A possibilidade da concessão de aposentadoria por idade híbrida (mista) para o trabalhador urbano

Resumo: O presente artigo tem o objetivo de analisar a possibilidade de concessão do benefício previdenciário de aposentadoria por idade prevista no artigo 48, parágrafo 3º, da Lei 8.213/1991, com redação dada pela Lei 11.718 de 20 de junho de 2008 ao trabalhador que ostenta qualidade de segurado urbano na data do requerimento administrativo. Com o advento da Lei 11.718/2008, que trouxe a possibilidade do segurado rural se aposentar por idade urbana contando o tempo de atividade urbana e rural, suscitou-se grande polêmica quanto à sua concessão para aqueles segurados que na data do requerimento, contam como trabalhador urbano. Este tema é relevante, uma vez que cada vez mais o trabalhador do campo intercala períodos de atividade rural e de atividade urbana, sendo comum não preencher os requisitos necessários para a concessão de uma aposentadoria por idade rural e nem os requisitos para uma aposentadoria urbana.

Palavras-Chave: Aposentadoria por idade híbrida. Trabalhador urbano e rural.

Abstract: The purpose of this article is to analyze the possibility of granting the social security retirement benefit provided for in article 48, paragraph 3, of Law 8.213/1991, with wording given by Law 11,718 of June 20, 2008, to the worker who has quality of urban insurer on the date of the administrative application. With the advent of Law 11.718/2008, which brought the possibility of the rural insured to retire by urban age counting the time of urban and rural activity, a great controversy arose as to its concession for those insured that at the date of the application, count as urban worker. This theme is relevant, as the rural worker increasingly interposes periods of rural activity and urban activity, and it is common not to meet the requirements necessary for the granting of a retirement by rural age nor the requirements for an urban retirement.

Keywords: Retirement by hybrid age. Urban and rural worker.

Sumário: 1. Introdução. 2. Aposentadoria por idade urbana e rural. 3. Aposentadoria por idade híbrida e a possibilidade de concessão ao trabalhador urbano. 4. Considerações Finais. Referências.

1. INTRODUÇÃO

O presente trabalho busca analisar o artigo 48, parágrafo 3º da Lei 8.213/1991, redação dada pela Lei 11.418 de 20 de junho de 2008, que criou nova hipótese de aposentadoria por idade, a qual é chamada pela doutrina e jurisprudência de aposentadoria por idade híbrida ou mista.

O tema ora tratado é polêmico, uma vez que os entendimentos se dividem sobre a possibilidade de concessão do referido benefício aos trabalhadores que possuem a qualidade de segurado urbano no momento do requerimento administrativo.

Antes da promulgação da nossa Carta Magna de 1988, a aposentadoria por idade somente era concedida aos trabalhadores segurados urbanos, uma vez que os trabalhadores campesinos não eram considerados segurados do Regime Geral e tinham proteção assistencial nos termos da Lei Complementar n.º 11/1971.

Já com o advento da Constituição Federal de 1988 e das Leis 8.212/1991 e 8.213/1991 ocorreram grandes mudanças, principalmente com a unificação dos regimes urbano e rural, prevendo-se maior igualdade material em relação aos trabalhadores rurais.

A promulgação da Lei 11.718/2008 tinha como objetivo inicial a proteção de milhares de trabalhadores rurais, que buscando melhores condições, abandonaram o campo e foram para a cidade em busca de atividades que propiciem o seu sustento, e, por vezes, alguns, depois de um determinado tempo, acabavam retornando ao trabalho campesino.

Contudo, ao interpretar o dispositivo normativo, os Órgãos Administrativos e os Tribunais controvertem sobre os destinatários do benefício. Surgem entendimentos diversos, sendo que uns dizem que somente será possível a soma dos períodos urbano e rural se a última atividade desenvolvida for rurícola. Já outros, em sentido contrário, dizem que é cabível a soma dos períodos mesmo aos que ostentam qualidade de segurado urbano.

2. APOSENTADORIA POR IDADE URBANA E RURAL

A aposentadoria por idade está prevista na Constituição Federal de 1988, no artigo 201, bem como na Lei de Benefícios n.º 8.213/1991 nos artigos 48 a 51 e no Decreto 3.048/99 nos artigos 51 a 55.

Com o advento da Constituição Federal de 1988 e das Leis de Benefício e de Custeio ocorreram grandes mudanças, sendo uma das mais relevantes a unificação dos regimes urbano e rural.

