A possibilidade de pactuação da promessa de doação gratuita: análise da legislação e da jurisprudência brasileira

Nome do Autor: Lucas Amadeu Lucchi Rodrigues – Advogado. Mestre em Segurança Pública pela Universidade Vila Velha. Pós-graduado em Processo Penal pela Faculdade Damásio. Pós-graduado em Direito Civil e Empresarial pela Faculdade Damásio. E-mail: [email protected].

 

Resumo: O estudo proposto, por este artigo, visa analisar a possibilidade de pactuação em contrato preliminar de doação, mais especificamente a promessa de doação gratuita, em que o ânimo de doar decorre da generosidade manifesta do doador e não se estabelecem contraprestações a serem cumpridas pelo donatário. Apesar da disposição expressa no ordenamento jurídico brasileiro acerca dos contratos preliminares e da promessa de compra e venda, o mesmo não ocorre em relação à promessa de doação e, nesse sentido, busca-se averiguar tanto os posicionamentos doutrinários divergentes quanto a jurisprudência formada, porém, ainda não consolidada nos tribunais brasileiros, em relação a sua admissibilidade, vinculatoriedade e consequente exigibilidade. Os entendimentos doutrinários são divergentes, porém grande parte dos juristas admitem plena validade e eficácia à promessa de doação gratuita; por outro lado, as jurisprudências dos tribunais indicam não haver viabilidade jurídica, salvo no caso em que há a sua pactuação em acordo de dissolução conjugal. Conclui-se no presente artigo que o melhor entendimento está com aqueles juristas que, em grande número, defendem a viabilidade do contrato preliminar de doação, aplicando-lhe as mesmas regras atinentes aos demais pré-contratos.

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Palavras-chave: Doação. Contrato Preliminar. Promessa de Doação Gratuita. Admissibilidade. Exigibilidade.

 

Abstract: The proposed study, by this article, aims to analyze the possibility of agreement in a preliminary donation contract, more specifically the promise of free donation, in which the spirit of donating stems from the donor’s manifest generosity and does not establish any consideration to be fulfilled by the donor. Despite the express provision in the Brazilian legal order regarding preliminary agreements and the promise to buy and sell, the same does not occur with respect to the promise of donation and, in this sense, it seeks to ascertain both the divergent doctrinal positions and the jurisprudence. formed, however. Not yet consolidated in the Brazilian courts, regarding its admissibility, binding nature and consequent enforceability. The doctrinal understandings are divergent, but most jurists admit full validity and effectiveness to the promise of free donation; On the other hand, the case-law of the courts indicates that there is no legal viability, except in the case where it is agreed upon in a marital dissolution agreement. It is concluded in this article that the best understanding is with those jurists who, in large numbers, defend the viability of the preliminary donation contract, applying the same rules to it regarding other pre-contracts.

Keywords: Donation. Preliminary Contract. Promise of Free Donation. Admissibility. Enforceability.

 

Sumário: Introdução. 1. A promessa de doação. 1.1 Pressupostos. 2. Vinculatoriedade. 3. Responsabilidade por perdas e danos. 4. Análise de casos e julgados dos tribunais pátrios. Conclusão. Referências.

 

Introdução

O advento do Código Civil brasileiro de 2002, de certo, conduziu o direito contratual a um novo patamar no cenário jurídico brasileiro, suprindo omissões evidentes no antigo diploma de 1916.  Em se tratando do contrato preliminar ou pactum de contrahendo (como era denominado no direito romano), ou ainda contrato-promessa, andou bem o legislador pátrio ao positivar normas que até então não estavam expressamente contidas no ordenamento civil, mas que já vinham sendo implementadas costumeiramente nas relações civis cotidianas.

Ocorre que, ao dispor sobre o instituto, o legislador mostrou-se inibido e não adentrou o tema com profundidade, mirando a promessa de compra e venda e abstendo-se de mencionar a aplicação do contrato preliminar em relação a outros institutos do direito civil, como é o caso da promessa de doação.

Neste ponto, todavia, consiste a principal controvérsia que será abordada no presente artigo, pois há aqueles que entendem que a promessa de doação é espécie sui generis dos contratos preliminares e, por se tratar de ato de liberalidade, possui cláusula de arrependimento permanente, absoluta e inerente ao seu pré-contrato, o que tornaria inexigível a celebração do contrato definitivo. Há, contudo, os que entendem pela absoluta validade e eficácia da promessa de doação, considerando como ato de liberalidade a disposição dos bens ocorrida no momento da pactuação do pré-contrato, aplicando-se, por conseguinte, as normas gerais dos contratos preliminares.

Por certo, uma vez verificado que a promessa de doação não vincula o promitente-doador e que subsiste o direito de furtar-se ao cumprimento do pré-contrato, há que se sondar, também, a possibilidade de que o promitente-donatário pleiteie as perdas e danos decorrentes do desfazimento do contrato preliminar, conforme previsão expressa do artigo 465 do diploma civil, ou até mesmo a adjudicação compulsória do bem, segundo os dispositivos 1.417 e 1.418 do referido diploma, aplicáveis aos contratos preliminares de compra e venda. Nesse sentido, nota-se que a constatação da existência ou não do direito de arrependimento, nos termos retromencionados, repercute, de forma preponderante e inevitável, sobre outros aspectos do direito contratual, influenciando a relação obrigacional e a incidência processual das perdas e danos.

Com o intuito de superar as dúvidas e incertezas que envolvem as questões de ordem jurídica, não se pode deixar de levar em consideração também as relações sócio-afetivas, às quais o objeto do estudo proposto está relacionado de forma intrínseca e umbilical, dado que as doações e promessas de doação quando ocorrem, se dão comumente entre os membros dos núcleos familiares. Nesse sentido, analisa-se como as questões jurídicas suscitadas em torno da validade da promessa de doação permeiam e influenciam, de forma inebriante, o instituto da doação e as relações familiares, de modo a esmiuçar o tema e afastar todas as dúvidas pertinentes ao assunto abordado.

O objetivo do presente artigo consiste em analisar a viabilidade jurídica da promessa de doação gratuita, através do estudo das correntes doutrinárias divergentes e da verificação dos posicionamentos jurisprudenciais, se possa identificar a melhor interpretação sobre a aplicabilidade do pré-contrato de doação no direito brasileiro.

 

  1. A promessa de doação

O advento do Código Civil brasileiro de 2002, de certo, conduziu o direito contratual a um novo patamar no cenário jurídico brasileiro, suprindo omissões evidentes no antigo diploma de 1916 (ALVES; DELGADO, 2002).  Em se tratando do contrato preliminar ou pactum de contrahendo (como era denominado no direito romano), ou ainda contrato-promessa, andou bem o legislador pátrio ao positivar normas que até então não estavam expressamente contidas no ordenamento civil, mas que já vinham sendo implementadas costumeiramente nas relações civis cotidianas.

Ocorre que, ao dispor sobre o instituto, o legislador mostrou-se inibido e não adentrou o tema com profundidade, mirando a promessa de compra e venda e abstendo-se de mencionar a aplicação do contrato preliminar em relação a outros institutos do direito civil, como é o caso da promessa de doação (CATALAN, 2017). Tal quadro desencadeou uma série de dúvidas e incertezas quanto à aplicação do pré-contrato e suas regras ao instituto da doação, originando perspicazes batalhas no campo doutrinário brasileiro acerca da viabilidade jurídica, da vinculatoriedade e das consequências do incumprimento do contrato preliminar de doação. Por via de consequência, a disciplina do pactum de donando está inexoravelmente contida, de forma predominante, nas obras desenvolvidas pelos juristas, não havendo um consenso doutrinário acerca do tema e, tampouco, dispositivo de lei que indique o caminho a ser trilhado.

