Resumo: O presente artigo aborda sobre a aprovação da Proposta de Emenda Constitucional nº 88/2015 que ficou conhecida como "PEC da Bengala". Segundo a emenda, é necessário que o Ministro que complete 70 anos somente possa continuar no cargo se for submetido a nova arguição pública, ou seja, por uma nova sabatina e votação no Senado Federal. Em outras palavras, o Ministro, quando completar 70 anos, poderá continuar no cargo até os 75 anos, mas para isso seu nome precisaria ser novamente aprovado pelo Senado. Destarte, o objetivo principal deste artigo é analisar os principais argumentos contrários e favoráveis à PEC, porventura, mostrar que tal decisão não passa de mera desestruturação do poder judiciário e uma forma de torná-lo subalterno aos interesses políticos dos legisladores e governantes.[1]
Palavras chaves: Aposentadoria. Emenda. Judiciário. Sabatina. Legislativo.
Abstract: This article discusses approval of the Proposed Constitutional Amendment No. 88/2015 which became known as "PEC of Bengal". According to the amendment, it is necessary for the Minister to complete 70 years can only stay in office if subjected to new public argumentation, ie by a new Sabbath and voting in the Senate. In other words, the Minister, when he turns 70, may continue in office until 75 years ol, but for that his name would need to be re-approved by the Senate. Thus, the main objective of this paper is to analyze the main arguments against and in favor of PEC, perhaps to show that such a decision is a mere disruption of the judiciary and in order to make it subordinate to the political interests of legislators and governor.
Keywords: Retirement. Amendment. Judiciary. Sabbath. Legislative.
Sumário: Introdução. 1. Judiciário e garantias. 2. STF e a aposentadoria compulsória. 3. A PEC da Bengala e a violação do princípio da razoabilidade. 4. Autonomia judiciária x Interesses políticos. 5. A celeuma da generalidade e da abstração. Conclusão.
Introdução
A aprovação da emenda constitucional 88 em maio de 2015 pela Câmara mais conhecida como “PEC da Bengala” após doze anos de tramitação, veio aumentar o limite da idade de aposentadoria compulsória dos Ministros dos Tribunais Superiores. Sendo assim, essa emenda pode ser analisada como uma celeuma de controvérsias, precipuamente, no que diz respeito à legitimidade da interferência sobrepujante do Poder Legislativo sobre o Poder Judiciário, entretanto cabe analisar se é legitima ou não. Em síntese, essa emenda vem alterar as regras do artigo 40 da Constituição Federal, que prevê as regras gerais sobre a aposentadoria dos servidores públicos estatutários, sejam eles federais, estaduais ou municipais, tanto do Executivo, do Legislativo e do Judiciário. São inúmeras as discussões entre os poderes em questão (Judiciário e Legislativo) e os argumentos favoráveis e contrários à PEC.
O primeiro argumento dos críticos contrário a tal emenda constitucional é de que essa decisão torna o Judiciário refém dos interesses políticos. Segundo a emenda, é necessário que o Ministro que complete 70 anos somente possa continuar no cargo se for submetido a nova arguição pública, ou seja, por uma nova sabatina e votação no Senado Federal. Em outras palavras, o Ministro, quando completar 70 anos, poderá continuar no cargo até os 75 anos, mas para isso seu nome precisaria ser novamente aprovado pelo Senado. Outro posicionamento contra é feito pela Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), que também criticou a possibilidade de uma nova sabatina aos ministros do Supremo. A entidade também afirmou que o novo requisito torna o Judiciário “refém de interesses político-partidários”.
A Ordem dos Advogados do Brasil se diz contrária e defende a renovação dos tribunais. Segundo eles, não é o ideal que a pessoa fique quase que eternamente no exercício de uma função fundamental como a jurisdição.
Já entre os argumentos favoráveis, o primeiro refere-se ao maior aproveitamento da experiência dos magistrados, devido ao aumento da expectativa de vida e à frequência com que nos chegam notícias de casos de pessoas, com alto preparo intelectual e largo tirocínio profissional, que são afastadas compulsoriamente de suas atividades.
Dessa forma, argumentos favoráveis e contrários à PEC não faltam. Entretanto, torna-se necessária uma análise sistemática da mesma como meio de encontrar a lógica para tais controvérsias e responder as celeumas que surgem com a separação de poderes. É fato que o protagonismo do Poder Judiciário traz consigo, além da preservação das garantias ao ordenamento jurídico brasileiro, também um embate político, característico a qualquer Estado Democrático de Direito.