Neste sentido, os benefícios que no passado eram concedidos apenas para os trabalhadores urbanos se estenderam também aos trabalhadores segurados rurais, uma vez que a Carta Magna estabeleceu a igualdade de concessão de benefícios, respeitando as peculiaridades de cada atividade.

Antes de 1991 a aposentadoria por idade era conhecida como aposentadoria por velhice, sendo que somente com a promulgação da Lei de Benefícios é que passou a ser chamada de aposentadoria por idade. Deste modo, vale afirmar que a “denominação utilizada atualmente é mais correta, pois o fato de a pessoa ter 60 ou 65 anos não quer dizer que seja velha”. Ainda, cabe referir que existem pessoas que não aparentam ter a idade que realmente possuem, por isso a denominação aposentadoria por idade é a mais adequada, devendo o segurado completar idade exigida pela legislação (MARTINS apud CASTRO; LAZZARI, 2016, p. 486).

Conforme dispõe o artigo 48 da Lei n.º 8.213/1991, o benefício de aposentadoria por idade é devido para aqueles que preenchem os requisitos exigidos, quais sejam, a carência de 180 meses de contribuição e completos 65 (sessenta e cinco) anos de idade se homem e 60 (sessenta) anos de idade se mulher. O § 1º do referido artigo estabelece que “esses limites são reduzidos em cinco anos para os trabalhadores rurais de ambos os sexos e para os que exerçam suas atividades em regime e economia familiar, nestes incluídos o produtor rural, o garimpeiro e o pescador artesanal.” (LAZZARI; KRAVCHYCHYN; CASTRO, 2016, p. 267).

Ainda, importante mencionar que a Lei 8.213/1991 estabelece que a empresa poderá requer, compulsoriamente, tal benefício quando o empregado tenha cumprido o requisito de carência e completada a idade de 70 (setenta) anos, se homem e 65 (sessenta e cinco) anos, se mulher. Porém, essa regra na atualidade não mantém seu sentido, uma vez que o legítimo detentor do direito é o segurado, cabendo a este decidir o momento mais oportuno para solicitar o benefício, podendo inclusive desistir do referido benefício até o pagamento da primeira renda mensal. (LAZZARI; KRAVCHYCHYN; CASTRO, 2016, p. 267).

Vale dizer que para a concessão do benefício de aposentadoria por idade não será considerada a perda da qualidade de segurado, desde que o segurado contar com, no mínimo, o tempo de contribuição correspondente a carência exigida na data do requerimento do benefício, nos termos do artigo 3º § 1º da Lei 10.666/2003. (GOES, 2016, p. 224).

Já com relação aos trabalhadores rurais, é necessário que o segurado especial comprove o cumprimento da carência no período que antecede o implemento da idade ou o requerimento. (CASTRO; LAZZARI, 2016).

Ainda, Castro e Lazzari (2016, p. 489) mencionam que para a concessão da aposentadoria por idade aos trabalhadores rurais é necessário “comprovar o efetivo exercício de atividade rural, ainda que de forma descontínua, no período imediatamente anterior ao requerimento do benefício, por tempo igual ao número de meses de contribuição correspondente à carência do benefício”.

Quanto à renda mensal inicial, o valor do benefício será proporcional ao tempo de contribuição, consistindo em uma renda mensal correspondente a 70% (setenta por cento) do salário de benefício, mais 1% (hum por cento) por grupo de doze contribuições mensais, até o máximo de 100% (cem por cento) do salário de benefício. (LAZZARI; KRAVCHYCHYN; CASTRO, 2016, p. 281).

Ainda, mencionam os mesmos autores que, para o cálculo da renda mensal inicial, é possível a aplicação do fator previdenciário, caso este, caracterize condição mais benéfica para o segurado, nos termos do artigo 7º da Lei n.º 9.876/1999.

No que concerne ao valor da aposentadoria por idade do trabalhador rural, Castro e Lazzari (2016, p. 494) mencionam o artigo 29, § 6º da Lei 8.213/1991, o qual estabelece:

“Art. 29. […]

§ 6º O salário-de-benefício do segurado especial consiste no valor equivalente ao salário-mínimo, ressalvado o disposto no inciso II do art. 39 e nos §§ 3º e 4º do art. 48 desta Lei.”

