Resumo: O presente texto tem por objetivo discutir a problemática do desemprego e da exclusão social e, em especial, da inserção dos jovens no mercado de trabalho enquanto pressuposto para a efetivação de sua cidadania. Parte-se da ideia de que é a partir da concretização do direito ao trabalho que o homem alça a condição de cidadão e, ao mesmo tempo, pode buscar a efetivação dos demais direitos fundamentais. Entretanto, o cenário atual é marcado por altos índices de desemprego que, em última instância, contribuem para a exclusão social de grande parte dos cidadãos e são responsáveis por inúmeros problemas sociais. Para os jovens, as consequências do desemprego são ainda mais devastadoras, porque afetam toda a sua vida futura. Neste sentido, acredita-se que a implementação de políticas públicas de inserção dos jovens no mercado de trabalho seja uma das alternativas viáveis.
Palavras-chaves: cidadania – desemprego – exclusão social – juventude
Abstract: The present text has for objective discuss the problematic of unemployment and social exclusion and, in special, of the insertion of the youths in the labor market as a prerequisite for the realization of their citizenship. It starts from the idea that is from the completion of the right to the work that the man raises the condition of citizen and, while can get the effect of other fundamental rights. However, the current scenario is marked by high rates of unemployment which, ultimately contribute to the social exclusion of big part of the citizens and are responsible for many social problems. For the youths, the consequences of unemployment are even more devastating because it affects all their future life. Accordingly, it is believed that the implementation of public politics of insertion of youths in the labor market is one of the viable alternatives.
Key words: citizenship – unemployment – social exclusion – youth
Considerações iniciais
Não é recente a preocupação com o desemprego e a exclusão social que decorre do mesmo. Contudo, nos dias atuais, a problemática assume novas proporções, especialmente a partir da divulgação de dados estatísticos que apontam para um número crescente de redução de oferta de emprego acompanhado de altas taxas de desemprego. Cada vez mais aumenta o contingente daqueles que estão em busca de emprego e que não conseguem uma colocação no mercado formal de trabalho. Com isso, esses trabalhadores são empurrados para as margens da sociedade e para o mercado informal tendo, muitas vezes, que submeter-se a condições precárias de trabalho, pois essa é a única forma de sobrevivência que lhe resta.
Quando se trata da faixa etária que compreende os jovens o problema se agrava, já que os índices não são nem um pouco alentadores, apontando para um número elevado de jovens fora do mercado de trabalho e, o que é mais preocupante ainda, com chances mínimas de possível ingresso no mesmo.
A inserção dos jovens no mercado de trabalho é condição para sua inclusão social e, em conseqüência, para a efetivação da sua cidadania. Isso porque ao fazer parte do processo produtivo, o jovem participa da vida econômica e social do seu país. Ao utilizar sua força de trabalho e, em contrapartida, obter uma remuneração pela mesma, os jovens passam a fazer parte do ciclo produtivo e, quanto mais essa idéia se consolida, mais se desenvolve o senso de participação e de responsabilidade social.
Desse modo, torna-se imperativo a elaboração e a implementação de políticas públicas de inserção dos jovens no mercado de trabalho, iniciando pela educação, tal qual é apregoada pelo texto constitucional, seguida pelas políticas de geração de emprego e renda. Não se objetiva, a partir desse artigo, apontar a solução para essa problemática, mas sim, refletir sobre alternativas viáveis no sentido de efetivar a participação dos jovens na vida política, econômica e social do seu país, a partir da sua inserção no mercado de trabalho.
O desemprego e a exclusão social
O trabalho permite ao homem adentrar no universo econômico e social, atuando como partícipe, e não como mero receptor das políticas governamentais. O homem, desde os mais remotos tempos, busca incessantemente a sua realização, sendo o trabalho uma das formas. Desse modo, se “por trabalho entendermos toda atividade humana do homem transformando a natureza, a relação entre trabalho e realização humana parece evidente”[1] e é tão antiga quanto a própria humanidade. Portanto, através do trabalho o homem pode encontrar a sua realização. Isso era o que se tinha até algum tempo atrás.