1. Judiciário e garantias
Segundo Gilmar Mendes, “A Constituição de 1988 confiou no judiciário papel até então não outorgado por nenhuma outra Constituição” (MENDES, 2008, pag. 933). Ou seja, buscando-se uma analogia desde as primeiras constituições do Regime Imperial até a mais moderna de 1967, não se encontra algo próximo da autonomia institucional do Poder Judiciário.
O Poder Judiciário é dotado de garantias, sem as quais a tripartição dos poderes não passaria de mera utopia. É certo que a Constituição, ao estabelecer que os poderes são harmônicos e independentes entre si, não exprime uma divisão estanque. Essa divisão rígida das funções típicas de cada poder está superada, sendo que cada um dos órgãos realiza atividades que tipicamente não seriam suas.
"As garantias conferidas aos membros do Poder Judiciário têm assim como condão conferir à instituição a necessária independência para o exercício da Jurisdição, resguardando-a das pressões do Legislativo e do Executivo, não se caracterizando, pois, os predicamentos da magistratura como privilégio dos magistrados, mas sim como meios de assegurar o seu livre desempenho, de molde a revelar a independência e autonomia do Judiciário”. (MORAES, 2013. pag. 516)
Podemos visualizar essas garantias na nossa Carta Magna. Dentre elas, aConstituição de 1988 assegurou que os tribunais sejam dotados de poder de autogoverno consistente na eleição de seus órgãos diretivos, elaboração de seus regimentos internos, organização de suas secretarias e serviços auxiliares e os dos juízos que lhes forem vinculados, no provimento dos cargos de magistrados de carreira da respectiva jurisdição, bem como no provimento dos cargos necessários à administração da Justiça (CF, art. 96, I ).
A Constituição de 1988 assegurou também aos magistrados as seguintes garantias: vitaliciedade; inamovibilidade; e irredutibilidade de vencimentos. A inamovibilidade garante que o juiz não seja removido do cargo ex officio.Não se permite, igualmente, que, mediante qualquer mecanismo ou estratagema institucional, seja ele afastado da apreciação de um dado caso ou de determinado processo. Outra garantia é a irredutibilidade de vencimentos, que permite afastar a possibilidade de qualquer decisão legislativa com o intuito de afetar os subsídios pagos aos juízes. Por último e mais importante para o estudo em questão é a vitaliciedade, que assegura que o magistrado só perderá o cargo aos 70 anos adentrando a regra de aposentaria compulsória dos servidores públicos ou mediante sentença judicial transitada em julgado.
Entretanto, cabe aqui fazer uma ressalva: embora o que os legisladores queiram apresentar com a PEC da Bengala seja uma inovação como exceção pontual à regra constitucional da vitaliciedade, a qual existe justamente para impedir esse tipo de interação e interferência política do poder legislativo, a proposta rompe com a premissa básica de que os juízes não podem ser retirados de seus cargos por decisão política dos agentes de outro poder, sendo por isso uma violação da separação de poderes.
2. STF e a aposentadoria compulsória
O Supremo Tribunal Federal compõe-se, atualmente, de onze ministros, escolhidos dentre pessoas de notável saber jurídico e reputação ilibada, maiores de 35 anos e menores de 65 anos, nomeados pelo Presidente da República, após a aprovação pela maioria absoluta do Senado Federal.
Embora não exista mandato pata o exercício da função de Ministro do Supremo Tribunal Federal, o prazo médio de permanência no cargo, no período 1946-1987, não é superior a oito anos. No período 1989-2006, essa média foi elevada para onze anos. A diferença entre os períodos de exercício efetivo é bastante acentuada, como demonstra pesquisa relativa ao período 1946-2006. Alguns Ministros permaneceram no cargo por mais de vinte anos; outros não mais do que dez meses. O curto período de exercício permitiu que um mesmo Presidente da República, durante seu mandato, nomeasse até dois Ministros para a mesma vaga. O estabelecimento de idade-limite (65 anos) para designação de magistrado acabou por restringir essa possibilidade.
Com a Constituição de 1988, essa situação muda, em virtude das prerrogativas e garantias que já foram objeto de estudo. Segundo a Súmula Vinculante nº 33:
“Aplicam-se ao servidor público, no que couber, as regras do regime geral da previdência social sobre aposentadoria especial de que trata o artigo 40, § 4º, inciso III da Constituição Federal, até a edição de lei complementar específica”.