Por sua vez, em regra, o valor da aposentadoria por idade do segurado rural será de um salário-mínimo, sendo possível que este valor seja majorado, na hipótese de haver contribuição facultativa concomitantemente à contribuição própria do segurado especial.

Enfim, diante de todo o exposto, é possível perceber que os segurados urbanos e rurais que preencherem os requisitos estabelecidos na legislação terão garantido o direito da concessão do benefício de aposentadoria por idade.

3. APOSENTADORIA POR IDADE HÍBRIDA E A POSSIBILIDADE DE CONCESSÃO AO TRABALHADOR URBANO

A aposentadoria por idade híbrida é uma novidade trazida pela Lei 11.718/2008, a qual incluiu o parágrafo 3º ao artigo 48 da Lei 8.213/1991:

“Art. 48. […]

§ 3º Os trabalhadores rurais de que trata o § 1º deste artigo que não atendam ao disposto no § 2º deste artigo, mas que satisfaçam essa condição, se forem considerados períodos de contribuição sob outras categorias do segurado, farão jus ao benefício ao completarem 65 (sessenta e cinco) anos de idade, se homem, e 60 (sessenta) anos, se mulher.”

Castro e Lazzari (2016, p. 491) mencionam que o referido dispositivo é uma nova espécie e aposentadoria por idade ao trabalhador rural, sendo que autoriza a utilização de períodos de contribuição de outras categorias do segurado para somar a atividade rural a fim de cumprir a carência exigida, ou seja, poderá somar o tempo urbano e rural para o cumprimento de tal requisito.

Lazzari; Kravchychyn e Castro (2016, p. 276) destacam:

“A Lei n.º 11.718/2008 criou nova espécie de aposentadoria por idade ao trabalhador rural que não tiver como comprovar o efetivo exercício de atividade rural, ainda que de forma descontínua, no período imediatamente anterior ao cumprimento da idade mínima ou ao requerimento da aposentadoria originalmente prevista na Lei n.º 8.213/1991.”

Ainda, os mesmos autores, ensinam que para fazer jus a nova espécie de aposentadoria prevista no § 3º do artigo 48 da Lei 8.213/1991 (incluído pela Lei 11.718/2008) é necessário que o trabalhador rural possua a idade mínima de 65 (sessenta e cinco) anos, se homem, e 60 (sessenta) anos, se mulher, equiparando-se ao trabalhador urbano no requisito etário.

Neste diapasão, Hugo Goes (2016, p. 222) tece considerações a respeito, dizendo que:

“Ao interpretar os §§ 3º e 4º do art. 48 da Lei 8.213/91, incluídos pela Lei 11.718/2008, o STJ tem entendido que, se o trabalhador rural, ao atingir a idade prevista para a concessão da aposentadoria por idade rural (60 anos, se homem, e 55 anos, se mulher), ainda não tenha alcançado o tempo mínimo de atividade rural exigido na tabela de transição prevista no art. 142 da Lei. 8.213/1991, poderá, quando completar 65 anos, se homem, e 60 anos, se mulher, somar, para efeito de carência, o tempo de atividade rural aos períodos de contribuição sob outras categorias de segurado, para fins de concessão de aposentadoria por idade “híbrida”, ainda que inexistam contribuições previdenciárias no período em que exerceu suas atividades como trabalhador rural”. (grifo nosso)

Castro e Lazzari (2016, p. 492) preconizam que “a interpretação literal do § 3º desse dispositivo pode conduzir o intérprete a entender que somente os trabalhadores rurais farão jus à aposentadoria “mista” ao completarem 65 anos de idade, se homem e 60 anos, se mulher.”

Destacam ainda os mesmos autores que “essa não é a melhor interpretação para as normas de caráter social”, sendo que devem ser interpretadas com base nos princípios constitucionais da uniformidade e da equivalência, previstos no Art. 194, parágrafo único, inciso II, da CF/1988.

Neste sentido, Marisa Ferreira dos Santos (2016, p. 47) enuncia:

“A CF de 1988 reafirmou o princípio da isonomia, consagrado no caput de seu art. 5º, no inc. II, do parágrafo único, do art. 194, garantindo uniformidade e equivalência de tratamento, entre urbanos e rurais, em termos de seguridade social.

A uniformidade significa que o plano de proteção social será o mesmo para trabalhadores urbanos e rurais.

