Resumo: A proposta nuclear do presente trabalho reside na análise da ponderação de princípios como instrumento propulsor do equilíbrio no âmbito do ordenamento jurídico. O entendimento do processo de equilíbrio normativo será buscado a partir do estudo acerca dos sopesamentos proporcionados pelas cargas valorativas trazidas pelos princípios, enquadrando-os enquanto mandados de otimização, lição discutida a partir das linhas laureadas de Robert Alexy. Verifica-se também, o estudo da ponderação diante dos pressupostos da argumentação jurídica, analisando-se, principalmente, a colisão entre princípios jurídicos, partindo-se dos entendimentos acerca da construção de graus de dimensões, em que os princípios passarão por direcionamentos momentâneos para a resolução de conflitos. Registre-se ainda, a análise da ponderação, na aplicação do princípio constitucional da dignidade da pessoa humana, verificando-se, pois, o legítimo enquadramento de tal principio, tendo em vista o seu caráter relativo, enquanto princípio integrante do ordenamento jurídico pátrio.
Palavras-chave: Ponderação. Princípios. Argumentação jurídica. Dignidade da pessoa humana.
Sumário: 1. Notas introdutórias – 2. Breve noção de princípios – 3. Análise da ponderação enquanto solução para as colisões de princípios – 4. A ponderação e a análise da argumentação jurídica no provimento jurisdicional – 5. O princípio constitucional da dignidade da pessoa humana – 5.1. Enquadramento teórico do princípio da dignidade da pessoa humana – 5.2. A ponderação e a análise da supremacia do princípio da dignidade da pessoa humana – 6. Notas conclusivas
“À consciência de um homem de bem não é dado sondar o íntimo à primeira alusão desprezível, que lhe dirijam. Mas a reiteração da afronta, ainda quando se lhe não rasteie o sentido, o adverte de que alguma trama indigna se urde, no escuro, contra o seu nome, e o obriga, em qualquer tempo que ela se reproduza, a arrancar a máscara à calúnia. Esta reação nunca é tardia, nunca o pode ser, e, toda vez que se manifeste, o mais trivial instinto da dignidade humana impõe ao agressor o dever de descobrir as suas armas. E ao agredido assiste o direito de exigi-lo.”[1]
1. NOTAS INTRODUTÓRIAS
Em linhas introdutórias, impende salientar que, o presente trabalho apresenta como objeto temático central, o estudo acerca da ponderação de princípios, bem como a sua efetivação enquanto tendência atual na atividade jurisdicional, diante das colisões comumente ocorridas.
Nesse viés, sinaliza-se que o marco teórico de fundamentação das seguintes linhas, tem como pano de fundo, as construções doutrinárias acerca das teorias da argumentação jurídica, além das visualizações correspondentes às novas tendências de interpretação jurídica, componentes na era do Neoconstitucionalismo.
Nesta senda, importa salientar também, que os direcionamentos teóricos tiveram como orientações, as delimitações dispostas por Robert Alexy e Ronald Dworkin, acerca da construção da teoria dos princípios, buscando-se compreendê-los, enquanto normas jurídicas de sopesamento e formalizadoras do processo de ponderação diante de colisões principiológicas.
Em sequência, a análise acerca da ponderação passa a ter consonância com a análise da argumentação jurídica, verificando-se assim, o ideal a ser alcançado pela ponderação, em determinados casos, a interpretação racional – inserida no discurso jurídico – como forma de concretização da efetiva resposta judicial ao caso concreto, livre de equívocos ocorrentes no processo de sopesamento das normas.
Em caráter finalístico, verifica-se o estudo crítico acerca do princípio da dignidade da pessoa humana, enquadrando-o como princípio não absoluto (relativizado pelo caso concreto), desprovido da supremacia que é construída pelo intérprete jurídico, enquanto princípio absoluto, dotado de suprema carga valorativa.
2. BREVE NOÇÃO DE PRINCÍPIOS
O vocábulo princípio vem do latim principium e significa o ponto de partida ou o marco inicial de uma jornada. Além disso, pode possuir uma conotação de base, como o alicerce a sustentar uma construção. A sua utilização é verificada como possível fundamento para o estabelecimento de regras de conduta firmadas pelo direito positivo, para uma eventual exclusão de eventual lacuna existente no ordenamento jurídico, ou em alguns casos, como fundamento para a interpretação teleológica de regras estabelecidas. [2]
Os princípios quando ganham a titularidade de mandados de otimização, admitem um cumprimento gradual de acordo com o caso concreto. Sendo assim, seria uma razão que se inclina em diversos caminhos, fazendo surgir variadas sugestões para a resolução de algum problema que porventura possa surgir no mundo jurídico. Segundo leciona Robert Alexy:
“Princípios são, por conseguinte, mandamentos de otimização, que são caracterizados por poderem ser satisfeitos em graus variados e pelo fato de que a medida devida de sua satisfação não depende somente das possibilidades fáticas, mas também das possibilidades jurídicas […]”[3].
Caracterizam-se como normas de argumentação que admitem aplicação em diferentes graduações, de acordo com o encargo que possuir a situação, e exigindo para a sua aplicação um processo de concretização sucessiva, passando por subprincípios até alcançar o grau de densidade próprio de regras.[4]
Desta forma, verifica-se que ao serem concebidos como mandados de otimização, os princípios a priori, não devem ser divididos em relativos e absolutos, uma vez que podem ser aplicados de forma gradual, obtendo a caracterização de razões prima facie para que uma conduta seja adotada dentro das alternativas fáticas e jurídicas existentes.
