A primeira fase do procedimento especial do tribunal do júri e a polêmica dos institutos da pronúncia e impronúncia

Resumo: O presente artigo faz uma abordagem doutrinária e jurisprudencial sobre os procedimentos relativos ao Tribunal do Júri, cujo tema é de suma importância para os operadores do direito. Apresenta de forma resumida a primeira fase do procedimento especial relativo ao Tribunal do Júri. Este trabalho mostrará as polêmicas geradas em decorrência dos institutos da pronúncia e impronúncia.[1]

Palavras-chaves: tribunal do júri, pronúncia, impronúncia. 

Abstract: This paper presents an approach doctrine and jurisprudence on the procedures relating to the  jury, whose theme is of paramount importance to law enforcement officers. Presents a summary of the first phase of the special procedure for the jury. This work shows the controversies generated as a result of the institutes of pronunciation and Impronunciation.

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Keywords: Jury, Pronunciation, Impronunciation.

Sumário: 1. Introdução. 2. Materiais e métodos. 3. Resultados e discussão. 4. Conclusão. 5. Bibliografia.

Introdução

Numa sociedade capitalista, desigual e globalizada, pessoas matam seus semelhantes pelos mais diversos motivos, situação que vem crescendo diariamente no Brasil. Pesquisas recentes mostram que o crime de Homicídio já é responsável por 12% da população carcerária nacional, contabilizando no ano 2009, 51.434 homicídios em nosso país (Datasus).

O sistema processual penal atual entendeu que se tratando de crimes dolosos contra a vida, estes devem ser julgados por pessoas comuns “do povo”, portanto, há a inversão do princípio in dúbio pró réo para o in dúbio pró societate.

Desta forma, a inversão do princípio in dubio pro réo para o in dubio pro societate, se embasa na ideia de que a melhor opção para o acusado é ser julgado por seus semelhantes, entretanto, ao avaliar as fases que compõem o procedimento especial do Tribunal do Júri, veremos que na prática, após uma breve discussão entre os diversos atos que compõe o juízo de formação da culpa, a “suposta melhor opção” escolhida pelo legislador é contestável.

Portanto, mesmo em casos ao qual o Juiz togado não condenaria diante da incerteza em face do princípio in dubio pro réo o acusado será encaminhado para julgamento pelo Tribunal do Júri.

Diante do exposto, é importante fazer uma análise dos procedimentos que antecedem o julgamento pelo Tribunal do Júri, possibilitando o esclarecimento quanto à fase do judicium accusationis, com ênfase aos institutos da pronúncia e impronúncia.

Materiais e métodos

A metodologia adotada para a produção deste trabalho se baseia em pesquisa bibliográfica, feita por meio de livros, artigos, leis e jurisprudência, complementada por artigos publicados na internet, e pesquisa feita com profissionais das diversas áreas jurídicas. O método utilizado para a pesquisa foi o dedutivo.

Resultados e Discussão

A instituição do Júri tem previsão Constitucional no artigo 5º, XXXVIII, no qual traz a seguinte redação “é reconhecida a instituição do júri, com a organização que lhe der a lei, assegurados: a) a plenitude de defesa, b) sigilo nas votações, c) a soberania das votações, d) a competência para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida.

Conforme o acima exposto, as alíneas a, b, c e d trazem os princípios constitucionais referentes ao Tribunal do Júri, princípios que devem nortear a interpretação e aplicação das normas infraconstitucionais e não o exposto.

Infelizmente, no Brasil, tem sido hábito dos operadores do Direito dar aplicabilidade quase absoluta ao disposto no Código de Processo Penal (e leias especiais correlatas), desprezando-se o disposto na Constituição Federal. Age-se como se a lei ordinária fosse mais importante do que a norma constitucional. E, pior, do que o princípio constitucional[2]

Insta salientar, que a instituição do Tribunal do Júri é mantida até hoje em nosso ordenamento jurídico pátrio como se fosse indispensável para o exercício da democracia, entretanto, tal alegação não deve prosperar, haja vista, que a grande maioria das decisões judiciais são proferidas por juízes togados. Entretanto, trata-se de uma decisão predominantemente política, da qual optou em julgar pelo Tribunal do Júri, os autores dos delitos dolosos contra a vida.

O procedimento do júri é composto por duas fases (escalonado): judicium accusationis (juízo de formação de culpa) e o judicium causae (juízo da causa). Nucci entende que a “fase de preparação do plenário” – CPP, art. 422 – constitui uma nova fase autônoma.

