que finda na capacidade infirmadora dos provimentos, respeitando o modelo constitucional de processo. A importância da motivação reside na ideia de que não se pode esperar no ativismo judicial a solução suprema para os conflitos jurídicos nas sociedades contemporâneas. Não há que se vislumbrar, em um Estado Democrático, um direito que “navega” ao bel prazer do entendimento daquilo que o julgador subjetivamente decide.
A motivação, portanto, cumpre seu papel de limitar o ativismo judicial e as decisões arbitrárias, possibilitando, inclusive, o acesso à jurisdição, o contraditório e o duplo grau de jurisdição, consagrados pela Carta Constitucional de 1988.
Iniciar-se-á com a explicitação do marco teórico (item 2), seguindo-se do estudo da natureza da motivação, respondendo ao questionamento “Princípio ou regra da motivação?” (item 3). A partir deste item, passar-se-á à análise legal, em lato sensu, da Motivação, abordando aspectos constitucionais e infraconstitucionais (item 4), a nulidade das decisões com base no texto constitucional (item 4.1) e com base no CPC/15 (item 4.2), bem como a capacidade infirmadora da argumentação jurídica (item 4.3).
Investigar-se-á, também, a jurisprudência mais moderna concernente ao tema, a partir de uma análise crítica de julgados, especialmente o julgamento dos EDcl no MS 21.315 – DF, pela 1ª Seção do STJ, que até o presente momento inclui os votos mais emblemáticos acerca do tema (item 4.3.1).
Posteriormente, estudaremos a possibilidade da escusa judicial na análise da argumentação jurídica no bojo do Processo Civil hodierno, encaminhando o artigo que ora se apresenta para sua conclusão (item 5), com consequente resposta ao questionamento proposto.
2. Marco teórico.
É possível compreender a motivação como uma espécie de “freio” às decisões judiciais, na realidade, representa um impedimento aos juízes decidirem “conforme a sua consciência”[1], nos termos da expressão cunhada por Lenio Luiz Streck. O autor afirma, ainda, que “o novo Código não compactua com presunções, mesmo que venham com epítetos como “racional”, etc. Trata-se de uma opção paradigmática feita pelo legislador.” Assim, não mais se admite no processo civil brasileiro o livre convencimento desordenado, utilizado em grande escala em tempos pretéritos.
Adotar-se-á como marco teórico deste trabalho, a linha de pensamento exarada por Lenio Streck em sua obra “O que é isto – decido conforme minha consciência?”, no que concerne à visão do autor acerca da fundamentação, ou motivação, dos provimentos jurisdicionais, especialmente quanto ao art. 489, §1º, do CPC/15, o qual considera como “um dos melhores dispositivos do novo CPC”.
“Trata-se de um dispositivo que visa a proporcionar às partes um maior controle acerca das decisões judiciais. No mundo todo se clama por maiores controles nas fundamentações. A Corte Europeia dos Direitos Humanos considera a fundamentação um direito fundamental. O parágrafo primeiro do artigo 489 é um corolário da democracia.
Quem quer democracia e respeito pela Constituição, mormente no que tange ao princípio de que “todo poder emana do povo e em seu nome será exercido” e a garantia da fundamentação (artigo 93, inciso IX da CF) – princípios que devem ser de estima de qualquer governo-, deve lutar pela preservação do parágrafo primeiro” (STRECK, 2015, p. 118).
No intuito de obter uma conclusão satisfatória e eficiente em perspectivas teórica e técnica, este trabalho levará em consideração abordagens acadêmicas, jurisprudenciais e legais, com a tarefa de aliar as fontes do direito, especialmente as fontes formais[2].
3.Princípio ou regra da motivação?
Em complemento à adoção do pensamento de Lenio Streck como marco teórico deste estudo, faz-se necessário o entendimento do que ensina Robert Alexy a respeito da Teoria da Argumentação Jurídica, bem como em relação à Teoria das Normas. Isso porque, a análise da motivação exige uma prévia resposta ao questionamento “princípio ou regra da motivação?”
Alexy entende que “a decisão tomada em qualquer nível de fundamentação é, assim, uma decisão sobre o que deve ou pode ser feito ou omitido. Com ela, a ação ou comportamento de uma ou várias pessoas é preferido em relação a outras ações ou comportamentos seus, isto é, um estado de coisas é preferido em detrimento de outro”(2005, p. 37).
Contudo, como afirma o próprio autor, não basta a simples fundamentação e a menção a determinados conceitos jurídicos, mas sim, é de extrema importância a valoração dos fundamentos. Nesse sentido, não devem o intérprete e o aplicador do direito lançarem mão, exclusivamente, de preceitos morais e subjetivos para tais valorações. Faz-se imperiosa a consideração de um caráter não meramente subjetivo da valoração dos fundamentos jurídicos. Robert Alexy coloca quatro critérios para a problemática que envolve a valoração[3], de modo que nenhum dos quatro é suficiente (separadamente ou em conjunto), justamente porque os consensos fáticos são raros, sendo que não se extrai a mesma consequência normativa de juízos sociais diferentes para um mesmo problema prático nas sociedades atuais.