Os princípios podem ser divididos em princípios de realidade (essendi) ou de conhecimento (cognoscendi), classificando-se sob critérios variados, sendo o mais comum o critério da abrangência, no qual há o estabelecimento de uma hierarquização de princípios, sendo que aqueles menos abrangentes são derivados daqueles mais abrangentes.
Com relação a esta possibilidade de estruturação de uma precedência ou uma hierarquização entre princípios, deve-se observar o posicionamento geográfico destes na Constituição, identificando-os de maneira implícita ou explícita.
Realizando-se uma leitura inicial da Constituição Federal, evidencia-se que os primeiros artigos trazem princípios mais importantes que os colocados nos artigos seguintes, possuindo um maior grau de abstração. Esta análise ocorre se for levado em conta que o legislador constituinte dispôs no texto constitucional uma relação de precedência entre os princípios, em que aqueles hierarquicamente superiores estariam à frente dos princípios de menor graduação.
Esta conceituação surge apenas pelo fato de os direitos e garantias fundamentais terem migrado dos últimos artigos das Constituições anteriores para o art. 5º do texto de 1988, possuindo princípios de grande importância, elencados pela Assembléia Nacional Constituinte.
Contudo, partindo para outra análise com referência a precedência entre princípios pode-se observar que esta relação pode atribuir maior valor aos princípios que compõem o núcleo intangível de uma Constituição, os quais o legislador constituinte, analisando a sua importância, elevou à categoria de cláusulas superconstitucionais e, em face disso, seriam hierarquicamente superiores aos demais princípios concebidos no texto constitucional.[5]
Para ilustrar, o art. 60, § 4º, da Constituição Federal de 1988 é considerado o núcleo intangível constitucional, estabelecendo que não será objeto de deliberação a proposta de emenda constitucional tendente a abolir a forma federativa de Estado; o voto direto, secreto, universal e periódico; a separação dos poderes e os direitos e garantias fundamentais.
Sendo assim, tais princípios são visivelmente apontados superiores aos demais elencados na Constituição, podendo ser estruturada a partir desta conceituação, uma relação clara de precedência hierárquica entres diversos princípios consagrados pelo ordenamento jurídico.
Esta hierarquização, contudo, poderá sofrer alterações durante a sua concretização nos casos em que houver uma colisão de princípios, necessitando em um determinado caso concreto de soluções diversas, ou seja, em situações excepcionais, os princípios retornam aquela conceituação inicial, qual seja, que a priori não devem ser relacionados como relativos ou absolutos, dependendo, portanto, do caso concreto.
Para isso, os princípios colidentes deverão ser respeitados dentro dos seus graus de atuação, sendo que ao prestigiar um princípio em relação ao outro, não se pode eliminar ou mesmo não aplicar de forma completa o princípio preterido, visto que todos os princípios que são válidos possuem um núcleo intangível que sempre coexistirá com os outros princípios aplicados à situação fática. Neste sentido, afirma Ronald Dworkin que:
“Quando dois princípios entram em colisão — por exemplo, se um diz que algo é proibido e outro, que é permitido —, um dos dois tem que ceder frente ao outro, porquanto um limita a possibilidade jurídica do outro. O que não implica que o princípio desprezado seja inválido, pois a colisão de princípios se dá apenas entre princípios válidos”[6].
Sendo assim, observa-se o grau de importância na verificação de valores que cada princípio carrega ao tentar partir para a resolução de conflitos no caso concreto. A partir de então, analisa-se qual princípio deverá prevalecer sobre o outro diante de certas circunstâncias, devendo-se adotar uma regra para a solução dos casos futuros de colisão de princípios, que poderá ser aplicada da mesma maneira , caso as condições que formalizaram os conflitos anteriores se repitam.
Frise-se que, os princípios constitucionais caracterizam-se como expressões normativas consolidadas a partir dos valores ou fins constitucionais, que garantem a unicidade e a concreção de todo o ordenamento jurídico. Podem ser referir tanto a direitos individuais, quanto a interesses coletivos. São normas constitucionais hierarquicamente superiores às regras constitucionais.[7]
Observa-se que, a constitucionalização dos princípios jurídicos e a consolidação de uma cultura de eficácia vinculante dos princípios constitucionais enseja uma estruturação dos mecanismos de resolução das colisões entre os valores constitucionais, muito na verificação da Constituição Federal de 1988, que abrange um sistema jurídico constitucional dotado de extrema dinâmica.
Desta forma, observando-se a elucidação ocorrente para os estudos correspondentes aos métodos de resolução de conflitos entre regras jurídicas e princípios jurídicos, salienta-se a busca pelas contribuições doutrinárias feitas por autores, como Robert Alexy e Ronald Dworkin (autores supracitados), que ajudaram a quebrar com a estrutura solidificada acerca do entendimento da norma jurídica, principalmente ao enquadrar os princípios como elementos substanciais de um dado ordenamento jurídico constitucional.
3. ANÁLISE DA PONDERAÇÃO ENQUANTO SOLUÇÃO PARA AS COLISÕES DE PRINCÍPIOS
Em linhas introdutórias, importa salientar, o enquadramento da ponderação diante da abrangência atual acerca de novos parâmetros da interpretação jurídica. Analisando-se a estrutura do pós-positivismo, proveniente da quebra do Direito puramente positivista, verifica-se o surgimento do paradigma principiológico que formalizou o novo Direito como ciência fundamentada em princípios jurídicos.
