Resumo: Este artigo apresenta uma reflexão sobre os problemas dos desastres no Brasil. Buscou-se discorrer sobre os problemas de ocupação do solo nas cidades, a inércia do poder público em atuar nas políticas de ordenamento urbano, bem como a complexidade dos núcleos de comunidades que, por sua vez, geram dificuldades de planejamento, gestão e administração, restringindo e limitando as ações do poder público. O trabalho conclui pela necessidade da participação da sociedade nas decisões governamentais e a criação e/ou o fortalecimento de Conselhos de Proteção e Defesa Civil nas três esferas do poder público.
Palavras-chave: Ocupação do solo, política do desastre, vulnerabilidade, defesa civil.
Abstract: This paper presents a reflection on the problems of disasters in Brazil. We discussed the problems of the land use in cities, the inertia of the government to act in urban planning policies, as well as the complexity of the communities that lead to difficulties in planning, management and administration, restricting and limiting the actions of government. The paper concludes of the importance of participation of the society in government decisions and the creation of Councils of Protection and Civil Defense in the three spheres of the government.
Key-words: Land occupation, disaster policy, vulnerability, civil defense.
Sumário: 1.Introdução; 2.O que são desastres?; 3.Porque ocorrem os desastres?; 4.Como cresce e se desenvolve uma cidade vulnerável?; 5. A gestão pública e os desastres como entrave do desenvolvimento; 6.Considerações Finais; 7.Referências Bibliográficas
1. Introdução
As cidades brasileiras cresceram de forma exponencial ao longo de décadas, pois as pessoas vieram morar nas cidades fugindo das dificuldades do meio rural e devido às facilidades que os centros urbanos proporcionam como educação, saúde, emprego, entre outros. Como relatado por Veyret (2007, p. 26): “O risco e a percepção que se tem dele não podem ser enfocados sem que se considere o contexto histórico que os produziu e, especialmente, as relações com o espaço geográfico, os modos de ocupação do território e as relações sociais características da época”. Fatos históricos ocorridos ao longo de décadas são uma das razões para as quais ocorre a ocupação indevida do solo em áreas de risco, como nas encostas e nas baixadas, pois a prioridade era estar próximo ao centro urbano, fonte de renda e emprego, bem como local com maior acessibilidade à saúde, à educação e ao lazer, conforme explicam Ross (2014) e Gonçalves (2013).
Os registros de desastres vem aumentando ao longo de anos e um dos motivos pode ser a melhoria do sistema de informatização dos dados, assim como a evolução dos órgãos de defesa civil no Brasil. Apesar dos avanços, ainda permanece o grande desafio do estabelecimento das diferenças entre os desastres realmente de origem natural para aqueles oriundos da má política de gestão do uso do solo e da água. A realidade mostra a necessidade de se trazer a participação da sociedade civil nas decisões de governo.
O objetivo do presente artigo é o de apresentar uma reflexão sobre os problemas dos desastres de origem natural no Brasil.
2. O que são desastres?
De acordo com a Instrução Normativa nº 01, de 24 de agosto de 2012, publicada pelo Ministério Integração Nacional (MIN), tendo em vista o disposto na Lei nº 12.608, de 10 de abril de 2012, desastre significa “resultado de eventos adversos, naturais ou provocados pelo homem sobre um cenário vulnerável, causando grave perturbação ao funcionamento de uma comunidade ou sociedade envolvendo extensivas perdas e danos humanos, materiais, econômicos ou ambientais, que excede a sua capacidade de lidar com o problema usando meios próprios”. Segundo Carvalho e Damaceno (2013): “a grande maioria dos desastres decorre de uma sinergia de fatores naturais e antropogênicos (desastres mistos ou híbridos), sem que possa ser percebida uma prevalência de um deles, mas sim uma combinação de fatores híbridos num fenômeno de grandes proporções”.
Em ambas as definições, percebe-se que o cenário vulnerável é o cerne do desastre. A prioridade é a busca pelo processo catalisador do cenário vulnerável e que, consequentemente, causa grave perturbação ao funcionamento de uma comunidade ou sociedade. Aparentemente, as origens da maioria dos desastres estão ligadas a natureza ou a ação divina, conforme afirmam os gestores públicos nas mídias ou os moradores das áreas de risco. O homem ao atribuir a origem do desastre à natureza se exime de responsabilidades, negando assim a análise dos atos que transcendem a tragédia local, ocorridos em uma cronologia anterior ao impacto do evento natural adverso.
As dificuldades de encontrar a origem dos desastres são muitas. Segundo a classificação atual do Código Brasileiro de Desastre (COBRADE), os desastres são naturais ou tecnológicos. Os de origem natural são: climatológico, hidrológico, geológico, meteorológico e biológico; e os de origem tecnológica são relacionados às substâncias radioativas, produtos perigosos, incêndios urbanos, obras civis, transporte de passageiros e cargas não perigosas. Entretanto, não está claro na classificação a vinculação entre o desastre de origem natural e a ação do homem na ocupação inadequada do solo. Esta dificuldade atrapalha as pesquisas científicas e a formação sistêmica do sentido jurídico dos desastres.
