A produção de provas pelo juiz

Resumo: O artigo aborda a evolução jurídica concernente à produção de provas pelo juiz. Utilizando-se do método teórico dedutivo bibliográfico, chegou-se à conclusão que o juiz não deve ser visto como uma figura passiva e inerte, mas sim portar-se como um verdadeiro agente, buscando a verdade para, desta maneira, promover justiça.

Palavras-chave: Prova. Juiz. Verdade real.

Abstract: The article addresses legal developments concerning the production of evidences by the judge. Using the theoretical deductive literature method, came to the conclusion that the judge should not be seen as a figure passive and inert, but behave like a real agent, searching for the truth in this way promote justice.

Keywords: Evidence. Judge. Real truth.

Sumário: Introdução. 1. O ônus da prova. 2. O princípio da inafastabilidade da tutela jurisdicional. 3. O princípio da verdade real. 4. O poder instrutório do juiz. 5. O princípio da cooperação. Conclusão. Referências bibliográficas.

INTRODUÇÃO

Todos os direitos pretendidos em juízo se originam de fatos. Desta forma, o autor deve demonstrar os fatos que justificam o atendimento de seus anseios, e réu, da mesma forma, deve indicar os fatos que impeçam o alcance de tal pretensão. É, portanto, através da análise desses fatos que o juiz solucionará o litígio. O processo de conhecimento tem como objeto as provas dos fatos alegados pelas partes.

Ocorre que, por muitas das vezes, as partes não carreiam aos autos provas suficientes a ponto de edificar uma convicção inabalável do magistrado. Algumas das vezes, por simples negligência, outras por verdadeira impossibilidade. O juiz, por sua vez, fica limitado a analisar um conteúdo probatório frágil, e não consegue alcançar a melhor solução para o litígio.

A presente discussão tem por intuito demonstrar que o ordenamento jurídico não restringiu a produção de provas às partes, possibilitando ao juiz a busca da comprovação dos fatos que possibilitem ou obstruam a concessão do direito.

1- O ÔNUS DA PROVA

A prova é o instrumento utilizado para se demonstrar o fato alegado. Nas palavras de João Monteiro, prova “é um meio que com que se estabelece a existência positiva ou negativa do fato probando, e é a própria existência dessa certeza” (1912, p. 437).

A palavra ônus, em sua origem, significa obrigação. No entanto, o conceito de ônus da prova evoluiu, e hoje é possível afirmar que a prova não é uma obrigação, mas sim uma faculdade da parte.

“Não há um dever de provar, nem à parte contrária assiste o direito de exigir a prova do adversário. Há um simples ônus, de modo que o litigante assume o risco de perder a causa se não provar os fatos alegados dos quais depende a existência do direito subjetivo que pretende resguardar através da tutela jurisdicional. Isto porque, segundo máxima antiga, fato alegado e não provado é o mesmo que fato inexistente.” (THEODORO JÚNIOR, 2012, p. 446)

O art. 333 do Código de Processo Civil promove a distribuição do ônus da prova, estatuindo que ele caberá ao autor, quanto ao fato constitutivo de seu direito, e ao réu, quanto à existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor.

O ônus da prova é instrumento de extrema importância, pois designa… Não há dúvida de que o processo, em regra, depende da parte interessada. Trata-se de norma instituída pelo art. 2º do Código de Processo Civil.

No entanto, há que se atentar para o fato de que a prova produzida não pertence à parte, e sim ao processo. O destinatário da prova é o juiz, que solucionará a lide conforme o alegado e provado nos autos. Nesse sentido, importa dizer que a doutrina classifica como ônus subjetivo aquele em que a parte assume o ônus de provar o fato que alegou, e ônus objetivo aquele direcionado ao juiz, não importando quem o tenha produzido. Assim, Greco Filho assimila a conduta do juiz da seguinte maneira:

“(…) deve levar em consideração toda a prova constante dos autos independentemente de quem a tenha produzido. À parte incumbe o ônus da prova de determinados fatos (ônus subjetivo), mas, ao apreciar a prova produzida não importa mais quem a apresentou, devendo o juiz levá-la em consideração (ônus objetivo).” (1997, p. 188)

Desta maneira, é necessário que as partes tenham consciência que qualquer prova trazida aos autos poderá ser considerada pelo juiz, ainda que beneficie a parte contrária. Isto porque o que se busca com a produção de provas é a verdade real, a qual será melhor analisada adiante. Logo, não se vê nenhum óbice para que o juiz produza provas, qualquer que seja a parte beneficiada.