Para elucidar tal conceituação, observa-se a consolidação das “teorias” da argumentação, propiciada pela confluência de estudos e análises de teóricos tais como, Chaïm Perelman, Ronald Dworkin (em análise principiológica) e Robert Alexy.
Analisando o quanto disposto por Perelman, este já delimitava em sua teoria da argumentação, o enquadramento dos princípios como topoi, lugares-comuns do Direito, e, enquanto tais, orientações genéricas que influenciariam de alguma forma as decisões proferidas pelos julgadores.
Neste diapasão, o referido autor defendia que não bastava a existência de princípios de caráter genérico para a fundamentação de decisões judiciais tão-somente, mas as escolhas corretas, bem como as devidas interpretações, para a justa aplicação aos casos concretos.[8]
Ronald Dworkin, ao tratar dos princípios, trabalhou essencialmente na diferenciação entre regras e princípios, determinando em sua formulação teórica uma crítica ao positivismo jurídico, afirmando que, as regras possuem uma dimensão de validade, sendo que os princípios possuem uma dimensão de peso. Assim, as regras estariam numa disposição excludente, ou seja, versada pela expressão “tudo ou nada”, em que uma regra prevalecerá sobre a outra, diante da ocorrência de uma colisão[9].
Com referência aos princípios, Dworkin limitou-se a dispor que para solucionar as colisões existentes entre os mesmos, deve-se analisar o argumento que direciona a uma decisão particular, visualizando-os como padrões de orientação da justiça e de equidade, aplicados diferentemente aos casos concretos.[10]
A imprecisa definição de princípios foi solucionada, pelo menos para a doutrina brasileira, a partir dos ensinamentos de Robert Alexy, quando o mesmo afirmou serem os princípios, verdadeiros mandados de otimização. Alexy aprofundou a teoria emanada anteriormente por Dworkin, principalmente ao dispor acerca da existência de graus de aplicação dos princípios, verificando-se, pois, as possibilidades normativas e fáticas.
Com referência às regras, Alexy promove o enquadramento das mesmas como normas que, sempre, só ou podem ser cumpridas ou não cumpridas. Se uma regra vale, é ordenado fazer rigorosamente aquilo que ela pede, não mais e não menos. Regras possuem, desta forma, fixações no espaço do fática e juridicamente possível, sendo, portanto, caracterizados como mandados definitivos.[11]
Nessa perspectiva, entende-se que os princípios possuem dimensões de peso, uma vez que, existe uma nítida superioridade relativa em relação às regras, pelas suas funções eficaciais desempenhadas. Essa relativa superioridade pode ser manifestada em duas hipóteses, a saber: no caso de regras infraconstitucionais, os princípios seriam aplicados de acordo com as suas funções interpretativas, bloqueadoras e integrativas destas regras; no caso das regras constitucionais, os princípios teriam o peso de afastar as regras constitucionais imediatamente aplicáveis, principalmente modificando as hipóteses de aplicação.[12]
Com efeito, essa distinção provoca grandes confrontos doutrinários, principalmente no ordenamento jurídico brasileiro, importando salientar a distinção feita por Humberto Ávila, que dispõe:
“As regras são normas imediatamente descritivas, primariamente retrospectivas e com pretensão de decidibilidade e abrangência, para cuja aplicação se exige a avaliação da correspondência, sempre centrada na finalidade que lhes dá suporte e nos princípios que lhes são axiologicamente sobrejacentes, entre a construção conceitual da descrição normativa e a construção conceitual dos fatos.”[13]
Com referência aos princípios, o mesmo autor delimita que:
“Os princípios são normas imediatamente finalísticas, primariamente prospectivas e com pretensão de complementaridade e de parcialidade, para cuja aplicação demandam uma avaliação da correlação entre o estado de coisas a ser promovido e os efeitos decorrentes da conduta havida como necessária à sua promoção”[14].
A partir da distinção supra entre princípios e regras, ressalte-se agora a análise das colisões existentes entre as duas normas em questão.
Os conflitos entre regras podem ser solucionados a partir da visualização da validade, excluindo-se para tanto, a norma reputada como inválida. A priori, na hipótese de conflito entre duas regras, importa salientar que, a devida resolução ocorrerá a partir da introdução de uma “cláusula de exceção”. Não sendo possível tal disposição, pelo menos uma das regras em conflito no caso concreto, será reputada como inválida, devendo, portanto, ser excluída do ordenamento jurídico[15].
No caso das colisões entre princípios, as mesmas devem ser solucionadas a partir de uma cessão de um princípio em relação a outro, em que o princípio cedente possui peso menor do que o princípio precedente. Por esse viés, não se analisa a dimensão de validade dos princípios. Esses são válidos, sendo afastados pelo sopesamento de interesses exigido no caso concreto.[16]
Nesse sentido, observa-se que, ao se determinar uma prioridade concreta acerca da utilização de um princípio, o princípio ora recusado, continua a fazer parte do ordenamento jurídico. Esse fenômeno de afastamento momentâneo da aplicação de um princípio ao caso concreto é a chamada ponderação.
Diferentemente da subsunção, visualizada a partir do conflito entre regras, ocasionando a exclusão de uma regra no caso concreto, reputada como inválida, a ponderação possui a singularidade de equilibrar os entendimentos acerca dos sentidos e cargas axiológicas, determinando-se graus de dimensões valorativas, para a resolução de colisões entre princípios.