Seguindo o entendimento das vertentes doutrinárias, verifica-se que o pré-contrato ou contrato preliminar constitui verdadeira modalidade contratual e sujeitam as partes contratantes ao adimplemento do seu objeto, que é sempre uma obrigação de fazer, a de concretizar o pacto definitivo. Nesse diapasão, o jurista Paulo Luiz Netto Lôbo (2003, p. 284) segue conceituando a promessa de doação como “[…] o contrato preliminar que tem por objeto a conclusão de contrato definitivo de doação, que se perfará com a tradição do bem”. Assim também complementa Arnaldo Rizzardo (2006, p. 450. grifo do autor): “Através dela, cria-se o compromisso de praticar uma liberalidade em benefício de certa pessoa. O objeto é um contrahere futuro. Em contrapartida, adquire o promissário a faculdade de reclamar a execução […]”.

Interessante se faz notar que essas concepções do pactum de donando são feitas por aqueles juristas que admitem terminantemente a doação como objeto de contrato preliminar. Não é possível encontrar dentre aqueles que inadmitem a figura do pré-contrato de doação gratuita, tais como Caio Mário da Silva Pereira (2010) e Miguel Maria de Serpa Lopes (1996), sequer a conceituação do termo, tão forte é a rejeição ontológica destes em relação ao instituto, o que será conferido mais adiante. Por certo, cumpre ressaltar, em tempo, que o objeto de estudo circunda a promessa de doação gratuita e não a onerosa, sobre a qual já se encontra assentado o entendimento doutrinário e jurisprudencial no sentido de que a imposição de encargo gera o legítimo direito do promitente-doador de exigir do promitente-donatário o adimplemento da liberalidade que o legitimou, sendo possível, do ponto de vista formal e ontológico, a pactuação do pré-contrato de doação modal (GONÇALVES, 2013; PEREIRA, 2010; RODRIGUES, 2004).

 

  • Pressupostos

O próprio legislador ao redigir o artigo 538 do Código Civil estabeleceu o seguinte conceito de doação: “Considera-se doação o contrato em que uma pessoa, por liberalidade, transfere do seu patrimônio bens ou vantagens para o de outra” (BRASIL, 2013a). Com o propósito de melhor compreender este conceito legal, analisou-se com acuidade o significado do termo liberalidade. Nesse sentido, viu-se que este é o principal elemento constitutivo da doação e que identifica o próprio ato de disposição de um bem ou vantagem em favor de outrem. Verificou-se também, por ocasião da análise terminológica, que a liberalidade não pode ser confundida com o animus donandi, que constitui a verdadeira intenção do doador de praticar o referido ato de disposição, o que pode ocorrer por resolução livre e generosa do doador (gratuita) ou visando o adimplemento de obrigações a serem contraprestadas pelo donatário (onerosa), independentemente de motivação declarada.

Outrossim, averiguou-se que o contrato de doação se compõe pelos elementos subjetivo e objetivo. Por elemento subjetivo entende-se o próprio animus donandi a que se fez a referência supra, cujas palavras do professor Paulo Nader (2010, p. 233) assim o identifica: “[…] é essencial ao contrato e corresponde à intenção da liberalidade, não variando de conteúdo”. Por outro lado, salienta-se o elemento objetivo como a transferência de bens ou vantagens que ocorre a partir do patrimônio do doador para o do donatário, o qual se agracia com o aumento do seu patrimônio em detrimento do doador, não bastando apenas o título para que se opere essa transferência, mas, sim, o registro do título, no caso de bens imóveis, ou a tradição, quando se tratar de bens móveis (GOMES, 1999)

Antes que se faça a abordagem direta dos pressupostos atinentes à promessa de doação gratuita, convém ainda mencionar superficialmente os requisitos essenciais aos contratos preliminares. Note-se que, seguindo o disposto no artigo 462 do diploma civil: “O contrato preliminar, exceto quanto à forma, deve conter todos os requisitos essenciais ao contrato a ser celebrado” (BRASIL, 2013a). Trata-se tais requisitos daqueles previstos no artigo 104 do Código Civil, os quais a doutrina jurídica preferiu dividir em requisito subjetivo, relacionado à capacidade para os atos da vida civil, sobretudo o ato de alienar; requisito objetivo, revelado na necessidade de que o objeto do pré-contrato seja lícito, possível, determinado ou determinável; e requisito formal, ao qual o legislador fez preciosa ressalva no artigo 462 da carta civil, abdicando de toda a formalidade legal caracterizadora dos contratos para privilegiar o formato rápido, célere e consensual dos contratos preliminares (NADER, 2010).

Isto posto, cabe reconhecer que os pressupostos da promessa de doação gratuita se formam pela junção dos requisitos que configuram o contrato de doação e os contratos preliminares em geral. A promessa de contratar pode ter como objeto contratos definitivos de qualquer espécie, bastando que se aplique àquele determinado instituto que se quer preliminarmente contratar as regras do pré-contrato previstas nos artigos 462 usque 466 do Código Civil, com as devidas adequações.

Nesse diapasão, é perfeita a lição do professor Paulo Luiz Netto Lôbo (2003, p. 285) ao afirmar, em relação ao pactum de donando, que “[…] deve conter todos os requisitos essenciais ao contrato de doação; se não houver cláusula de arrependimento, o promitente donatário poderá exigir a celebração do contrato definitivo, assinando prazo para que o promitente-doador o efetive”. Ora, da mesma forma que o contrato de doação deve observar a liberalidade e os elementos subjetivo e objetivo e o contrato preliminar deve conter os requisitos essenciais ao contrato definitivo, a promessa de doação, se é que se pode permiti-la, deve reunir todo esse conjunto de pressupostos.

 

  1. Vinculatoriedade
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Neste tópico, aborda-se o que, de fato, faz suscitar tantas dúvidas, incertezas e fundadas teorias acerca da viabilidade jurídica do pré-contrato de doação, a vinculatoriedade ou exigibilidade do pacto. Isso acontece porque a doação, instituto sobre o qual se funda o referido pré-contrato, possui, como já se viu extenuantemente, a liberalidade, ou melhor, a intenção da liberalidade como característica ou requisito marcante, não se podendo exigir coativamente de outrem que efetive uma doação pactuada em seu favor. Apesar dessa discussão parecer se limitar ao campo teórico e ser considerada por muitos como um singelo entrave a essa figura contratual, tem-se por certo que o tema é deveras polêmico e continua ano após ano suscitando ainda severas divergências na doutrina jurídica brasileira, sendo possível estabelecer pelo menos quatro linhas de pensamento sobre a questão (CATALAN, 2017; MORAES, 2013), as quais serão esclarecidas adiante.

