A nova Lei do Divórcio e a extinção tácita da separação judicial

Resumo: Após a promulgação da Emenda Constitucional 66/2010 em 13 de julho de 2010, uma nova ótica deve ser extraída do novo texto constitucional, que deu contornos modernistas, precisos e inéditos ao Divórcio, tendo o § 6º do art. 226 da Constituição Federal passado a vigorar com a seguinte redação: “o casamento civil pode ser dissolvido pelo divórcio.” Eis aqui uma das mais ousadas mudanças que o Direito de Família já sofreu nos últimos anos. É nessa nova concepção do Direito de Família que se busca, de forma efetiva, garantir, antes de qualquer coisa, o direito à dignidade humana, e onde se encontra, de forma clara, um Estado mínimo que deixa a critério dos cônjuges decidirem sobre a sua própria vida matrimonial. Em um primeiro momento parece claro que o instituto da Separação Judicial foi de uma vez por todas banido do ordenamento jurídico pátrio, tendo em vista, que em um Estado que se diz democrático de direito, seria inadmissível este mesmo Estado permanecer intervindo na vontade das pessoas, infringindo assim o direito a liberdade, a intimidade da vida privada e à dignidade da pessoa humana. Parte da doutrina e dos operadores do direito não reconhece a extinção tácita da Separação Judicial e vários são os argumentos levantados buscando legitimar a permanência do instituto da Separação Judicial. Surge então a necessidade de se compreender a nova e moderna concepção do Divórcio no Brasil, através de métodos hermenêuticos histórico, dialético, comparativo e teleológico, bem ainda, de uma análise apurada da Emenda Constitucional 66/2010, atestar os benefícios que esta norma trouxe, demonstrando-se a extinção do arcaico procedimento binário. Somente através de uma posição critica pode-se compreender o desejo de mudança, demonstrando a mais moderna e coerente interpretação do texto constitucional.

Palavras-Chave: Emenda Constitucional nº 66/2010, Sistema Binário, Extinção.

Sumário: Introdução. 1. Crítica ao sistema binário. 1.1. Resistência a nova e contemporânea concepção do divórcio no Brasil . 1.2. Vigência de lei ordinária. 1.3. Possibilidade do Arrependimento e a Reconciliação do casal. 1.4. Quantificação dos alimentos. 1.5. Banalização do casamento. 1.6. Extinção da Separação Judicial. Conclusão. Referências.

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Introdução

O tema A Nova Lei do Divórcio e a Extinção Tácita da Separação Judicial é se não o mais polêmico, sem dúvida alguma um dos mais polêmicos da atualidade que envolve o Direito de Família.

Antes de se iniciar a problematização do tema, há a necessidade de compreender o que mudou com advento da Emenda Constitucional nº 66/2010. É imperativo dizer-se o que acontecerá a partir do vigor da EC 66/2010, isso sem deixar de lado também o que vigorava, ou o que acontecia anteriormente. Por isso, a nova ótica deve ser extraída do novo texto constitucional, que deu contornos modernistas, precisos e inéditos ao divórcio, tendo o § 6º do art. 226 da Constituição Federal passado a vigorar com a seguinte redação: “o casamento civil pode ser dissolvido pelo divórcio.” Eis aqui uma das mais ousadas mudanças que o Direito de Família já sofreu nos últimos anos. É nessa nova concepção do Direito de Família, onde se busca de forma efetiva garantir, antes de qualquer coisa, o direito a dignidade humana, e é onde se encontra de forma clara um Estado mínimo que deixa a critério dos cônjuges decidirem sobre a sua própria vida matrimonial.

Uma vez que num primeiro momento parece claro que o instituto da Separação Judicial foi de uma vez por todas banido do ordenamento jurídico, tendo em vista, que em um Estado que se diz democrático de direito, seria inadmissível este mesmo Estado permanecer intervindo na vontade das pessoas, infringindo assim o direito a liberdade, a intimidade da vida privada e a dignidade da pessoa humana. No entanto, parte da doutrina e dos operadores do direito não reconhecem a extinção tácita da Separação Judicial e vários são os argumentos levantados buscando legitimar a permanência do instituto da Separação Judicial. Dentre eles: entende-se que seria temerário o Estado impedir os cônjuges, caso queiram de adotar a Separação Judicial ao invés do Divórcio, alegando-se nesse caso que ainda haveria dúvida dos cônjuges quanto à dissolução do casamento, preferindo estes, dissolverem tão somente a sociedade conjugal, podendo posterirormente se reconciliar; outros afirmam que a legislação infraconstitucional continua intacta, não havendo revogação tácita; existem também afirmações no sentido de que a quantificação dos alimentos estão atrelados à análise da culpa de quem os pleiteia e neste caso, defendem que tal quantificação só poderia ser discutida em ação de Separação Judicial; finalmente, existem defensores que observam uma ótica extremamente religiosa, alegando que a extinção da Separação Judicial estaria fragilizando o Instituto da Família e banalizando o casamento, uma vez que basta a vontade dos cônjuges para que possam contrair núpcias num dia e no dia seguinte se divorciar.

Em que pese à autoridade intelectual dos operadores do direito, inclusive de renomados juízes que levantam bandeiras que visam negar a Extinção da Separação Judicial, possível é detectar a total fragilidade desses argumentos. Por se basear única e exclusivamente em método histórico de interpretação, onde observa-se um engessamento arcaico de interpretação diretamente ligado à mera exegese; ou por se ater apenas à literalidade do texto infraconstitucional que ainda não foi revogado de forma expressa, o certo é que estes argumentos não encontram sustentabilidade a um exame mais profundo, como o presente trabalho tentará demonstrar.

A Extinção implícita da Separação Judicial é uma imposição Constitucional. Faz-se necessário dizer que o Divórcio sofreu significativas modificações com o advento da Emenda Constitucional 66/2010 de 13 de julho de 2010. A manutenção do instituto da Separação Judicial, defendida por alguns, não se coaduna com o novo perfil constitucional atribuído ao Divórcio pela EC 66/2010. Surge então a necessidade de compreender-se a nova e moderna concepção do Divórcio no Brasil, onde de maneira sábia o legislador deu um grande passo para que o Direito brasileiro se torne um dos mais liberais do mundo, afastando sabiamente a equivocada intervenção estatal que até então existia, para que não se dê razão àqueles que defendem a existência da Separação Judicial. Em última análise, o presente Artigo tentará demonstrar a revogação Tácita da Separação Judicial, respeitando, mas rebatendo os argumentos que defendem a manutenção desta.

1. Crítica ao Sistema Binário

O sistema binário existente antes da promulgação da Emenda Constitucional 66/2010, sempre foi alvo de várias críticas por parte da doutrina. Ainda hoje mesmo após a entrada em vigor da Emenda Constitucional, tal sistema ainda é objeto de críticas.

As pessoas sempre foram livres para poder escolher se casar, no entanto, o Estado é quem determinava as condições para a dissolução do vínculo matrimonial. Ora, a quem interessava a vida em comum de um casal, ao Estado ou ao próprio casal? Se as pessoas eram livres para namorar, noivar e se casar, por que o Estado se intrometia na vida privada dos indivíduos impondo-lhes condições para se divorciarem?

Por mais que se buscasse entender quais os motivos para essa intromissão estatal na vida privada das pessoas, as explicações e justificativas oferecidas nunca conseguiram convencer, pois tais justificativas afrontavam a autonomia privada dos indivíduos, não permitindo que estes decidissem o que era melhor para as suas próprias vidas. Sobre o assunto leciona Rodrigo da Cunha Pereira[1]:

“A intervenção estatal justifica-se apenas como uma função instrumental para constituir meio garantidor de realização pessoal de seus membros. No entanto, pode-se detectar nas legislações que regem e dispõem sobre as relações familiares inúmeras situações contrapostas, em que ora é respeitado, ora ele é ultrapassado para atingir o principio da autonomia privada aplicável a tais relações”.

Assim sendo se determinado casal decidisse por fim ao vínculo matrimonial teria obrigatoriamente que se submeter ao sistema binário ou teria que ter mais de dois anos de separação de fato. O problema é que durante esse prazo se os divorciandos encontrassem um outro parceiro ou parceira e neles vissem a possibilidade de buscar uma vida em comum, de ter encontrado a sua verdadeira cara metade, reencontrando nessa pessoa o tão sonhado Amor; ficariam estes, por imposição estatal, impossibilitados de contraírem matrimônio até que fosse cumprido o lapso temporal exigido pelo Estado. Observe-se que tal exigência seguia em sentido contrário aos anseios sociais. O contra senso era tão grande que a única solução para o casal que se apaixonasse, certos de terem encontrado o verdadeiro amor e quisessem contrair novas núpcias, mas se encontrassem impedidos por conta da intervenção Estatal, teriam como opção constituírem união estável. Neste sentido aduz Rolf Madaleno[2]:

“É paradoxal constatar que pessoas separadas de fato e mesmo de direito, embora estejam impedidas de contraírem novas núpcias, não estão a contrario senso, proibidas de constituírem uma união estável, tanto que o parágrafo 1º do artigo 1.723[v] do Código Civil identifica uma entidade familiar na união de conviventes, onde um deles ou mesmo ambos se mantenha ainda formalmente casado, mas fática ou legalmente separados.”