O juízo de ponderação é construído a partir da própria concretização do entendimento extraído de um determinado princípio, ocasionando, portanto, a densificação da referida norma in concreto. Desta forma, a prática da ponderação não gera a desqualificação e não nega a validade de um princípio preterido, mas, tão-somente, em virtude do peso menor apresentado em determinado caso, terá a sua aplicação afastada, não impedindo, portanto, a sua preferência pelo jurista em outra lide[17].
A técnica da ponderação consiste em técnica de decisão judicial diante de casos essencialmente difíceis, principalmente em discussões acerca do princípio da proporcionalidade e do conteúdo múltiplo dos direitos fundamentais. Acerca do conceito de ponderação, salienta-se a contribuição de Ana Paula de Barcellos, ao discorrer que:
“[…] a ponderação pode ser descrita como uma técnica de decisão própria para casos difíceis (do inglês ‘hard cases’), em relação aos quais o raciocínio tradicional da subsunção não é adequado. A estrutura geral da subsunção pode ser descrita da seguinte forma: premissa maior – enunciado normativo – incidindo sobre premissa menor – fatos – e produzindo como conseqüência a aplicação da norma ao caso concreto. O que ocorre comumente nos casos difíceis, porém, é que convivem, postulando aplicação, diversas premissas maiores igualmente válidas e de mesma hierarquia que, todavia, indicam soluções normativas diversas e muitas vezes contraditórias. A subsunção não tem instrumentos para produzir uma conclusão que seja capaz de considerar todos os elementos normativos pertinentes; sua lógica tentará isolar uma única norma para o caso”[18].
A atividade de ponderar envolve três momentos distintos, em que o intérprete formulará os fundamentos para o devido sopesamento em questão. No primeiro momento, o intérprete tem o ônus de identificar no sistema em que opera, as normas relevantes para a possível solução do caso concreto. [19] Nesta senda, observa-se que essa fase é considerada como a fase de preparação da ponderação, devendo-se analisar, de maneira exaustiva, todos os argumentos e elementos de fundamentação para a concretização do sopesamento[20].
Em sequência, deve-se analisar os fatos em consonância com os elementos normativos, momento em que ocorre o preenchimento do real sentido dos princípios em colisões. É, em síntese, a realização da ponderação stricto sensu, fundamentando-se a relação estabelecida entre os elementos objeto do sopesamento[21].
Para Daniel Sarmento[22], o intérprete deve verificar o peso genérico de cada princípio em conflito, observando assim, os efeitos e consequências práticas no respectivo ordenamento jurídico. Ademais, no momento logo posterior de definição do peso genérico dos princípios em conflito, o intérprete deve buscar o peso específico dos mesmos princípios em análise, situação em que varia de acordo com o caso concreto.
O momento derradeiro caracteriza-se pela apuração dos pesos atribuídos aos elementos em disputa na relação de sopesamento. Verifica-se nessa fase, o grupo de normas que deve ter prevalência no caso concreto, devendo-se, se possível, haver disposição quanto à graduação da intensidade da solução prática escolhida, determinando-se, por conseqüência, o grau em que a solução será aplicada[23].
Nesta senda, partindo-se da supramencionada construção sequencial de fases para o alcance dos efeitos da ponderação, vale salientar os dizeres de Robert Alexy:
“Segundo a lei da ponderação, a ponderação deve realizar-se em três graus. No primeiro grau dever ser determinada a intensidade da intervenção. No segundo grau trata-se, então, da importância dos fundamentos que justificam a intervenção. Somente no terceiro grau realiza-se, então, a ponderação em sentido restrito e verdadeiro”[24].
Para Alexy, a lei da ponderação surge como um reflexo do efeito do princípio parcial da proporcionalidade em sentido restrito, princípio que compõe o princípio da proporcionalidade. O princípio da proporcionalidade seria formado por três princípios parciais, a saber: o da idoneidade, da necessidade e da proporcionalidade em sentido estrito. Dessa forma, enquanto princípios parciais e de composição do princípio da proporcionalidade, verifica-se que, eles compõem a definição traçada em linhas pretéritas, acerca dos mandados de otimização.
Daí, extrai-se da lei da ponderação, que o exame da proporcionalidade caracteriza-se como um núcleo essencial para a ocorrência da otimização diante dos conflitos entre princípios no caso concreto, sendo, portanto, um próprio mandamento de ponderação[25].
Nesse diapasão, o princípio da proporcionalidade funcionaria enquanto limite que conduz a atividade de sopesamento dos valores dos intérpretes do Direito, clareando a atividade de ponderação de princípios jurídicos, bem como a estrutura das dimensões da dignidade humana[26].
Assim, em apertada síntese, conclui-se que o princípio da proporcionalidade surge na lei da ponderação, como um verdadeiro limite – instrumento de vedação de excessos -, parâmetro para o poder decisório, diante das colisões de princípios, regras e direitos fundamentais no caso concreto, controlando assim, uma possível discricionariedade em extremo, no provimento jurisdicional.
4. A PONDERAÇÃO E A ANÁLISE DA ARGUMENTAÇÃO JURÍDICA NO PROVIMENTO JURISDICIONAL
A partir da Constituição Federal de 1998, tratando-se da realidade institucional brasileira, as normas constitucionais alcançaram o status de normas jurídicas, possuindo enquanto tais, maior imperatividade diante das situações jurídicas previamente estipuladas. Desta forma, a busca pela efetividade da Carta Magna caracteriza-se como o pilar sobre a qual foi produzida a nova interpretação constitucional[27].