Em regra o procedimento inicia-se com o oferecimento da denúncia ou queixa, porém, não basta que a denúncia impute ao réu uma conduta típica ilícita e culpável. Isto satisfaz o aspecto formal da peça acusatória, mas para o regular exercício da ação pública se exige que os fatos ali narrados tenham alguma ressonância nas provas do inquérito ou constantes das peças de informação.

Oferecida à denúncia ou queixa, acompanhada de regra pelo inquérito policial, o Juiz verificando a existência da materialidade do crime e indícios suficientes de autoria, deve receber a peça inaugural. Entretanto, pode rejeitá-la liminarmente caso não haja justa causa para a ação penal.

Depois de recebida a denúncia o réu será citado para responder a acusação, por escrito no prazo de 10 (dez dias). Na defesa prévia o réu poderá alegar qualquer matéria pertinente a sua defesa, arrolar até 08 testemunhas, e juntar documentos, ou seja, esta fase tem por objetivo a colheita de provas.

O art. 411, § 2º do CPP, prevê a realização de pelo menos uma audiência de instrução, entretanto o referido dispositivo legal prevê que as provas serão produzidas em uma única audiência, o que na prática é quase impossível, pois se levarmos em conta a possibilidade da oitiva de 16 (dezesseis) testemunhas, dentre a apreciação de outras provas, necessitaríamos de um dia inteiro e talvez não se consiga concluir.

Logo, em homenagem ao princípio da plenitude de defesa, do contraditório e do devido processo legal, caso todos os atos não se realizem em uma única audiência, deverá ocorrer quantas mais se fizerem necessárias.

Ao término da instrução as partes devem fazer suas alegações finais de forma oral, ambos, acusação e defesa têm vinte minutos prorrogáveis por mais dez, mas, nada impede que em caso complexos a defesa solicite a apresentação em memoriais, ficando ao alvedrio do julgador a concessão.

Após apresentadas às alegações finais, existem basicamente quatro possibilidades de finalização desta fase:

a) pronúncia: decisão interlocutória mista não terminativa. Não se trata de uma sentença e não há que se falar em coisa julgada, mas sim, preclusão (art. 421). Deve ser proferida no prazo de 10 dias (art. 800, I). Com essa decisão o magistrado proclama admissível a acusação formulada pelo Ministério Público, a fim de que o acusado seja conduzido ao plenário do Tribunal do Júri, e lá venha ser julgado.

Entretanto, para que o juiz pronuncie o acusado, não se exige prova plena, inconteste, sem nenhuma dúvida quanto à culpabilidade, mas apenas a verossimilhança da pretensão acusatória, de modo que, em caso de dúvida, a questão deve ser resolvida com lastro no princípio in dubio pro societate, assim, na dúvida, deve o juiz pronunciar, deixando para que a questão quanto à culpabilidade seja resolvida pelo tribunal do júri” (Silva Jr. p. 340).

Em contrapartida afirma Nucci; “é preciso cessar, de uma vez por todas, ao menos em nome do Estado Democrático de Direito, a atuação jurisdicional frágil e insensível, que prefere pronunciar o acusado, sem provas firmes e livres de risco. Alguns magistrados, valendo-se do criativo brocado jurídico in dubio pro societate (na dúvida, decide-se em favor da sociedade), remetem à apreciação do Tribunal do Júri as mais infundadas causas – aquelas que, fosse ele o julgador, certamente, terminaria por absolver”.

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Logo, se o processo deixa incertezas, comportando apenas a absolvição, qual o motivo para encaminhar o acusado a Júri Popular? Sabendo que os jurados podem condená-lo? É ao mínimo contraditório.

Importante ressaltar, que uma pesquisa realizada no ano de 1997[3], ouvindo 574 jurados atuantes no Terceiro Tribunal do Júri da Capital do estado de São Paulo (publicada em Nosso Júri – Princípios constitucionais) se obteve os seguintes dados: mais de 60% dos jurados considera o juiz presidente a pessoa que mais inspira confiança no Tribunal do Júri; quase 20% admitiram que podem sofrer influência da leitura da sentença de pronúncia em plenário.

Portanto, o Juiz, mesmo diante da incerteza, submete o acusado ao julgamento pelo Tribunal do Júri, onde em regra, os jurados estão mais inclinados para condenação do acusado, fica a pergunta, será que o legislador ao optar pelo princípio in dubio pro societate agiu acertadamente?

