A ótica do Poder Judiciário no controle de políticas públicas sob o prisma da proporcionalidade e razoabilidade

Resumo: O presente trabalho realiza a análise do controle de políticas públicas pelo poder judiciário. Merece destaque a observância dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade como vetores de atuação, isto é, como freios e contrapesos no controle das políticas públicas. Diante da hodierna fase do poder judiciário, amplamente difundida como ativismo judicial, necessário se faz analisar tal fenômeno à luz da Constituição Federal. Relevantes contornos do ativismo judicial serão esmiuçados ao longo deste estudo, para, ao final, estabelecer uma reflexão sobre os limites necessários no controle judicial de políticas públicas. Dentro desse contexto, foram utilizadas citações doutrinárias de renomados constitucionalistas mundiais. O estudo procura dar sua contribuição com o fito de enriquecer os debates sobre o tema de tamanha relevância e atualidade.

Palavras-chave: Direitos sociais. Políticas Públicas. Proporcionalidade e Razoabilidade

Abstract: The present work analyzes the control of public policies by the judiciary. The observance of the principles of proportionality and reasonableness as vectors of action, that is, as checks and balances in the control of public policies, deserves to be emphasized. Faced with this phase of the judiciary, widely disseminated as judicial activism, it is necessary to analyze this phenomenon in the light of the Federal Constitution. Relevant contours of judicial activism will be scrutinized throughout this study, in order to establish a reflection on the necessary limits in the judicial control of public policies. Within this context, doctrinal quotations from renowned world constitutionalists were used. The study seeks to contribute in order to enrich debates on the subject of such relevance and timeliness.

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Keywords: Social rights. Public policy. Proportionality and Reasonability.

Sumário: Introdução. 1. Direitos sociais – segmento dos direitos fundamentais 2. A ótica do Poder Judiciário no controle de políticas públicas sob o prisma da proporcionalidade e razoabilidade. Conclusão. Referências

Introdução

No século XIX, fase do Estado Liberal, o Estado desempenhava um papel de ”garantidor” dos direitos civis e políticos. Fase essa marcada pela abstenção estatal, ou seja, era a intervenção mínima do Estado, e portanto, submetido à lei. Nessa fase podemos falar em uma “hipertrofia” do Poder Legislativo, isto é, o Estado é marcado pela substituição do “governo dos homens” pelo “governo das leis”.

Já no século XX, fase do Estado Social, o Estado era a um só tempo “garantidor” e “prestador” dos direitos sociais, econômicos e culturais. Fase marcada pela atuação estatal, isto é, direitos que exigiam substancialmente uma atuação do Estado para serem concretizados, constituindo em direitos com caráter positivo. Nessa fase surge a “hipertrofia” do Poder Executivo, em que há inúmeras veiculações por via de decretos.

Por fim, no século XXI, fase do Estado Democrático de Direito, temos o “Estado transformador”, isto é, um Estado que a um só tempo tem momentos de atuação direta e momentos de abstenção. E é nesse contexto que vivemos no mundo atual. A realidade da “hipertrofia” do Poder Judiciário, conhecida como “ativismo judicial”, vem sendo fortalecida através do controle das políticas públicas pelo Judiciário.

Importante observamos que nosso poder é uno, segundo a Carta da República de 1988 em seu art. 1º, parágrafo único, sendo o legitimado, titular desse poder, o povo.  Mas para que haja a funcionalidade desse poder, em decorrência do Estado Democrático de Direito, necessário se faz revelar as funções desse poder. E assim então, temos as funções legislativa, executiva e judiciária, preceituadas como Poderes segundo o art. 2º da Carta da República.

Vale observar que a cada fase de evolução do Estado, uma “função” se revela mais que a outra. Há um dado momento histórico que essas funções se sobressaem de forma mais evidente. Insta salientar que, essa relevância, ou a forma de sobressair de cada uma dessas funções é um tanto quanto “perigosa”. Afinal, há o risco de incorrer em omissões constitucionais dessas funções, e conseqüentemente gerar o efeito da desvalorização funcional da Constituição.