Apesar da grande dificuldade em assumir um critério objetivo para a valoração da fundamentação jurídica, como assevera o próprio estudioso, sabe-se que não é cabível a adoção de uma subjetividade irrestrita. Sendo assim, entende-se, para os fins desta pesquisa, por não se adotar um critério específico objetivo de valoração, mas buscar-se evitar a justificação subjetiva da mesma.
Apenas a título de esclarecimento, com base na compreensão ora explicitada, faz-se mister ressaltar que, apesar das críticas realizadas por Streck à ponderação de Alexy, aquele reconhece que a maior problemática quanto à teoria de Alexy reside na interpretação errônea feita, especialmente pelo legislador e pelos julgadores brasileiros, da mesma. Isso porque, a própria Teoria da Ponderação não admite uma escolha direta entre princípios ou regras em colisão, sem qualquer objetividade, de modo que a ponderação não é um salvo-conduto para que os juízes decidam conforme critérios eminentemente subjetivos. A despeito de eventuais divergências entre Streck e Alexy quanto à ponderação, o presente estudo não ingressará no mérito deste debate, já que tal compreensão não se mostra importante para a análise do tema central deste artigo.
A valoração de Alexy, para os fins deste estudo, deve ser compreendida com base nos elementos utilizados na motivação das decisões, especialmente no que concerne às normas. Aqui, para fins didáticos, é possível superar a discussão acerca do conceito de norma para adentrar na divisão amplamente conhecida no direito brasileiro entre normas do tipo regra e normas do tipo princípio.
Robert Alexy, em sua obra “Teoria dos Direitos Fundamentais”[4] apresenta a existência de três teses que dissertam acerca da distinção entre princípios e regras. A primeira delas argumenta no sentido de que é impossível se vislumbrar uma distinção precisa entre esses conceitos, de forma que não há sentido em uma divisão entre duas espécies de normas. Uma segunda tese aceita uma divisão, mas salienta que há apenas uma gradação de generalidade entre princípios e regras. Por fim, a terceira tese, que será adotada oportunamente neste trabalho, sustenta uma diferença qualitativa entre princípios e regras.
Nesse ínterim, Alexy compreende os princípios como mandamentos de otimização, de modo que podem ser satisfeitos em maior ou menor grau, a depender das possibilidades fáticas e jurídicas. Lado outro, as regras devem ser sempre satisfeitas ou não. Não há espaço para gradação, de modo que uma regra válida é de observância obrigatória.
No intuito de melhor ilustrar a ideia apresentada, Robert Alexy aduz que um conflito entre regras somente pode ser solucionado por uma cláusula de exceção ou pela invalidade de uma das regras em conflito. Ao contrário os princípios colidem de forma diversa, na medida em um prevalece sobre o outro em determinada situação e sob determinadas condições, sem, contudo, invalidar o princípio preterido.
Diante do exposto, é possível analisar a motivação, respondendo o questionamento anteriormente proposto. O texto constitucional exige o reconhecimento da motivação como um direito fundamental, pela própria disciplina atribuída a ela na redação do art. 93, IX, da Constituição de 1988[5].
A Constituição expressa claramente a nulidade dos provimentos jurisdicionais caso não sejam fundamentados. Ou seja, não há espaço para gradações, a motivação não pode ser aplicada em maior ou menor medida. Do mesmo modo, a motivação não aceita a aplicação de um princípio em seu lugar. Não é possível o sopesamento entre a motivação e outro princípio qualquer no caso concreto e sob determinadas condições. A motivação deve ser aplicada sempre, sob pena de que sua ausência invalide uma decisão judicial. Sendo assim, apesar de reconhecer-se a existência de opinião divergente, entende-se que a motivação representa uma norma do tipo regra.
O CPC/15, no parágrafo primeiro do art. 489, reforça ainda mais a tese da motivação como regra, já que estabelece critérios dotados de certa objetividade para a fundamentação da decisão judicial. Sendo assim, o legislador não deixa margem para que o julgador a aplique da forma como bem lhe convier. Pelo contrário, deve o mesmo seguir estritamente os critérios estabelecidos pelos incisos do dispositivo ora mencionado.
Cabe aqui, a título meramente ilustrativo, bem como por amor ao debate, uma crítica ao parágrafo subsequente do artigo supracitado. O acerto legislativo no parágrafo primeiro é tão grande quanto o erro do parágrafo segundo. Isso porque, na medida em que o legislador fortaleceu o direito fundamental à motivação, atribuiu ao julgador a possibilidade de relativizar normas lato sensu utilizando seu próprio juízo de ponderação.
