A Pandemia do COVID-19 e o Calendário Das Eleições

Fernando Gustavo Knoerr[1]

Gustavo Swain Kfouri[2]

Dentre os efeitos derivados da pandemia do COVID-2019 vê-se o impacto nas relações sociais, econômicas e políticas – em espectro macro, este com o potencial de obstruir o processo eleitoral; razão porque movem-se as autoridades judiciárias e parlamentares debatendo sobre a possibilidade, os meios e os efeitos de sua possível postergação.

O momento é de incerteza, quanto: a) ao grau de letalidade do vírus[3]; b) à eficácia dos medicamentos eleitos pelos técnicos da área de saúde para o combate da doença; c) aos métodos aplicados para a contenção da disseminação deste agente biológico extremamente infeccioso – dentre os quais está a limitação da aglomeração, da circulação e as medidas de reclusão de pessoas; e, d) ao período em que tais práticas restritivas deverão ser mantidas em vigor; o que levou diversas autoridades no Brasil e no Mundo a recuarem de medidas liberatórias.

Daí uma certeza: os calendários eleitoral e partidário já foram impactados, senão note-se a impossibilidade do comparecimento pessoal do eleitor nos cartórios para o alistamento, para a alteração de seu domicílio eleitoral[4], para a regularização de contas partidárias, e etc.; o que induz ao debate sobre o adiamento do pleito e as suas consequências[5].

Embora se cogite, ainda não há definição sobre a prorrogação do procedimento eleitoral, mesmo porque não se prescindirá de lei, sendo necessária até mesmo uma emenda à Constituição; afinal, o artigo 29, §2 º da Constituição Federal, define que a eleição de Prefeito, Vice-Prefeito e Vereadores será realizada no primeiro domingo de outubro do ano anterior ao término dos mandatos dos atuais agentes políticos, sendo portanto necessária uma PEC para a alteração dessa data.

O impacto na democracia e no nosso regime eleitoral será inevitável pois, se de um lado aquela impõe um prazo definido para a duração dos mandatos exigindo, isonomicamente, a alternância no exercício do poder, de outro, não se pode desconsiderar que estamos num período excepcional, e da excepcionalidade faz-se necessário ajustar-se determinadas normas para preservar-se determinados direitos, que neste caso, por óbvio, é a segurança da população na garantia da lisura do pleito.

Se houver um tempo de reclusão maior do que o inicialmente projetado ou, sem exclui-se o pior, como por exemplo, um forte impacto nas atividades do Poder Público que impeça a regularidade do procedimento eleitoral (vide o elevado número de óbitos na Itália), certamente os atos preparatórios para as eleições já estarão comprometidos, pois já estamos em abril e, no início deste mês, fixou-se o marco de seis meses antes das eleições: prazo para desincompatibilizações de determinados mandatos ou categorias profissionais; enfim.

Nesta senda, em ambos os cenários, haverá a irremovível necessidade de que os atuais mandatários mantenham em curso a Administração Pública, notadamente para a garantia dos serviços essenciais. No melhor deles, se no compasso do cerceamento da locomoção seja possível prorrogar-se a data do pleito em primeiro e segundo turnos para ainda este ano, os termos do encerramento do mandato em 31 de dezembro e a posse dos eleitos fixada para o dia 10 de janeiro de 2021, poderão ser mantidos na forma do art. 29, III, da Constituição Federal.

É claro que todas essas alterações serão implementadas por regras de transição, pois também será necessário alterar-se o artigo 16 da Constituição que, contemplando o denominado princípio da anualidade, exige a vigência de pelo menos um ano da lei (vamos aqui entender lei como ato normativo em geral) que alterar o procedimento eleitoral. É claro que neste caso, em havendo a necessidade de se postergar o pleito e todos os demais atos pertinentes a eleição, será igualmente necessário que esta exigência da antecedência de um ano seja também normatizada de uma forma distinta, afinal não é à toa que a Constituição exige esta antecedência, que se dirige à, justamente, proporcionar a todos aqueles que participem do processo eleitoral, tais como os candidatos, equipes de campanha e também a nós mesmos, eleitores, informações seguras, claras e suficientes para que possamos participar das escolhas com a previsibilidade e, em última análise, a segurança que a democracia exige.