Isto é, com base na hodierna fase, fase de “hipertrofia” do Poder Judiciário, deve haver certo cuidado nessas “atuações cruzadas”. Isto porque o Poder Legislativo “não exerce com afinco”, na maioria das vezes, sua precípua função legiferante em razão do excesso de medidas provisórias que o Poder Executivo encaminha, e assim fica sobrecarregada a pauta, e os outros projetos de lei de sua atribuição permanecem inertes.

Por outro lado, o Poder Judiciário provocado por ações de argüição de descumprimento de preceito fundamental, mandados de injunção, diante das omissões legislativas, concede efeito concreto as suas decisões, atuando como “legislador positivo”. Com isso, tem-se o “efeito cascata”, gerando conseqüências político-funcionais, e principalmente orçamentárias para o Poder Público.

1 Direitos sociais – segmento dos direitos fundamentais

Inicialmente vale salientar que diante do crescente controle judicial, o qual revela-se no “ativismo judicial” das políticas públicas que vivemos, via de consequência, caracteriza a transição do Estado de Direito, etát legal, para o Estado Democrático de Direito, etát Du droit, em que prevalece a supremacia da Carta da República.

Desse modo, a Carta da República de 1988, que inaugurou o Estado Democrático de Direito, dita as atividades a serem desenvolvidas pelo Estado. E é através da existência de uma ordem jurídica que determina o “fazer”, isto é, norma jurídicas de caráter impositivo, que são revelados os direitos de prestação estatal, como ensina o jurista Georg Jellinek[1].

Para identificarmos o que o ordenamento jurídico dita para o Estado como atividades de sua prestação, necessário se faz visualizarmos a didática classificação, realizada por Georg Jellinek, que divide em: direitos de abstenção, são os chamados direitos de primeira geração, sendo eles os direitos civis e políticos, que exigiam uma não atuação estatal, decorrente da intervenção mínima do Estado do constitucionalismo clássico. Em seguida os direitos de prestação, são os chamados direitos de segunda geração.

É sabido que o Estado tem o dever de garantir o mínimo existencial à sociedade, isto é, assegurar um núcleo intangível de direitos mínimos para uma vida digna, como afirma o renomado jurista Ingo Wolfgang Scarlet em sua obra dos direitos fundamentais[2]. Nesse ponto, vale à pena transcrever a citação da obra de Ingo Sarlet Wolfgang:

“Ao artigo 5º, § 1º, da Constituição de 1988 é possível atribuir, sem sombra de dúvidas, o mesmo sentido outorgado ao art. 18/1 da Constituição da República Portuguesa e ao art. 1º, inc. III, da Lei Fundamental da Alemanha, o que, em última análise, significa, de acordo com a lição de Jorge Miranda- que cada ato (qualquer ato) dos poderes públicos devem tomar os direitos fundamentais como “baliza e referencial”. Importante ainda, é a constatação de que o preceito em exame fundamenta uma vinculação isenta de lacunas dos órgãos e funções estatais aos direitos fundamentais, independentemente de forma jurídica mediante a qual são exercidas estas funções, razão pela qual- como assevera Gomes Canotilho inexiste ato de entidade publica que seja livre dos direitos fundamentais”.

Nessa esteira, deve-se observar que a garantia do mínimo existencial não significa alcançar, de forma absoluta, todos os direitos sociais previstos na Carta da República, até porque a Carta da República de 1988 caracteriza-se por ser uma Constituição prolixa, analítica, tendente a normatizar todos os direitos fundamentais possíveis com vista a garantir sua efetividade.

Na realidade, contudo, há uma crítica no tocante a essa forma de se conferir efetividade aos direitos fundamentais – rol extensivo na Constituição Federal. A crítica exemplifica e se baseia para tanto na Constituição norte-americana que quase não tem diretos fundamentais em seu texto, aliás pouco se fala da “educação” em seu texto, e o modelo educacional norte-americano é referência mundial, tanto na iniciativa privada quanto público.