Segundo o Regime Geral de Previdência Social, a aposentadoria compulsória se dá da seguinte forma:
“Art. 40. Aos servidores titulares de cargos efetivos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, incluídas suas autarquias e fundações, é assegurado regime de previdência de caráter contributivo e solidário, mediante contribuição do respectivo ente público, dos servidores ativos e inativos e dos pensionistas, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial e o disposto neste artigo:
§ 1º Os servidores abrangidos pelo regime de previdência de que trata este artigo serão aposentados:
II – compulsoriamente, com proventos proporcionais ao tempo de contribuição, aos 70 (setenta) anos de idade, ou aos 75(setenta e cinco) anos de idade, na forma de lei complementar”.
Dessa forma, com a PEC da Bengala, a lei complementar poderá prever que a aposentadoria compulsória seja ampliada para 75 anos, segundo critérios que ela fixar e para todos ou determinados cargos do serviço público. Já para os Ministros do Supremo Tribunal Federal, dos Tribunais Superiores (Superior Tribunal de Justiça, Tribunal Superior do Trabalho, Tribunal Superior Eleitoral, Superior Tribunal Militar) e do Tribunal de Contas da União a idade da aposentadoria compulsória já é de 75 anos mesmo sem lei Complementar. Ou seja, a regra já está produzindo todos os seus efeitos.
3. A PEC da Bengala e a violação do princípio da razoabilidade
O art. 101 da Constituição da República de 1988 enuncia que o Supremo Tribunal Federal compõe-se de onze ministros, dentre cidadãos (deve o brasileiro estar no gozo de seus direitos políticos) com mais de trinta e cinco e menos de sessenta e cinco anos, que possuam notável saber jurídico e reputação ilibada, nomeados pelo Presidente da República após aprovação pela maioria absoluta dos membros do Senado Federal.
Fazendo um paralelo com o artigo anterior, existe no direito administrativo o princípio da razoabilidade, que é uma diretriz de senso comum, ou mais exatamente, de bom-senso, aplicada ao Direito. Esse bom-senso jurídico se faz necessário à medida que as exigências formais que decorrem do princípio da legalidade tendem a reforçar mais o texto das normas, a palavra da lei, que o seu espírito. Enuncia-se com este princípio que a Administração, ao atuar no exercício de discrição, terá de obedecer a critérios aceitáveis do ponto de vista racional, em sintonia com o senso normal de pessoas equilibradas e respeitosas das finalidades que presidiram a outorga da competência exercida. Segundo Di Pietro:
"Trata-se de princípio aplicado ao direito administrativo como mais uma das tentativas de impor-se limitações à discricionariedade administrativa, ampliando-se o âmbito de apreciação do ato administrativo pelo Poder Judiciário (Di Pietro, 1991: 126-15 1)".
Na realidade, o princípio da razoabilidade exige proporcionalidade entre os meios de que se utilize a Administração e os fins que ela tem que alcançar.
“E essa proporcionalidade deve ser medida não pelos critérios pessoais do administrador, mas segundo padrões comuns na sociedade em que vive, e não pode ser medida diante dos termos frios da lei mas diante do caso concreto” (DI PIETRO, 2003, pag. 80).
Com efeito, embora a norma legal deixe um espaço livre para decisão administrativa, segundo critérios de oportunidade e conveniência, essa liberdade às vezes se reduz ao caso concreto, onde os fatos podem apontar para o administrador a melhor solução. Se a decisão é manifestamente inadequada para alcançar a finalidade legal, a Administração terá exorbitado dos limites da discricionariedade e o Poder Judiciário poderá corrigir a ilegalidade.