Assim, cabe à defesa, ter ampla atenção ao conteúdo da pronúncia, pois, se o jurado que ouve a leitura de uma decisão de pronúncia, tem uma predisposição à condenação, logo, se a pronúncia tiver excesso de linguagem, a predisposição a condenação será ainda maior. Caso isso ocorra, é de rigor sua anulação, com o consequente desentranhamento[4] dos autos, a fim de que outra seja prolatada, nos estritos limites do (art. 413).

b) impronúncia: decisão interlocutória mista de conteúdo terminativo, que encerra a primeira fase do processo (formação da culpa ou judicium accusationis), sem haver juízo de mérito. Assim, inexistindo prova da materialidade do crime ou não havendo indícios suficientes de autoria, deve o magistrado impronunciar o réu.

“Significa[5] julgar improcedente a denúncia ou queixa (extingue-se o processo sem julgamento de mérito) e não a pretensão punitiva do Estado. Desse modo, se, porventura, novas provas advierem, outro processo pode instaurar-se”.

Para a majoritária Doutrina, o instituto da impronúncia viola o princípio da presunção de inocência (CF. art. 5º LVII) com a imposição de uma “suspeita indefinida” (nos limites da prescrição), na qual o Estado afirma a inocorrência do crime e aduz não haver indícios de autoria para, ao final, impor a possibilidade de voltar a efetuar a persecução sobre os mesmos fatos. Justifica, sob o manto de ‘controvérsia jurisprudencial’ (RT 636/320), que possam existir provimentos que não ponham fim a uma determinada pretensão, como se não houvesse ocorrido qualquer tipo de atividade cognitiva a respeito do objeto processual. Rigorosamente falando, os resultados são marcadamente gravosos para a pessoa acusada. Neste ponto, a distorção é tamanha que se torna mais desejável seja a pessoa pronunciada e submetida a Júri, onde inexoravelmente alcançará um resultado de mérito, que ficar aguardando a produção de provas numa prescrição vintenária. 

c) desclassificação: segundo Aury Lopes Junior[6], a desclassificação na primeira fase pode ser: “1. Própria: quando o juiz dá ao fato uma nova classificação jurídica, excluindo da competência do júri. Diz que o delito não é da competência do júri e com isso remete para o juiz singular. Ex: desclassifica de tentativa para lesões corporais ou de homicídio doloso para culposo. O conexo segue o prevalente, logo, vai para o singular também, pois não cabe ao juiz presidente do júri julgar o conexo naquele momento. O recurso cabível para impugnar essa decisão é o recurso em sentido estrito (art. 581, II), porque ele conclui pela incompetência do júri. 2. Imprópria: quando o juiz desclassifica, mas o crime residual continua da competência do júri. Ele desclassifica, mas pronuncia. Ex: desclassifica de infanticídio para homicídio simples. Como o novo crime continua na esfera de competência do tribunal do júri, o juiz presidente desclassifica, mas pronuncia”.

4) absolvição sumária: é a decisão de mérito, que coloca fim ao processo, julgando improcedente a pretensão punitiva do estado. Ocorre quando o magistrado reconhece: a) estar provada a inexistência do fato; b) estar provado não ter sido o réu autor ou partícipe do fato; c) que o fato não constitui infração penal; estar demonstrada causa excludente de ilicitude (causa de exclusão do crime) ou de culpabilidade (causa de isenção de pena).[7]

Assim quanto às excludentes de culpabilidade, temos: a) erro de proibição (art.21, CP); b) coação moral irresistível (art. 22, CP); c) obediência hierárquica (art.22, CP); d) embriaguez acidental (art. 28 § 1º, CP). Há ainda o caso de inimputabilidade (art.26, caput, CP). Entretanto, só poderá o juiz absolver sumariamente o réu se houver pedido expresso da defesa.

No que tange às excludentes de ilicitude são as seguintes; a) estado de necessidade (art. 23, I, art. 24, CP); b) legítima defesa (art. 23, II, art.25, CP) c) exercício regular do direito (art. 23, III, CP) d) estrito cumprimento do dever legal (art. 23, III, CP).

Contra a absolvição sumária e sentença de impronúncia será interposto recurso de apelação e contra a decisão de pronúncia caberá recurso em sentido estrito.