Cristiano Chaves de Farias citando Maria Berenice Dias lembra que [3]:

“(…) estando a sociedade vivendo um novo momento histórico, tão bem apreendido pela Constituição Federal, que trouxe um sem números de garantias ao cidadão e assegurou-lhe a liberdade e o respeito à dignidade, é de se questionar se o Estado dispõe de legitimidade para impor aos cônjuges restrições à sua vontade de romper o casamento.”

Louvável a inovação do legislador ao extirpar de uma vez por todas o sistema binário do ordenamento jurídico pátrio. Ainda que tal mudança tenha surgido de forma tardia, esta veio de uma vez por todas garantir, o direito à dignidade humana dos divorciandos, não impondo mais ao casal o prolongamento do sofrimento, tendo que passar por dois procedimentos judiciais e respeitando prazos impostos de forma injustificável. O sistema binário apenas causava dor e sofrimento a todos os familiares, inclusive aos filhos, que teriam que conviver com essa tal situação constrangedora pelo tempo que durasse o processo.

O legislador nada mais fez do que a sua obrigação de impor ao Estado o principio de intervenção mínima na vida privada dos indivíduos. O Estado possui a obrigação de proteger a família, sendo esta ainda nos dias atuais considerada a base da sociedade, mas jamais possui o direito de impor limites e condições ao casal que quer por fim ao matrimônio. É exatamente este o entendimento de Rodrigo da Cunha Pereira[4]:

“O desafio fundamental para a família e para as normas que a disciplinam é conseguir conciliar o direito à autonomia e a liberdade de escolha com os interesses de ordem pública, que se consubstancia na atuação do Estado apenas como protetor. Esta conciliação deve ser feita através de uma hermenêutica comprometida com os princípios fundamentais do Direito de Família, especialmente o da autonomia privada, desconsiderando tudo aquilo que põe o sujeito em posição de indignidade e o assujeite ao objeto da relação ou ao gozo de outrem sem o seu consentimento”.

Maria Berenice Dias aduz o seguinte sobre o tema[5]:

“O inquestionável que ninguém dúvida que estava mais do que na hora de acabar com uma excrescência que se manteve durante mais de 30 anos pela histórica resistência de segmentos conservadores à adoção do divórcio. Nos dias de hoje, em que a influência religiosa vem perdendo espaço, era absolutamente inoportuno manter uma dupla via para assegurar o direito de sair de um relacionamento. Com certeza prevaleceu o respeito à dignidade humana ao ser garantido o exercício do direito à liberdade de buscar a felicidade”.

Finalmente com o advento da Emenda Constitucional 66/2010, é chegada a hora de uma total mudança de paradigma, onde o Estado se afasta de uma vez por todas da vida privada do individuo, passando o direito de escolha sobre o fim do relacionamento conjugal, exclusivamente aos cônjuges, não sendo mais necessário o cumprimento de qualquer lapso temporal e muito menos de ter que passar por um duplo procedimento judicial, os anseios sociais enfim foram atendidos.

1.1  Resistência à Nova e Contemporânea Concepção do Divórcio no Brasil

Ao ouvir os anseios sociais e a modernização da sociedade, quis o constituinte caminhar para frente, pois as pessoas mudam, a sociedade evolui, portanto o moderno direito das famílias deve sim convergir para atender os anseios sociais e evoluir no sentido de se adequar cada vez mais aos novos conceitos da sociedade e a modernização do povo brasileiro.

Tudo o que é novo acaba gerando insegurança e incerteza, talvez estas sejam justificativas plausíveis para aqueles que insistem em não aceitar os benefícios e as mudanças trazidas pela nova concepção do divórcio no Direito de Família.

Mesmo diante dos benefícios trazidos pela Emenda Constitucional 66/2010, existe uma minoria de doutrinadores e operadores do direito que resistem a tal mudança, chegando inclusive, a negar a extinção da separação judicial. Vários são os argumentos levantados por essa minoria, argumentos estes que serão objeto das próximas linhas deste trabalho, onde se buscará com a devida venia e respeito aos que pensam desta forma, desconstituir tais pensamentos, demonstrando-se que apesar dos questionamentos serem dignos de debates, continuar resistindo à nova ótica do Divórcio no ordenamento jurídico pátrio, é continuar vivendo no passado e fechando os olhos para a evolução social.

1.2 Vigência da Lei Ordinária

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Um dos argumentos levantados por quem insiste em não aceitar o novo é de que a legislação infraconstitucional continua intocada, portanto, até que exista lei ordinária revogando expressamente o que se encontra disposto no código civil. É exatamente neste sentido o entendimento de Gilberto Schafer[6]:

“Retirar do Texto Constitucional não significa revogação, especialmente quando a matéria está regulada no plano ordinário. E este é justamente o ponto pelo qual não se demonstra a existência de uma revogação”.

Este também é o entendimento de Fernando Henrique Pinto[7]:

Contudo, a aludida Emenda Constitucional, sem revogar nada de modo expresso, apenas e tão somente determinou que o aludido dispositivo constitucional passasse a ter a singela redação: “o casamento civil pode ser dissolvido pelo divórcio”.

Esqueceu-se o constituinte reformador, contudo, que segundo a Lei de Introdução ao Código Civil, artigo 2º, parágrafos 1º e 2º, “a lei posterior revoga a anterior quando expressamente o declare, quando seja com ela incompatível ou quando regule inteiramente a matéria de que tratava a lei anterior. (…) A lei nova, que estabeleça disposições gerais ou especiais a par das já existentes, não revoga nem modifica a lei anterior”.

Tal norma que regula a vigência das leis, no sentido lato sensu, vale também para modificações constitucionais, pois apenas materializa um princípio geral do direito, tais como a “vedação ao enriquecimento sem causa”, a “presunção de boa-fé” no Direito Civil, a “presunção de inocência” no direito penal.

Assim, por desconhecimento técnico ou questões políticas, quando da tramitação do projeto, o legislador acabou não inovando em nada, tendo em vista que desde 1977 “o casamento civil pode ser dissolvido pelo divórcio”, quando houve o advento da Emenda Constitucional 9, de 28/06/1977, seguida da Lei Ordinária 6.515 de 26/12/1977, a conhecida “Lei do Divórcio”.

Ainda seguindo a mesma linha de raciocínio dos juristas acima citados, segue o entendimento de Sérgio Gischokow Pereira[8]:

“A Constituição Federal não tratava da separação judicial, mas somente do divórcio. A separação judicial apenas foi elidida como exigência para o divórcio, mas permanece no sistema brasileiro, enquanto não revogado o Código Civil. Muitos pensam assim. A Constituição fala que o casamento é dissolvido pelo divórcio; ora, a separação não dissolve casamento, mas sim a sociedade conjugal. Alguns asseveram que ela é inútil. Não é bem assim. Desde que não atrapalhe o divórcio, pode continuar no Código Civil. A verdade é que pode ser o único caminho para aqueles cuja religião não admite o divórcio”.

Repercutiu com muita estranheza no meio jurídico pátrio, julgado do Tribunal do Rio Grande do Sul proferido pela 7ª câmara cível, adotando a manutenção da Separação Judicial  enquanto não houver mudança da legislação infraconstitucional. [9]:

“DIVÓRCIO DIRETO. VIABILIDADE DO PEDIDO. NÃO OBRIGATORIEDADE DO REQUISITO TEMPORAL PARA EXTINGUIR A SOCIEDADE CONJUGAL.1. A Emenda Constitucional nº 66 limitou-se a admitir a possibilidade de concessão de divórcio direto para dissolver o casamento, afastando a exigência, no plano constitucional, da prévia separação judicial e do requisito temporal de separação fática.662. Essa disposição constitucional não retirou do ordenamento jurídico a legislação infraconstitucional, que continua regulando tanto a dissolução do casamento como da sociedade conjugal e estabelecendo limites e…” (70044744795 RS , Relator: Sérgio Fernando de Vasconcellos Chaves, Data de Julgamento: 30/08/2011, Sétima Câmara Cível, Data de Publicação: Diário da Justiça do dia 05/09/2011)

Ora tais argumentos trazidos não devem prevalecer, pois se assim o fosse, a lei ordinária, neste caso o código civil, estaria se sobrepondo à carta suprema, haveria nesta situação a inversão da pirâmide Kelseniana, o que aqui não é possível.

Todas as leis que estão dentro do ordenamento jurídico, são diretamente subordinadas a uma “lei suprema” e a ela tem de ser adequadas. Caso uma lei hierarquicamente inferior à norma suprema, venha contrariá-la, questiona-se a constitucionalidade de tal norma.