Ademais, a Constituição deixou de ser concebida apenas como uma manisfetação de cunho político, passando a ter composição essencial de normas jurídicas fundamentais. Valorizou-se desta forma, a supremacia do diploma constitucional em face das demais normas, exigindo-se dessas, a devida conformação com o texto constitucional hierarquicamente superior, sendo uma manifestação expressa do Estado Democrático de Direito[28].
Observando-se a característica do Estado Democrático de Direito, verifica-se o discurso relacionado com a própria sistemática de fundamentação desse Estado, qual seja, a posição da Constituição como instrumento emissor e mantenedor de regras e princípios existentes em um determinado sistema jurídico. Desta forma, o legislador originário determina as orientações inerentes à realidade social da época em que a emissão da norma fundamental se procede, é dizer, caracteriza-se, pois, num emanar imediato e dotado de insuficiência de normas que serão complementadas ao ordenamento jurídico com o passar do tempo, de acordo com as exigências sociais.
Nessa perspectiva, qual seja, de lacuna ocorrente a partir da insuficiência de normas ou de seus significados concretos, surge então, a figura do hermeneuta, enquadrado em muitas ocasiões como verdadeiro “agente-transformador” da mensagem emitida pelo legislador pátrio.
Com efeito, tendo em vista que a mensagem legislativa não é completa e acabada, verifica-se a necessidade de enquadramento das normas jurídicas à realidade vivida pela sociedade, principalmente quando se está diante de normas ultrapassadas e que pela caducidade, provocam sérios prejuízos irreversíveis, confrontando com o próprio ideal de construção de uma resposta jurisdicional mais justa e adequada.
Nesta senda, a norma, em decorrência da própria dinâmica social, situar-se parada no tempo e no espaço em que deve ser aplicada. Daí, a valorização do intérprete, enquanto agente transformador e propulsor dos entendimentos extraídos de uma determinada norma jurídica.
A partir dessa análise, observa-se a importância da hermenêutica jurídica para a compreensão da atividade dos intérpretes do direito. Verifica-se também, que o estudo da hermenêutica deve ter correlação ao estudo do discurso jurídico, principalmente com a estrita análise da teoria da argumentação jurídica, teoria que por sua vez, analisa constrói orientações para a utilização do discurso pelo hermeneuta, e, por consequência, ocasiona na busca por uma racionalidade prática no momento de adequação das normas jurídicas com a realidade momentânea vivenciada pela sociedade.
Daí, a importância da análise da argumentação jurídica, elemento de concretização dos discursos jurídicos. Acerca da argumentação, comenta em breves linhas, Luís Roberto Barroso:
“A argumentação é a atividade de fornecer razões para a defesa de um ponto de vista, o exercício de justificação de determinada tese ou conclusão. Trata-se de um processo racional e discursivo de demonstração da correção e da justiça da solução proposta, que tem como elementos fundamentais: (i) a linguagem, (ii) as premissas que funcionam como ponto de partida e (iii) regras norteadoras da passagem das premissas à conclusão. A necessidade da argumentação se potencializa com a substituição da lógica formal ou dedutiva pela razão prática, e tem por finalidade propiciar o controle da racionalidade das decisões judiciais”[29].
Assim, as teorias da argumentação jurídica foram construídas em linhas orientadas pela análise da escolha e valoração no caso concreto, para o direcionamento das soluções dos conflitos levados ao Poder Judiciário, tendo em vista a falta de disciplina completa e acaba dos diplomas emanados pelo Poder Legislativo.
Nesse sentido, prelecionou Robert Alexy:
“Nenhum dador de leis pode criar um sistema de normas que é tão perfeito e acabado que cada caso somente em virtude de uma simples subsunção da descrição do fato sob o tipo de uma regra pode ser solucionado. Para isso existem vários fundamentos. De importância fundamental são a avagueza da linguagem do direito, a possibilidade de contradições normativas, a falta de normas, sobre as quais a decisão deixa apoiar-se, e a possibilidade de, em casos especiais, também decidir contra o texto de uma norma […]”[30].
A teoria da argumentação seguida por muitos doutrinadores no Brasil é a teoria da argumentação jurídica de Robert Alexy, que possui como proposta, o fornecimento de fundamentos à decisão pela precedência de determinado valor que se evidencie em choque com outros, legitimando assim, a atuação judicial. Segundo Alexy, a decisão proferida por um julgador não se constitui em uma manifestação lógica das formulações a respeito de normas jurídicas, em decorrência da vagueza da linguagem normativa, da possibilidade de conflito entre normas, bem como dos casos de lacuna e da existência de decisões contra legem [31].
Sendo assim, o autor supracitado ainda discorre que:
“O ponto de partida da teoria da argumentação jurídica é a constatação de que, no limite, a fundamentação jurídica sempre diz respeito a questões práticas, ou seja, àquilo que é obrigatório, proibido e permitido. O discurso jurídico é, por isso, um caso especial do discurso prático geral. Enquanto caso especial do discurso prático geral, ele é caracterizado pela existência de uma série de condições restritivas, às quais a argumentação jurídica se encontra submetida e que, em resumo, se referem à vinculação à lei, ao precedente e à dogmática. Mas essas condições, que podem ser expressas por meio de um sistema de regras e formas específicas do argumentar jurídico, não conduzem a um único resultado em cada caso concreto. Em todos os casos minimamente problemáticos são necessárias valorações que não são dedutíveis diretamente do material normativo preexistente. Assim, a racionalidade do discurso jurídico depende em grande medida de se saber se e em que medida essas valorações adicionais são passíveis de um controle racional”[32].