Na primeira corrente, inclui-se os nomes de autores renomados como Agostinho Alvim (1980), Silvio Rodrigues (2004) e Miguel Maria de Serpa Lopes (1996), para os quais o contrato preliminar de doação parece eivado de uma nulidade tal que sequer lhes convém conceituá-lo como se modalidade contratual de fato fosse. Os mencionados juristas insistem em defender que a promessa de doação gratuita não possui qualquer traço de validade e tampouco vinculatoriedade, haja vista que o ato de doar configura obrigação a título gratuito e, nesse caso, “[…] até a formalização é lícito o arrependimento do promitente doador” (RODRIGUES, 2004, p. 212), e isso porque a intenção do doador de praticar o referido ato de disposição (animus donandi) – defendem – deve ser atual, expressa no momento em que ocorre, de fato, a concretização da transferência patrimonial. Conforme a douta lição do professor Agostinho Alvim (1980, p. 42. grifos do autor):

“A necessidade de ser atual o animus donandi tem constituído óbice à promessa de doação. E isso porque entre a promessa e sua efetivação pode ter havido arrependimento. É possível coagir a entregar a coisa doada, não a doar. Há casos ilusórios, mas que, aprofundados, não amparam aquela tese. Assim, se alguém, para caçar em minhas terras, prometer doar-me uma parte do que caçar, não haverá aí doação e sim pagamento. Onde o empobrecimento do pretenso doador, que saiu enriquecido? Onde o ânimo de liberalidade? Se doador houvesse, seria o dono das terras.”

A segunda corrente, por sua vez, encontra ressonância nas teses defendidas pelo professor Caio Mário da Silva Pereira (2010) e Darcy Arruda Miranda (1993). O primeiro até admite a promessa de doação gratuita do ponto de vista formal, como aconteceria com qualquer outra espécie, porém, sob a análise ontológica, descarta veementemente a possibilidade de exigir-se o adimplemento de uma doação pura, cuja essência está permeada pela intenção do doador de praticar uma liberalidade, de transferir seu patrimônio de forma livre e generosa em benefício de outrem. Segundo as incisivas palavras do referido professor: “Se o promitente-doador recusasse a prestação, o promitente-donatário teria ação para exigi-la, e, então, ter-se-ia uma doação coativa, doação por determinação da Justiça, liberalidade por imposição do juiz e ao arrepio da vontade do doador” (PEREIRA, 2010, p. 217).

Ambos os juristas sustentam, apesar da inadmissibilidade da promessa de doação de forma ampla, a possibilidade de sua plena validade e eficácia em uma situação especial, aquela que ocorre por ocasião do acordo de divórcio firmado no sentido de estabelecer um pré-contrato de doação em benefício dos filhos do casal, como forma de resolução aos possíveis conflitos de partilha de bens. Interessante se faz notar que, nesse caso específico, os defensores dessa linha de pensamento admitem, inclusive, a aplicação do artigo 639 do Código de Processo Civil, 466-B no CPC de 1973, e atualmente sem correspondente no CPC 2015, isto é, admitem a possibilidade de suprimento do consentimento da parte inadimplente por meio da sentença judicial, outorgando-a efeitos para que se faça transferir aos filhos do casal os bens objetos do pré-contrato (MIRANDA, 1993). Essa hipótese restrita de formulação do pactum de donando, difundida pela segunda corrente, é a que prevalece sendo adotada, de forma predominante, nos tribunais brasileiros desde o período que antecede o atual Código Civil e a promulgação da Carta Constituinte de 1988.

Prosseguindo nas mesmas linhas divisórias propostas pelo professor Marcos Jorge Catalan (2017), convém fazer breves considerações acerca de uma terceira linha de pensamento, sustentada, dentre outros autores, por Luiz Roldão de Freitas Gomes (1999) e Pablo Stolze Gagliano (2007), que entendem pela validade do contrato preliminar de doação, não sendo, porém, admitida por estes a possibilidade de compulsoriamente executar-se o pré-contrato em caso de inadimplemento da promessa pactuada, restando tão somente ao promitente-donatário a possibilidade de postular em juízo as perdas e danos referentes à quebra da legítima expectativa criada pelo promitente-doador ao comprometer-se em realizar o ato de doação. Exceção, todavia, seria a hipótese do pactum de donando firmado por ocasião do acordo de divórcio em benefício dos filhos do casal, já mencionado anteriormente, pelo qual seria permitido ao promitente-donatário lesado buscar também a tutela específica da obrigação.

Por fim, merece destaque a quarta corrente doutrinária que revela abrigar cada vez mais adeptos. Dentre tantos nomes que prestigiam essa linha de pensamento, é bem verdade que muitos o fazem com base em justificativas diferentes; todavia, é inequívoca a consonância de opiniões no sentido de se admitir a plena validade e eficácia do pré-contrato de doação gratuita, motivo pelo qual convém agrupá-los sob uma única corrente. Como principal expoente destaca-se Pontes de Miranda (2006), o qual defende que, ao pactuar uma promessa de doação, o promitente não se compromete a doar, mas sim a realizar o futuro contrato de doação. A propósito esse é o argumento do professor Paulo Luiz Netto Lôbo (2003, p. 287) rebatendo aqueles que inadmitem o pactum de donando, “[…] a obrigatoriedade do contrato preliminar tem por escopo a conclusão do contrato definitivo e não a entrega da coisa”. Contra aqueles que dizem haver na exigência judicial do pré-contrato de doação a imposição coativa da liberalidade, prossegue: “Não há liberalidade por imposição do juiz, mas imposição do juiz ao cumprimento de obrigação contraída por motivo de liberalidade”.

Nesse diapasão é que Paulo Nader (2010), Arnaldo Rizzardo (2006), Silvio de Salvo Venosa (2012) e Maria Celina Bodin de Moraes (2013) entendem tratar-se o contrato definitivo de mera consequência do ato de disposição realizado por ocasião da pactuação do pré-contrato, cuja presença de animus donandi é essencial e inevitável. Ora, se alguém se compromete a concretizar futuramente um contrato de doação é porque possui em si a intenção de doar, e é aí que “[…] a liberalidade, como elemento essencial da doação, se consuma […]. Este é o momento em que se forma o consenso quanto ao ânimo de liberalidade” (RIZZARDO, 2006, p. 452). Assim, não se deve considerar o ânimo do promitente no momento da efetivação do contrato definitivo de doação, mas sim no instante em que declarou essa intenção de liberalidade e se comprometeu, mediante a promessa de contratar, ao adimplemento da obrigação de fazer um contrato de doação.

Há, em última análise, outros tantos ilustres defensores, como Flávio Tartuce (2011), Arnoldo Wald (1998), Monteiro, Maluf e Da Silva (2010), Carlos Roberto Gonçalves (2013) e Marcos Jorge Catalan (2017), que garantem, simplesmente, inexistir óbice à pactuação e possível exigibilidade de cumprimento do pactum de donando em juízo. Afinal, essa promessa de contratar “[…] não contraria qualquer princípio de ordem pública e dispositivo algum a proíbe” (MONTEIRO; MALUF; DA SILVA, 2010, p. 164). Para estes, o simples fato de inexistir dispositivo de lei que vede a promessa de doação gratuita já a torna admissível; além disso, a sua pactuação não ofende os princípios contratuais, pelo contrário, assim como todos os demais contratos preliminares que, devem respeitar a boa-fé contratual e os limites da função social do contrato, assim também se deve proceder em relação ao pacto preliminar de doação, que vincula o promitente-doador ao adimplemento do seu contrato definitivo a fim de satisfazer a legítima expectativa criada junto ao promitente-donatário. Assim consagra a perfeita lição da professora Maria Celina Bodin de Moraes (2013):

“Se é repugnante uma doação ‘coativa’, igualmente deplorável é uma promessa descumprida. Tendo a manifestação da vontade por parte do promitente-doador se expressado livre e espontaneamente, condenável será a inexigibilidade da promessa.”