Contudo, na medida em que o tempo foi passando, a sociedade foi ficando mais complexa e a distância entre a realização do homem e o trabalho foi ficando mais distante, isso porque em razão dessa complexidade, “para a maioria dos indivíduos, o trabalho que fazem não são projetos seus, como também não são seus os frutos dos esforços”[2].
Segundo Antunes, “é a partir do trabalho, em sua cotidianidade, que o homem torna-se ser social, distinguindo-se de todas as formas não humanas”[3]. É pelo trabalho, ou, pelo menos, deveria ser pelo trabalho que o homem alça a condição de cidadão, capaz de gerir seu próprio sustento e de sua família de forma digna. A força de trabalho, na sociedade capitalista, é o único instrumento que o homem dispõe, mas que, por não ser objeto primeiro desse trabalho essa discussão não será levada à exaustão. Entretanto, faz-se necessário destacar que da relação entre a força de trabalho e o capital surge a alienação:
“Ao longo da história, com o aparecimento da dominação de uma classe social sobre outra, o trabalho foi desvirtuado de sua função positiva. Em vez de servir ao progresso de todos passou a ser utilizado para o enfraquecimento de alguns. De ato de criação virou rotina de reprodução. De recompensa pela liberdade se transformou em castigo. Enfim, em vez de ato de realização, foi transformado em instrumento de alienação”[4].
A alienação e, especificamente o trabalho alienado, é “marcado pela rotinização, pelo desprazer, pelo embrutecimento e pela exploração do trabalhador”[5]. O homem produz, mas não desfruta daquilo que produziu. E como ele necessita produzir para manter o sistema capitalista que vige, bem como ao seu próprio emprego, o homem passa a se distanciar cada vez mais do que produz, passando a agir de modo mecânico e rotineiro.
O trabalho é “uma atividade tão natural que muita gente não se dá conta da sua influência na constituição da sociedade”[6] e nem dos processos de alienação e exploração que ele faz surgir. Porém, é unânime o entendimento de que “estar desempregado é se sentir alheio a algo que pode dar sentido à vida”[7]. Do mesmo modo, o desemprego ameaça a própria condição social do homem, na medida em que limita o exercício pleno de seus direitos enquanto cidadão.
A importância de combater o desemprego repousa justamente no fato de que, sendo a força de trabalho seu único instrumento, a partir do momento em que lhe é negado o acesso ao emprego digno, o homem se vê alijado daquilo que é mais importante, qual seja, a possibilidade de participação ativa na sociedade. Destaca-se, ainda, que em uma sociedade onde “a participação na abundância e o sucesso profissional são aspectos essenciais para a integração social, o fato de encontrar-se sem trabalho gera um grave sentimento de derrota”[8].
O modo de produção capitalista, contudo, não se atém a essa questão, pois a força de trabalho representa tão somente uma mercadoria, necessária para a continuidade do sistema posto. Para o capitalismo, a realização do homem não interessa, visto que “a força de trabalho torna-se, como tudo, uma mercadoria, cuja finalidade vem a ser a produção de mercadorias”[9].
Assim, o capital utiliza-se das formas “precarizadas e intensificadas de exploração do trabalho, que se torna ainda mais fundamental para a realização de seu ciclo reprodutivo num mundo onde a competitividade é a garantia de sobrevivência das empresas capitalistas”[10]não importando as conseqüências advindas dessa postura. O único interesse é a manutenção do status do capital, em torno do qual gira toda a sociedade.
O desemprego surge como conseqüência, pois a prioridade é a redução dos custos e aumento dos lucros, não importando para isso a situação dos trabalhadores, que são os que sofrem mais duramente. Pode-se dizer que o aumento do número de trabalhadores que “vivenciam as condições de desemprego é parte constitutiva crescente do desemprego estrutural que atinge o mundo do trabalho, em função da lógica destrutiva que preside seu sistema de matabolismo societal”[11].