Nesse diapasão, as operações lógico-discursivas não poderão jamais dissociar-se do entendimento e da construção da racionalidade, como elemento justificador do alcance da resposta judicial livre de valorações intersubjetivas em excessos. Ressalte-se, portanto, que a atividade jurisdicional deve se aproximar do ideal de justiça, sendo que tal aproximação ocorre, quanto maior for a atuação vinculada à racionalidade, verificando-se, justamente, o sopesamento das medidas a serem adotadas na construção do provimento jurisdicional.
A criação das normas jurídicas pelo Estado-Legislador não define e não delimita um sistema perfeito e completamente fechado, onde são verificadas todas as situações hipotéticas e as suas respectivas soluções legais, previstas em normas jurídicas. Desse modo, é plenamente justificável a existência da argumentação jurídica como elemento formador do discurso jurídico a ser construído, caracterizando-se como elemento de solução prático-racional das lides que surgem no cotidiano.
Nesta senda, observa-se que a inevitável imprecisão ocasionada pelo próprio ordenamento jurídico, provoca o alargamento de certa discricionariedade judicial, caracterizada pelo julgamento segundo as circunstâncias de cada caso concreto, utilizando-se como fundamentações critérios dotados de imprecisões, aptas a produzir a manifestação jurisdicional arbitrária.
Ressalte-se que, da análise ocorrente acerca da argumentação jurídica, visualizam-se certas limitações aos debates genéricos e desprovidos de enquadramento legal, controlando-se a prática desmedida no atuar jurisdicional. Nesta construção, impende salientar os ensinamentos de Ana Paula Barcellos, que dispõe:
“Naturalmente, o equilíbrio do sistema jurídico não depende apenas da existência adequada de princípios e regras; é preciso também que eles funcionem e sejam manipulados pelos operadores jurídicos dentro de suas características próprias. Isto significa, portanto, que, como padrão geral, as regras não foram feitas para serem ponderadas. Com efeito, a ponderação corriqueira de regras fragilizaria a própria estruturado Estado Democrático de Direito; pouco valeriam as decisões do Poder Legislativo se cada aplicação da norma se transformasse em um novo processo legislativo, no qual o aplicador passasse a avaliar, novamente, todas as conveniências e interesses envolvidos na questão para, ao fim, definir o comportamento desejável […]”[33].
Com isso, uma vez que, os conflitos existentes entre princípios e entre direitos ocorrem com frequência, deixando para os hermeneutas a atividade de criação, por intermédio da argumentação, tais orientações que devem ser seguidas para as resoluções esperadas diante dos casos concretos, carecem de certa cautela, diante da possível discricionariedade excessiva em um determinado juízo. Essa preocupação, deve estar presente, principalmente quando os conflitos envolverem direitos fundamentais, pois a ponderação nesses casos torna-se mais instável, pelo afastamento parcial de um dos direitos avaliados no efetivo provimento jurisdicional.
As fundamentações das decisões judiciais se refletem em uma questões de ordem metodológica, devendo-se, portanto, alcançar, na maior medida possível, a racionalidade à fundamentação jurídica, e, por consequência, a devida correção na atividade de julgar. Partindo-se dessa conceituação, a resposta judicial pode ser seria compreendida como um efeito do discurso de justificação, uma vez que, as sentenças normativas caracterizam-se pelas justificações proferidas por determinado juízo.
Assim, pode-se denotar que a argumentação jurídica propriamente dita, busca a efetiva promoção de um juízo de correção. Desta forma, busca-se a correção em consonância com o próprio ordenamento jurídico, na medida em que, havendo ausência de determinação prévia do sistema normativo, a resposta judicial a ser emanada seja integralmente fundamentada, principalmente diante de possíveis interferências de cunho valorativo.
5. O PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA
5.1 ENQUADRAMENTO TEÓRICO DO PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA
Após a análise acerca dos conflitos entre princípios, ponderação e argumentação jurídica, como elementos de estudo da chamada nova interpretação jurídica, impende salientar a discussão acerca do princípio constitucional da pessoa humana, abaixo referenciado como princípio da dignidade da pessoa humana, analisando-se, principalmente a sua força de atuação, enquanto elemento substancial de muitos direitos fundamentais.
Assim, vale ressaltar a discussão que surge a partir da valoração do princípio em análise, enquanto princípio absoluto. No âmbito de um ordenamento jurídico, que valoriza os direitos fundamentais, torna-se contraditório a construção de uma defesa existente em torno de um determinado princípio, intitulando-o de princípio absoluto, uma vez que, tal hipótese confrontaria com a própria lei da ponderação, em que os princípios são visualizados como normas relativas, podendo-se afastá-las de acordo com a casuística.
Desta forma, a existência de princípios absolutos ocasionaria lesões irreversíveis em um determinado sistema jurídico, ocasionando também, certas contradições, tendo em vista a possibilidade de se fundamentar a superioridade de um direito individual em detrimento de um direito coletivo, através de um determinado princípio absoluto.