De fato, é inegável que existe um conflito de normas, pois os requisitos para a obtenção do divórcio continuam subsistindo no código civil. Mas em conformidade com a hierarquia das normas a Constituição Federal se sobrepõe à lei ordinária, se assim não o fosse a EC 66/2010 não teria sentido algum em sua existência. Nesse diapasão converge o entendimento do Supremo Tribunal Federal[10]:

“A constituição sobrevinda não torna inconstitucionais leis anteriores com ela conflitantes: revoga-as. Pelo fato de ser superior, a Constituição não deixa de produzir efeitos revogatórios. Seria ilógico que a lei fundamental, por ser suprema, não revogasse, ao ser promulgada leis ordinárias. Alei maior valeria menos que a lei ordinária. Reafirmação da antiga jurisprudência do STF, mais que cinqüentenária.”

Nesta linha, Paulo Lôbo assevera[11]:

“Em outras palavras, a Constituição deixou de tutelar a separação judicial. A conseqüência da extinção da separação judicial é que concomitantemente desapareceu a dissolução da sociedade conjugal que era a única possível, sem dissolução do vínculo conjugal, até 1977. Com o advento do divórcio, a partir dessa data e até 2009, a dissolução da sociedade conjugal passou a conviver com a dissolução do vínculo conjugal, porque ambas recebiam tutela constitucional explícita. Portanto, não sobrevive qualquer norma infraconstitucional que trate da dissolução da sociedade conjugal isoladamente, por absoluta incompatibilidade com a Constituição, de acordo com a redação atribuída pela PEC do Divórcio. A nova redação do § 6º do artigo 226 da Constituição apenas admite a dissolução do vínculo conjugal.”

Ressalte-se que a interpretação das normas infraconstitucionais deve se dar de acordo com o texto da Carta Suprema e não o inverso. Não é a norma constitucional que se curva, e sim o oposto, em havendo compatibilidade se diz que a norma infraconstitucional foi recepcionada. Sobre a interpretação da norma constitucional leciona Juarez Freitas[12]:

“A Constituição Federal há de sempre ser interpretada, pois somente por meio da conjugação da letra do texto com as características históricas, políticas, ideológicas do momento, se encontrará o melhor sentido da norma jurídica, em confronto com a realidade sociopolítico-econômica e almejando sua plena eficácia.” 

Ainda acerca da interpretação conforme a constituição, leciona Alexandre de Moraes[13]:

“A supremacia das normas constitucionais no ordenamento jurídico e a presunção de constitucionalidade das leis e atos normativos editados pelo poder público competente exigem que, na função hermenêutica de interpretação do ordenamento jurídico, seja sempre concedida preferência ao sentido da norma que seja adequado à Constituição Federal.”

Pablo Stolze e Rodolfo Pamplona Filho convergem no sentido de que há uma clara incompatibilidade entre o dispositivo constitucional e a já existente legislação infraconstitucional[14]:

“Muito bem. A partir da promulgação da Emenda, desapareceu de nosso sistema o instituto da separação judicial, e toda a legislação que o regulava, por conseqüência, sucumbiu, sem eficácia, por conta de uma não recepção.

Com isso, consideramos tacitamente revogados os arts. 1.572 a 1578 do Código Civil, perdendo sentido também a redação do art. 1.571 no que tange à referência feita ao instituto da separação.

Não há mais espaço também para o divórcio indireto, pois, com o fim da separação judicial, não há o que ser convertido (art. 1580).”

Maria Berenice Dias lembra aos esquecidos que a Constituição Federal ocupa o topo do ordenamento jurídico[15]:

“No entanto, é bom não esquecer que a Constituição Federal ocupa o ápice do ordenamento jurídico. Assim, a alteração superveniente de seu texto enseja a automática revogação da legislação infraconstitucional incompatível.”

A jurisprudência pátria é farta no sentido de afirmar que se trata de norma constitucional de eficácia plena e a sua aplicabilidade é imediata, não havendo mais em se falar em separação judicial prevista na legislação infraconstitucional[16]:

“CIVIL. DIVÓRCIO LITIGIOSO. EXTINÇÃO SEM JULGAMENTO DO MÉRITO. ARTIGO 267, INCISO VI, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. AUSÊNCIA DE TRÂNSITO EM JULGADO DA SEPARAÇÃO JUDICIAL. EC 66/2010. SUPRESSÃO DO INSTITUTO DA SEPARAÇÃO JUDICIAL. APLICAÇÃO IMEDIATA AOS PROCESSOS EM CURSO. A APROVAÇÃO DA PEC 28 DE 2009, QUE ALTEROU A REDAÇÃO DO ARTIGO 226 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL, RESULTOU EM GRANDE TRANSFORMAÇÃO NO ÂMBITO DO DIREITO DE FAMÍLIA AO EXTIRPAR DO MUNDO JURÍDICO A FIGURA DA SEPARAÇÃO JUDICIAL. A NOVA ORDEM CONSTITUCIONAL INTRODUZIDA PELA EC 66/2010, ALÉM DE SUPRIMIR O INSTITUTO DA SEPARAÇÃO JUDICIAL, TAMBÉM ELIMINOU A NECESSIDADE DE SE AGUARDAR O DECURSO DE PRAZO COMO REQUISITO PARA A PROPOSITURA DE AÇÃO DE DIVÓRCIO. TRATANDO-SE DE NORMA CONSTITUCIONAL DE EFICÁCIA PLENA, AS ALTERAÇÕES INTRODUZIDAS PELA EC 66/2010 TEM APLICAÇÃO IMEDIATA, REFLETINDO SOBRE OS FEITOS DE SEPARAÇÃO EM CURSO. APELO CONHECIDO E PROVIDO. 267 VI CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL.” (260894220108070001 DF 0026089-42.2010.807.0001, Relator: ANA MARIA DUARTE AMARANTE BRITO, Data de Julgamento: 29/09/2010, 6ª Turma Cível, Data de Publicação: 07/10/2010, DJ-e Pág. 221)

Ora, ainda que possa existir resistência à revogação tácita dos dispositivos dispostos na legislação infraconstitucional, há de, no mínimo, aceitar que tais dispositivos permanecem no ordenamento jurídico pátrio sem, no entanto, surtir qualquer efeito, por simples incompatibilidade com a Constituição Federal.

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1.3 Possibilidade do Arrependimento e a Reconciliação do Casal

Um outro argumento levantado pelos defensores da manutenção da separação judicial, é no tocante à reconciliação do casal, sob a alegação de que a separação judicial dissolvia tão somente a sociedade conjugal, permanecendo o vínculo matrimonial, portanto seria muito mais fácil para o casal caso quisessem restabelecer o casamento.

De fato antes da promulgação da Emenda Constitucional 66/2010, era coerente se falar na possibilidade reconciliação do casal, enquanto estivessem apenas separados judicialmente, conforme previsão legal no art. 1.577 do código civil, in verbis:

“Seja qual for a causa da separação judicial e omodo como esta se faça, é lícito aos cônjuges restabelecer, a todo tempo, a sociedade conjugal, por ato regular em juízo.

Parágrafo único. A reconciliação em nada prejudicará o direito de terceiros, adquirido antes e durante o estado de separado, seja qual for o regime de bens”.

Alega-se, ainda, que não se pode infringir a autonomia de vontade das partes envolvidas, se existe um consenso e estas querem dispor da separação judicial ao invés do divórcio, não se pode negar este direito de escolha. Neste diapasão é o entendimento de Lourival Serejo[17]:

“Se o casal quiser apenas separar-se judicialmente (nem levanto a hipótese de motivo religioso), o Estado não poderá obrigá-lo a divorciar-se. O casal entende que não está amadurecida a idéia de divórcio, mas, por qualquer motivo, não quer mais permanecer junto nem “largado”. Pede a separação judicial enquanto não se decide. É uma situação possível e previsível”.

Os motivos alegados a essa autonomia da vontade dos cônjuges, seriam ligados à dúvida quanto à dissolução definitiva do vínculo matrimonial, ou até mesmo quanto a questões religiosas, para aqueles em que a religião não permite o divórcio e não conseguem separar o direito de religião, nestes casos a separação judicial para aquele momento seria uma opção. Assim é o entendimento de Walsir Edson Rodrigues Júnior e Dierle Nunes[18]:

“Dessa maneira, soa temerário negar a homologação de um pedido de separação judicial, feito por duas pessoas maiores e capazes que, por convicções religiosas ou de outra ordem, necessitam de tempo para a reflexão e a tomada da decisão definitiva sobre o término do casamento. O respeito à dignidade humana implica o reconhecimento da singularidade de cada indivíduo em uma sociedade multifacetada.”

Sobre o assunto aduz Ingo Wolfgang Sarlet[19]:

“(…) é o Estado que existe em função da pessoa humana, e não o contrário, já que o ser humano constitui a finalidade precípua, e não meio da atividade estatal.”