Do ponto de vista das consequências, ou seja, de um cenário desordenado já existente, o uso do conceito definido pela Instrução Normativa nº 01/2012 MIN faz sentido. Entretanto, ponto de vista das causas dos principais desastres naturais do Brasil, inundações e escorregamentos, pode-se propor um novo conceito: desastre é a concretização dos riscos, provocados pela má política do uso de solo, da má gestão do uso das águas, da deficiência na infraestrutura, do parcelamento urbano e da distribuição de renda, sobre um zoneamento deficiente, resultante da política de expansão desordenada das áreas urbanas.
3. Por que ocorrem os desastres?
Um ambiente vulnerável demonstra sua incapacidade de defesa no quesito de segurança (safety)[1]. A ocorrência de um desastre e as suas consequências dependem do grau de vulnerabilidade do ambiente que será impactado. Para um mesmo evento, comunidades distintas serão lesadas de forma diferente, os danos e prejuízos irão variar de um local para outro, sendo menos graves nas regiões que estiverem preparadas para tal impacto, locais que conservarem suas estruturas verdes, ou aqueles onde o solo e o relevo não forem utilizados de forma irregular. (CARVALHO e DAMACENO, 2013, p. 55)
Os eventos naturais decorrentes das precipitações pluviométricas, extremos ou não, são periódicos e passam a ser um desastre quando atingem uma comunidade indefesa, cidade, região ou país gerando prejuízos e danos[2]. Um exemplo é quando um rio, sem ocupações ao longo de suas margens, transborda as águas do seu leito mínimo atingindo o seu leito menor, podendo em situações extremas, passar para o seu leito maior. Mas, se no mesmo rio existe uma área habitada ao longo de suas margens, o evento natural da cheia passa ter outro nome, inundação ou enchente, pois agora se tornou um desastre, Figura 1.
Os desastres no Brasil tem uma estreita relação entre a intensidade do impacto e a ocupação de moradias, precárias ou não, em locais impróprios devido à inclinação do terreno ou a proximidade com os cursos hídricos e áreas de drenagens. (TOMINAGA, SANTORO e AMARAL, 2012, p. 19)
Na visão de Carvalho e Damaceno (2013), os desastres retratam a insuficiência e o colapso de estruturas governamentais e não governamentais que, por alguma razão (ausência de investimento, fiscalização, impossibilidade de ação ou omissão) vem-se obrigadas a pagar um alto preço pela reconstrução do caos.
4. Como cresce e se desenvolve uma cidade vulnerável?
No Brasil, as primeiras vilas ficavam próximas dos rios e ribeirões, crescendo nas margens dos mesmos, criando assim as primeiras vulnerabilidades. O processo de urbanização, que se desenvolveu desde a consolidação das relações capitalistas de trabalho, quando o trabalhador teve que negociar no mercado imobiliário sua moradia, acabou gerando no interior de cada cidade a existência de duas cidades: a legal e a ilegal. (ROSS, 2014, p. 401).
A legislação urbanística do Brasil não pode ser considerada um instrumento eficaz para controlar e nortear o planejamento do processo do crescimento urbano, tendo ela servido preponderantemente para atender aos interesses de grupos privados – como construtores e especuladores – e muito pouco efeito em favor dos interesses sociais. (Fernandes apud KRELL, 2003, p. 103)
O Estado é um dos grandes responsáveis pela ocupação desordenada. Políticas enganosas concedem infraestrutura para locais ocupados por assentamentos precários, valorizando a localidade e criando condições para o aumento das construções, uma vez que a fiscalização não atua por falta de competência, ou por corrupção ou desânimo, e inúmeras vezes porque é impedida pela ação de políticos cujos interesses não são claros. O déficit de fiscalização da ocupação das áreas de risco gera áreas vulneráveis a quaisquer condições climáticas, mesmos as de menores intensidades.
Por outro lado, dentro da localidade, a construção é regida pela comunidade que, em virtude da ausência do poder público, estabelece sua própria lei de uso e ocupação do solo. Segundo Ross (2014), estima-se que, a maior parte das habitações da grande São Paulo foi construída pelos próprios moradores e a maior parte destes espaços está abaixo e fora das exigências estabelecidas pela legislação.
5. A gestão pública e os desastres como entrave do desenvolvimento
De acordo com Veyret (2007, p. 47), não é possível examinar as representações dos riscos sem considerar as práticas de gestão.
O Brasil é o único país do mundo que é federativo, onde os três níveis de competência são autônomos, criando, desta forma, uma obrigatoriedade de negociação entre as instâncias federativas que competem entre si, tanto no plano político-eleitoral, quanto na autonomia administrativa e financeira, acarretando uma letargia do processo decisório e principalmente, pouca eficácia na implementação de políticas de interesse nacional. (BARROS e BARROS, 2007, p. 3).