Após essa análise apurada das correntes doutrinárias que divergem a respeito da viabilidade jurídica do contrato preliminar de doação e, consequentemente, divergem acerca da vinculatoriedade do promitente-doador ao adimplemento do que fora pactuado, melhor razão parece assistir à última corrente, daqueles que despontam como defensores da plena validade e eficácia do pactum de donando, pois que “[…] não admitir exigibilidade nessa promessa é criar entrave embaraçoso para os outorgados e para terceiros” (VENOSA, 2012, p. 124). A regra para os pactos preliminares de doação parece seguir o que dispõe a doutrina e o ordenamento jurídico brasileiro em relação aos demais pactos. Do mesmo modo que se deve atentar para os princípios de probidade e boa-fé nos contratos preliminares em geral, assim também o deve ser em relação aos pré-contratos de doação, que, formulados sem vícios ou ilicitudes, devem ser adimplidos pelas partes contraentes.

 

  1. Responsabilidade por perdas e danos

Inicialmente, cumpre esclarecer que, apesar de admitir a promessa de doação gratuita e confirmar a vinculatoriedade do promitente-doador em relação ao objeto do pré-contrato, o presente artigo não pretende banir a hipótese de estipulação da cláusula de arrependimento no pactum de donando. O direito de arrependimento significa uma cláusula aberta para aquele contratante que resolve antes mesmo do início do cumprimento das disposições pactuadas desistir do negócio formulado. Assim sendo, não se pode descuidar que, havendo cláusula de arrependimento estipulada por ocasião do pré-contrato de doação, é plenamente possível ao promitente-doador desistir, desvincular-se da promessa e do cumprimento da obrigação pactuada. Do contrário,

“[…] se não houver cláusula de arrependimento, o promitente donatário poderá exigir a celebração do contrato definitivo, assinando prazo para que o promitente-doador o efetive; […] se a tradição se tornar inexequível, poderá o promitente donatário pedir perdas e danos (LÔBO, 2003, p. 285).”

Ora, a responsabilização por perdas e danos em caso de inadimplemento do objeto do pré-contrato pelo promitente-doador é solução pacificamente acolhida entre os juristas que admitem a instituição do pacto preliminar de doação. Referente aos contratos preliminares, no passado, a doutrina jurídica difundia a concepção de que, em caso de inadimplemento contratual, a responsabilização do devedor se resolveria através do pagamento das perdas e danos (artigo 402 e seguintes do Código Civil), pois a execução coativa da obrigação de fazer representaria uma enorme ofensa à liberdade dos contratantes (RODRIGUES, 2004). Esse entendimento, contudo, não prevalece atualmente, dado os limites impostos à autonomia privada e a consagração da ordem principiológica da boa-fé objetiva pela atual Carta Magna e pelo ordenamento civil brasileiro, revelando maior preocupação com o cumprimento irrestrito das disposições pactuadas.

Não se pense que a postulação das perdas e danos em juízo tenha se tornado hipótese remota para os casos de inadimplência do promitente-doador, inclusive Luiz Roldão de Freitas Gomes (1999) e Pablo Stolze Gagliano (2007) a par de admitirem a validade do pactum de donando, prendem-se à doutrina jurídica difundida no passado e afirmam restar ao promitente-donatário apenas a possibilidade de postular em juízo as perdas e danos como forma de reparar a quebra da legítima expectativa criada pelo promitente-doador. Não resta dúvida, “A indenização é o corolário natural do negócio” (RIZZARDO, 2006, p. 452).

Todavia, do mesmo modo como ocorre aos contratos preliminares em geral, é absolutamente possível aos contraentes da promessa de doação, seguindo o expressamente disposto nos artigos 464 do Código Civil e 639 do Código de Processo Civil, 466-B no CPC de 1973, e atualmente sem correspondente no CPC 2015, pleitear ao juiz o suprimento do consentimento da parte inadimplente por meio da sentença judicial, inclusive outorgando-a os mesmos efeitos do contrato a ser firmado. É dizer, “[…] se o promitente-doador não adimplir sua obrigação, poderá o juiz conferir ao contrato preliminar o caráter de definitivo, determinando a entrega dos bens” (LÔBO, 2003, p. 285).

A tutela específica da obrigação é assim amplamente acolhida por muitos juristas, que defendem a possibilidade do suprimento judicial da vontade do inadimplente e, no caso de se mostrar impossível a efetivação do contrato definitivo, cabível também a postulação da indenização por perdas e danos relativos ao prejuízo pelo incumprimento da obrigação. De maior envergadura, porém, merece destaque a notável discussão que paira sobre a possibilidade da adjudicação compulsória nos contratos preliminares de doação. O legislador pátrio, ao dispor nos artigos 1.417 e 1.418 do ordenamento civil acerca do direito real de aquisição, previu a possibilidade do promitente comprador exigir a outorga da escritura definitiva de compra e venda e, em caso de recusa, requerer ao juiz, até mesmo, a adjudicação do imóvel. O mesmo, porém, não se pode dizer em relação ao pactum de donando, pelo menos no que diz respeito à expressa referência da lei à aplicação da adjudicação compulsória em favor do promitente-donatário.

Nesse sentido, razão maior parece haver na possibilidade de adjudicar-se compulsoriamente o bem objeto do pré-contrato de doação, haja vista que não há dispositivo de lei algum que expressamente o proíba e a sua aplicação à promessa de compra e venda constitui um caminho aberto para a sua aceitação perante as promessas de doar. Revela, inclusive, o professor Caio Mário da Silva Pereira (2010, p. 217) que “[…] tem sido admitida a adjudicação compulsória dos bens objeto de promessa de doação aos filhos”. Ora, a sua admissibilidade nessa situação específica reflete um poderoso precedente para que se faça aplicar a mesma regra de execução coativa da obrigação aos demais casos que envolvam os pactos preliminares de doação, até mesmo porque, entre aqueles que defendem a plena validade e eficácia do pactum de donando, não há distinção alguma que justifique tratamento diferenciado entre o pacto preliminar feito em favor dos filhos em acordo de dissolução conjugal e os demais pré-contratos de doação firmados por ocasiões diversas.

 

  1. Análise de casos e julgados dos tribunais pátrios

Feita a devida análise das correntes de pensamento e considerados os apontamentos realizados em relação à possibilidade jurídica da promessa de doação no direito brasileiro, concluiu-se que o melhor tratamento é dispensado por aqueles que defendem a plena validade e eficácia do referido pacto, admitindo-se a vinculatoriedade do promitente-doador relativamente aos termos pactuados e sendo absolutamente cabível tanto a postulação da indenização por perdas e danos, quanto a tutela específica da obrigação e adjudicação compulsória de bens em caso de inadimplemento do pactum de donando.

Cumpre, todavia, analisar como tem sido recepcionada essa controvérsia nos tribunais brasileiros, como tem se demonstrado a linha de pensamento dos magistrados quando do julgamento de situações concernentes aos pactos preliminares de doação, se tem sido possível ao promitente-donatário, de fato, exigir judicialmente o cumprimento das disposições pactuadas ou, no caso de impossibilidade, de valer-se do ressarcimento pelos prejuízos pertinentes.