Aqueles que defendem a manutenção da Separação Judicial entendem que a EC 66/2010 somente extinguiu a exigência de lapso temporal para a obtenção do divórcio, mas não extinguiu o instituto da Separação Judicial, se apóiam na possibilidade de reconciliação do casal a qualquer tempo, sem a necessidade de um novo casamento.

Assim leciona Marianna Chaves[20]:

“Em resumo os filiados a esta corrente entendem que a separação subsiste no sistema legal pelas razões supra aduzidas. E fazendo uma interpretação dos argumentos utilizados , os adeptos entendem que a mesma deve continuar a existir por três motivos: por uma questão de possibilidade de opção das partes (se querem por fim ao vínculo matrimonial ou apenas à sociedade conjugal) – o que se traduziria no livre exercício da autonomia privada das partes.”

Diante dos argumentos trazidos acima, é louvável o entendimento de parte minoritária da doutrina quanto à subsistência do instituto da Separação Judicial, mas tal entendimento conforme posicionamento adotado no âmbito deste trabalho, não deve prevalecer diante da nova ótica constitucional do direito das famílias. Com a devida cautela e respeito buscar-se-á a seguir desconstituir os argumentos lançados, sempre se tentando demonstrar que apesar de não mais subsistir a Separação Judicial no ordenamento jurídico pátrio, em momento algum isso será motivo para impedir a reconciliação do casal.

Quando a paixão acaba esta por sua vez deveria dar lugar ao amor e ao respeito mútuos, o amor, o carinho, o afeto e a sensatez são ingredientes indispensáveis para a manutenção de uma vida em comum; se estes ingredientes deixam de existir e aqueles que antes se amavam, hoje se odeiam vivendo em um ambiente como dois inimigos, é chegada a hora de se repensar o matrimônio. Regis Mesquita assim define o amor[21]:

“O amor é um fluir (por isso é um verbo – amar), que surge quando servimos, amparamos, cuidamos, identificamo-nos e, principalmente, quando somos nós mesmos, sem máscaras, sem enganações, sem dissimulações.”

Como já foi explicitado anteriormente hoje o ordenamento jurídico não mais comporta o antigo sistema dual (separação e divórcio), restando a opção dos cônjuges de se divorciarem sem nenhuma exigência prévia de lapso temporal.

O divórcio existe para que pessoas maiores, capazes e sensatas possam por fim a um relacionamento falido, que já não mais produz frutos, ora, isso em momento algum impede que em havendo qualquer tipo de dúvida entre os cônjuges acerca de se divorciar, estes não possam antes optar pela separação de fato e com isso possam levar o tempo que for necessário para repensar a sua vida. Nesta linha de raciocínio é o entendimento de Maria Berenice Dias[22]:

“Havendo dúvidas ou a necessidade de um prazo de reflexão, tanto a separação de fato como a separação de corpos preservam o interesse do casal.”

Comungam desse entendimento Flávio Tartuce e José Fernando Simão[23]:

“Apesar do desaparecimento dos institutos e das citadas revogações, esclareça-se, que a categoria da separação de fato está mantida no sistema. É notório que a separação de fato está mantida no sistema. É notório que a separação de fato somente ocorre no plano físico e extrajudicial, não se confundindo com a separação de direito ou jurídica, pois não gera os mesmos efeitos concretos. Na verdade a separação de fato constitui uma separação informal, caracterizada pelo distanciamento corporal ou afetivo dos cônjuges.”

Lembre-se ainda, que durante o período em que o casal optou pela separação de fato para repensar o relacionamento, a partir deste momento o patrimônio adquirido por qualquer das partes não se comunica, mas tal questão desde que convencionado pelas partes poderá ser solucionada posteriormente sem nenhum problema.

Se ainda assim, a solução apresentada não for satisfatória, seja por convicções religiosas ou pelo fato do casal não querer se deparar diante de uma situação informal, poderão se divorciar e isto em momento algum será óbice a uma eventual reconciliação do casal. Conforme leciona Maria Berenice Dias[24]:

“Assim, de todo injustificada a tentativa de manter o instituto da separação, marcadamente obsoleto, para o só propósito de garantir ao separandos a possibilidade de tornar sem efeito a separação. Em caso de arrependimento, tendo o casal se divorciado, o jeito é casar novamente, o que, além de mais, prático e mais barato – já que a celebração é gratuita (CF 226 § 1º) – é mais romântico!”

Esse também é o entendimento de Caroline Damasceno Fonseca[25]:

“Para aqueles que se divorciarem e, por ventura, venham a se reconciliar posteriormente, desejando retomar o estado de casados, resta apenas a alternativa de contraírem novas bodas, já que o divórcio põe fim ao vínculo conjugal. Há quem sustente ser até mais romântico.”

Não se pode deixar de lembrar, que mesmo antes com a existência da Separação Judicial, havia casos em que depois de decretado o Divórcio do casal, estes acabavam posteriormente por se reconciliar, lógico que casos como estes eram exceção e não a regra, e a única solução era a realização de um novo casamento.

Pablo Stolze e Rodolfo Pamplona Filho aduzem o seguinte[26]:

“E o fato de a separação admitir a reconciliação do casal – o que não seria possível após o divórcio, pois, uma vez, decretado, se os ex-consortes pretendessem reatar precisariam casar-se de novo – não serve para justificar a existência do instituto (…)”

     Há de se respeitar o entendimento de quem pensa diferente, e ainda, insiste em manter a Separação Judicial, mas alegar a impossibilidade de reconciliação do casal, para manter vivo tal instituto não se coaduna com a atual realidade do direito das famílias, conforme foram acima expostas, as possibilidades de reconciliação do casal existem e independem da existência ou não do instituto da Separação Judicial.

1.4 Quantificação do Valor dos Alimentos

Outro argumento para a manutenção da separação é a identificação de um culpado para a separação porque a quantificação do valor dos alimentos está condicionada à culpa de quem os pleiteia como prescreve o art. 1.694, § 2º do código civil in verbis:

“Os alimentos serão apenas os indispensáveis à subsidência, quando a situação de necessidade resultar de culpa de quem os pleiteia.”

É bom lembrar que não é ponto pacífico entre os doutrinadores e os operadores do direito a discussão sobre a culpa nas ações de divórcio, não só após a Emenda Constitucional 66/2010, como antes disso, quando a doutrina majoritária passou a situar o principio da afetividade como elemento básico da relação e manutenção das relações matrimoniais. A maior parte da doutrina e dos operadores do direito entende não ser mais possível a discussão da culpa. È este o entendimento de Caetano Lagrasta[27]:

“Com a EC 66/10 desaparecem as causas subjetivas (culpa) e objetivas (tempo mínimo) para se obter o divórcio, as primeiras já haviam sido minimizadas pelo novo Código Civil (arts. 1578 – perda do direito ao uso do sobrenome; 1694 – alimentos apenas os necessários; e 1830, que dá nova configuração ao direito sucessório, ao tratar do cônjuge culpado). Por sua vez, as causas objetivas (ruptura da vida em comum há mais de um ano e, no divórcio direto, separação de fato por mais de dois anos) desaparecem (Lôbo, 2009).”

No entanto uma minoria de doutrinadores e de juristas, como Mário Delgado, Luiz Felipe Brasil Santos, Regina Beatriz Tavares da Silva, Ênio Zuliani, ainda insistem em dizer que a Separação Judicial persiste no ordenamento jurídico brasileiro e que esta seria a via apropriada para se discutir à culpa, é neste sentido o entendimento de Regina Beatriz Tavares da Silva[28]:

“Vários julgados proferidos após a Emenda Constitucional 66, de 14 de julho de 2010, chamada Emenda do Divórcio, deixaram consignada a manutenção da separação e/ou da espécie dissolutória culposa em nosso ordenamento jurídico.

Aliás, efetivamente, impressiona o número de julgados sobre o tema, encontrados nos sites dos Tribunais Brasileiros, que já foram proferidos após a EC 66/2010 até a presente data (02/05/2011) e são favoráveis à manutenção da separação e/ou à possibilidade jurídica da decretação da culpa nas ações dissolutórias da sociedade e do vínculo conjugal ou mesmo depois de sua decretação: dezoito acórdãos.”

