Aos poucos vamos acostumando com a rotina de segregação provocada por uma doença transmitida por contato pessoal, de pessoa a pessoa; com rapidez incrível, e em poucos dias ultrapassou fronteiras e desconhece barreiras. Parou a economia do mundo e dificilmente as coisas serão como eram…
Invariavelmente, o tema a se debater é a pandemia mundial, sua origem e consequências. A faceta perversa do contágio fácil transpõe barreiras, transformando e ameaçando a vida. Mas, acima de tudo, o caráter global dessa epidemia confirma a necessidade – já evidente em matéria de agressão ao ambiente – de dar origem a uma Constituição da Terra que preveja garantias e instituições à altura dos desafios globais e da proteção da vida de todos.
Segundo artigo de Ricardo Cintra Torres de Carvalho é desembargador do TJ-SP: “A hipótese mais provável é ter origem em morcegos (que não adoecem dele, por causa de seu especial metabolismo), daí passou para o pangolim (uma espécie africana, que lembra o nosso tatu, procurado na China pelo sabor da carne e por ditas propriedades medicinais) (fala-se nele, pois os estudos indicam que a Covid-19 é 99% igual ao vírus do pangolim), e dele para os humanos. Essa tripla passagem é rara, pois o curto espaço de vida do vírus exige que os três animais: o morcego, o pangolim e o humano, estejam junto no mesmo tempo e lugar. Aí entra o mercado de Wuhan, onde animais vivos, domésticos e selvagens de todo o mundo, ficam empilhados em engradados, um em cima do outro, de modo que os debaixo recebem os resíduos dos que estão em cima (fezes, urina, sangue, pus, seja o que for) e assim se contaminam, se algum acima carregar o vírus; e dali são comprados e consumidos por humanos4. O período em que o humano é assintomático e a facilidade da transmissão explica a rápida expansão da epidemia. Ricardo Cintra Torres de Carvalho é desembargador do TJ-SP. Revista Consultor Jurídico, 28 de março de 2020, 8h00.”
A natureza é sagrada e divina, compreendendo a integração, harmonia, preservação, esmero e contemplação. Se a Terra oferece condições adequadas de vida, é porque um necessário equilíbrio assim as mantém. Não obstante, o desenvolvimento e o progresso dão a ordem do dia, estabelecendo uma seleção natural que agrada aos ávidos por poder.[1]
Destarte, logicamente, o bem ambiental por sua própria natureza não pode ser encarado singularmente pelos Estados, haja vista que as conseqüências dos danos são muitas vezes imprevisíveis inclusive no que tange ao caráter espacial. Ou seja, a depender da envergadura do dano, este pode atingir caráter transfonteiriço, atingindo diversos países concomitantemente.
De conseguinte, não podemos olvidar que enquanto no direito internacional só a aquiescência do Estado convalida a norma, advoga-se aqui a idéia de que soberania e direito intencional são compatíveis, como sistemas de normas que se subordinam mutuamente.
Ademais, cabe destacar que a própria biosfera que acolhe a vida de plantas e animais é interligada através de conexões intrínsecas, onde os efeitos são percebidos em cadeia. Assim, a discussão jurídico-ambiental invariavelmente deve considerar o aspecto global do meio ambiente, sobretudo pela sua natureza conexa e interdependente. Relativamente ao Direito Ambiental Internacional, destaca Wold[2]:
“No plano internacional, tais princípios não são, tecnicamente, considerados obrigatórios, não obstante, por influenciarem a estruturação do direito ambiental interno e por serem efetivamente empregados pelos formuladores da política ambiental internacional, eles possuem uma importância ímpar para a proteção do ambienta em âmbito local e internacional.”
Desta maneira, dada a relevância dos princípios no plano internacional como no direito interno, estruturar valores ambientais é necessidade primeira no direito e na formulação das políticas ambientais, vislumbrando um plano comum (interno e internacional) calcado nos princípios objetivando um enfrentamento da questão ambiental.
As doenças transmitidas de animais para seres humanos estão em ascensão e pioram à medida que habitats selvagens são destruídos pela atividade humana. Cientistas sugerem que habitats degradados podem incitar e diversificar doenças, já que os patógenos se espalham facilmente para rebanhos e seres humanos. Leia o relato do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA).
Nesta linha, muito se tem discutido acerca da eficácia do direito em nível planetário a fim de harmonizar as políticas de gestão ambiental com o desenvolvimento. Como observa Canotilho[3], trata-se de um dos postulados da seara ambiental, onde:
“a proteção do ambiente não deve ser feita a nível de sistemas jurídicos isolados (estatais ou não) mas sim a nível de sistemas jurídico-políticos, internacionais e supranacionais, de forma a que se alcance um standard ecológico ambiental razoável a nível planetário e, ao mesmo tempo, se estruture uma responsabilidade global (de Estados, organizações, grupos) quanto às exigências de sustentabilidade ambiental. Por outras palavras: o globalismo ambiental visa ou procura formatar uma espécie de Welt-Umweltrecht (direito do ambiente mundial).”