Assim, após criteriosa pesquisa de jurisprudências nos tribunais brasileiros verifica-se que prevalece, entre os magistrados, forte e insistente tendência em admitir-se a linha de pensamento difundida pelo professor Caio Mário da Silva Pereira (2010), que, a par de inadmitir a promessa de doação de forma ampla, sustenta a sua plena viabilidade nos casos em que a promessa é feita em acordo de dissolução conjugal, em favor dos filhos do casal. Nesse sentido, convém colacionar os muitos julgados que amparam a supramencionada tese:

“-PROMESSA DE DOAÇÃO AOS FILHOS DO CASAL, INSERIDA EM ACORDO DE SEPARAÇÃO JUDICIAL, JÁ RATIFICADO, NÃO PODE SER UNILATERALMENTE RETRATADO POR UM DOS CÔNJUGES. RECURSO EXTRAORDINÁRIO DE QUE NÃO SE CONHECE (BRASIL, 2017c, grifo nosso).”

“IMÓVEL = PROMESSA DE DOAÇÃO. CLÁUSULA DE DESQUITE. NECESSIDADE DO REGISTRO IMOBILIÁRIO. DISPOSIÇÃO DO CASAL, NO DESQUITE, NÃO E BASTANTE PARA TRANSFERIR AO FILHO A PROPRIEDADE DE BENS IMÓVEIS. IMPÕE-SE, TAMBÉM NESSE CASO, A INSCRIÇÃO NO REGISTRO DE IMÓVEIS (BRASIL, 2017d, grifo nosso).”

“AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. EMBARGOS À EXECUÇÃO. ACORDO CELEBRADO EM SEPARAÇÃO CONSENSUAL. HOMOLOGAÇÃO JUDICIAL. DOAÇÃO. ÚNICA FILHA. AUSÊNCIA DE VÍCIOS DE VALIDADE. EXIGIBILIDADE DA OBRIGAÇÃO. PRECEDENTES. 1. A jurisprudência desta eg. Corte já se manifestou no sentido de considerar que não se caracteriza como ato de mera liberalidade ou simples promessa de doação, passível de revogação posterior, a doação feita pelos genitores aos seus filhos estabelecida como condição para a obtenção de acordo em separação judicial. 2. Agravo regimental a que se nega provimento (BRASIL, 2017e, grifo nosso).”

“CIVIL. PROMESSA DE DOAÇÃO VINCULADA À PARTILHA. ATO DE LIBERALIDADE NÃO CONFIGURADO. EXIGIBILIDADE DA OBRIGAÇÃO. LEGITIMIDADE ATIVA. A promessa de doação feita aos filhos por seus genitores como condição para a obtenção de acordo quanto à partilha de bens havida com a separação ou divórcio não é ato de mera liberalidade e, por isso, pode ser exigida, inclusive pelos filhos, beneficiários desse ato. Precedentes. Recurso Especial provido (BRASIL, 2017f, grifo nosso).”

“1. PROCESSO CIVIL. INVENTÁRIO. SENTENÇA DE PARTILHA. A sentença de partilha é rescindível, mas para esse efeito o interessado deve propor a ação prevista no art. 1.030, III, do Código de Processo Civil. 2. CIVIL. PROMESSA DE DOAÇÃO. A promessa de doação, como obrigação de cumprir liberalidade que se não quer mais praticar, inexiste no direito brasileiro; se, todavia, é feita como condição de negócio jurídico, e não como mera liberalidade, vale e é eficaz. Recursos especiais não conhecidos (BRASIL, 2017g, grifo nosso).”

“DOAÇÃO. Promessa de doação. Dissolução da sociedade conjugal. Eficácia. Exigibilidade. Ação cominatória. O acordo celebrado quando do desquite amigável, homologado por sentença, que contém promessa de doação de bens do casal aos filhos, é exigível em ação cominatória. Embargos de divergência rejeitados (BRASIL, 2017h, grifo nosso).”

“CIVIL. DESQUITE. PROMESSA DE QUE OS BENS DO CASAL SERIAM DOADOS AOS FILHOS. A promessa de doação obriga, se não foi feita por liberalidade, mas como condição do desquite. Recurso especial conhecido e provido (BRASIL, 2017i, grifo nosso).”

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“PROMESSA DE DOAÇÃO FEITA ÀS FILHAS PELOS EX-CÔNJUGES EM SEPARAÇÃO CONSENSUAL. RETRATABILIDADE, ENQUANTO NÃO FORMALIZADA A DOAÇÃO. JULGAMENTO EM 2ª INSTÂNCIA. ARGÜIÇÃO DE NULIDADE PELA PARTICIPAÇÃO DE DOIS JUÍZES DE DIREITO. 1. A irregularidade na composição da Turma Julgadora deve ser argüida como preliminar de julgamento da causa. Hipótese em que não alegada na oportunidade da apreciação do recurso apelatório, nem tampouco nos embargos de declaração opostos. 2. É da substância do ato (doação) a escritura pública (art. 134,II, do Código Civil). 3. Tratando-se de mera liberalidade, uma promessa de doação sem encargo, é ela por natureza retratável: enquanto não formalizada a doação, é lícito ao promitente-doador arrepender-se. Recursos especiais interpostos por Giovana Azambuja Centeno Bocchese não conhecidos; 1º recurso especial não conhecido; 2º REsp conhecido, em parte, pelo dissídio, mas improvido (BRASIL, 2017j, grifo nosso).”

“EMBARGOS DE TERCEIRO. SEQÜESTRO JUDICIAL. DESQUITE. PROMESSA DE DOAÇÃO DE IMÓVEL CLÁUSULA DE USUFRUTO. LIBERALIDADE. TRANSFERÊNCIA DE PROPRIEDADE. […] 2- Na oportunidade da separação, houve um acordo de vontades entre os cônjuges, titulares do patrimônio e, em razão disso, o imóvel objeto da lide se tornou propriedade do segundo embargante – LUIZ AUGUSTO GONZAGA – com cláusula de usufruto vitalício em favor da primeira embargante – MARIZA MONIZ DE ARAGÃO GONZAGA – tudo em função de partilha homologada nos autos da Separação Consensual e Conversão em Divórcio. […] 4- A cláusula referente à doação de um certo bem por um ou pelos dois dos separandos não pode se equiparar a uma mera promessa de liberalidade. Aqui se trata da promessa de um fato futuro que entrou na composição do acordo de partilha dos bens do casal. Daí por que, em princípio, ele é exigível. […] 6- Negado provimento à apelação (BRASIL, 2017k, grifo nosso).”

“EMENTA: AGRAVO INTERNO NA APELAÇÃO CÍVEL – HOMOLOGAÇÃO DE ACORDO – VÍCIO DE VONTADE – INEXISTÊNCIA – EXECUÇÃO – PROMESSA DE DOAÇÃO – SEPARAÇÃO JUDICIAL – FILHO – PARTILHA DE BENS – POSSIBILIDADE – PRECEDENTE DO STJ. – O acordo judicialmente homologado, desde que não fira qualquer direito fundamental e respeite os elementos exigidos pela lei civil, faz lei entre as partes e deve ser cumprido em sua integralidade, salvo nova deliberação entre os acordantes. Estando presentes todos os elementos exigidos pela lei civil para a celebração de acordo entre as partes, quais sejam: capacidade dos agentes, manifestação livre de vontade (vontade não viciada), licitude e possibilidade do objeto, não há que se falar em anulação do acordo. A promessa de doação feita aos filhos por seus genitores como condição para a obtenção de acordo quanto à partilha de bens havida com a separação ou divórcio não é ato de mera liberalidade e, por isso, pode ser exigida, inclusive pelos filhos, beneficiários desse ato. Precedentes. Recurso Especial provido. (REsp 742.048/RS, Rel. Ministro SIDNEI BENETI, TERCEIRA TURMA, julgado em 14/04/2009, DJe 24/04/2009). PRECEDENTE DO STJ. […] L. RECURSO CONHECIDO E IMPROVIDO (ESPÍRITO SANTO, 2017a, grifo nosso).”