"No âmbito do direito constitucional, que o acolheu e reforçou, a ponto de impor à obediência não apenas das autoridades administrativas, mas também de juízes e legisladores, esse princípio acabou se tornando consubstancial à própria ideia de Estado de Direito pela sua íntima ligação com os direitos fundamentais, que lhe dão suporte e, ao mesmo tempo, dele dependem para se realizar”. (GILMAR, 2008, pag. 121)
Dessa forma, fazendo uma filtração constitucional desse princípio com a PEC da Bengala, a ideia que se pretende aqui examinar é de que a emenda constitucional violaria o princípio da razoabilidade, pois esses ministros representam a mais alta Corte Brasileira, nos quais inúmeras questões passaram por declive das decisões, sendo por isso, não seria razoável que um Ministro com enorme carga empírica pudesse passar por uma sabatina e, dessa forma, não teria aptidão para continuar a julgar. A partir daí surge a indagação quanto ao método objetivo para definir a competência de continuidade do trabalho dos magistrados, e da mesma forma como enfatiza Di Pietro, essa proporcionalidade deve ser medida não pelos critérios pessoais, políticos ou partidários do legislador ao avaliar a competência de continuidade da prestação de serviços dos Ministros Superiores, sendo que os mesmos já passaram por uma sabatina inicialmente e foram aprovados pelos critérios do artigo 101 supra citado. Mas deve ser considerado que os padrões comuns na sociedade em que vive, bem como as regras gerais de aposentadoria dos servidores públicos, não podem ser medidos diante dos termos discricionários, frios da lei no caso concreto. Pois o que essa emenda coloca em xeque é a generalidade e abstratividade das normas que, porventura, terá efeito erga omnes para os demais tribunais, e quem sabe, até mesmo para o Regime Previdenciário de servidores públicos.
4. Autonomia judiciária x Interesses políticos
Como visto, o Poder Judiciário representa um poder independente e autônomo conforme artigo 2º da Constituição Federal; mais especificamente a Constituição de 1988, no artigo 102, atribui "ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição". O STF tem exercido um papel primordial hodiernamente, tem decidido controvérsias que jamais passariam pela órbita de legislação do poder legislativo, como o casamento gay, o aborto anencéfalo, etc.
Dessa forma, a independência do Judiciário, no Brasil particularmente e nos diversos ordenamentos jurídicos, por várias vezes é posta à prova por motivos políticos. Não há duvidas de que o Poder Judiciário é um órgão político, os tribunais são instituições políticas. Assim como os juízes não podem estar desvinculados dos interesses políticos de uma sociedade, pois a própria Constituição é uma carta política. Isso se mostra ao começar pela eleição dos dirigentes dos Tribunais, que é função governativa, na medida em que tais dirigentes comandam um dos segmentos do Poder Público. Dessa forma, cabe a ingerência do Poder Executivo ou Legislativo na escolha dos Ministros do Supremo Tribunal Federal. Entretanto, há um entendimento antigo pelos próprios poderes, e ressalta-se aqui Executivo e Legislativo, de que o Judiciário é um poder dependente dos interesses políticos partidários, o que é bem diferente.
"Frequentemente, as pessoas falam dos tribunais como se eles fossem, ou pelo menos devessem ser, 'não-políticos'. Num sentido literal, naturalmente, isto é impossível. Os tribunais são parte integrante do Governo e, assim, são instituições políticas por definição. Mas muitas pessoas acreditam que os tribunais não são políticos no sentido em que geralmente falamos de política: são afastados da corrente principal do processo político e não são influenciados pelo partidarismo e por outras considerações presumivelmente insignificantes". (BAUM, 1987, pag. 12)
Lawrence Baum (1987) também relata o conflito da Suprema Corte Americana com o Presidente Roosevelt, em virtude do New Deal, linha política que foi duramente criticada pelos defensores do princípio da legalidade. Nos anos 20, os políticos liberais norte-americanos atacavam abertamente a Suprema Corte, em virtude de suas decisões jurídicas contra eventuais interesses político-comerciais.
No cenário brasileiro a situação é bem complicada. O Congresso Nacional parece ter colocado o STF no alvo de iniciativas que objetivam enfraquecer as suas decisões bem como dos órgãos que estruturam o Poder Judiciário. É o que se extrai da observação, em conjunto, de iniciativas como a PEC da Bengala e a sugestão de nova sabatina, da politização extrema do processo de indicação de novos ministros, no limite da barganha, e da então PEC 33 de 2011, que tinha como objetivo limitar drasticamente o poder decisório da Corte e criar mecanismos de superação política de suas decisões.