Isso fere de morte o ideal de motivação como direito fundamental e vai de encontro à própria lógica do novo CPC, que é justamente a garantia da motivação como tal e como regra, que não pode ser sopesada ou relativizada.
4.Motivação: análise constitucional e infraconstitucional.
Tendo em mente a ideia de motivação, ou fundamentação, como uma norma do tipo regra, pode-se avançar nos estudos específicos do presente trabalho. Neste momento, dedica-se a desvendar a implicações constitucionais e infraconstitucionais da motivação.
Isso se dá pela grande importância atribuída a tal regra no Estado Democrático de Direito, como se vive no Brasil. A motivação refrata diversos outros institutos jurídicos, positivados ou não, explícitos ou não. Desse modo, entende-se que constituindo uma garantia fundamental prevista na CF/88, a motivação merece uma análise constitucional de sua estrutura e consequências, bem como uma análise infraconstitucional, especialmente no que concerne ao CPC/15. Como já dito, não há democracia sem a garantia da motivação.
4.1. A nulidade da decisão não fundamentada: interpretação do texto constitucional.
A regra da motivação encontra-se expressamente prevista no art. 93, IX, da CF/88. A redação do texto, conforme já referenciada no capítulo 3, determina a nulidade das decisões não fundamentadas. Contudo, o que isto quer dizer?
Certo é que a decisão não fundamentada constitui verdadeiro error in procedendo, ou seja, reflete o erro do juiz no processo de julgamento, uma falha no proceder do julgador, de modo que vicia os atos a partir dali exarados. Dessa forma, não basta que seja reformada a decisão, mas sim, deve ser dada outra decisão em seu lugar, pelo mesmo órgão julgador. Isso porque o texto constitucional prescreve que o provimento imotivado é nulo, não podendo ser aproveitado para fins jurisdicionais. Assim, a própria Lei Maior atribui à motivação a condição de requisito intrínseco de validade do provimento jurisdicional, sem o qual não produz seus efeitos regulares.
A força constitucional da motivação tem relação com outros importantes institutos constitucionais. Sem a regra da motivação, uma série de garantias previstas na CRFB seriam, na prática, verdadeira letra morta.
Começando pelo emblemático artigo 5º, os incisos XI e XII determinam a inviolabilidade da casa, bem como das correspondências, dados e comunicações telegráficas e telefônicas, a não ser por meio de decisão judicial. Aqui, a motivação impede que o Estado viole a vida privada do indivíduo de modo arbitrário e anti-democrático. Isso porque, apenas por meio de decisão judicial é possível a excepcional violação da vida privada, decisão esta que sem a motivação não pode ser executada, sob pena de constituir verdadeira prática despótica.
O acesso à informação e o direito de petição, previstos nos incisos XXXIII e XXXIV, também possuem reforço na motivação. Por se tratarem de direitos garantidos aos cidadãos, não há que se falar em negativa do Poder Público sem uma situação excepcional que a justifique. Deste modo, a negativa deve vir necessariamente acompanhada da sua adequada motivação. Caso não haja justificativa para a decisão denegatória, faz-se imperiosa a concessão do pleito.
O inciso LVII expressa o princípio da inocência. Importante garantia constitucional que apenas pode ser rechaçada por sentença penal condenatória, sentença esta que exige a pertinente motivação.
Assim, a despeito da existência de outros diversos exemplos, as situações ora apresentadas retratam acertadamente a importância da garantia da motivação. Porém, entende-se que estes exemplos não são ainda os mais proeminentes. A motivação possui aplicações muito mais claras no âmbito processual. Não que as situações já apresentadas sejam de menor importância, mas as que seguirão, de fato, demonstram a máxima e inafastável pertinência da regra da motivação.
O acesso à jurisdição, previsto expressamente no art. 5º, XXXV, da Constituição Federal, está fortemente ligado à motivação. A garantia constitucional às decisões fundamentadas pode ser entendida como um dos pressupostos do acesso à jurisdição. É impossível vislumbrar uma justiça sem motivação, no sentido de que um não se entende em separado do outro. Não há que se falar na possibilidade de um Poder Judiciário no qual o indivíduo possa ingressar mas sem a garantia de que seus pleitos sejam devidamente analisados e justificados. Também não faz o menor sentido uma regra da motivação sem o acesso à jurisdição, por motivos óbvios. Sendo assim, é possível afirmar que a motivação constitui um pressuposto básico do acesso à jurisdição.