“PROMESSA DE DOAÇÃO – ACORDO DE SEPARAÇÃO JUDICIAL – VALIDADE E EFICÁCIA – VONTADE LIVRE E CONSCIENTE DO AUTOR, NO MOMENTO DA LIBERALIDADE – BOA-FÉ OBJETIVA – VENIRE CONTRA FACTUM PROPRIUM – IMPROCEDÊNCIA MANTIDA – RECURSO NÃO PROVIDO (SÃO PAULO, 2017a, grifo nosso).”

“PROMESSA DE DOAÇÃO – Separação de casal – Acordo homologado em ação de alimentos com a promessa de doação de imóvel a filhos e neto – Simples promessa, não aperfeiçoada – Possibilidade de retratação – Recurso provido (SÃO PAULO, 2017b, grifo nosso).”

“AÇÃO COMINATÓRIA – PROMESSA DE DOAÇÃO – ACORDO DE SEPARAÇÃO JUDICIAL – AQUISIÇÃO DE IMÓVEL – AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO – IMPROCEDÊNCIA – SENTENÇA MANTIDA. Não obstante seja juridicamente possível e efetiva a promessa de doação constante de acordo de separação judicial homologada judicialmente, torna-se incabível coagir o promitente a transferir a titularidade de um imóvel o qual simplesmente não foi comprovada a existência (MINAS GERAIS, 2017a, grifo nosso).”

“APELAÇÃO CÍVEL – CHAMAMENTO DE BEM IMÓVEL À COLAÇÃO – SEPARAÇÃO JUDICIAL – ACORDO HOMOLOGADO JUDICIALMENTE – PROMESSA DE DOAÇÃO – EFICÁCIA PERANTE TERCEIROS – LITIGÂNCIA DE MÁ FÉ – NÃO CONFIGURAÇÃO – PEDIDO AUTORAL JULGADO IMPROCEDENTE – RECURSO PROVIDO PARCIALMENTE. 1. A promessa de doação, realizada no bojo dos autos da ação de separação judicial, homologada por sentença já transitada em julgado, constitui ato perfeito e acabado, de modo que os efeitos da escritura pública da liberalidade devem retroagir à data do ajuste judicialmente chancelado. 2. O princípio fundamental do direito contratual da boa-fé objetiva impõe aos promitentes o cumprimento da doação acordada. […] 4- Improcedência do pedido autoral mantida. Litigância de má fé afastada. Recurso parcialmente provido (MINAS GERAIS, 2017b, grifo nosso).”

Ademais, é possível encontrar também, nos precedentes que circundam os egrégios tribunais brasileiros, a defesa consistente da linha de pensamento clássica, composta por aqueles juristas como Agostinho Alvim (1980), Silvio Rodrigues (2004) e Miguel Maria de Serpa Lopes (1996), que não veem traços de validade e tampouco vinculatoriedade na pactuação do pré-contrato de doação. Note-se os seguintes julgados:

“CONSTITUCIONAL. NOTA PROMISSORIA. PROMESSA DE DOAÇÃO. ATO JURÍDICO PERFEITO. DIREITO ADQUIRIDO. I. – O acórdão não contrariou a norma constitucional do direito adquirido ou do ato jurídico perfeito, dado que, com base nos fatos e na legislação infraconstitucional, decidiu que a nota promissória objeto da demanda não e cambiariamente ou executivamente exigível, porque representava uma promessa de doação, e promessa de doação não se executa, não se exige coercitivamente. II. – R.E. não conhecido.:: (BRASIL, 2017l, grifo nosso).”

“- DOAÇÃO – PROMESSA DE DOAÇÃO. DISCUSSÃO DO TEMA, PREDOMINANTE NA DOUTRINA BRASILEIRA A DA INEXISTÊNCIA DA PROMESSA DE DOAÇÃO, ACOLHIDA NA JURISPRUDÊNCIA DA CORTE. PRECEDENTES. RECURSO EXTRAORDINÁRIO CONHECIDO E PROVIDO (BRASIL, 2017m, grifo nosso).”

“- DESAPROPRIAÇÃO INDIRETA. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. PROMESSA DE DOAÇÃO. – IMÓVEL EXPROPRIADO INDIRETAMENTE PELA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. CARÊNCIA DA AÇÃO INDENIZATÓRIA DECRETADA PELO ACÓRDÃO RECORRIDO COM FUNDAMENTO EM ANTERIOR PROMESSA DE DOAÇÃO AJUSTADA EM DOCUMENTO PARTICULAR. ORIENTAÇÃO QUE CONTRADIZ O DOGMA FUNDAMENTAL, EM MATÉRIA DE DOAÇÃO, ACOLHIDO NUM DOS ACORDAOS INDICADOS COMO PARADIGMA: A PERSISTENCIA DO ‘ANIMUS DONANDI’, SENDO SEMPRE POSSIVEL O ARREPENDIMENTO OU A REVOGAÇÃO DA PROMESSA. RECURSO EXTRAORDINÁRIO CONHECIDO E PROVIDO (BRASIL, 2017n, grifo nosso).”

“RECURSO ESPECIAL – AÇÃO DE COBRANÇA – PROMESSA DE DOAÇÃO – ATO DE LIBERALIDADE – INEXIGIBILIDADE – PROVIDO O RECURSO DO RÉU – PREJUDICADO O RECURSO DA AUTORA. 1. A análise da natureza jurídica da promessa de doação e de sua exigibilidade não esbarra nos óbices impostos pelas Súmulas 05 e 07 deste Tribunal Superior, pois as conseqüências jurídicas decorrem da qualificação do ato de vontade que motiva a lide, não dependendo de reexame fático-probatório, ou de cláusulas do contrato. 2. Inviável juridicamente a promessa de doação ante a impossibilidade de se harmonizar a exigibilidade contratual e a espontaneidade, característica do animus donandi. Admitir a promessa de doação equivale a concluir pela possibilidade de uma doação coativa, incompatível, por definição, com um ato de liberalidade. 3. Há se ressaltar que, embora alegue a autora ter o pacto origem em concessões recíprocas envolvendo o patrimônio familiar, nada a respeito foi provado nos autos. Deste modo, o negócio jurídico deve ser tomado como comprometimento à efetivação de futura doação pura. 4. Considerando que a presente demanda deriva de promessa de doação pura e que esta é inexigível judicialmente, revele-se patente a carência do direito de ação, especificamente, em razão da impossibilidade jurídica do pedido. 5. Recurso especial do réu conhecido e provido. Prejudicado o exame do recurso especial da autora (BRASIL, 2017o, grifo nosso).”