Para consubstanciar o seu entendimento a jurista transcreve vários julgados:

“No TJ-MG, um dos acórdãos, de relatoria do desembargador Maurício Barros, que julgou duas apelações interpostas em face de sentença proferida em ação de separação judicial litigiosa culposa, com causa de pedir consistente na infidelidade de um dos cônjuges, deixa consignado que “a questão da culpa influencia não somente na separação judicial, mas na fixação de pensão alimentícia e até mesmo na perda do direito ao uso do nome”, de modo que, “estando provado que a separação do casal teve como causa o adultério praticado pelo autor/reconvindo, deve ser julgado procedente o pedido reconvencional e improcedente o pedido principal”, já que “o que a Constituição fez foi, simplesmente, simplificar o caminho para o divórcio. Antigamente exigia-se uma separação prévia, hoje não é mais necessário”, e complementa: “pode ser perfeitamente do interesse do casal, ao invés de se divorciar, se separar, deixando aberta a porta para o reatamento da sociedade conjugal, sem a formalidade de um novo casamento.” (Apelação Cível 1.0701.09.260001-7/003, 6ª Câmara Cível, julgamento em 07/12/2010). Outro julgado, relatado pelo desembargador Wander Marotta, deixa expresso que “a separação judicial continua tendo validade no ordenamento jurídico, não sendo facultado ao magistrado decidir a forma pela qual deva ser dissolvido o casamento.” (Apelação Cível 1.0011.10.000370-3/001, 7ª Câmara Cível, julgamento em 09/11/2010).

Discordando dessa minoria leciona Maria Berenice Dias[29]:

“Outra tentativa de não ver o novo é sustentar a necessidade de manter a odiosa identificação de um culpado para o decreto da separação, porque a quantificação do valor dos alimentos está condicionada a culpa de quem os pleiteia (CC 1.694§2.º). No entanto tal redutor está restrito ao âmbito dos alimentos estando revogados os arts. 1.702 e 1.704 da lei civil. Mas tal possibilidade de questionamento de forma alguma pode inibir a concessão do divórcio.”

Sobre a questão aduz Priscila Goldemberg[30]:

“A culpa interfere diretamente nas seguintes questões: alimentos entre cônjuges, indenização por danos materiais e/ou morais e no nome do cônjuge.
Será que após a EC 66/2010, pode-se discutir a culpa em ações autônomas?

Diversos doutrinadores defendem que sim, mas o ponto importante é que independentemente se nos autos do divórcio litigioso ou em ações autônomas, a realidade é que havendo descumprimento dos deveres do casamento (fidelidade recíproca, mútua assistência moral e material), o cônjuge culpado poderá sofrer uma sanção.”

Os alimentos civis são aqueles que mantêm o padrão de vida, já o cônjuge culpado pelo término do casamento, faz jus tão somente aos alimentos necessários, e isso só no caso de nenhum parente do cônjuge culpado puder prestá-lo e se não tiver aptidão para o trabalho. Sobre o assunto aduz Priscila Goldemberg[31]:

“No que tange à questão dos alimentos, o cônjuge que descumpre seus deveres conjugais, pode perder os alimentos que lhe garantiriam a manutenção do padrão de vida até então existente. O cônjuge culpado receberá somente os alimentos mínimos para a manutenção, caso não possa se sustentar, nem tiver familiares que possam provê-lo.”

Vizualizam-se duas possibilidades para que tal situação possa ocorrer, a primeira delas é quando da interposição da ação do divórcio uma das partes envolvidas requer alimentos e a parte adversa em sede de defesa alegar que o cônjuge que pleiteia os alimentos foi o culpado na dissolução do vínculo matrimonial; nesta situação, tal argumento não pode em hipótese alguma servir de obstáculo à decretação do divórcio do casal, tal argumento necessita de instrução processual, inclusive com a oitiva de testemunhas e tudo isso deve ser feito em momento posterior, mas o juiz deve decretar o divórcio do casal de imediato, sem a necessidade de produção de prova testemunhal.

Uma outra situação hipotética e bem mais coerente é de que no momento da decretação do divórcio o magistrado determine que a questão dos alimentos para o cônjuge que os pleiteia sejam discutidos em ação própria; ressalte-se ainda, que não existe óbice para que a ação de alimentos seja interposta após a decretação do divórcio do casal. Neste sentido leciona Flávio Tartuce[32]:

“Destaque-se que a fixação dos alimentos pós-divórcio possibilita que a decretação do fim do casamento seja fixada como prioridade pelo juiz da causa, dissolvendo-se o vínculo existente entre as partes de imediato e proferindo-se uma sentença parcial. As demais questões, tais como os alimentos, o uso do nome e a partilha de bens, podem ser discutidas em posterior momento, seja na própria ação de divórcio ou em ação autônoma. Anote-se que tal estratégia processual foi reconhecida pelo Tribunal de Justiça de São Paulo, no Agravo de Instrumento n. 990.10.357301-3, da 8ª Câmara de Direito Privado, de 12 de novembro de 2010, decisão que concluiu pelo fim da separação jurídica em nosso sistema, premissa a qual se filia. Conforme o voto do Des. Caetano Lagrasta, "As discussões restantes: nome, alimentos, guarda e visitas aos filhos, bem como a patrimonial, devem ser resolvidas, conforme ensinamentos de CÂNDIDO RANGEL DINAMARCO, em 'cisão da sentença em partes, ou capítulos, em vista da utilidade que o estudioso tenha em mente. É lícito: a) fazer somente a repartição dos preceitos contidos no decisório, referentes às diversas pretensões que compõem o mérito; b) separar, sempre no âmbito do decisório sentencial, capítulos referentes aos pressupostos de admissibilidade do julgamento do mérito e capítulos que contêm esse próprio julgamento; c) isolar capítulos segundo os diversos fundamentos da decisão' (Capítulos de Sentença. 4ª  ed. São Paulo: Malheiros Editores, p. 12)".

Em suma, o melhor caminho é o de viabilidade jurídica dos alimentos pós-divórcio, pois caso contrário a Emenda Constitucional 66/2010 representaria uma reforma em desfavor ao alimentando, o que não se pode admitir.”

Bem mais coerente seria o advogado no momento da interposição da ação de divórcio, verificando este que a demanda só seria resolvida através de uma ação de divórcio litigioso, não cumular o pedido de alimentos na ação de divórcio, devendo se utilizar do bom senso e ingressar com ação autônoma de alimentos, neste diapasão é o entendimento de Fernanda Tartuce e Fernando Sartori[33]:

“Entendemos que os alimentos devem ser discutidos em ação autônoma, e não em ação de divórcio.”

Mas tal situação não é a regra e sim a exceção, portanto não há que se falar aqui em manutenção do instituto da Separação Judicial para análise da culpa quando houver pedido de alimentos, até porque não mais se fala em culpa quando da dissolução do vínculo matrimonial, tendo o artigo 1.572 e 1.573 do código civil sido revogado por incompatibilidade constitucional.

Observe-se o que afirma José Fernando Simão[34]:

“A culpa acabou no Direito de Família? A delicada resposta depende do alcance da pergunta. A culpa acabou para fins de se impedir o fim do vínculo conjugal? A resposta é afirmativa. Acabou o afeto, acabou a comunhão de vidas, acabou o casamento. Após a mudança constitucional, não mais se poderá debater a culpa como forma de protelar a decisão que põe fim ao casamento. O divórcio será concedido e o processo não comportará debates em torno do motivo do fim do casamento. A culpa de um ou ambos os cônjuges para a dissolução do vínculo ou para o fim da comunhão de vidas passa a ser irrelevante. O debate em torno da culpa, que anteriormente impedia a extinção célere do vínculo e sujeitava desnecessariamente, os cônjuges a uma dilação probatória das mais lentas e sofridas, acabou definitivamente. Isso significa que a culpa não mais poderá ser debatida nas ações de família? Não. (…) Assim, livres para buscarem sua realização pessoal e felicidade, se necessário, que passem anos discutindo a culpa em uma morosa ação de alimentos ou de indenização por danos morais. Sim, discuta-se a culpa, mas não mais entre cônjuges (presos por um vínculo indesejado) e sim em ações autônomas, entre ex-cônjuges.”

Por outro lado, há de se respeitar aqui o entendimento da minoria de que seria no mínimo temerário, considerar o banimento do ordenamento jurídico do art. 1.566 do código civil, onde este prevê no seu primeiro inciso o dever conjugal de fidelidade recíproca, portanto para haver análise da culpa no tocante exclusivamente aos alimentos de quem os pleiteia deverá a partir da nova ótica do direito de família ser realizada através do fracionamento da ação de divórcio ou em ação própria de alimentos, mas jamais em ação de Separação Judicial, simplesmente por este instituto ter sido banido do ordenamento jurídico pátrio.

1.5  Banalização do Casamento

Por fim surge um último argumento, entendem que a facilidade com a qual as pessoas podem agora se divorciar, ou seja, poder teoricamente casar em um dia e já no outro se descasar, estaria tal facilidade banalizando o casamento, sob a alegação de que quando a Separação judicial existia isso não era possível, pois além do sistema binário existente, para se ingressar com a separação, era necessário um lapso temporal de mais de um ano de vida conjugal, art. 1.574 do código civil. Neste sentido é o entendimento de Alexandre Magno Mendes do Valle[35]:

“O que se deve refutar é a tese da extinção da separação, diante deste novo cenário, verdadeiramente preocupante, em que já se vislumbra uma possível banalização do casamento e um enfraquecimento das uniões conjugais.”