Para o modelo capitalista vigente, não importam as conseqüências do desemprego, desde que não haja interrupção da produção, que é o seu sustentáculo. O predomínio do capital sobre a força de trabalho representa exatamente a ideologia que rege tal modelo. Nesse sentido, a contribuição de Singer é essencial para se perceber a distorção existente:
“Para colocar o desemprego em perspectiva, é necessário explicitar e examinar criticamente uma série de pressupostos que o discurso corrente subentende. Em primeiro lugar, o fato de que se necessita de ocupação, que não é sinônimo de emprego. Este último conceito implica assalariamento – uma relação de emprego só existe quando alguém, em geral uma firma, dá um emprego a alguém. A própria linguagem é enganadora. Não há qualquer dação, mas compra e venda. O emprego resulta de um contrato pelo qual o empregador compra a força de trabalho ou a capacidade de produzir do empregado. Os empresários gostam da falar de oferta de emprego, como se o emprego fosse alguma dádiva que a firma faz ao empregado. Na realidade, é o contrário: é o trabalhador que oferece, ele que é o vendedor, e a mercadoria não é o emprego mas a capacidade de produzir do trabalhador. A firma empregadora é o comprador, o demandante e, como tal, paga o preço da mercadoria – o salário”[12].
O que se percebe, no cotidiano, é exatamente o contrário: os empresários utilizam-se do discurso de que são as empresas que oferecem aos trabalhadores a chance de ingresso no mercado de trabalho, ofertando um salário, muitas vezes, aviltante. Isso porque são eles que detêm o capital e como os trabalhadores dependem da venda da sua força de trabalho, passam a acreditar nesse discurso.
Como o lucro é que determina as políticas a serem adotadas, a concorrência entre as empresas produz um alto número de desempregados, pois, se o lucro é o objetivo maior, o aumento da produtividade deve se dar com o aumento da exploração da força de trabalho. Diante desse quadro, os desempregados, que até algum tempo atrás eram denominados de exército de reserva, hoje “desempenham o mesmo papel que as mercadorias que sobram nas prateleiras: eles evitam que os salários subam”[13], pois há um contingente enorme a espera de uma vaga.
Pochmann define o desemprego como sendo a representação do segmento da população economicamente ativa que procura por uma ocupação, mesmo estando em condições de exercê-la imediatamente, ou seja, “o segmento da população ativa que supera as necessidades e exigências do processo de acumulação de capital conforma um conjunto de mão-de-obra excedente em cada país”[14]. Assim, ele representa a parte mais visível deste excedente. Mas o autor destaca ainda outra forma tão gravosa quanto o desemprego, que é o subemprego. Para ele, o “subemprego e outras formas de sobrevivência respondem pela parte menos visível do excedente de mão-de-obra porque envolve os trabalhadores que fazem “bicos” para sobreviver e também procuram por trabalho”[15].
O desemprego pode desencadear outras situações, entre elas “o fato de o desempregado conduzir-se mais facilmente ao desespero social, à violência, às drogas; enfim, ao quadro de desamparo e de regressão numa sociedade que já tem muito desgastado o tecido social”[16]. Mas o desemprego traz consigo outras conseqüências, afetando tanto o nível individual quanto a esfera social. Antunes aponta para a desregulamentação dos direitos dos trabalhadores; aumento da fragmentação no seio da classe trabalhadora; precarização e terceirização; fragilização do sindicalismo[17] como as piores conseqüências que atingem a esfera social.
Mas, sem dúvida, a exclusão social parece ser a conseqüência mais nefasta do desemprego. Contudo, ela não decorre tão somente do desemprego, mas também da precarização do trabalho. Para Singer, a precarização “inclui tanto a exclusão de uma crescente massa de trabalhadores do gozo de seus direitos legais como a consolidação de um ponderável exército de reserva e o agravamento de suas condições”[18].
De acordo com Singer, a exclusão social é o somatório de várias exclusões, exemplificando que ela pode alcançar aqueles que foram expulsos do mercado formal de trabalho ou da escola, por exemplo, ficando numa posição de “desvantagem na competição por novas oportunidades, tornando-se candidatos prováveis a novas exclusões”[19]. Para o autor, a exclusão econômica é fundamental para a análise da exclusão social, pois “é a forma mais ampla, e suas vítimas estão provavelmente excluídas da maioria das outras redes sociais”[20], exemplificando a partir da seguinte análise:
“[…] Os sem-teto são uma conseqüência da exclusão econômica, que ocorre quando a pessoa perde o seu emprego, esgota o seguro-desemprego e gasta suas economias na desesperada batalha para manter as aparências. Aqueles que não podem conseguir os recursos para possuir ou alugar uma moradia normal acabam nas ruas, perdendo desse modo qualquer possibilidade de “manter-se em contato com o mundo” pelo correio, telefone e assim por diante. Se alguém deixa de ter endereço, segue-se daí uma exclusão social total como conseqüência da desvinculação social”[21].