“ADMINISTRATIVO. DESAPROPRIAÇÃO INDIRETA. IMOVEL OCUPADO PARA A IMPLANTAÇÃO DE FERROVIA, COM PROMESSA DO PROPRIETARIO DE DOA-LO MEDIANTE A TROCA DE BENFEITORIAS NA AREA REMANESCENTE. DOAÇÃO QUE NÃO SE CONCRETIZOU, NEM FORAM REALIZADAS AS BENFEITORIAS. SUPERVENIENTE DECLARAÇÃO DE UTILIDADE PÚBLICA DO IMOVEL PARA OS EFEITOS DE DESAPROPRIAÇÃO. O PROPRIETARIO QUE AUTORIZA A IMPLANTAÇÃO DE FERROVIA EM AREA DE SUA PROPRIEDADE, PROMETENDO DOA-LA, NÃO PERDE O DIREITO A INDENIZAÇÃO, SALVO SE A DOAÇÃO FOR ULTIMADA NA FORMA DA LEI. A PROMESSA DE DOAÇÃO, COMO OBRIGAÇÃO DE CUMPRIR LIBERALIDADE QUE SE NÃO QUER OU NÃO SE PODE MAIS PRATICAR, NÃO EXISTE NO DIREITO BRASILEIRO. PRECEDENTES DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. HIPOTESE EM QUE, NÃO OBSTANTE A PROMESSA DE DOAÇÃO FOSSE MODAL, A SOLUÇÃO E A MESMA, PORQUE OS ENCARGOS NÃO FORAM CUMPRIDOS E SE TORNARAM INCOMPATIVEIS COM A VONTADE DO ESTADO DE DESAPROPRIAR O IMOVEL, MANIFESTADA EM DECRETO QUE O DECLAROU DE UTILIDADE PÚBLICA PARA ESSE EFEITO. RECURSO ESPECIAL CONHECIDO E PROVIDO (BRASIL, 2017p, grifo nosso).”

“EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO DECLARATÓRIA C/C INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E MATERIAIS – PROMESSA DE DOAÇÃO PURA – PRESCRIÇÃO NÃO RECONHECIDA. INCOMPATIBILIDADE DE LIBERALIDADE E COATIVIDADE – INEXISTÊNCIA DE OBRIGAÇÃO E DO DEVER DE INDENIZAR – RECURSO PROVIDO. SENTENÇA REFORMADA. […] 4- Inviável juridicamente a promessa de doação ante a impossibilidade de se harmonizar a exigibilidade contratual e a espontaneidade, característica do animus donandi. Admitir a promessa de doação equivale a concluir pela possibilidade de uma doação coativa, incompatível, por definição, com um ato de liberalidade. Precedente ST. 5- A promessa de doação pura não cria obrigação e, enquanto não formalizada, já que, a coatividade é totalmente incompatível com a liberalidade. Neste contexto, é possível exigir a coisa doada, se observadas as exigências legais, contudo, não é possível exigir que se doe. 6- Diante do reconhecimento da inexigibilidade da promessa de doação pura, como no caso dos autos, inexiste obrigação,  o que repercute, diretamente, na pretensão indenizatória. Não reconhecida a obrigação de doar, inexiste o dever de reparar. 7- Recurso conhecido e provido (ESPÍRITO SANTO, 2017b, grifo nosso).”

“EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL. Anulação de doação. Forma. Escritura pública. Necessidade. nulidade. Doação pura. PROMESSA. Arrependimento. Possibilidade. Procedência. Provimento negado. […] 2) A análise do documento de fl., de maneira estrita (art. 114, do CC/02), nos indicia uma doação pura não concluída – à míngua da devida escrituração pública. Por pura entenda-se aquela realizada por liberalidade, ainda que a se enaltecer merecimento ou afeição ao donatário. 3) Portanto, mesmo que eventualmente se considerasse possível a análise do referido documento como um verdadeiro contrato preliminar – ou promessa de doação (pactum de donando) -, decerto não haveria o que se prover em razão do arrependimento do promitente-doador, possível em virtude da natureza espontânea e desobrigada atinente ao animus donandi em sua forma pura. Recurso não provido (ESPÍRITO SANTO, 2017c, grifo nosso).”

“PROMESSA DE DOAÇÃO. Ação de obrigação de fazer. Ato de mera liberalidade. Doação não formalizada. Obrigação não configurada. Ação improcedente – Ratificação dos fundamentos da sentença (art. 252 do RITJSP). RECURSO DESPROVIDO (SÃO PAULO, 2017c, grifo nosso).”

“PROMESSA DE DOAÇÃO – Feita pelo pai aos filhos, por ocasião de sua separação judicial – Descumprimento – Liberalidade do ato de doação (art 1165 do CC/16, vigente à época) – Impossibilidade de se constranger alguém a praticá-lo – Recurso improvido (SÃO PAULO, 2017d, grifo nosso).”

“APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO DE EXECUÇÃO – NÃO INTERPOSIÇÃO DOS EMBARGOS DO DEVEDOR – IRRELEVÂNCIA – MATÉRIA PRÓPRIA DE EXCEÇÃO DE PRÉ-EXECUTIVIDADE – DOAÇÃO – PRESSUPOSTO DA LIBERALIDADE – IMÓVEL – EXIGÊNCIA DE ESCRITURA PÚBLICA COMO ESSÊNCIA DO ATO – PROMESSA DE DOAÇÃO – INEXISTÊNCIA DO ATRIBUTO DA EXIGIBILIDADE – TÍTULO EXECUTIVO – NÃO CARACTERIZAÇÃO. – […] – A doação é um ato de liberalidade do doador, pela qual transfere parte do seu patrimônio para outrem (art. 538 do CC), que pode ser móvel ou imóvel. Neste caso, é da essência do ato a escritura pública, exceto se o valor do bem não ultrapassar 30 salários mínimos (artigos 541 c/c 108 do CC). – Não realizado o ato por meio de escritura pública, deve-se conceber o ‘contrato’ como ‘promessa de doação’, que não possui o atributo da exigibilidade, pena de se desnaturar o próprio conteúdo da ‘doação’, que pressupõe a generosidade do doador, razão pela qual não há falar em título executivo extrajudicial (MINAS GERAIS, 2017c, grifo nosso).”

“DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL – AGRAVO LEGAL – ART. 557, § 2º, CPC – AÇÃO MONITÓRIA – PROMESSA DE DOAÇÃO – ATO DE LIBERALIDADE – INEXIGIBILIDADE – EFEITO TRANSLATIVO – CARÊNCIA DE AÇÃO – PEDIDO JURIDICAMENTE IMPOSSÍVEL- EXTINÇÃO DO PROCESSO SEM RESOLUÇÃO DO MÉRITO – ART. 267, VI, DO CPC – PRECEDENTES DO C. STJ – AGRAVO IMPROVIDO. […] II-Predomina, na jurisprudência, o posicionamento consagrado por Caio Mário da Silva Pereira, segundo o qual a execução de pactum donandi não se coaduna com a gratuidade dessa espécie de negócio jurídico. (PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil, v. 3, p. 257.). III-Na esteira do entendimento manifestado pela Corte de Uniformização da Jurisprudência em Matéria Infraconstitucional, mostrando-se incompatível a satisfação coativa da expectativa de doação, o pedido se revela juridicamente impossível. (Nesse sentido: REsp 730.626/SP, Rel. Ministro JORGE SCARTEZZINI, QUARTA TURMA, julgado em 17/10/2006, DJ 04/12/2006, p. 322 e REsp 853.133/SC, Rel. Ministro HUMBERTO GOMES DE BARROS, Rel. p/ Acórdão Ministro ARI PARGENDLER, TERCEIRA TURMA, julgado em 06/05/2008, DJe 20/11/2008. IV-Unanimemente, negou-se provimento ao Agravo Legal (PERNAMBUCO, 2017a, grifo nosso).”

“APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER – CESSÃO DE DIREITOS HEREDITÁRIOS – FORMALIZAÇÃO POR ESCRITURA PÚBLICA – CONTRATO PRELIMINAR – PROMESSA DE DOAÇÃO – SENTENÇA MANTIDA – RECURSO DESPROVIDO. ‘Inviável juridicamente a promessa de doação ante a impossibilidade de se harmonizar a exigibilidade contratual e a espontaneidade, característica do animus donandi. Admitir a promessa de doação equivale a concluir pela possibilidade de uma doação coativa, incompatível, por definição, com um ato de liberalidade’ (STJ, Ministro Jorge Tadeo Flaquer Scartezzini) (SANTA CATARINA, 2017a, grifo nosso).”

Como se pode perceber, as correntes doutrinárias que patrocinam a tese da inviabilidade do pactum de donando ou a sua exclusiva aplicabilidade na hipótese específica do acordo de dissolução conjugal recebem surpreendente guarida dos tribunais estaduais e, principalmente, das cortes superiores de justiça. O mesmo não se pode afirmar em relação àquelas linhas de pensamento que propagam a absoluta validade e eficácia das promessas de doação. Após dedicada busca às decisões judiciais que pudessem corroborar o entendimento de grande parte dos doutrinadores e confirmar a exigibilidade do pré-contrato de doação, não se logrou êxito algum. Ao contrário do que se revela no presente estudo das correntes doutrinárias, não há, em termos de precedentes judiciais, amparo algum que possibilite maior amplitude ao pactum de donando, o que não constitui necessariamente um óbice à sua futura admissibilidade, podendo ocorrer que, eventualmente, venham a curvar-se os egrégios tribunais perante a tese da viabilidade jurídica da promessa de doação, ora amparada no presente trabalho.

 

Conclusão

O contrato preliminar de doação é perfeitamente admissível no direito brasileiro. Como restou demonstrado ao longo do estudo, as opiniões dos juristas são abruptamente divergentes e uma vasta gama desses doutrinadores possui uma linha de pensamento que vai de encontro ao entendimento uníssono revelado nos tribunais, os quais insistem em inadmitir a possibilidade do pré-contrato de doação e consequentemente a sua exigibilidade perante o promitente-doador.

Para os defensores da linha de pensamento clássica, apesar da doação ser capitulada como um contrato inexiste a possibilidade de pactuação de um contrato preliminar, pois a promessa de doação, quando pura, não é vinculativa, funda-se em ato de liberalidade que, até sua formalização, não vincula o promitente doador.  A segunda linha de pensamento difere da anterior num aspecto muito sutil. Da mesma forma, prevê a impossibilidade de pactuação do contrato preliminar de doação, porém, seus expoentes admitem que a promessa de doação venha a ser realizada em prol dos filhos do casal em acordo de separação ou divórcio, caso em que, de fato, não se estaria prometendo doar, mas sim cumprir uma prestação, efetivar um pagamento em favor do filhos, o que é plenamente exigível. Esse tem sido o entendimento adotado comumente pelos tribunais brasileiros.

Há, contudo, uma terceira corrente que sinaliza uma divergência abrupta de pensamento, consignando a plena validade e aplicabilidade da promessa de doação, desde que observada imperativamente a possibilidade de arrependimento a todo o momento, até que haja a formalização do pacto definitivo, permitindo-se ao lesado pelo não cumprimento da promessa de doar somente a postulação de perdas e danos. Por fim, há um grande número de juristas que defendem uma linha de pensamento moderna, pela qual se sustenta a plena validade e eficácia do pré-contrato de doação. Para estes, não há óbice algum à recepção do pactum de donando no ordenamento jurídico brasileiro e tampouco subsiste dispositivo que o proíba, permitindo-se a aplicação das regras gerais dos contratos preliminares ao pré-contrato de doação. Além disso, o ato de liberalidade, típico e essencial ao instituto da doação, se depreende manifestado, isto é, externalizado no próprio momento em que se pactua a promessa de doação, não havendo a necessidade de manifestação do animus donandi atual e não havendo que se falar em uma suposta doação coativa.

Decerto, a omissão legislativa no que diz respeito ao contrato preliminar de doação não ocorreu de forma proposital. O legislador dispôs no Código Civil acerca dos contratos preliminares em geral e reservou especial atenção às promessas de compra e venda por se tratar de pacto preliminar mais corriqueiro, presumindo inteligentemente que os demais contratos preliminares simplesmente seguiriam as regras gerais dispostas na lei civil. Afastando o preciosismo formal, característico das correntes de pensamento clássico, e visando privilegiar o formato rápido, célere e consensual dos pactos preliminares é que o legislador pátrio dispensou no artigo 462 da carta civil o requisito formal para a validade dos pré-contratos. A exigência de que o animus donandi seja atual, externalizado no momento da concretização do contrato definitivo, ou a limitação da promessa de doar à hipótese de acordo de dissolução conjugal, não se coadunam com a mens legislatoris, consistem, lamentavelmente, em criar embaraços à pactuação de uma promessa cuja proibição ou limitação jamais esteve na intenção do legislador.

Em que pese a surpreendente guarida dos tribunais estaduais e, principalmente, das cortes superiores de justiça às correntes doutrinárias que patrocinam a tese da inviabilidade do pactum de donando ou a sua exclusiva aplicabilidade na hipótese específica do acordo de dissolução conjugal, a conclusão que se pode chegar através deste estudo é que a melhor razão está com aqueles que compõem a corrente de pensamento moderna, atinente às necessidades contratuais das relações civis cotidianas, admitindo, sem ressalvas, a viabilidade jurídica da promessa de doação, a vinculatoriedade do promitente-doador ao que fora pactuado no pré-contrato e a consequente exigibilidade do seu cumprimento, da qual se pode valer o promitente-donatário.

Assim, o artigo desenvolvido contribui como mais um sustentáculo à corrente de pensamento que defende a plena eficácia do contrato preliminar de doação. A pesquisa realizada abre caminho para que outras tantas sejam feitas, muitas delas confirmando a conclusão aqui apresentada, de modo a reforçar o melhor entendimento doutrinário e possibilitar que, eventualmente, venham a curvar-se os egrégios tribunais perante a tese da viabilidade jurídica da promessa de doação.

 

Referências

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______. Superior Tribunal de Justiça. Súmula n. 239. O direito à adjudicação compulsória não se condiciona ao registro do compromisso de compra e venda no cartório de imóveis. In: CURIA, L. R.; CÉSPEDES, L.; NICOLETTI J. Vade Mecum Saraiva. 15. ed. São Paulo: Saraiva, 2013b. p.1903 – 1915.

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BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Embargos de Divergência em Recurso Especial 125859, Rel. Ministro RUY ROSADO DE AGUIAR, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 26/06/2002, DJe 24/03/2003. Disponível em: < https://ww2.stj.jus.br/processo/revista/documento/mediado/?componente=ATC&sequencial=456001&num_registro=200100985722&data=20030324&tipo=5&formato=PDF>. Acesso em: fevereiro de 2017h.

______. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial 125859, Rel. Ministro ARI PARGENDLER, TERCEIRA TURMA, julgado em 06/03/2001, DJe 23/04/2001. Disponível em: < https://ww2.stj.jus.br/processo/revista/documento/mediado/?componente=IMG&sequencial=58125&num_registro=199700222888&data=20010423&formato=PDF>. Acesso em: fevereiro de 2017i.

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