Discordando deste entendimento aduz Maria Berenice Dias[36]:

“O argumento de quem não tem argumento é de que estaria banalizando o casamento. (…) Certamente ninguém acredita que alguém vai casar simplesmente porque ficou mais fácil se separar. Ora, quem esta feliz não vai se divorciar somente porque agora o procedimento é mais rápido. Ao contrário, certamente vai acontecer o aumento do número de casamentos, pois a tendência é as pessoas oficializarem suas uniões o que estava sendo evitado pelos entraves legais a sua dissolução.”

A tal questionamento responde Pablo Stolze[37]:

“E não se conclua, a partir disso, que se esteja fortalecendo uma política inconseqüente de banalização do casamento. De forma alguma. O que se quis, em verdade, por meio da aprovação da recente Emenda do Divórcio, é permitir a obtenção menos burocrática da dissolução do casamento, facultando, assim, que outros arranjos familiares fossem formados, na perspectiva da felicidade de cada um. Pois sem amor e felicidade não há porque se manter um casamento.”

É necessário lembrar que o casamento é apenas uma das formas de se constituir uma família, o conceito de família hoje no moderno direito das famílias, é muito mais amplo e não se restringe apenas ao casamento.

Em um primeiro momento, ouvir dizer que o novo divórcio banaliza o casamento deixa transparecer que esta é a única forma de se constituir família; é sabido que além do casamento, o direito já admite outras formas de constituir família, e tal concepção vai muito além do previsto no texto constitucional. Flávio Tartuce e José Fernando Simão[38], citando Maria Berenice Dias comentam acerca desta nova concepção de constituição de família no direito brasileiro, este novo modelo não se enquadra mais em uma moldura totalmente rígida como a quem vem disposta no texto constitucional:

“È imperioso ainda verificar que há uma tendência de ampliar o conceito de família para outras situações não tratadas especificamente pelo Texto maior. Para demonstrar esses novos modelos de família, Maria Berenice Dias fala em Famílias Plurais, preferindo o termo Direito das Famílias. Afirma a doutrinadora e vice-presidente do IBDFAM que: “O novo modelo de família funda-se sob os pilares da repersonalização, da afetividade, da pluralidade e do eudemonismo, impingindo  uma nova roupagem axiológica ao direito de família (…)  A família–instituição foi substituída pela família instrumento, ou seja, ela existe e contribui tanto para o desenvolvimento da personalidade de seus integrantes, como para o crescimento e formação da própria sociedade , justificando com isso a sua proteção pelo Estado” (DIAS, Maria Berenice. Manuela…, 2007, p. 41). Logo em seguida, a atual vice-presidente do IBDFAM traz as seguintes formas de entidades familiares:

a) Família matrimonial: decorrente do casamento.

b) Família informal: decorrente da união estável.

c) Família homoafetiva: decorrente da união de pessoas do mesmo sexo.

d) Família monoparental: constituída pelo vínculo existente entre um dos genitores com seus filhos, no âmbito de especial proteção do Estado.

e) Família anaparental: decorrente “da convivência entre parentes ou entre pessoas, ainda, que não parentes, dentro de uma estruturação com identidade e propósito”, tendo sido esssa expressão criada pelo professor Sérgio Resende de Barros (DIAS, Maria Berenice,. Manual…, 207, p 46). Segundo as palavras do professor da USP: “que se baseia no afeto familiar, mesmo sem contar com o pai, nem mãe. De origem grega, o prefixo ‘ana’ aduz idéia de privação. Por exemplo, ‘anarquia’ significa ‘sem governo’. Esse prefixo me permitiu criar o termo ‘anaparental’ para designar a família sem pais”(BARROS, Sérgio Resende de. Direitos humanos…, Disponível em :http://srbarros.com.br/artigos.phd?TexID=86. Acesso em: 20mar. 2007). Vale lembrar aqui a hipótese de duas irmãs idosas que vivem juntas , o que pode sim constituir uma família, conforme o entendimento do STJ (…).

f) Família eudemonista: conceito que é utilizado para identificar a família pelo seu vínculo afetivo, pois, nas palavras de Maria Berenice Dias, citando Belmiro Pedro Welter, a família eudemonista “busca a felicidade individual vivendo um processo de emancipação dos seus membros” (Manual…, 2007, p. 52). A título de exemplo, pode ser citado um casal que convive sem levar em conta a rigidez dos deveres do casamento, previstos no art. 1.566 CC.”

Diante do acima exposto, vê-se de forma cristalina que o casamento não é a única e exclusiva instituição da qual decorre o inicio de uma família, não se pode de forma alguma dizer que as formas de constituição ou desconstituição das mais diversas famílias acima citadas são passiveis de banalização por não seguirem uma regra rígida quanto a sua formação ou desconstituição, por isso, imputar a banalização do casamento, somente porque o Estado deixou de impor limites e regras para a sua dissolução, não é coerente com a nova e moderna ótica do direito das famílias.

Ora, os que alegam que houve uma banalização do casamento, acreditavam que as pessoas não mais buscariam se casar, uma vez que, a qualquer momento poderiam acabar com o casamento sem nenhuma interferência estatal, porém se enganam os que pensam desta forma, uma vez que as estatísticas mostram que as pessoas continuam se casando tanto quanto antes da promulgação da EC 66/2010. De uma simples análise da tabela abaixo, verifica-se que tanto no estado de Pernambuco como no município de Igarassu, após a promulgação da emenda, não houve nenhuma redução do número de casamentos, observando ainda, que o mês de dezembro por ser conforme dados estatísticos do próprio IBGE, o mês mais procurado para a realização das celebrações matrimoniais[39], continuou tendo um significativo aumento no número de casamentos em comparação com os meses anteriores, informa-se ao leitor desta obra, que o município de Igarassu/PE, foi eleito pelo autor para constar como dado estatístico no presente trabalho, por ser este o município onde o autor atua na qualidade de servidor público do Tribunal de Justiça do Estado de Pernambuco:

12825a

Por outro lado, a Emenda proporcionou aos casais um procedimento mais célere, sem a necessidade de se ingressar com dois processos judiciais (separação e divórcio). Isso fazia com que muitas pessoas ficassem separadas na informalidade, utilizando-se do instituto da separação de fato e agora com essa acessibilidade facilitada era previsível que em um primeiro momento as partes buscassem regularizar esta situação através do divórcio.

Ressalte-se ainda, que quando da entrada em vigor da referida emenda, já existiam em tramitação várias ações de Separação Judicial (consensual ou litigiosa), e a maior parte dos magistrados buscaram intimar as partes através de seus patronos, para que informassem se pretendiam, diante da nova ótica constitucional, transformar a ação de Separação Judicial em Divórcio, o que na maioria dos casos foi aceito.

Ao visualizar a tabela a abaixo, é possível verificar que no ano de 2010, houve um significativo aumento no número de divórcios no estado de Pernambuco, o que sem sombra de dúvida fica explicado com os argumentos trazidos acima:

12825b

Sobre o assunto leciona Fernão Barbosa Riezo[40]:

“(…) verifica-se que o legislador brasileiro deu um grande passo, que ao invés de banalizar o casamento, o valoriza especialmente pela possibilidade de se corrigir determinados erros que podem ser causa de frustração e infelicidade por muito tempo, em razão de casamento que não dá certo.

Com o novo divórcio, teremos sim mais divorciados, em contra partida, teremos muito mais casamentos e em sua maioria com muita solidez.”

Diante dos argumentos e dados estatísticos trazidos acima, é possível verificar que em momento algum houve a banalização do casamento, devendo a família continuar sendo objeto de proteção do Estado, mas nunca de sua intromissão.

1.6 Extinção da Separação Judicial

No curso deste trabalho buscou-se demonstrar os principais argumentos daqueles que continuam a afirmar que a Separação Judicial ainda persiste no ordenamento jurídico pátrio.

A maior parte da doutrina, dos operadores do direito e a jurisprudência, convergem no sentido de que não existe mais Separação Judicial no ordenamento jurídico brasileiro. Esse é o entendimento de Marianna Chaves[41]:

“O instituto separação judicial se mostrava algo, no mínimo, imprestável e sem razão de ser na atualidade. A manutenção de um vínculo – na esfera jurídica – quando no patamar afetivo e factual, deixou de existir, é efeito de uma legislação ultrapassada, com fundamento em uma “sacralização” do liame matrimonial que não mais existe – ou não deveria existir – na sociedade moderna.”

Todo o trabalho desenvolvido pelo IBDFAM seria em vão se ainda persistisse a Separação Judicial. O legislador o tempo todo buscou atender aos anseios sociais e ao moderno direito das famílias. Diante dessa nova ótica, jamais poderia continuar subsistindo o instituto da separação judicial que invadia aberradamente a autonomia da vida privada dos indivíduos e infringia o principio da dignidade humana. Sobre o assunto aduz Marianna Chaves[42]:

“Promover e prolongar a manutenção de um vínculo que, muitas vezes não passava de “restos” do que foi um dia uma relação, atenta frontalmente ao principio da dignidade humana daqueles indivíduos, além de mitigar fortemente o principio da liberdade de desconstituir essa ligação na forma como lhes for mais conveniente. E é para isso o que o instituto da separação servia. Para procrastinar algo que é iminente: o desenlace e para fomentar a infelicidade desses indivíduos”.