Evidente que o exemplo acima citado por Singer pode ser considerado um extremo da exclusão social. Mas o autor faz outras alusões às demais formas de exclusão, dizendo que os excluídos “de semelhantes posições de classe são forçados a ganhar a vida em ocupações precárias como atividades sazonais ou trabalhos semiclandestinos”[22], passando a integrar o chamado mercado informal de trabalho.
De acordo com Singer, as causas da exclusão social podem ser explicadas a partir de duas teorias. A primeira delas defende que a exclusão social resulta de fatores individuais, tais como falta de qualificação ou de motivação para sair da ociosidade. Assim, as pessoas “são excluídas porque não possuem as qualificações exigidas pelo mercado, ou porque elas deixam de migrar para onde suas habilidades são requeridas, ou porque suas prioridades são tais que elas preferem permanecer ociosas”[23]. A segunda teoria aponta para os fatores estruturais como causa da exclusão social, que é “determinada pela dinâmica das empresas e outras estruturas supridoras de renda, e não pode ser sobrepujada atuando-se sobre a oferta de trabalho”[24]. Sendo assim, independe da condição pessoal do trabalhador.
Entretanto, independentemente de qual seja a causa da exclusão social, o fato é que a mesma existe e decorre, em grande parte, do desemprego. Daí a necessidade de implementação das políticas de geração de emprego. Mas a exclusão tem ainda outra faceta: ela ocorre mesmo com aqueles que se encontram empregados. Trata-se das formas precárias de trabalho, especificamente da terceirização. Como já referido anteriormente, o modelo de produção capitalista privilegia o lucro e a redução dos custos. Desse modo, aquele que antes era empregado, agora passa a prestar serviços à empresa. Ora, “enquanto trabalhadores autônomos, eles têm sempre motivo para incrementar o número de horas trabalhadas, porque quanto mais trabalham mais ganham”[25], ao passo que, enquanto empregados, o número de horas é limitado legalmente. Assim, o trabalhador se vê explorado e excluído da condição de empregado, deixando de perceber as demais vantagens e benefícios que são inerentes ao posto anteriormente ocupado.
Muito se teria a discutir a respeito da temática do desemprego e da exclusão social e da inter-relação entre ambos. Entretanto, surge a problemática da inserção dos jovens no mercado de trabalho. Estudos e estatísticas tem demonstrado que o número de jovens desempregados tem crescido vertiginosamente nas últimas décadas, fato esse que contribuiu ainda mais para a exclusão social e todos os problemas dela decorrentes.
Os jovens e a inserção no mercado de trabalho
O desemprego atinge todas as nações do mundo, variando em conformidade com o modelo econômico de cada país. Contudo, sabe-se que é entre os países menos desenvolvidos que o número de desempregados é mais elevado e, por conseguinte, traz conseqüências mais graves.
O quadro se torna mais preocupante na medida em que cresce o desemprego entre a população jovem, pois, nesse caso, o desemprego provoca seqüelas ainda maiores, visto que atinge diretamente a auto-estima, levando os jovens a uma situação de verdadeiro desespero social e uma quase inexistente possibilidade de vir a integrar o mercado de trabalho. Desse modo, o processo de exclusão social começa a se movimentar muito cedo, exigindo dos jovens um esforço bem maior no sentido de se incluir.
Relatórios da Organização Internacional do Trabalho – OIT – apontam que entre as causas do desemprego juvenil estão os baixos índices de escolaridade, a insuficiência e deficiência do ensino básico e médio e pela defasagem entre as demandas do mercado de trabalho e a oferta de capacitação profissional[26]. Todavia, o paradoxo estabelecido, qual seja, de um lado há um grande número de jovens desempregados e de outro há um número considerável de postos de trabalho vagos a espera de pessoas que possuam a qualificação exigida, precisa ser superado. E isso somente é possível a partir de mudanças significativas na própria estrutura social, iniciando pela educação.