A valorização extremada acerca do princípio da dignidade da pessoa humana reside nas hipóteses de lesões praticadas, principalmente a direitos individuais, utilizando-se de tal princípio como o peso maior diante de colisões hard (difíceis), buscando-se assim, a melhor fundamentação para a efetiva resposta judicial.
No ordenamento jurídico brasileiro, o princípio da dignidade da pessoa humana possui status de fundamento do Estado Democrático de Direito, enquadrando-se como princípio integrante da categoria dos princípios fundamentais, previsto no art. 1º, III.
Nesse diapasão, entende-se que, o princípio em análise não pode ser visualizado enquanto princípio de sustentação dos anseios individuais a serem alcançados pelos particulares em face da atividade estatal, mas como princípio que fundamente a construção de uma perspectiva mais que comunitária, ocasionado na construção efetiva de uma ordem jurídica[34].
Nos dizeres de Fábio Konder Comparato[35], a dignidade da pessoa humana recebeu tratamento distinto, enquanto princípio, pela precedência até mesmo da Constituição. Enquanto valor existente no âmbito das sociedades humanas, tal valor precederia qualquer diploma normativo, pela própria essencialidade de manutenção de um mínimo existencial.
O princípio da dignidade da pessoa humana possui relevância prática pela possiblidade de se determinar que as instituições garantam o mínimo de vida digna ao ser humano. Nesta senda, tal princípio delimita um espaço de integridade a ser assegurado a todas as pessoas, apenas pela sua existência no mundo enquanto seres humanos. O respeito ao mesmo, caracteriza-se como a superação de movimentos de intolerância, autoritarismos, violências, exclusões sociais e discriminações[36].
É, também conceituado, como um princípio norteador do intérprete jurídico, de fundamentação da proteção do mínimo existencial, defendendo-se um mínimo de integridade física, moral e pscicológica dos indivíduos, bem como o pleno exercício dos direitos da personalidade, sendo, portanto, oponíveis a outros indivíduos e ao Estado.
A dignidade da pessoa humana está disposta como o primeiro valor fundamental de toda a sistemática constitucional, é dizer, encontra-se como uma verdadeira guarida dos direitos fundamentais, direcionando o intérprete à busca da concretização dos valores essenciais para a existência de uma efetiva vida digna[37].
Desta forma, nos dizeres de Flávia Piovesan[38], a dignidade da pessoa humana formalizada enquanto princípio, encontra-se como princípio matriz da Magna Carta, servindo-se de elemento orientador da interpretação das normas edificadoras dos direitos e garantias fundamentais, provocando nesse sentido, a análise da exigência ética no atuar jurisdicional em todo a sistemática jurídica brasileira.
O princípio da dignidade da pessoa humana, estabelece, portanto, um controle da atividade estatal em face dos indivíduos, impossibilitando assim, as reduções do homem à condição de simples objeto, como ocorrido em várias passagens da história, garantindo-se a inviolabilidade do pleno gozo dos direitos tipicamente fundamentias.
5.2 A PONDERAÇÃO E A ANÁLISE DA SUPREMACIA DO PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA
Como discorrido em linhas pretéritas, a análise da ponderação não deve estar dissociada da análise do princípio da proporcionalidade, tendo em vista que tal princípio, serve como norma que organiza a própria atividade de sopesamento. A otimização visualizada nos princípios, deve ser observada na ocorrência de conflitos, em confluência com as possibilidades fáticas de determinado caso[39].
A ponderação, enquanto efeito do terceiro princípio parcial do princípio da proporcionalidade, deve ser disposto enquanto fase de integração das possibilidades jurídicas aos fatos elencados e em dissonância com o respectivo ordenamento jurídico.
Por esse juízo, observa-se que, o princípio da proporcionalidade, enquanto parâmetro existente no âmbito das novas tendências de interpretação jurídica, provoca uma certa limitação acerca dos entendimentos consubstanciados sobre determinados princípios jurídicos, que são valorados em extrema essência, a exemplo do próprio princípio da dignidade da pessoa humana.
Assim, trata-se de fenômeno perigoso, e, por que não, comprometedor da estabilidade de determinado ordenamento jurídico, é dizer, a determinação de uma certa supremacia a um determinado princípio, podendo gerar, por via inversa, a violação ou do mesmo princípio (em outro efeito), ou de outros princípios, além de direitos, verificando-se, pois, cada casuística.
Em síntese: diante da análise da teoria da colisão, perderia o pleno sentido a existência da técnica da ponderação, se existissem princípios absolutos, que diante de todos os casos, possuísse sempre o maior peso, sendo, portanto, previsível a sua aplicação.
Essa construção ocorre comumente em relação ao princípio da dignidade da pessoa humana, que passa por uma sistemática de valorização suprema, às vezes fechada, o que pode gerar significativas lesões ao próprio interesse coletivo.
Com referência a tal princípio, Robert Alexy dispôs a seguinte formulação:
“Nos casos em que a dignidade humana é relevante, sua natureza de regra pode ser percebida por meio da constatação de que não se questiona se ela prevalece sobre outras normas, mas tão-somente se ela foi violada, ou não. Contudo, em face da abertura da norma da dignidade humana, há um ampla margem de apreciaçãona resposta a essa questão […] Que o princípio da dignidade humana é sopesado diante de outros princípios, com a finalidade de determinar o conteúdo da regra da dignidade humana, é algo que pode ser percebido com especial clareza na decisão sobre prisão perpétua, na qual se afirma que ‘a dignidade humana (…) tampouco é violada se a execução da pena for necessária em razão da permanente periculosidade do preso e se, por razão, for vedada a graça’. Com essa formulação fica estabelecido que a proteção da ‘comunidade estatal’, sob as condições mencionadas, tem precedência em face do princípio da dignidade humana. Diante de outras condições a precedência poderá ser definida de outra forma”[40].