O devido processo legal, previsto nos incisos LIV e LV, no artigo 5º, liga-se à regra da motivação. Isso porque, não se pode compreender um devido processo sem que as decisões estejam concretamente motivadas, ou fundamentadas. Essa garantia processual constitucional é, talvez, a mais ampla do modelo constitucional de processo. Sendo assim, a motivação faz parte da engrenagem que pode-se denominar como devido processo legal. Essa situação atinge o ponto mais importante deste item, qual seja: a motivação como um viabilizador do contraditório, da ampla defesa e do duplo grau de jurisdição.
O contraditório, em primeira análise, representa a ciência do ato jurisdicional aliada à possibilidade de combatê-lo. Mas não somente isso. O contraditório constitui, na verdade, a efetivação da participação dos sujeitos do processo em conjunto, a fim de influenciar as fases e os atos processuais, bem como os provimentos jurisdicionais. Representa, portanto, a garantia de que as discussões do processo não se limitam à mera oitiva das partes, mas sim, o princípio político da participação democrática das partes[6]. Nesse sentido, o julgador deve observar a argumentação produzida sob as bases do contraditório para a fundamentação das decisões judiciais, sob pena de fugir do caráter democrático que o texto constitucional impõe ao processo civil.
Do mesmo modo, a ampla defesa e a fundamentação não podem ser vistas como elementos indissociados do processo. A ampla defesa por sua vez, entendida como o binômio defesa técnica e autodefesa pressupõe decisões judiciais devidamente fundamentadas. Não faria sentido falar em defesa técnica caso o julgador pudesse decidir conforme sua própria consciência, sem motivar decisões e externa-las às partes. A defesa técnica, portanto, exige a motivação inclusive para que o duplo grau de jurisdição, que será tratado a seguir, possa ser efetivado no processo. Sem a motivação, a defesa técnica fica prejudicada no ato de combater os provimentos judiciais.
O duplo grau de jurisdição, implícito na Carta de 1988[7], é o mecanismo através do qual a parte se insurge contra decisões judiciais. No entendimento do processo como uma construção democrática pautada no contraditório e na ampla defesa, as decisões judiciais exigem a sua correta motivação. Não há que se relativizar a motivação, de modo que a mesma deve estar presente em todas as decisões. Por todos os fundamentos já expostos para isso o mais importante deles é justamente o que ora se apresenta. Isso porque a fundamentação é o elemento da decisão que permite à parte recorrer, já que em cima dela o recurso sustentará os motivos para que a decisão seja alterada ou anulada. A fundamentação reflete os motivos nos quais alicerçou-se a manifestação judicial. Assim, a parte se baseia nela para a elaboração das razões recursais. Sem a motivação das decisões judiciais o próprio debate nas instâncias superiores fica prejudicado.
4.2. A aplicação da motivação conforme o CPC/15: a consolidação do modelo constitucional de processo.
Claramente, o novo Código de Processo Civil busca consagrar o modelo constitucional de processo. Atualmente, não se pode vislumbrar o processo civil sem a observância das garantias constitucionais. A própria exposição de motivos do NCPC retrata o modelo, encontrando-se assim redigida: “Um sistema processual civil que não proporcione à sociedade o reconhecimento e a realização dos direitos, ameaçados ou violados, que têm cada um dos jurisdicionados, não se harmoniza com as garantias constitucionais de um Estado Democrático de Direito.[…] A necessidade de que fique evidente a harmonia da lei ordinária em relação à Constituição Federal da República fez com que se incluíssem no Código, expressamente, princípios constitucionais, na sua versão processual.”
Por diversas outras oportunidades, a Comissão de Juristas que elaborou o novo código, expressou o sentimento constitucional na exposição de motivos, advertindo justamente para a necessidade de que fossem inseridos preceitos constitucionais no modelo processual civil. Os artigos 1º e 11 retratam claramente a intenção do novo diploma, sendo que o primeiro retoma o ideal de modelo constitucional de processo e o último, que nos é de particular interesse, praticamente reescreve o art. 93, IX, da CF/88. Isso ocorre justamente para trazer ao processo civil o preceito constitucional da motivação. A simbologia que representa a transcrição do texto constitucional no diploma processual demonstra claramente a imprescindível interpretação da motivação conforme a regra constitucional.
Nesse mesmo sentido, ficou prescrito o artigo 489, do CPC.
Este dispositivo, de que trata especificamente a presente pesquisa, consagrou de forma inequívoca o ideal de motivação como um direito fundamental das partes no processo. A motivação não somente se apresenta como um elemento das decisões judiciais, mas uma garantia ao cidadão que se vê em uma relação jurídica processual. O parágrafo primeiro do referido dispositivo vem para reforçar a ideia constitucional de motivação, de modo que sem a qual a decisão é nula. Cumpre lembrar, que a motivação alcança as decisões interlocutórias, as sentenças e os acórdão, cuja diferenciação não se faz pertinente neste trabalho. O que se demonstra pertinente ressaltar é que a inafastabilidade da motivação não tem o condão de alcançar os despachos, isso porque estes não possuem qualquer caráter decisório, o que justifica, ainda, a impossibilidade de se recorrer dos mesmos.