Aqui, ao se falar em educação, é preciso ter o cuidado de não confundi-la com a qualificação profissional. A educação é um processo mais amplo, que envolve desde a aprendizagem de conteúdos historicamente acumulados até o desenvolvimento do senso crítico e de responsabilidade social. Para tanto, é necessário se pensar em uma educação nos moldes do art. 205 do texto constitucional pátrio, que tem, entre seus objetivos, o pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho. Não se pode pensar simplesmente em qualificação profissional, pois essa tem o caráter mais técnico, mais específico de preparar para realizar determinada atividade ou capacitar para determinado posto de trabalho.
E é esse também o entendimento da OIT, para a qual a educação “tem sido enfaticamente identificada como fator essencial para alavancar o desenvolvimento econômico e social”[27], apontando ainda que as deficiências educacionais constituem-se em um dos obstáculos ao aumento da taxa de crescimento econômico. Para a OIT, por melhor que seja a formação profissionalizante, ela não consegue compensar as deficiências de toda uma educação escolar, que tem um condão bem mais abrangente:
“Em qualquer país, o sistema educacional para ser eficaz tem de cumprir o triplo papel de (a) educar de forma a responder às mudanças de prioridades de conhecimento cientifico e tecnológico, (b) proporcionar pelo menos um patamar mínimo de apoio social e pedagógico orientador necessário para manter os jovens carentes e os jovens em grupos de risco motivados na escola, e (c) ajudar os jovens formandos na inserção no mercado de trabalho. O cumprimento eficaz desses papéis requer estratégias que de alguma forma distingam três categorias básicas de jovens: (a) os pobres carentes de um mínimo de educação e capacitação e de apoio social, (b) os de maior escolaridade necessitados de um mínimo de sociabilidade e de familiaridade com as exigências correntes do mercado de trabalho e (c) os de alta escolaridade, cujo aproveitamento depende freqüentemente de orientação pedagógica para mantê-los motivados a enfrentar a concorrência”[28].
Cabe, portanto, a cada sistema de ensino, implementar políticas educacionais que priorizem o desenvolvimento pleno de seus alunos, possibilitando aos mesmos condições de prosseguirem em seus estudos e de se inserirem no mercado de trabalho.
O desemprego por um longo período de tempo pode afetar de forma permanente o potencial produtivo dos jovens, influenciando na passagem da adolescência para a maturidade e, em conseqüência, gerando problemas sociais como o crime, o uso de drogas e o vandalismo. Alem disso, outra conseqüência do desemprego entre os jovens que pode ser apontada é a alienação social e dos processos políticos democráticos[29]. Estando fora do mercado de trabalho, os jovens se tornam alheios ao que acontece ao seu redor.
A falta de perspectiva dos jovens em conseguir se inserir no mercado formal de trabalho, aliada a dificuldade de inserção ocupacional dos trabalhadores em geral, é um dos fatores de desagregação social que afetam o país na atualidade, além, é claro de ser uma das formas mais perigosas de exclusão social. E, nesse contexto, é preciso considerar ainda o fato de que nas camadas com menor rendimento, “o percentual de jovens que efetivamente participam da PEA, seja como ocupados ou desempregados, é sempre inferior ao registrado para os jovens pertencentes às famílias com maior poder aquisitivo”[30].
Destaca-se, na questão do desemprego juvenil, que a condição econômica familiar é fator importantíssimo a ser considerado. Quanto menor a renda da família, mais grave se torna a situação do jovem que, muitas vezes, acaba se dirigindo para a inatividade, em muitos casos abandonando a escola ou então buscando emprego insistentemente. Segundo o DIESSE, esta situação “é especialmente dramática para aos segmentos mais vulneráveis da PEA juvenil, em especial aqueles com baixa escolaridade e/ou pertencentes a famílias de baixa renda”[31]. Sendo maior a dificuldade de inserção no mercado dos jovens mais pobres, ocorre o processo de retroalimentação da pobreza, porque não conseguem romper com a situação estabelecida.