Assevera Maria Berenice Dias acerca do assunto[43]:     

“Não há como negar que o instituto da separação judicial foi eliminado. Todos os dispositivos da legislação infraconstitucional a ele referente foram derrogados e não mais integram o sistema jurídico. Logo, não é possível buscar em juízo a decretação do rompimento da sociedade conjugal”.

Ainda sobre a matéria ensina Newton Teixeira Carvalho[44]:

“Não há mais separação no direito brasileiro. Agora, de imediato, há que se decretar o divórcio do casal.  Pela evolução histórica a separação deixa de ser um estágio necessário ao divórcio.”

No mesmo diapasão dos doutrinadores já mencionados é o pensamento de Pablo Stolze e Rodolfo Pamplona Filho[45]:

“A extinção da separação judicial é medida das mais salutares.”

Flávio Tartuce e José Fernando Simão concluem este entendimento[46]:

“(…) deve ficar bem claro, com os devidos aprofundamentos, que não há mais qualquer modalidade de separação de direito ou jurídica admitida no Direito de Família Brasileiro (…)”

É cogente lembrar que um dos reflexos da extinção da Separação Judicial, foi o desafogamento do tão sobrecarregado judiciário brasileiro, assim entende Maria Berenice Dias[47]:

“Mas há um fator que não pode ser desprezado: a significativa redução no volume de processos no âmbito do Poder Judiciário, a permitir que os juizes dêem mais atenção ao invencível número de demandas que exigem rápidas soluções”.

Resta evidenciado, que o objetivo maior da Emenda Constitucional, atuou em consonância com a evolução da sociedade, atendendo aos anseios desta, considerando que as pessoas mudam, evoluem, e, conseqüentemente o direito tem que acompanhar esta evolução. O que antigamente no passado era visto com bons olhos, talvez hoje não mais seja visto sob o mesmo prisma, necessitando assim de uma readequação para atender aos anseios sociais.

Não subsiste mais no ordenamento jurídico brasileiro o instituto da Separação Judicial, devendo, portanto, qualquer tentativa de se impetrar tal ação, após a EC 66/2010, ser imediatamente extinta sem julgamento de mérito, por absoluta incompatibilidade com a Carta Maior.

CONCLUSÃO

Não há que se discutir que a Emenda Constitucional 66/2010 trouxe mudanças efetivas ao direito das famílias, veio ainda que tardiamente, e antes tarde do que nunca, atender aos anseios sociais. Durante toda uma evolução histórica do direito das famílias, já não se suportava mais a intromissão estatal na vida privada das pessoas, se as pessoas são livres para escolher qual o melhor momento das suas vidas para contraírem núpcias, haveriam de ser livres também para, querendo, romper o vínculo matrimonial através do divórcio, cabendo unicamente aos cônjuges decidir qual o melhor momento.

Há de se louvar o empenho do IBDFAM – Instituto Brasileiro do Direito de Famílias, em defesa da EC 66/2010, não só por se tratar de uma antiga reivindicação da sociedade brasileira, mas também do próprio IBDFAM, instituto que congrega profissionais não só do ramo do direito, mas, dos mais diversos setores da sociedade, grandes expoentes do direito como Rodrigo da Cunha Pereira e Maria Berenice Dias, abraçaram esta causa e se empenharam ao máximo para a aprovação da PEC do divórcio.        

A grande evolução do direito das famílias no século XXI no Brasil se deu sem dúvida alguma com o advento da Emenda Constitucional; não paira dúvida que o objetivo era garantir ao individuo uma acessibilidade mais célere ao procedimento de dissolução do vínculo conjugal, sem que houvesse qualquer intromissão do Estado na vida privada do individuo, garantindo assim, que fosse posto em prática o princípio da intervenção mínima do Estado e consequentemente respeitando o principio da dignidade da pessoa humana.

Não havia mais a necessidade de se manter no ordenamento jurídico o sistema binário (separação e divórcio), impondo ao cidadão requisitos prévios para a obtenção do divórcio, isso só prolongava um sofrimento que poderia ser minimizado através de uma única ação, além de, é claro, aumentar as despesas do casal, que acabava tendo que pagar duas vezes as custas judiciais e os honorários advocatícios.

Louvável a intenção do legislador que culminou com a extirpação de uma vez por todas da separação judicial do ordenamento jurídico pátrio.

De certo, que correntes contrárias a Emenda Constitucional, se insurgiram desde a PEC do divórcio e as alegações foram das mais diversas possíveis sendo as principais: vigência da lei ordinária, possibilidade de arrependimento e a reconciliação do casal, quantificação do valor dos alimentos e a banalização do casamento.

Tais alegações devem ser respeitadas, no entanto, o entendimento de que a Separação Judicial permanece no ordenamento jurídico brasileiro não deve prevalecer; todos os argumentos trazidos à baila pela corrente minoritária, caem por terra um a um, diante de uma minuciosa análise do novo texto constitucional em consonância com a evolução social e a nova concepção do direito das famílias.

Buscou-se ao longo da pesquisa demonstrar a total fragilidade desses argumentos, de um exame mais profundo verificou-se que tais argumentos não encontram sustentabilidade.

As pessoas mudam, evoluem e o direito deve se moldar para atender os anseios da sociedade, a título de exemplo de tal evolução pode-se citar o seguinte: um aviso exposto em uma praia deserta da década de 30 ou 40 dizia o seguinte “É PROIBIDO TOMAR BANHO DE BIQUÍNI”, hoje, esta mesma frase, teria um significado completamente diferente, na década de 30 ou 40, diante da realidade social da época e dos conceitos vigentes de conservadorismo, entender-se-ia que naquele local só era possível tomar banho de maiô, já hoje, o entendimento seria de que aquele local se trata de uma praia de nudismo.

Hoje o casal é livre para interpor a ação de divórcio judicial no momento que mais lhe convir, sem a necessidade de cumprir nenhum prazo, estando respeitados o principio da liberdade da vida privada, da dignidade da pessoa humana e da mínima intervenção estatal.

A nova visão do direito das famílias no Brasil inicia um novo tempo para o casamento, onde o primordial será o amor, consolidando-se pelo respeito mútuo e pela busca da felicidade.

Diante de uma análise mais aprofundada da EC 66/2010, em consonância com a moderna doutrina e o moderno entendimento dos magistrados que lidam com as questões familiares, buscou-se a todo o momento neste trabalho, demonstrar de forma nítida e cristalina que não mais subsiste no ordenamento jurídico pátrio o instituto da Separação Judicial.

  

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Jurisprudências
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TJRS – APELACAO: APL 70024168395. Relator: Des. Ricardo Raupp Ruschel. Julgamento em: 30/06/2008, publicado no DJ de. Disponível em < http://www.conjur.com.br/dl/justica-nao-negar-promover-divorcio.doc>. Acesso em:13 mar. 2012.
TJRS – APELACAO: APL 70022463798. Relator: Des. Sérgio Fernando de Vasconcellos Chaves. Julgamento em: 17/12/2007, publicado no DJ de. Disponível em <http://www.conjur.com.br/dl/justica-nao-negar-promover-divorcio.doc>. Acesso em: 13 mar. 2012.
TJRJ – APELACAO: APL 316118720108190204 RJ 0031611-7.2010.8.19.0204. Relatora: Des. Cláudia Telles de Menezes. Julgamento em: 11/10/2011, publicado no DJ de 17-10-2011.  Disponível em <http://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/20616162/apelacao-apl-16118720108190204-rj-0031611-8720108190204-tjrj>. Acesso em: 8 abr. 2012.
 
Notas:
 
[1] CUNHA PEREIRA, Rodrigo da. Princípios fundamentais norteadores para o direito de família. Belo Horizonte: Del Rey, 2005, p. 158.

[2] MADALENO, Rolf. Curso de Direito de Família. 2. Ed. Rio de Janeiro: Forense. 2009, p. 165.

[3] DIAS, Maria Berenice, apud FARIAS, Cristiano Chaves de e ROSENVALD, Nelson. Direito das Famílias. Rio de Janeiro: Lumen Júris, 2010, p. 321.

[4] CUNHA PEREIRA, Rodrigo da. Princípios fundamentais norteadores para o direito de família. Belo Horizonte: Del Rey, 2005, p. 163.

[5] DIAS, Maria Berenice. Divórcio já!: comentário a emenda constitucional 66 de 13 de julho de 2010. 1. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2010, p. 141.