Sendo assim, os seis incisos do parágrafo primeiro demonstram uma necessidade técnica a ser seguida pelos juízes, no sentido de melhor estruturar a sua motivação e impedir problemas empiricamente verificados na prática forense[8]. De todos os incisos presentes, o objeto específico desta pesquisa é o inciso IV. Motivo de diversas controvérsias entre juristas, bem como insatisfações de parte da magistratura quanto ao seu conteúdo, a redação do art. 489, §1º, IV, do CPC/15, será o objeto de estudo específico deste artigo daqui para frente.
4.3. A nulidade das decisões pela capacidade infirmadora da argumentação.
O estudo do art. 489, §1º, IV, do CPC/15[9] iniciar-se-á por uma retomada histórica, de uma história recente por sinal, das discussões acerca do dispositivo.
A Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe), a Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) e a Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra), no período em que o NCPC estava para ser sancionado, enviaram um documento à então Presidente da República Dilma Rousseff, requerendo o veto, entre outros, ao artigo 489. Os fundamentos foram dos mais diversos. Passaram pela dificuldade na gestão dos acervos de processos, pela supressão da independência funcional e pessoal dos julgadores, pela dificuldade de elaboração das decisões, entre outros.
Noutro norte, diversos juristas se manifestaram, juristas estes que por vezes discordam em vários pontos, mas que neste caso se uniram em torno da defesa do dispositivo. Lenio Luiz Streck afirmou: "Em quem eles pensam? Neles ou no Brasil? Exigir que os juízes examinem amiúde as petições é pedir demais?", as palavras de Fredie Didier Jr. também foram no sentido contrário às associações de magistrados, o processualista asseverou: “Estariam os juízes defendendo que é possível interpretar o dispositivo da decisão sem examinar a respectiva fundamentação? A presidente da República, se vetar esses dispositivos, avalizaria esse entendimento". Além de outros, Ada Pellegrini Grinover também se manifestou: “[…]Os vetos propostos só querem menos trabalho para o juiz, sem beneficiar o jurisdicionado". Dierle Nunes afirmou: "Nestes termos, um possível veto ao dispositivo representaria a supressão de uma importante técnica de controle do poder e uma irreparável involução da força normativa do Novo CPC". Até mesmo o magistrado Alexandre Freitas Câmara, considerou importante o dispositivo e se insurgiu contra o pedido de veto: "Não se pode conviver com falsas fundamentações (do tipo "ausentes os requisitos, indefiro") que nada dizem e são incompatíveis com o Estado Democrático de Direito. Por isso, manifesto aqui minha confiança em que, com a sanção, passemos a ter decisões verdadeira e democraticamente fundamentadas”[10].
Percebe-se que a sistemática adotada pelo NCPC no que concerne à fundamentação dos provimentos jurisdicionais dividiu opiniões. Como se sabe, o veto não prevaleceu e o dispositivo entrou em vigor com o código.
A despeito das manifestações contrárias quanto ao dispositivo em questão, especialmente de setores da magistratura, considera-se extremamente adequada ao modelo constitucional de processo, bem como aos próprios preceitos defendidos pelo diploma de 2015, a redação em vigor do artigo 489. De fato, aliar-se-á aos juristas defensores da fundamentação nos termos em que encontra-se redigida, considerando-a, inclusive, como uma das mais importantes redações presentes no atual CPC.
Contudo, cabe aqui um questionamento: o que seria um argumento capaz, de em tese, infirmar a decisão adotada?
A resposta a esta pergunta se dará, justamente, pela capacidade infirmadora da argumentação jurídica. Inicialmente, por argumentação, entende-se o ato de tecer razões a fim de adotar uma determinada conclusão que se queira defender. No caso da argumentação jurídica, resta claro um caráter de contenda jurídica, característico das relações processuais.
Considerando uma contenda jurídica, em que se verifica um procedimento em contraditório, pode-se afirmar que os argumentos se destinam a defender ou combater determinadas questões. Tais questões, de aspecto fático, jurídico ou processual, se diferenciam de meros argumentos. Ronaldo Brêtas realiza essa diferenciação: “Os argumentos consistem, então, nas razões de justificação deduzidas pelas partes, no procedimento em contraditório, em torno das questões de fato ou de direito processual ou material discutidas[…]as questões a serem resolvidas convertem-se em razões de discussão e estas serão as razões da decisão.” (2010, p. 131).