Nas famílias que possuem uma renda familiar mais alta o desemprego é menor do que nas demais, visto que dispõem de melhores condições de acesso ao mercado de trabalho, “na medida em que os jovens pertencentes a estas famílias podem se preparar mais para disputar as vagas oferecidas o que aumenta as chances de uma busca por trabalho bem sucedida”[32]. O que não significa dizer que dentre esses jovens não há desemprego, mas sim que para esses jovens as condições são mais favoráveis.
Não havendo necessidade de buscar um emprego para aumentar a renda familiar, os jovens das camadas mais altas podem continuar estudando e se preparando para o ingresso no mercado de trabalho. O mesmo não ocorre com aqueles jovens que precisam trabalhar para complementar a renda da família e que, não poucos os casos, acabam abandonando a escola ou se dedicando menos aos estudos. Na medida em que isso ocorre, diminuem ainda mais suas chances de conseguir uma boa colocação no mercado formal de trabalho. Ao chegar a idade adulta, a distância se torna ainda maior, pois os melhores postos de trabalho serão ocupados por aqueles que tiveram uma boa formação escolar.
Outra questão pertinente em relação ao desemprego juvenil diz respeito ao tipo de emprego a que eles têm acesso, pois normalmente “dois de cada três jovens trabalham em atividades informais, onde freqüentemente a remuneração é menor que o salário mínimo e sem cobertura da previdência social”[33]. Essas condições irão influenciar a trajetória profissional desses jovens, que aceitam empregos precários acreditando que no futuro alcançarão melhores postos de trabalho.
Ao se falar em trabalho e em emprego, é necessário referir que a alusão a esses termos se dá em conformidade com o conceito de trabalho decente proposto pela OIT, tendo em vista que muitos jovens desenvolvem atividades laborativas que, entretanto, se dão de forma precária e em desacordo com a legislação trabalhista. Para a OIT, o trabalho decente está relacionado a um trabalho produtivo e remunerado de modo justo, a segurança no local de trabalho e a proteção social do trabalhador e da sua família, a liberdade de manifestação acerca das preocupações e a possibilidade de organização e participação na tomada de decisões que afetem a vida do trabalhador, bem como a igualdade de oportunidades e tratamento para homens e mulheres[34].
Desse modo, ao trabalhador jovem são conferidas as mesmas prerrogativas que ao trabalhador adulto, sendo a única ressalva a questão da proteção maior dispensada ao mesmo, especialmente através das normas sobre a idade mínima para o trabalho. Contudo, o que se observa é diferente, os jovens “enfrentam maiores desvantagens no mercado de trabalho, pois normalmente eles têm acesso a empregos de alta rotatividade, temporários ou eventuais, com menos prestações sociais e com salários inferiores”[35], sob o argumento de que não dispõem da mesma experiência e formação dos adultos.
As reflexões sobre o tema devem privilegiar, antes de tudo, as políticas educacionais que visem a formação e acumulação de experiências produtivas, levando em consideração os fatores que limitam a trajetória dos jovens, quais sejam, a deserção escolar, a inserção precoce ou precária no mercado de trabalho, gravidez precoce ou outros problemas familiares e sociais.[36] A partir disso, num segundo momento, fica mais fácil adentrar nas políticas de geração de emprego propriamente dita.
Para que a educação possa efetivamente atingir seus objetivos é necessário, de acordo com relatórios da OIT, que a infra-estrutura educativa seja melhorada e ampliada, tendo como medidas melhorar “a qualidade da docência, descentralizar a tomada de decisões, renovar o currículo e facilitar uma educação flexível, que permita aos estudantes seguir aprendendo ao começar a trabalhar[37]. Aliado a isso, é preciso considerar que a “educação ajuda em uma trajetória de trabalho positiva para quem a possui; porém a demanda do mercado de trabalho por maior educação pode agir como um mecanismo de exclusão para aqueles que não contam com ela”[38]. O desafio está em não permitir que se criem abismos entre diferentes sistema educacionais, assegurando a todos as mesmas condições de acessibilidade ao mercado de trabalho.