A nova fase trazida pelo advento da Lei 11.689/2008 é o juízo de preparação do plenário, fase intermediária entre a formação da culpa e o juízo de mérito, a qual encontra previsão legal nos artigos 422, 423 e 424 do CPP, fase que será abordada de forma detalhada oportunamente.

Conclusões

Fazendo uma análise resumida dos diversos atos que integram a primeira fase do procedimento do Tribunal do Júri, é seguro concluir que de regra tudo se inicia com a instauração do inquérito policial, do qual, traz provas e elementos para o oferecimento da denúncia ou queixa.

Sendo recebida a denúncia, o Juiz abrirá prazo de 10 dias para que a defesa apresente a defesa prévia, momento em que a defesa deverá argüir tudo que achar pertinente, além de arrolar testemunhas.

Com a denúncia e a defesa prévia em mãos, o Juiz designará pelo menos uma audiência, e após a realização desta, acusação e defesa apresentarão alegações finais, em regra oralmente, porém em casos complexos podem ser apresentadas em forma de memoriais.

Posteriormente, o Juiz terá que optar por quatro caminhos: a) pronúncia, em caso de indícios de autoria e materialidade comprovada; b) impronúncia, em casos de materialidade não comprovada e não terem indícios de autoria; c) absolvição sumária, em casos de reconhecimentos de causas excludentes de ilicitude e excludente de culpabilidade; d) desclassificação, quando o juiz dá nova definição jurídica aos fatos.

É notório que o princípio in dubio pro societate quando não aplicado corretamente pelo magistrado, pode trazer prejuízos irreparáveis ao acusado, uma vez que submete o réu ao julgamento perante o Tribunal do Júri, mesmo diante da incerteza e com provas frágeis.

Pode-se concluir que o instituto da impronúncia é também polêmico e injusto, praticamente um absurdo jurídico, pois, ele não absolve nem condena o réu, “na verdade coloca o réu em no banco de reservas”, onde em regra, deverá esperar 20 (vinte) anos ao surgimento de algo novo, e caso isso não ocorra, dentro do imenso lapso temporal, será absolvido.

 

Referências
Acquaviva. M. Dicionário Jurídico. Ed. Rideel, 2009, edição 3ª, 657 – 676.
Moraes. A. Direito Constitucional. Ed. Atlas, 2010, edição 25ª, 88 – 90, 106 – 110.
Mirabete. J. Código de Processo Penal Interpretado. Ed. Atlas, 1997, edição 5ª, 97 – 237.
Nucci. G. Tribunal do Júri. Ed. Revista dos Tribunais, 2008, edição 1ª, 29 – 115.
Nucci. G. Código de Processo Penal Comentado. Ed. Revista dos Tribunais, 2008, edição 4ª, 75 – 99.
Pellegrini. A. Teoria Geral do Processo, Ed. Malheiros, 2009, edição 25ª, 58 – 63.
Toledo. F. Princípios Básicos de Direito Penal. Ed. Saraiva, 2007, edição 5ª, 159 – 214.
Tourinho. F. Processo Penal 4. Ed. Saraiva, 1997, edição 19ª, 415 – 426.
 
Notas:
 
[1] Trabalho orientado pelo Prof. José Carlos Branco Junior, Advogado formado pela UNICURITIBA com 15 anos de exercício da profissão inscrito na Seccional Paranaense da ordem dos Advogados do Brasil sob n 26.463. Professor do Instituto Superior do Litoral do Paraná.

[2] NUCCI. Guilherme de Souza. Tribunal do Júri. Ed. Revista dos Tribunais, 2008, pag. 24.

[3]  NUCCI. Guilherme de Souza. Tribunal do Júri. Ed. Revista dos Tribunais, 2008, pag. 66.

[4] (HC 58.151-SP, 5ª T, rel. Arnaldo Esteves de Lima, 03.10.2006, v. u.).

[5] (NUCCI, p. 85). INCONSTITUCIONALIDADE: Nucci, Rangel, Aury, Fauzi Hassan e Aramis Nassif.

[6] LOPES. Jr Aury. Direito ao Processo Penal no prazo razoável.

[7] NUCCI. Guilherme de Souza. Tribunal do Júri. Ed. Revista dos Tribunais, 2008, pag. 94.


Informações Sobre o Autor

Alessandro Cabral e Silva Coelho

Acadêmico de Direito na ISULPAR


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