Dessa forma, percebe que a realização do “principio da máxima efetividade”, definido por Konrad Hesse[3], não se dá por meio de uma extensa previsão de direitos fundamentais, ou seja, não é a existência de um rol extensivo de direitos fundamentais que assegurará a efetivação dos mesmos, até porque a realidade econômico-financeira do Estado se torna incompatível com tais efetivações.

Merece destaque da crítica, nesse ponto, que preceitua ser a partir dos direitos fundamentais já concretizados que tornará possível aprimorar outros decorrentes desses já concretizados, e não codificando “infinitamente” os direitos da pessoa humana. De um lado temos o Poder Legislativo juntamente com o Poder Executivo, a titulo de exemplo, com a apresentação de propostas de Emendas Constitucionais com o fito de inserir, no corpo da Carta da República, direitos fundamentais, políticas públicas, ou mecanismos para que a efetivem quando na verdade se tratam de verdadeiras políticas governamentais, como bem já criticou Diogo de Figueiredo Moreira Neto.

Seguindo a baila, o Poder Judiciário em seu papel de detentor da “substitutividade”, segundo Chiovenda, se vê exercendo função atípica no sentido de concretizar as políticas públicas, criando precedentes perigosos para os cofres públicos uma vez que o Estado como realizador das políticas públicas se vê coagido pelo Poder Judiciário a dar efetividade naquilo em que ele é o garantidor.

Nessa esteira, em alguns casos, esse ativismo judicial representa um afronta ao princípio da separação dos poderes. Por outro lado, não se pode negar ao cidadão, diante da impossibilidade de exercer um direito fundamental, a possibilidade de recorrer ao Judiciário quando, casuisticamente, se revela a única forma para garantir a máxima efetividade a este.

Necessário concluir sobre o perigo da normatização dos direitos fundamentais bem como o excesso de judicialização das políticas públicas, uma vez que, pautado no efeito cascata, gera-se uma “avalanche” de precedentes, sem, contudo, observar os cofres públicos, fazendo com que se retarde a concretização das políticas públicas sob o argumento imediatista de atender as decisões judiciais pertinentes aos direitos fundamentais.

2 A ótica do Poder Judiciário no controle de políticas públicas sob o prisma da proporcionalidade e razoabilidade

Na definição das políticas públicas a serem implementadas, estas constituem decisões políticas a serem tomadas “exclusivamente” pelo chefe do Poder Executivo. É o chefe do Poder Executivo quem escolhe o meio para atingir um fim. Assim, o mérito da política pública é definido pelo chefe do Poder Executivo, cabendo ao advogado público apenas exercer o controle de legalidade/constitucionalidade dessa política pública.

Segundo o autor alemão Niklas Luhmann a evolução aqui, no presente caso concernente as políticas públicas, é passar do improvável para o provável, e não de um estágio inicial pior para um melhor.

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Luhmann chama este fenômeno supracitado de “abertura cognitiva versus fechamento normativo”. Isto é, na definição da política pública, o direito sofre influências externas, advindas das necessidades públicas, mas para ser definida é preciso que haja uma operabilidade. Com isso, percebemos que não é o Direito que dita/define a política pública, ele está ligado à abertura cognitiva, mas depende de outras ciências e fatores para que seja definida.

A interferência do critério jurídico na política pública é necessária para evitar casuísmos e conveniências político-partidárias. Dessa forma, é necessário o devido cuidado do advogado público em seu parecer, e atualmente, do Poder Judiciário em suas decisões, para distinguir direito e política, para não incorrer aos anseios casuísticos dos governantes.

Sob a ótica do Poder Judiciário no controle das políticas públicas, tomamos por base o controle jurisdicional sob o ângulo da “juridicidade”, ou seja, é um controle não mais apenas de legalidade, aquele tradicional controle fundamentado exclusivamente na lei em sentido estrito. Mas sim um controle de legalidade em sentido amplo, abarcando além das leis, os princípios, principalmente sob o prisma do princípio do devido processo legal.

De acordo com a doutrina moderna e com o Supremo Tribunal Federal o princípio do devido processo legal em seu caráter substancial apresenta duas vertentes, o princípio da proporcionalidade, desenvolvido pela doutrina alemã; e o princípio da razoabilidade, desenvolvido pela doutrina norte-americana. E fundamentalmente nesses princípios que o STF e outros tribunais exercem o controle das políticas públicas.