[6] SHAFER, Gilberto. Artigo – A Emenda Constitucional nº. 66 e o divórcio no Brasil.. Disponível em <http://www.irib.org.br/beta/html/noticias/noticia-detalhe.php?not=23>. Acesso em: 6 abr. 2012.
[7] PINTO, Fernando Henrique. Artigo – EC não revoga prazos legais para separação. Disponível em <http://www.conjur.com.br/2010-ago-18/emenda-constitucional-poe-fim-apenas-sociedade-conjugal>. Acesso em: 6 abr. 2012.

[8] PEREIRA, Sérgio Gischokow. Artigo – Calma com a Separação e o Divórcio. Disponível em <http://magrs.net/?p=13910>. Acesso em: 6 abr. 2012.

[9] AGRAVO DE INSTRUMENTO – TJRS. Disponível em <http://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/20472399/agravo-de-instrumento-ai-70044744795-rs-tjrs>. Acesso em: 6 abr. 2012. 

[10] STF – ADI 02-DF (DJ 21.11.1997). Disponível em <http://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/14709449/acao-direta-de-inconstitucionalidade-adi-2-df-stf>. Acesso em: 25 set. 2011.
[11] LÔBO, Paulo Luiz Neto. Artigo – Divórcio: Alteração constitucional e suas conseqüências. Disponível em <http://www.ibdfam.org.br/?artigos&artigo=629>. Acesso em: 06 abr. 2012.
[12] FREITAS, Juarez. A interpretação sistemática do direito. São Paulo: Malheiros, 1996, p. 149.

[13] MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 23 ed. São Paulo: Editora Atlas S.A., 2008, p. 16.

[14] GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA, Rodolfo Filho. O novo divórcio. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 56.

[15] DIAS, Maria Berenice. Divórcio já!: comentário a emenda constitucional 66 de 13 de julho de 2010. 1. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2010, p. 30.

[16] AGRAVO DE INSTRUMENTO – TJDF. Disponível em <http://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/16495197/apelacao-ci-vel-apl-260894220108070001-df-0026089-4220108070001-tjdf>.  Acesso em: 6 abr. 2012. 

[17] SEREJO, Lourival. Artigo – A separação continua em vigor. Disponível em <http://www.lourivalserejo.com.br/principal/index.php?option=com_content&view=article&id=57:a-separacao-judicial-continua-em-vigor&catid=12:familia&Itemid=46>. Acesso em: 7 abr. 2012.    

[18] RODRIGUES JÚNIOR, Walsir Edson e NUNES, Dierle. Artigo – Possibilidade Jurídica do Pedido em face da EC 66/2010. Disponível em <http://momentojuridico.com/?p=104>. Acesso em: 7 abr. 2012.

[19] SARLET, Ingo Wolfgang Dignidade da Pessoa Humana e Direitos Fundamentais na Constituição Federal de 1988. 3.ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2004. p. 65. 

[20] CHAVES, Marianna. Revista Brasileira de Direito das Famílias e Sucessões.( Fev-Mar 2011) Ano XII – nº 20. Porto Alegre: Editora Magister; Belo Horizonte: IBDFAM, 2011, p. 13.

[21] MESQUITA, Regis. Artigo – A Paixão se transformando em Amor. Disponível em < http://caminhonobre.com.br/2011/04/07/a-paixao-se-transformando-em-amor/ >.  Acesso em: 7 abr. 2012.

[22]DIAS, Maria Berenice. Divórcio já!: comentário a emenda constitucional 66 de 13 de julho de 2010. 1. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2010, p. 31.

[23] TARTUCE, Flávio. Direito Civil, v.5: direito de família / Flávio Tartuce, José Fernando Simão. 6. ed. Rio de janeiro: Forense; São Paulo: MÉTODO, 2011, p. 198.

[24] DIAS, Maria Berenice. Divórcio já!: comentário a emenda constitucional 66 de 13 de julho de 2010. 1. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2010, p. 34.

[25] FONSECA, Caroline Damasceno. Artigo – As questões intertemporais após a Emenda Constitucional N° 66/2010. Disponível em <https://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=10925>. Acesso em: 7 abr. 2012.

[26] GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA, Rodolfo Filho. O novo divórcio. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 56.

[27] LAGRASTA, Caetano. Artigo – Divórcio – O Fim da Separação e da Culpa.  Disponível em <http://www.ibdfam.org.br/?artigos&artigo=690>. Acesso em: 8 abr. 2012.

[28] DA SILVA, Regina Beatriz Tavares. Artigo – Culpa deve ser decretada na Separação e Divórcio. Disponível em <http://www.conjur.com.br/2011-mai-05/pos-ec-662010-culpa-decretada-separacao-divorcio>. Acesso em: 22 abr. 2012.

[29] DIAS, Maria Berenice. Divórcio já!: comentário a emenda constitucional 66 de 13 de julho de 2010. 1. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2010, p. 31.

[30] GOLDEMBERG, Priscila. Artigo – Emenda Constitucional do Divórcio – EC Nº 66/2010.  Disponível em < http://priscilagoldenberg.adv.br/artigos.asp?pag=80 >. Acesso em: 8 abr. 2012.              

[31] GOLDEMBERG, Priscila. Artigo – Emenda Constitucional do Divórcio – EC Nº 66/2010.  Disponível em < http://priscilagoldenberg.adv.br/artigos.asp?pag=80 >. Acesso em: 8 abr. 2012. 

[32] TARTUCE, Flávio. Artigo – A Emenda Constitucional 66/2010 e os Alimentos Pós-divórcio.  Disponível em <http://www.ibdfam.org.br/?artigos&artigo=704>. Acesso em: 8 abr. 2012.    

[33] TARTUCE, Fernanda. Como se preparar para o exame de Ordem, 1ª fase: Civil / Fernanda Tartuce, Fernando Sartori; coordenação Vauledir Ribeiro Santos. 9. ed. – Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2011, p. 160.

[34] SIMÃO. José Fernando. A PEC do Divórcio – A Revolução do Século em Matéria de Direito de Família – A passagem de um Sistema Antidivorcista para o Divorcista Pleno. Revista Brasileira de Direito das Famílias e Sucessões. Número 17. IBDFAM e Editora Magister, 2 0 1 0, p. 14 e ss.                                   

[35] VALLE, Alexandre Magno Mendes. Artigo – Separação Instituto Independente do Divórcio.  Disponível em <http://atessitura.blogspot.com.br/2010/07/secao-tendencias-e-debates-da-folha-de.html>. Acesso em: 8 abr. 2012.     

[36] DIAS, Maria Berenice. Divórcio já!: comentário a emenda constitucional 66 de 13 de julho de 2010. 1. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2010, p. 31 e 32.

[37] GAGLIANO, Pablo Stolze. Artigo – A Nova Emenda do Divórcio Primeiras Reflexões.  Disponível em <http://www.ibdfam.org.br/?artigos&artigo=704>. Acesso em: 8 abr. 2012.          

[38] DIAS, Maria Berenice, apud TARTUCE, Flávio. Direito Civil, v.5: direito de família / Flávio Tartuce, José Fernando Simão. 6. ed. Rio de janeiro: Forense; São Paulo: MÉTODO, 2011, p 55 e 56.

[39] Fonte: IBGE – Estatísticas do Registro Civil.                                   

[40] RIEZO, Fernão Barbosa. Família e Sucessões. Vale do Mogi Editora, 2011, p. 327.

[41] CHAVES, Marianna. Revista Brasileira de Direito das Famílias e Sucessões.( Fev-Mar 2011) Ano XII – nº 20. Porto Alegre: Editora Magister; Belo Horizonte: IBDFAM, 2011, p. 06.

[42] CHAVES, Marianna. Revista Brasileira de Direito das Famílias e Sucessões.( Fev-Mar 2011) Ano XII – nº 20. Porto Alegre: Editora Magister; Belo Horizonte: IBDFAM, 2011, p. 13.

[43] DIAS, Maria Berenice. Divórcio já!: comentário a emenda constitucional 66 de 13 de julho de 2010. 1. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2010, p. 31 e 32.

[44] CARVALHO, Newton Teixeira. Artigo – O fim da Separação no ordenamento jurídico brasileiro.  Disponível em < http://www.ibdfam.org.br/?artigos&artigo=631>.  Acesso em: 15 abr. 2012.
[45] GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA, Rodolfo Filho. O novo divórcio. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 55.

[46] TARTUCE, Flávio. Direito Civil, v.5: direito de família / Flávio Tartuce, José Fernando Simão. 6. ed. Rio de janeiro: Forense; São Paulo: MÉTODO, 2011, p. 198.

[47] DIAS, Maria Berenice. Divórcio já!: comentário a emenda constitucional 66 de 13 de julho de 2010. 1. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2010, p. 31 e 34.


Informações Sobre o Autor

Ivanilson Alexandre Guedes da Silva

Advogado graduado em direito pela Faculdade Estácio do Recife FIR atualmente atuando na qualidade de Servidor Público do TJPE – Tribunal de Justiça de Pernambuco


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