A partir disso, mostra-se imprescindível a diferenciação entre argumentos e questões. Isso porque as razões contidas nos provimentos jurisdicionais não são fruto dos meros argumentos trazidos pelas partes, mas sim de uma construção dialética que passa por questões ou “razões de discussão” e que finda na própria decisão judicial. Assim, não se pode inferir que o julgador está obrigado a enfrentar todos os argumentos trazidos pelas partes, mas sim todos as questões trazidas pelas partes sob o pálio do contraditório.
Impor ao julgador o dever de enfrentar todo e qualquer argumento na sentença é incompatível, inclusive com o próprio procedimento em contraditório. Isso porque, em um processo, determinados argumentos podem ser rechaçados anteriormente à sua apreciação na decisão final da fase de conhecimento. Não necessariamente um argumento trazido pela parte autora, por exemplo, será levado até o fim do procedimento para que seja analisado em sentença, de modo que esses argumentos não se convertem em questões propriamente ditas, motivo pelo qual não tem o condão de servir de base para as razões da decisão.
A capacidade de infirmar uma decisão ingressa na esfera de um argumento no momento em que o mesmo é colocado em discussão, no sentido de que, a partir daí e em conjunto com outros argumentos, ele se transforma em uma questão. Essa sim, tem necessariamente que ser enfrentada pelo julgador, seja em uma interlocutória ou na sentença, a depender do caso concreto observado no processo.
Assim, infere-se que a capacidade infirmadora da argumentação jurídica, ou seja, a característica que tem o poder de alterar uma decisão e de servir de base para suas razões, deve ser atribuída não a meros argumentos (razões de justificação), mas a questões (razões de discussão), pois serão estas, e não aqueles, que se enquadrarão na hipótese do inciso IV. Caso o julgador não enfrente todas as questões deduzidas no processo a decisão é dotada de vício de nulidade, pelo fato de que estas possuem a expectativa (por isso o termo “em tese” na redação do inciso IV) de se tornaram razões da decisão, podendo, assim, infirmá-la.
4.3.1. O julgamento dos EDcl no MS 21.315-DF, pela 1ª Seção do STJ e outras jurisprudências.
A apreciação dos EDcl no MS 21.315-DF, pela 1ª Seção do STJ, apesar da relativa simplicidade, representou um julgamento de alta repercussão jurídica no que concerne à disciplina da motivação contida no CPC/2015. A rejeição dos embargos, a despeito das controvérsias teóricas acerca do tema, se deu por unanimidade. Contudo, as controvérsias persistem, inclusive pelo histórico de debates anteriores à aprovação do texto, que já foram apresentadas anteriormente na presente pesquisa. Não obstante a importância de outros debates existentes no bojo no processo em epígrafe, este trabalho dará específica atenção ao voto que alicerçou o posicionamento da primeira seção do STJ nos embargos de declaração.
A parte do voto da Relatora Ministra Diva Malerbi (Desembargadora Convocada do TRF da 3ª Região) que traz especial interesse a esta pesquisa é o seguinte: “O julgador não está obrigado a responder a todas as questões suscitadas pelas partes, quando já tenha encontrado motivo suficiente para proferir a decisão. A prescrição trazida pelo art. 489 do CPC/2015 veio confirmar a jurisprudência já sedimentada pelo Colendo Superior Tribunal de Justiça, sendo dever do julgador apenas enfrentar as questões capazes de infirmar a conclusão adotada na decisão recorrida.”[11]
A análise desta decisão, a partir dos estudos do capítulo anterior, pode levar a crer que a julgadora agiu com certa atecnia. Isso porque, o julgado não diferenciou argumento de questão. O que poderia corroborar a posição adotada neste artigo, já que é possível que se tenha admitido justamente a obrigatoriedade no enfrentamento das questões (“razões de discussão”), pois estas são capazes de infirmar a decisão.
Contudo, parece que não foi essa a posição avençada. A magistrada se referiu a jurisprudência já sedimentada pelo STJ acerca da matéria, ou seja, jurisprudência ainda na vigência do CPC/73. O que o STJ entendia acerca da fundamentação das decisões judiciais está retratado no julgado do AgRg no REsp 1516491 / RJ nos seguintes termos: “Na hipótese dos autos, não se configura a ofensa ao art. 535 do Código de Processo Civil, uma vez que o Tribunal de origem julgou integralmente a lide e solucionou a controvérsia, tal como lhe foi apresentada. Não é o órgão julgador obrigado a rebater, um a um, todos os argumentos trazidos pelas partes em defesa da tese que apresentaram. Deve apenas enfrentar a demanda, observando as questões relevantes e imprescindíveis à sua resolução.”[12].