Da mesma forma, com a PEC da Bengala essa decisão torna o Judiciário refém dos interesses políticos. Segundo a emenda, exigir que o Ministro que complete 70 anos somente possa continuar no cargo se for submetido a nova arguição pública, ou seja, por uma nova "sabatina" e votação no Senado Federal. Nesse aspecto com respeito ao posicionamento do ministro Marco Aurélio de Melo, essa PEC só dá margem a voltarmos às constituições anteriores pelas quais o Poder Judiciário era mera boca da lei e dos interesses políticos vigentes:
“Depois de 26 anos de Supremo, mais passagem pelo Tribunal Superior do Trabalho e pelo Ministério Público, eles vão querer questionar o quê? Meu conhecimento jurídico? Só se for para questionar minhas decisões. E um juiz não presta conta de suas decisões.”[2]
Enquanto a sabatina inicial se justifica como chancela política do indicado ao cargo, à luz da sua formação e da sua história de vida, a sabatina posterior seria uma interferência política imprópria sobre a investidura de agente que já exerce a jurisdição, é o que pode ser denominado de contenção judicial. O elemento mais visível do Poder Judiciário atualmente é o ativismo judicial, principalmente na emissão de decisões que derrubam políticas legislativas e executivas, sendo assim, a forma encontrada pelo Poder Legislativo, é a contenção judicial, ou seja, simplesmente evitar o ativismo e consequentemente interferir substancialmente nas decisões da Suprema Corte.
5. A celeuma da generalidade e da abstração
Outro problema que se faz mister a ser analisado diz respeito à generalidade e abstratividade da PEC 88. Generalidade é a característica relacionada ao fato de a norma valer para qualquer um, sem distinção de qualquer natureza para os indivíduos, também iguais entre si, que se encontram na mesma situação. A norma não foi criada para um ou outro, mas para todos. Essa característica consagra um dos princípios basilares do Direito: igualdade de todos perante a lei. Com a PEC da Bengala, não há respeito por essa generalidade, já que ela impõe somente aos tribunais superiores. Porventura, a emenda foi criada exclusivamente para analisar uma determinada categoria, tornando mais explícito que a intenção dessa PEC não é aproveitar as cabeças pensantes dos Tribunais superiores, nem tampouco promover ajustes previdenciários, mas sim interferir a nomeação de novos ministros pelo Poder Executivo.
E a PEC da Bengala é contrária à abstratividade. A abstratividade garante que a norma não foi criada para regular uma situação concreta ocorrida, mas para regular, de forma abstrata, abrangendo o maior número possível de casos semelhantes, que, normalmente, ocorrem de uma forma. A norma não pode disciplinar situações concretas, mas tão somente formular os modelos de situação, com as características fundamentais. Sendo assim, a magistratura é uma carreira que possui caráter nacional, tendo essa natureza sido reafirmada pelo STF em diversas oportunidades. Com a PEC, todas as regras válidas para os Ministros do STF e dos Tribunais Superiores deveriam ser aplicadas para todos os demais magistrados de qualquer instância. Dessa forma, o tratamento uniforme que deve ser dado à magistratura impede que sejam feitas distinções entre magistrados, e não simplesmente reduzir a casos concretos.
Conclusão
A órbita de conflitos entre os poderes Legislativo e Judiciário fortalece o Estado Democrático de Direito. Entretanto, tentar de todas as formas desestruturar o Poder Judiciário e torná-lo subalterno dos interesses políticos dos legisladores e governantes só gera ameaça às garantias conquistadas com a Constituição de 1988, jamais vistas nas constituições anteriores. Dessa forma, a PEC da Bengala poderia parecer bem interessante se o real motivo de sua aprovação fosse uma reformação previdenciária que, antes de tudo, colocasse no centro das discussões o bem comum da sociedade, e não simplesmente uma categoria restrita de magistrados. Nem tampouco mostra-se preocupada por aproveitar nos tribunais superiores a experiência dos notáveis sabedores do direito. Trata-se de uma interferência imprópria do poder legislativo não respeitando, dessa forma, o princípio da razoabilidade. A proposta rompe com a premissa básica de que os juízes não podem ser retirados de seus cargos por decisão política dos agentes de outro poder. O Poder Judiciário representa um poder independente e autônomo conforme artigo 2º da Constituição Federal; mais especificamente, a Constituição de 1988 no artigo 102 atribui "ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição". Não há direito adquirido pelos magistrados, e é claro que em qualquer Constituição há, sim, interesses políticos, por isso é justificável a primeira sabatina, mas não a segunda. Não há espaço para essa tentativa de "domesticar" o Supremo Tribunal Federal pelo Congresso Nacional, visto que a Constituição Federal de 1988 foi criada para garantir que cada poder exerça suas funções, resguardando assim um ordenamento jurídico que tenho como alvo de todas as decisões o próprio povo.
Informações Sobre o Autor
Eduardo de Sousa Bílio
Acadêmico de Direito na Universidade Federal do Piauí