Mas é especificamente baseado no princípio da proporcionalidade que o STF se manifesta com relação às políticas públicas. Isto porque a doutrina alemã desenvolveu três subprincípios dentro daquele, são eles: adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito.

 A adequação determina que seja escolhido um meio para atingir dado fim, isto é, dentro do faticamente possível, o meio escolhido se preste a realizar determinado fim. A necessidade define que o meio escolhido seja o menos gravoso possível para realizar o fim proposto, ou seja, o meio exigível que não haja outro para dada finalidade.

Já o subprincípio da proporcionalidade em sentido estrito determina que se estabeleça uma correspondência entre o fim a ser alcançado por uma disposição normativa e o meio empregado. Definindo que a promoção dos direitos fundamentais não deve ficar aquém de sua restrição. Daí extraímos a dupla face: o princípio da vedação do excesso e da proteção do insuficiente/deficiente.

O primeiro visa impedir a proteção excessiva dos direitos fundamentais, a fim de evitar a desproporcionalidade do resultado entre os fins e os meios. O segundo, é invocado para tutelar o insuficiente, que exige do Estado um comportamento ativo na concretização dos direitos fundamentais, sendo o garantismo positivo. E é nesse ponto que pode o Poder Público incorrer em omissões constitucionais, e então o Poder Judiciário ser provocado a se manifestar.

CONCLUSÃO

A independência da jurisdição tem que ser garantida constitucionalmente, e assim o é, justamente pelo fato das decisões judiciais terem um grande impacto sobre os sistemas de outra função. Mas é preciso cautela, para não gerar excessos e até mesmo abusos de competências, desvirtuando as competências definidas pela Carta da República.

 

Referências
BRASIL, Constituição da República Federativa (5 de outubro de 1988). Presidência da República. Acesso em 10 de fevereito de 2012, disponível em Presidência da república: http://www4.planalto.gov.br/legislacao
HESSE, Konrad. Significado dos Direitos Fundamentais. In: Temas Fundamentais do Direito Constitucional. Trad. Carlos dos Santos Almeida. São Paulo: Saraiva, 2009.
LUHMANN, Niklas – Texto traduzido: direitos humanos e a sociedade moderna: uma analise sociológica sobre a perspectiva da teoria dos sistemas.
NEVES, Marcelo. A Constitucionalização Simbólica. 2 ed. São Paulo: Martins Fontes, 2007.
Portal do Supremo Tribunal Federal, acesso em 10 de fevereiro de 2012, disponível em: http://www.stf.jus.br
SARLET. Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 7ª ed, Livraria do Advogado: Porto Alegre.
SUDFELD, Carlos Ari. Fundamentos de Direito Público. São Paulo: Ed. Malheiros, 4ª edição, 3ª tiragem, 2002.
 
Notas
[1] Georg Jellinek (Lípsia, 16 de junho de 1851Heidelberg, 12 de janeiro de 1911 (59 anos)) foi um filósofo do direito e juiz alemão. Professor na Universidade de Basileia e na Universidade de Heidelberg, publicou varias obras sobre filosofia do direito e ciência jurídica, dentre as quais se destaca Teoria Geral do Estado onde sustenta que a soberania recai sobre o Estado e não sobre a nação, que é um simples órgão daquele e as Teoria da Soberania do Estado e a Teoria do Mínimo Ético.

[2] Sarlet, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais;2009; 366p; 10º edição

[3] HESSE, Konrad. Significado dos Direitos Fundamentais. In: Temas Fundamentais do Direito Constitucional. Trad. Carlos dos Santos Almeida. São Paulo: Saraiva, 2009.


Informações Sobre o Autor

Lorena Araújo de Oliveira

Procuradora Federal da Advocacia Geral da União em Brasília/DF, Bacharel em Direito pela Pontifícia Univer-sidade Católica de Goiás (PUC/GO) e Especialista em Direito Público e Advocacia Pública pela Universidade Cândido Mendes


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