No mesmo sentido se manifestava o Supremo Tribunal Federal. O julgamento do AI 748648 AgR/RJ – RIO DE JANEIRO, de relatoria do Ministro Dias Toffoli, em 24/08/2010. “A jurisdição foi prestada mediante decisão suficientemente fundamentada. O artigo 93, inciso IX, da Constituição Federal não determina que o órgão judicante se manifeste sobre todos os argumentos da defesa, mas, sim, que ele apresente as razões que entendeu suficientes à formação de seu convencimento.”[13]
Percebe-se, diante da análise dos dois julgados anteriores à vigência do novo CPC, um do STJ e outro do STF, que a jurisprudência não se alterou. A magistrada que assumiu a relatoria do primeiro julgado apresentado neste item, de fato, se reportou ao entendimento anterior à nova disciplina da fundamentação.
Como já dito, o NCPC buscou sedimentar o modelo constitucional de processo, alinhando claramente a disciplina processual da motivação com o direito fundamental à motivação das decisões, consagrado no texto constitucional. Por isso, faz-se imperioso discordar do posicionamento adotado pelo STJ após a entrada em vigor do novo código. O legislador definiu parâmetros para a motivação dos provimentos no parágrafo primeiro do art. 489, não enfrentar todas as questões (razões de discussão) debatidas no processo ofende o dispositivo prescrito no inciso IV, motivo pelo qual trazer à vigência do CPC/15 uma jurisprudência que não se adequa à esta sistemática vai de encontro à prescrição legislativa.
O posicionamento do STF, também não se mostra adequado e não deve mais ser retomado pelos julgadores atuais. Poderia ser compreensível anteriormente ao CPC/15 a ideia de o juiz deixar questões por analisar na medida em que já encontrou fundamentos para o seu convencimento. Não se concorda com este posicionamento, porém, pode ser compreendido, já que o CPC/73 não era dotado de uma disciplina tão clara quanto o código atual. Contudo, mesmo que se compreenda tal posicionamento, há que se questioná-lo. O art. 93, IX, da CF merece uma interpretação conforme o restante do texto maior, já que a restrição da motivação representa a restrição um direito fundamental, que, como explicitado no item 4.1, influi na ofensa de outros importantes direitos constitucionais processuais, como o contraditório e o duplo grau de jurisdição.
Assim, a interpretação adequada passa pela garantia do direito à motivação, não pela facilitação dos julgados. Tanto a Constituição como o CPC visam proporcionar ao cidadão em juízo a adequada fundamentação das decisões, como um direito fundamental. O NCPC veio, portanto, para demonstrar o que se deve entender por decisão fundamentada. O diploma processual não permite que se coloque em primeiro plano, como fizeram os julgamentos anteriormente analisados, a facilidade do magistrado de se dar uma decisão, mas sim, combate as decisões excessivamente resumidas e práticas.
Obviamente, o legislador não descarta a possibilidade de decisões diretas e sucintas, mas não se pode deixar que isto prejudique a própria fundamentação do provimento. Como já asseverado, a motivação é um direito fundamental, enquanto a decisão resumida, direta e prática, é apenas um instrumento à disposição do julgador e a serviço da celeridade, o qual deve ser utilizado na medida em que não prejudique a motivação.
Conclusão.
O modelo constitucional de processo exige uma verdadeira releitura do processo civil. Nesse sentido, torna-se inaceitável uma interpretação isolada do processo, especialmente no que concerne ao CPC. O Código de 2015 consagrou este modelo, não que se trate um nova ótica do processo civil, mas o diploma processual reforçou ainda mais a visão constitucional do processo. Os preceitos constitucionais são de observância obrigatória no âmbito do processo civil, não podendo ser afastados portanto.
Seguindo esse pensamento, concluiu-se que a motivação configura uma verdadeira aplicação do modelo constitucional de processo. Talvez o art. 489, §1º, tenha sido a maior demonstração da constitucionalização do processo civil no novo Código. O dispositivo expressou a real interpretação a ser feita do art. 93, IX, da CF/88, qual seja, a motivação como uma regra constitucional e processual dotada de caráter fundamental.
A motivação, ou fundamentação, não admite gradações, ou uma decisão é fundamentada ou não o é. A impossibilidade de relativização dessa regra está clara na leitura do NCPC. A prescrição constitucional determina a nulidade de um provimento imotivado, o que leva a corroborar nossa tese.
Contudo, mais que uma regra constitucional, a motivação se apresenta como um verdadeiro direito fundamental. Não se pode vislumbrar um processo autenticamente democrático que afasta ou relativiza essa garantia. De fato, a motivação é um fator imprescindível de garantia da democracia no âmbito processual, já que, dentre outros, permite a concretização de importantes preceitos constitucionais, como o duplo grau de jurisdição, o acesso à jurisdição, o contraditório e a ampla defesa. Assim, a motivação jamais pode ser afastada, é o que garante ao cidadão que ele não será submetido a uma decisão judicial ou administrativa de caráter arbitrário e despótico. Se trata, portanto, de um direito fundamental processual, mas ainda assim, um direito fundamental como qualquer outro, o direito fundamental à motivação das decisões.