Pela equivalência, o valor das prestações pagas a urbanos e rurais deve ser proporcionalmente igual. Os benefícios devem ser os mesmos (uniformidade), mas o valor da renda mensal é equivalente, não igual.”

Santos (2016, p. 457-8) menciona que “é comum no meio rural que o trabalhador alterne períodos de atividade rural e de atividade urbana, sem que consiga completar os requisitos para se aposentar por idade como trabalhador rural ou como trabalhador urbano.”

Castro e Lazzari (2016. p. 492) mencionam que:

 “Não existe justificativa fática ou jurídica para que se estabeleça qualquer discriminação em relação ao segurado urbano no que tange à contagem, para fins de carência, do período laborado como segurado especial sem contribuição facultativa, já que o requisito etário para ambos – neste caso – é o mesmo.”

Quanto à renda mensal inicial do benefício de aposentadoria por idade híbrida, serão considerados os maiores salários de contribuição do segurado equivalentes a 80% do total do período contributivo a partir de julho de 1994. (CASTRO; LAZZARI, 2016, p. 492).

Importante ressaltar que, sendo considerados os períodos como segurado especial (sem contribuição facultativa), o salário de contribuição mensal desses períodos será o salário-mínimo, ou seja, o limite mínimo do salário de contribuição da Previdência Social. (SANTOS, 2016, p. 458).

Vale dizer que a partir das alterações trazidas pela Lei 11.718/2008, os entendimentos se dividem quanto ao destinatário do benefício de aposentadoria por idade híbrida.

A Autarquia Previdenciária interpretou a nova regra como sendo uma nova modalidade de benefícios que se destina exclusivamente ao segurado rural, não sendo possível conceder ao segurado que no momento do requerimento administrativo estiver exercendo atividade urbana. Já o Conselho de Recursos da Seguridade Social conferiu interpretação extensiva, sendo que entendeu ser aplicável ao segurado urbano, podendo ser somado o tempo rural e urbano para fins de carência.

Diante dessa divergência, a Diretoria de Benefícios do Instituto Nacional do Seguro Social – DIRBEN/INSS encaminhou consulta a Consultoria Jurídica da Advocacia-Geral da União a fim de verificar a correta interpretação a ser dada ao artigo 48,§ 3º, da Lei de Benefícios. Assim, a AGU emitiu Parecer n.º 19, em 21 de janeiro de 2013, concluindo que:

“[…] (1) o tempo de serviço do segurado trabalhador rural anterior à competência novembro/1991 não pode ser considerado para fins de carência no RGPS, seja para o benefício da aposentadoria por idade rural do art. 48, §§ 1º e 2º, da Lei nº 8.213/91; seja para o benefício da aposentadoria híbrida do art. 48, § 3º, da Lei nº 8.213/91;

(2) a aposentadoria prevista art. 48, § 3º, da Lei nº 8.213/91, tem natureza de benefício rural, de modo que o preenchimento de seus requisitos deve se dar enquanto o segurado detém a qualidade de trabalhador rural, devendo comprovar o efetivo exercício de atividade rural, por tempo equivalente ao da carência, no período imediatamente anterior ao requerimento do benefício; […]”

Assim, os Órgãos Administrativos (Autarquia Previdenciária e CRSS) passaram a adotar o entendimento de que não é possível a concessão da aposentadoria por idade híbrida para aqueles segurados que no momento do requerimento administrativo ostenta qualidade de segurado urbano.

Diante desse entendimento, uma vez negados os pedidos administrativos feitos pelos segurados urbanos, não restaram alternativas senão recorrer ao Poder Judiciário.

Sendo assim, diante dos diversos entendimentos adotados pelos Tribunais, bem como o cenário de insegurança jurídica gerado por essas decisões divergentes, “o STJ firmou orientação sobre a possibilidade de concessão do benefício de aposentadoria por idade híbrida aos trabalhadores que se encontram em área urbana ou rural no momento do implemento dos requisitos ou na data do requerimento”. (CASTRO; LAZZARI, 2016, p. 493):

“PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR IDADE HÍBRIDA. ART. 48, §§ 3º e 4º, DA LEI 8.213/1991. TRABALHO URBANO E RURAL NO PERÍODO DE CARÊNCIA. REQUISITO. LABOR CAMPESINO NO MOMENTO DO IMPLEMENTO DO REQUISITO ETÁRIO OU DO REQUERIMENTO ADMINISTRATIVO. EXIGÊNCIA AFASTADO. CONTRIBUIÇÕES. TRABALHO RURAL. CONTRIBUIÇÕES. DESNECESSIDADE.