Educação e trabalho fazem parte de um cenário único e encontram-se entrelaçadas. É preciso, porém, ter em vista que a educação não pode, de modo algum, estar a serviço do mercado, atuando tão somente como formadora de mão-de-obra qualificada. A educação é “uma prática social, uma atividade humana e histórica que se define no conjunto das relações sociais, no embate dos grupos ou classes sociais, sendo ela mesma forma específica de relação social”[39]. Assim, a educação tem o condão de ampliar as capacidades do homem, possibilitando seu pleno desenvolvimento.
O caráter político e transformador da educação não pode estar subordinado aos interesses do capital. Com bem explicita Frigotto, não se pode aceitar a “diferenciação da educação ou formação humana para as classes dirigentes e a classe trabalhadora”[40]. Ou seja, não se pode compactuar com a visão de que as classes economicamente menos favorecidas necessitam de uma educação que lhes assegure tão somente o ingresso no mercado de trabalho, através da oferta de cursos técnico-profissionalizantes ou de formação de mão-de-obra, enquanto às demais classes têm acesso aos conhecimentos que lhe permitirão a perpetuação do sistema em vigor.
Considerações finais
Diante do que foi exposto, fica claro que o quadro de desemprego, especialmente entre os jovens, provoca inquietações e exige a elaboração de políticas públicas eficazes no sentido de reverter a situação. Uma educação de qualidade, que permita ao jovem seu pleno desenvolvimento, que o auxilie e o instrumentalize para adentrar no mercado de trabalho.
Contudo, é preciso estar atento aos mecanismos de produção e às características do modo de produção capitalista, onde o trabalhador é visto como um meio para se alcançar determinado fim, que é o lucro. Assim, a figura isolada do trabalhador não importa. É preciso, pois, pensar no trabalhador no sentido coletivo, enquanto categoria. A alienação que decorre desse modo de produção alcança todos os demais segmentos da sociedade, fazendo com que os problemas de determinadas categorias ou setores econômicos pouco interessem aos demais. Cada um preocupa-se tão somente consigo mesmo.
No que diz respeito aos jovens, quanto mais tempo eles ficam afastados do mercado de trabalho, maior a exclusão social e menor a chance de inclusão. O mesmo ocorre com as formas precárias de inserção no mercado, pois elas impedem, muitas vezes, de se alcançar uma condição melhor.
As políticas públicas de inserção dos jovens no mercado de trabalho devem estar voltadas à preparação integral, para que, ao sair dos bancos escolares, os jovens tenham condições de ocupar aqueles postos de trabalho vagos, que não foram ocupados por falta qualificação. Só que a qualificação que aqui se refere, não se resume ao mero treinamento e qualificação de mão-de-obra, mas sim a uma preparação mais ampla, que desenvolva o espírito crítico e o comprometimento com a transformação social. Somente desse modo, é possível a inserção e a inclusão social.
Informações Sobre os Autores
Marli Marlene Moraes da Costa
Pós-Doutora em Direito pela Universidade de Burgos/Espanha Doutora em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC, professora da graduação e do Programa de Pós-Graduação em Direito – Mestrado na Universidade de Santa Cruz do Sul – UNISC. Coordenadora do Centro de Estudos e Pesquisas Jurídicas – CEPEJUR e do Grupo de Estudos “Direito, Cidadania e Políticas Públicas” da UNISC. Avaliadora do INEP. Psicóloga com Especialização em Terapia Familiar. Autora de livros e vários artigos em revistas especializadas. Coordenadora e pesquisadora responsável pelo projeto Justiça Restaurativa na práxis das polícias militares: uma inter-relação necessária no atendimento as vítimas de crimes graves no município de Santa Cruz do Sul. Integrante do projeto CNPQ (PUC/RS) Relações de Gênero e Sistema penal: violência e conflitualidade nos Juizados Especiais de Violência doméstica e familiar contra a mulher
Suzete Da Silva Reis
Advogada. Pós-graduanda em Direito do Trabalho e Mestranda em Direito pela Universidade de Santa Cruz do Sul – UNISC. Membro do Grupo de Pesquisas Direito, Cidadania e Políticas Públicas da mesma Universidade. Bolsista da CAPES