Ao magistrado, com isso, é vedado decidir estritamente conforme a sua própria consciência, é o que a motivação claramente impede. O provimento motivado externaliza as razões dadas pelo juiz àquela conclusão adotada, inibindo as decisões que reflitam um mero sentimento interior e subjetivo sobre o caso.
Resta evidente, portanto, que a necessidade da fundamentação é uma realidade, e é uma realidade nos termos do art. 489, §1º, do CPC. A interpretação deste dispositivo, especialmente do seu inciso IV, que foi o objeto específico desta pesquisa nos direciona para uma conclusão.
A necessidade de o julgador analisar todos os argumentos levantados pelas partes encontra uma relativa limitação. Essa limitação está justamente no termo “em tese” utilizado pelo legislador, na medida em que nem todos os argumentos externalizados ao longo do desenvolvimento processual são capazes de infirmar a decisão. Isso porque, alguns desses argumentos já foram rechaçados em debates anteriores no curso do procedimento, ou mesmo foram esquecidos pelas próprias partes por não se fazerem mais adequados.
Desse modo, os argumentos capazes de infirmar a decisão são exatamente aqueles que se encontram em conflito e que, por isso, podem ser tratados como questões. As questões sim, devem ser todas enfrentadas pelo julgador, sob pena de vício de motivação que constitui a nulidade do provimento. Os argumentos em conflito são aqueles que, em tese, tem o condão de infirmar a decisão, já que podem fazer parte da mesma para o fim de representar as razões que sustentam a conclusão adotada pelo juiz.
Cada argumento do processo que estiver em conflito com qualquer outro, ou com uma situação fática, legal ou processual deve ser levado em consideração pelo julgador no momento em que for exarar a decisão. Mas não apenas ser levado em consideração, e sim, deve ser incluído na decisão, mesmo que não seja adotado por um ou outro motivo, pois, como já dito, servirá de base para o eventual exercício do contraditório, ampla defesa, duplo grau, etc.
Nesse ínterim, a possibilidade de escusa judicial na análise de argumentos trazidos pelas partes somente pode ocorrer caso estes argumentos já tenham sido anteriormente enfrentados ou caso não estejam em qualquer conflito no processo, seja porque já aplicados ou analisados ou porque a própria parte desistiu do mesmo ou reconheceu o contra argumento. Assim, é possível compreender que se trata de verdadeira preclusão, já que os argumentos que o juiz pode deixar de analisar são aqueles que não são mais pertinentes ao momento processual, seja por motivos lógicos, temporais ou consumativos.
Não se admite, portanto, que o julgador se recuse a analisar um argumento que esteja em conflito e que, por isso, possa levar a outra decisão, invalidando a que foi exarada.
Infelizmente, como visto, a jurisprudência não tem adotado essa interpretação, a qual retrata o alinhamento entre o processo civil e o modelo constitucional, expressamente consagrado tanto na exposição de motivos quanto na letra da lei do NCPC. Ao contrário, as decisões, especialmente o recente acórdão do STJ, ainda revivem a antiga jurisprudência dos tempos da vigência do CPC/73.
Incorreto esse posicionamento, a nosso sentir, tendo em vista que o novo Código busca reforçar o modelo constitucional de processo, enquanto a jurisprudência insiste em adotar o posicionamento retrógrado do juiz decidindo segundo o que lhe é interna e subjetivamente adequado. Este retrocesso tem o condão de separar o processo civil do direito constitucional, o que não se mostra coerente com o caminho em direção à democracia plena.
O processo democrático é um passo importante para garantir ao cidadão a democracia plena, na qual não se sofra com as injustiças impostas inclusive pelo Estado. Obrigar o julgador a analisar expressamente os motivos que levam as partes a entenderem corretas suas pretensões faz com que seja garantido ao cidadão o verdadeiro julgamento de suas ações. Mesmo que esse julgamento se encontre materialmente viciado, a reversão da decisão estará permitida à parte, possibilitada, inclusive por estar fundamentada a decisão.
Do contrário, um provimento que nem sequer está motivado corretamente, venda os olhos do cidadão, impedindo-o de exercer o direito inafastável ao acesso à jurisdição e às garantias processuais constitucionais.
A motivação das decisões nos moldes do modelo constitucional de processo representa, de fato, a garantia da limitação do poder e a consagração de um Estado Democrático e Constitucional de Direito. O Direito sempre deve ter por base a ideia de que todo poder emana do povo e que em seu nome deverá ser exercido.
Informações Sobre o Autor
Matheus Mascarenhas Guzella
Bacharel em Direito pela Universidade Federal de Juiz de Fora. Advogado