Nessa conceituação, verifica-se, pois, que a dignidade da pessoa humana pode ser afastada diante de determinado colisão entre princípios, ou até mesmo, entre efeitos da própria dignidade da pessoa humana, a saber, a bipolaridade existente entre o prima analítico da dignidade humana sob o viés individual e, em outra vertente, a análise da dignidade enquanto garantia de uma coletividade.
Entende-se, portanto, que nenhum princípio é superior, em essência, face outro princípio, razão pela qual, observa-se que, no caso da dignidade da pessoa humana, a preferência ocorrente desse princípio em face de outros princípios, determina a construção de um do conteúdo da regra da dignidade da pessoa humana. Sendo assim, não seria o princípio absoluto, mas a regra estabelecida pela construção teórica formalizada pelas valorações principiológicas comumente constituídas[41].
Portanto, a determinação de uma supremacia do princípio da dignidade da pessoa humana padece diante das novas tendências de interpretação jurídica, a exemplo da visualização racional da argumentação jurídica, bem como das evoluções ocorrentes nas técnicas de ponderação, diante de colisões de princípios em determinado caso concreto.
Desta forma, caracteriza-se como um desafio a ser buscado pelo direito contemporâneo, o afastamento de possíveis subjetividades existentes durante a ponderação, prática desenvolvida no atuar jurisdicional, principalmente diante de conceituações extremadas e carregadas de valores absolutos, provenientes de conceitos previamente estabelecidos pela estrutura extra-judicial,o que pode ocasionar em lesões irreversíveis ao respectivo ordenamento jurídico, gerando assim, a formação de instabilidades sociais.
6. NOTAS CONCLUSIVAS
Diante de tudo quanto exposto, é possível delinear as seguintes conclusões, a saber:
1) Os princípios não devem ser divididos em relativos e absolutos, uma vez que podem ser aplicados de forma gradual, obtendo a caracterização de razões prima facie para que uma conduta seja adotada dentro das alternativas fáticas e jurídicas existentes;
2) Constatou-se que a hierarquização de princípios também não possui caráter absoluto, tendo em vista a concretização as colisões de princípios ocorrem de acordo com determinado caso concreto, exigindo-se, portanto, soluções diversas, principalmente em situações excepcionais;
3) Concluiu-se que os princípios possuem dimensões de peso, uma vez que, existe uma nítida superioridade relativa em relação às regras, pelas suas funções eficaciais desempenhadas;
4) Constatou-se que o livre convencimento motivado não se confunde com a possibilidade de ingerência de ordem pessoal – por parte do aplicador do Direito – no atuar decisório, devendo haver, por conseqüência, uma irrenunciável imparcialidade judicial, sob pena de afronta direta à esperada segurança jurídica;
5) Verificou-se que o juízo de ponderação é construído a partir da própria concretização do entendimento extraído de um determinado princípio, ocasionando, portanto, a densificação da referida norma in concreto;
6) Restou demonstrado que a técnica da ponderação consiste em técnica de decisão judicial diante de casos essencialmente difíceis, principalmente em discussões acerca do princípio da proporcionalidade e do conteúdo múltiplo dos direitos fundamentais;
7) Entendeu-se que o princípio da proporcionalidade funcionaria enquanto limite que conduz a atividade de sopesamento dos valores dos intérpretes do Direito, clareando a atividade de ponderação de princípios jurídicos, bem como a estrutura das dimensões da dignidade humana;
8) Verificou-se que o estudo da hermenêutica deve ter correlação ao estudo do discurso jurídico, principalmente com a estrita análise da teoria da argumentação jurídica, construindo assim, orientações para a utilização do discurso pelo hermeneuta, e, por consequência, ocasionando na busca por uma racionalidade prática no momento de adequação das normas jurídicas com a realidade momentânea vivenciada pela sociedade;
9) Concluiu-se que o princípio da dignidade da pessoa humana, estabelece um controle da atividade estatal em face dos indivíduos, impossibilitando assim, as reduções do homem à condição de simples objeto;
10) Foi proposta, uma análise crítica do enquadramento do princípio da dignidade da pessoa humana, enquanto princípio supremo, absoluto, no ordenamento jurídico brasileiro, confrontando com a própria idealização da ponderação e provocação de prejuízos nas fundamentações diante de colisões principiológicas;
11) Por fim, verificou-se que a ponderação, diante do choque entre a dignidade de pessoa humana e outro princípio (ou outro efeito do próprio princípio da dignidade da pessoa humana), deve ter como análise inicial os efeitos do princípio da proporcionalidade, como limite da atividade jurisdicional, evitando-se vícios causados pelos elementos valorativos intrínsecos dos intérpretes, valorando-se mais determinados princípios em detrimento de outros.
Notas:
Informações Sobre o Autor
Igor Lúcio Dantas Araújo Caldas
Bacharel em Direito formado pela Universidade Federal da Bahia – UFBA – Mestrando em Direito Público – UFBA – Servidor Público do Tribunal de Justiça do Estado da Bahia.- Professor de Direito Constitucional, Administrativo, Eleitoral e Direitos Humanos