[…] 6. Sob o ponto de vista do princípio da dignidade da pessoa humana, a inovação trazida pela Lei 11.718/2008 consubstancia a correção de distorção da cobertura previdenciária: a situação daqueles segurados rurais que, com a crescente absorção da força de trabalho campesina pela cidade, passam a exercer atividade laborais diferentes das lides do campo, especialmente quanto ao tratamento previdenciário.

7. Assim, a denominada aposentadoria por idade híbrida ou mista (art. 48, §§ 3º e 4º, da Lei 8.213/1991) aponta para um horizonte de equilíbrio entre as evolução das relações sociais e o Direito, o que ampara aqueles que efetivamente trabalharam e repercute, por conseguinte, na redução dos conflitos submetidos ao Poder Judiciário.

8. Essa nova possibilidade de aposentadoria por idade não representa desequilíbrio atuarial, pois, além de exigir idade mínima equivalente à aposentadoria por idade urbana (superior em cinco anos à aposentadoria rural), conta com lapsos de contribuição direta do segurado que a aposentadoria por idade rural não exige.

9. Para o sistema previdenciário, o retorno contributivo é maior na aposentadoria por idade híbrida do que se o mesmo segurado permanecesse exercendo atividade exclusivamente rural, em vez de migrar para o meio urbano, o que representará, por certo, expressão jurídica de amparo das situações de êxodo rural, já que, até então, esse fenômeno culminava em severa restrição de direitos previdenciários aos trabalhadores rurais.

10. Tal constatação é fortalecida pela conclusão de que o disposto no art. 48, §§ 3º e 4º, da Lei 8.213/1991 materializa a previsão constitucional da uniformidade e equivalência entre os benefícios destinados às populações rurais e urbanas (art. 194, II, da CF), o que torna irrelevante a preponderância de atividade urbana ou rural para definir a aplicabilidade da inovação legal aqui analisada.

11. Assim, seja qual for a predominância do labor misto no período de carência ou o tipo de trabalho exercido no momento do implemento do requisito etário ou do requerimento administrativo, o trabalhador tem direito a se aposentar com as idades citadas no § 3º do art. 48 da Lei 8.213/1991, desde que cumprida a carência com a utilização de labor urbano ou rural. Por outro lado, se a carência foi cumprida exclusivamente como trabalhador urbano, sob esse regime o segurado será aposentado (caput do art. 48), o que vale também para o labor exclusivamente rurícola (§§1º e 2º da Lei 8.213/1991).

12. Na mesma linha do que aqui preceituado: REsp 1.376.479/RS, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, Julgado em 4.9.2014, pendente de publicação.

14. Observando-se a conjugação de regimes jurídicos de aposentadoria por idade no art. 48, § 3º, da Lei 8.213/1991, denota-se que cada qual deve ser observado de acordo com as respectivas regras.

15. Se os arts. 26, III, e 39, I, da Lei 8.213/1991 dispensam o recolhimento de contribuições para fins de aposentadoria por idade rural, exigindo apenas a comprovação do labor campesino, tal situação deve ser considerada para fins do cômputo da carência prevista no art. 48, § 3º, da Lei 8.213/1991, não sendo, portanto, exigível o recolhimento das contribuições.[…]” (REsp 1407613/RS, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 14/10/2014, DJe 28/11/2014)

No mesmo sentido, alinhando-se ao entendimento já consolidado pelo STJ, a Turma Nacional de Uniformização julgou a matéria – PEDILEF 5000957-33.2012.4.04.7214 de Relatoria do Juiz Bruno Leonardo Câmara Carrá, Sessão de 12 de novembro de 2014 (CASTRO; LAZZARI, 2016, p. 493).

Corroborando com os julgados acima, o Tribunal Regional Federal da 4ª Região, em 21 de setembro de 2016, editou a Súmula 103 que assim estabelece:

“A concessão da aposentadoria híbrida ou mista, prevista no art. 48, § 3º, da Lei nº 8.213/91, não está condicionada ao desempenho de atividade rurícola pelo segurado no momento imediatamente anterior ao requerimento administrativo, sendo, pois, irrelevante a natureza do trabalho exercido neste período.”