A competição entre os entes cria dificuldades administrativas nas ações de proteção e defesa civil e de resposta aos desastres, os Estados e os Municípios dependem de verbas da União para o desenvolvimento dos programas “Prevenção e Preparação para Desastres” e “Resposta aos Desastres e Reconstrução”. O grande diferencial entre os grupos de ações (prevenção versus resposta) reside nas características emergenciais, que devem estar presentes nas atividades que são direcionadas para o restabelecimento dos serviços essenciais e sem exigir a apresentação de planos de trabalhos, garantida pela Constituição e pela lei 8.666/1993. Justamente a falta de normatização torna subjetivos os conceitos de ações emergenciais e de reconstrução e uma consequência imediata pode ser a migração de ações que deveriam ser enquadradas como reconstrução para ações de restabelecimento de serviços. A falta de critérios bem definidos e a ausência de transparência no repasse de verbas cria a oportunidade para que determinados estados e municípios sejam mais beneficiados que outros, mesmo não sendo a região com o maior número de sinistros.
Além disso, há que se considerar a lentidão na análise dos processos administrativos, seja por falta de funcionários ou pela burocracia gerada pelos órgãos. Mesmos os projetos emergenciais demoram muito para serem analisados, processados, contratados e executados. Segundo Valencio (2010, p. 16), se a máquina pública brasileira tem como uma de suas características mais visíveis a lentidão do atendimento ao cidadão comum, a instituição maior de Defesa Civil, cujo escopo é o contexto de emergência, não foge à regra.
Outra questão importante é o acúmulo de despesas à cargo do município que sofreu danos e prejuízos com a ocorrência de um desastre e que não recebe aporte de recursos financeiros. Como exemplo, pode-se citar o município de Itaperuna, localizado no estado do Rio de Janeiro, que sofre, frequentemente, com desastres, como ilustrado na Tabela 1.
A tabela demonstra que os danos e os prejuízos foram diferentes de um desastre para o outro, mas a grande questão é que o município teve um prejuízo de mais de 130 milhões de reais em quatro anos sem ajuda orçamentária da União.
Paras as cidades que sofrem periodicamente com desastres, a sua recuperação está vinculada à ajuda do governo federal, e, por conta disso, muitas vezes acabam deixando de se desenvolver, gerando um ciclo de vulnerabilidade e subdesenvolvimento.
Neste contexto, há que se considerar também a fragilidade dos órgãos municipais de Defesa Civil, que além de contar com estruturas precárias, possuem funcionários que muitas vezes trabalham, cumulativamente, em outras funções. Há casos em que a nomeação dos agentes acontece posteriormente ao decreto de situação de emergência e de calamidade pública, demonstrando o descaso do poder municipal com a segurança e proteção civil. Além do mais, existe a questão da rotatividade dos funcionários em função da terceirização. A cada dois anos, o quadro é sujeito a mudanças em virtude das eleições, dado que poucos são os funcionários concursados. Esta rotatividade prejudica qualquer planejamento e ações.
6. Considerações Finais
Os desastres no Brasil estão estreitamente vinculados à ausência de aplicação de políticas públicas eficazes e eficientes, na falta de fiscalização e na infraestrutura precária, dentre outros. Apesar de algumas das leis existentes serem carentes de regulamentações, pode-se inferir que, de maneira geral, elas atendem aos seus objetivos, a questão é que elas não são cumpridas, necessitando de ações fiscalizatórias.
Outrossim, destaca-se a baixa institucionalização dos órgãos que compõem o sistema nacional de defesa civil, tanto no que diz respeito ao aspecto de estrutura física e de recursos humanos, como também em termos de articulação para atuarem em eventos de desastres. (TCU, 2009, fl 224)
O homem não pode interferir na causa natural, mas pode mudar aquilo que não é natural, ou seja, o homem como agente causador da vulnerabilidade ou potencializador do fenômeno pode mudar suas ações, como por exemplo, evitando a ocupação em áreas de encosta, nas margens de cursos d’água, na desigualdade social, na falta de articulação entre os entes federativos, etc.
No Brasil, as mazelas advindas dos desastres vêm da mesma fonte que acarreta a violência, a falta de educação, saúde e saneamento, dentre outras. A luta contra esta situação é uma jornada da qual não se pode desistir, pois a democracia não pode ficar presa somente no conceito do direito ao voto, mas na participação efetiva da população.
Apesar das dificuldades mencionadas anteriormente, a criação e/ou o fortalecimento de Conselhos de Proteção e Defesa Civil nas três esferas do poder público, pode ser um caminho bastante viável e mais democrático para participação da sociedade.
Informações Sobre os Autores
Joelson de Oliveira
Major do Corpo de Bombeiros Militar do Estado do Rio de Janeiro e Mestrando do Programa de Pós-graduação em Defesa e Segurança Civil da Universidade Federal Fluminense
Mônica de Aquino Galeano Massera da Hora
Doutora, Professora Adjunta do Programa de Pós-Graduação em Defesa e Segurança Civil, Universidade Federal Fluminense