E especificamente sobre a pandemia, Luigi Ferrajoli publicou:
“O coronavírus não conhece fronteiras. Ele já se espalhou para quase todo o mundo e certamente por toda a Europa. É uma emergência global que exigiria uma resposta global. Portanto, podemos tirar dois ensinamentos disso, que nos forçam a refletir sobre o nosso futuro.
O primeiro ensinamento diz respeito à nossa fragilidade e, ao mesmo tempo, à nossa total interdependência. Apesar das conquistas tecnológicas, do crescimento das riquezas e da invenção de armas cada vez mais letais, continuamos – todos, simplesmente como seres humanos – a estar expostos às catástrofes, algumas provocadas por nós mesmos com a nossa poluição irresponsável, outras, como a atual epidemia, que consistem em calamidades naturais.
Com uma diferença em comparação com todas as tragédias do passado: o caráter global das catástrofes atuais, que afetam todo o mundo, a humanidade inteira, sem diferença de nacionalidade, de cultura, de língua, de religião e até de condições econômicas e políticas.
Infelizmente, dessa pandemia planetária, segue-se uma dramática confirmação da necessidade e da urgência de realizar um constitucionalismo planetário: aquele proposto e promovido pela escola “Constituinte Terra”, que inauguramos em Roma no dia 21 de fevereiro.
O segundo ensinamento diz respeito à necessidade de que, diante de emergências dessa natureza, sejam adotadas medidas eficazes e, sobretudo, homogêneas, a fim de evitar que a variedade dos procedimentos adotados, em muitos casos totalmente inadequados, acabe favorecendo o contágio e multiplicando os danos para todos.A opinião é do jurista italiano Luigi Ferrajoli, professor da Universidade de Roma Tre e ex-juiz de 1967 a 1975. O artigo foi publicado em Il Manifesto, 17-03-2020. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
É tempo de entender que a Terra é um corpo vivo com inteira conexão em todos os pontos. A crise trazida pelo novo coronavírus é sem dúvida parte da crise ambiental e nos leva a refletir sobre nossos atos e ações frente ao meio ambiente. Todos, Governo e sociedade precisam entender a gravidade da situação, encontrar parcimônia para equilibrar a vida e a economia, em busca de um meio ambiente verdadeiramente ecologicamente equilibrado.
A situação atual é gravíssima. Deve ser bem compreendida pela população, por todos os seus membros, de todas as idades e de todos os níveis sociais e econômicos, porque o vírus desconhece classe social, econômica ou qualquer outra distinção. Por isso, é necessário consciência a fim de que cada pessoa ofereça sua parcela de cooperação. Fique em casa; proteja a sua imunidade; cuide dos idosos; e resguarde seu lar. E, quando esta pandemia acabar, vamos cuidar melhor do meio ambiente.
Para o Direito, esperamos que formuladores da política ambiental internacional reconheçam importância ímpar para a proteção do ambiental em âmbito local e internacional, de forma a que se alcance um standard ecológico ambiental razoável a nível planetário e, ao mesmo tempo, se estruture uma responsabilidade global (de Estados, organizações, grupos) quanto às exigências de sustentabilidade ambiental.
Sob este prisma, a nosso sentir, o equilíbrio entre a exploração econômica e a preservação ambiental necessariamente perpassa a abordagem da felicidade como política governamental, legal e institucional. Deve o Estado coibir e abolir toda a sorte de anti-humanismos, de desvios administrativos e as problemáticas que discrepam da atitude racional da felicidade jurídica.
A investigação científica é conclusiva de que a felicidade engloba e responde a todos os dilemas humanos, razão pela qual suas implicações evocam o ideal a ser perseguido pelo Estado. De conseguinte, considerando a felicidade a finalidade maior do Direito e de um Estado, senão a da própria natureza humana, não se afigura como relevante distinguir conceitos jurídicos de felicidade.
Neste ponto, parte-se da premissa de que a positivação do direito à felicidade não pode divorciar-se de sua ética etimológica, e não contempla desejos ou caprichos individuais. Seu contexto enseja a reflexão acerca da disposição dos e proteção de bens e direitos que, juridicamente, apoie às justas expressões do exercício das liberdades fundamentais, com uma relação de respeito e integração da vida em todas as suas formas.
RAFAEL RAMOS RODOLFO, OAB/SC 15.001, é Advogado em Florianópolis/SC (www.ramosrodolfo.adv.br) Pós Graduado em Direito da Empresa pela FGV e Direito Ambiental pela UNISUL.
[1] LUTZEMBERGER, José. Gaia o planeta vivo (por um caminho suave). Porto Alegre, L&PM, 1990.
[2] WOLD, Chris el alli. Princípios de Direito Ambiental. Belo Horizonte: Del Rey, 2003, p. 06.
[3] LEITE, José Rubens Morato et alli. Estado de Direito Ambiental: tendências.Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2004, p. 5.