Assim, é possível constatar que mesmo que no âmbito dos Órgãos Administrativos (Autarquia Previdenciária e CRSS) a interpretação da norma se dá de forma restritiva, a jurisprudência já assentou entendimento de que deve ser concedida a aposentadoria híbrida para os trabalhadores que ostentam qualidade de segurado urbano no momento do requerimento.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Buscou-se com o presente trabalho analisar a possibilidade da concessão do benefício de aposentadoria por idade híbrida ou mista, prevista no artigo 48, § 3º da Lei n.º 8.213/1991, redação dada pela Lei 11.718/2008, para aqueles trabalhadores que ostentam a qualidade de segurado urbano no momento do requerimento administrativo.

Com o presente estudo, ainda que o objetivo da Lei 11.718/2008 era de resguardar o trabalhador campesino, estabelecendo expressamente que o beneficiário de tal modalidade de aposentadoria é o trabalhador rural, verifica-se que a aplicação restritiva se mostra inadequada, uma vez que fere os princípios constitucionais da uniformidade e equivalência dos benefícios.

Vale ressaltar que as normas de caráter social devem ser interpretadas em consonância com os referidos princípios constitucionais, uma vez que o direito à Previdência não pode ser restringido de forma a não tratar com igualdade os trabalhadores rurais e urbanos.

Através do presente estudo foi possível concluir que diante das novas concepções sobre a concessão da aposentadoria híbrida, vale dizer que doutrinadores, juízes, estudiosos do direito estão se inclinando para o fato de que não pode o segurado ser prejudicado por passar a contribuir para a Previdência Social, além de que tal benefício deve ser concedido para os segurados urbanos e rurais sem qualquer restrição quanto a atividade desenvolvida no momento do preenchimento dos requisitos e do requerimento administrativo.

 

Referências
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BRASIL. Códigos 4 em 1 Saraiva: CLT, CPC, Legislação Previdenciária e Constituição Federal / obra coletiva de autoria da Editora Saraiva com a colaboração de Luiz Roberto Curia, Livia Céspedes e Fabiana dias da Rocha. 11. ed. São Paulo: Saraiva, 2016. Constituição Federal.
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BRASIL. Advocacia-Geral da União. Parecer nº 19/2013/CONJUR-MPS/CGU/AGU Coordenação Geral de Direito Previdenciário – CGPRE Processo SIPPS n° 358035664. Disponível em <http://www.previdencia.gov.br/arquivos/office/1_130620-114508-492.pdf>.Acesso em 10/06/2017.
____________. Superior Tribunal de Justiça. Acórdão. Recurso Especial nº 1.407.613/RS. 2ª Turma. Relator Ministro Herman Benjamin. Brasília, 14 de out de 2014. Disponível em <https://ww2.stj.jus.br/processo/revista/documento/mediado/?componente=ATC&sequencial=34004312&num_registro=201301513091&data=20141128&tipo=5&formato=PDF>. Acesso em 10/06/2017.
____________. Tribunal Regional Federal da 4ª Região. Súmula 103. Disponível em <http://www2.trf4.jus.br/trf4/diario/visualiza_documento_jud.php?orgao=1&codigo_documento=&id_materia=115878&reload=false>. Acesso em 10/06/2017.
____________. Turma Nacional de Uniformização. PEDILEF 5000957-33.2012.4.04.7214. Relator Juiz Bruno Leonardo Câmara Carrá. Sessão de 12 de novembro de 2014. Disponível em <http://www.cjf.jus.br/juris/unificada>. Acesso em 10/06/2017.
GOES, Hugo Medeiros de. Manual de direito previdenciário: teoria e questões. 11. ed. Rio de Janeiro: Ferreira, 2016.
LAZZARI, João Batista; KRAVCHYCHYN, Jefferson Luis; KRAVCHYCHYN, Gisele Lemos; CASTRO, Carlos Alberto Pereira de. Prática processual previdenciária administrativa e judicial. 7. ed. rev., atual. e ampl. Rio de Janeiro: Forense, 2016.
SANTOS, Marisa Ferreira dos. Direito previdenciário esquematizado / Marisa Ferreira dos Santos; coord. Pedro Lenza. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2016.

Informações Sobre o Autor

Viviana de Fátima Segat

Advogada e pós-graduanda em Direito da Seguridade Social pela Faculdade LEGALE -UCAM


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