Agora, é patente que se o estado de contenção atual prolongar-se até o julho próximo (mês das Convenções Partidárias), o calendário eleitoral terá sido obstruído. Tal resultará na possibilidade de estender-se os mandatos, como consequência, em conjunto com a postergação da data da posse. Isso gerará um grande problema, que toca à assincronia dos mandatos, porque os atuais agentes políticos serão mantidos por mais tempo no poder.

Por fim, aqueles mandatários eleitos neste pleito deterão um prazo menor para cumprí-lo, sob pena de se prolongar, e mais ainda, de se aprofundar esta assincronia quando do exercício de mandatos posteriores, pois o sistema organiza o processo para que as eleições sejam realizadas a cada dois anos – as gerais e as municipais, alternadamente.

 

 

[1] FERNANDO GUSTAVO KNOERR é Advogado. Pós-Doutor em Direitos Humanos pelo Ius Gentium Conimbrigae da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra-Portugal. Doutor e Mestre em Direito do Estado pela Universidade Federal do Paraná. É Professor do Programa de Mestrado e Doutorado em Direito do UNICURITIBA. Membro do Conselho Recursal da Diretoria de Relações Internacionais da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – CAPES. Foi Procurador Federal de Categoria Especial e Juiz do Tribunal Regional Eleitoral do Paraná no biênio 2009/2011.

[2] GUSTAVO SWAIN KFOURI é Advogado. Mestre em Direito Constitucional pela UNIBRASIL, Doutor em Direito do Estado pela Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC e Pós-Doutorando pela UNICURITIBA. Professor Visitante da Universidade Nacional Autônoma do México – UNAM e da Academia Brasileira de Direito Constitucional – ABDCONST. Professor Avaliador do Conselho Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Direito – CONPEDI. Membro das Comissões de Direito Eleitoral e Nacional de Legislação do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil e Fundador do Instituto Paranaense de Direito Eleitoral – IPRADE.

[3] O Diretor-Geral da Organização Mundial da Saúde – Tedros Adhanom Ghebreyesus, declarou em entrevista coletiva em Genebra, nesta data (13/04/2020), que: “através dos dados coletados em vários países, têm-se uma imagem mais clara desse vírus, de seu comportamento e da maneira de contê-lo: se espalha rapidamente e é letal: dez vezes mais que o vírus responsável pela pandemia da gripe de 2009”. (https://istoe.com.br/novo-coronavirus-e-10-vezes-mais-letal-que-h1n1-diz-oms/) e (https://exame.abril.com.br/ciencia/novo-coronavirus-e-dez-vezes-mais-letal-que-h1n1-diz-oms/).

[4] Vide Resolução n. 23.615/2020 – Tribunal Superior Eleitoral.

[5] As instituições consideram ainda prematura a definição acerca do adiamento do pleito de 2020, fixado para o dia 04 – em 10 turno, e para o dia 25 de outubro – em 20 turno, que se dá pelo risco de periclitação da saúde pública através da admissão estatal quanto à aglomeração de pessoas, desde os atos das convenções partidárias (desde 20 de julho a 05 de agosto de 2020) até o início da campanha eleitoral de rua, a partir do registro dos candidatos pelos Partidos Políticos. Vide as posições no Tribunal Superior Eleitoral: (http://www.tse.jus.br/imprensa/noticias-tse/2020/Marco/presidente-do-tse-reafirma-que-calendario-eleitoral-das-eleicoes-2020-esta-sendo-cumprido) e (https://www1.folha.uol.com.br/poder/2020/04/aglomeracao-em-convencoes-e-testes-das-urnas-sao-obstaculos-para-eleicoes-diz-barroso.shtml?origin=folha).

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