2- O PRINCÍPIO DA INAFASTABILIDADE DA TUTELA JURISDICIONAL

Nos últimos anos, percebe-se uma evolução quanto à definição do papel dos magistrados. Hoje, entende-se pacificamente que o Judiciário possui papel essencial na realização dos Direitos Fundamentais.

O art. 5º, XXXV da CF prevê que, sempre que houver lesão ou ameaça a direito, o Judiciário poderá ser acionado. Esse dispositivo consagra o princípio da inafastabilidade do controle jurisdicional. Assim, o Judiciário pode passar a ser garantidor dos direitos fundamentais. Trata-se de decorrência do Estado Democrático de Direito.

A produção de provas pelo juiz também pode ser vista como ato que atende ao princípio da inafastabilidade do controle jurisdicional. Afinal, diante do caráter publicista assumido pelo processo, não é mais possível manter o juiz como mero espectador da batalha judicial. Lorenzetti afirma que “no caso da pessoa que solicita o amparo da justiça para a tutela dos direitos fundamentais, o juiz que se abstém de intervir se aproxima muito da ficção formal, com descuido da tutela efetiva (LORENZETTI, 2010, p. 142)”.

Em outras palavras, não é concebível que o juiz fique adstrito a agir, quando o cidadão, ao dirigir-se ao Judiciário, não quer apenas uma sentença, mas a efetiva tutela jurisdicional. A doutrina é inconteste ao ressaltar a importância desse princípio:

“Os poderes do juiz foram paulatinamente aumentados: passando de mero espectador inerte à posição ativa, coube-lhe não só impulsionar o andamento da causa, mas também determinar provas, conhecer ex officio de circunstâncias que até então dependiam da alegação das partes, dialogar com elas, reprimir-lhes eventuais condutas irregulares.” (CINTRA; GRINOVER; DINAMARCO; 2006. p. 70)

Em síntese, a concepção moderna de efetividade da justiça é abrangente. Não se aceita mais a ideia de que acesso à justiça consiste simplesmente no direito de apresentar uma petição ou ajuizar uma ação, imperando assim um consenso no sentido de que o magistrado deve ser um agente mais ativo e participativo.

3- PRINCÍPIO DA VERDADE REAL

Entre os princípios gerais do direito processual civil, o princípio da verdade real tem ocupado espaço cada vez maior na doutrina e jurisprudência, merecendo destaque nas discussões que circundam o tema.

O princípio em comento visa promover uma ampla busca, estimulando assim a superação das deficiências no sistema processual vigente. Nesse sentido, Theodoro Júnior enfatiza:

“Nesse processo moderno o interesse em jogo é tanto das partes como do juiz, e da sociedade em cujo nome atua. Todos agem, assim, em direção ao escopo de cumprir os desígnios máximos da pacificação social. A eliminação dos litígios, de maneira legal e justa, é do interesse tanto dos litigantes como de toda a comunidade. O juiz, operando pela sociedade como um todo, tem até mesmo interesse público maior na boa atuação jurisdicional e na justiça e efetividade do provimento com que se compõe o litígio. Sobre este aspecto é que, consoante se bem assinalou Rui Portanova, ‘a adoção plena no processo civil do princípio da verdade real é uma consequência natural da modernidade publiscística do processo’.” (2012, p. 40)

É a partir do princípio da verdade real que se procura superar as deficiências do sistema procedimental. Nesse sentido, o julgador assume o comando do processo aliado às garantias fundamentais do Estado Democrático de Direito.

Assim, independente de como ou através de quem tenham os elementos da verdade real sido trazidos aos autos, eles devem ser levado em consideração pelo juiz, quando da elaboração da decisão.

4- O PODER INSTRUTÓRIO DO JUIZ

A fim de preservar a efetivação da justiça, vige no Brasil o princípio da imparcialidade do juiz. Por muito tempo acreditou-se que imparcialidade era sinônimo de inatividade. Como se viu, às partes cabiam a produção de provas, restando ao juiz simplesmente apreciar as provas apresentadas. No entanto, esta concepção está ultrapassada, e hoje não restam dúvidas de que o juiz não pode ser um mero espectador.

O legislador, diante desta realidade, regulamenta no art. 130 do Código de Processo Civil:

“Art. 130. Caberá ao juiz, de ofício ou a requerimento da parte, determinar as provas necessárias à instrução do processo, indeferindo as diligências inúteis ou meramente protelatórias.”

Assim, o ordenamento jurídico brasileiro segue a linha dos países europeus ocidentais e dos países ocidentais deles derivados, para consagrar a iniciativa probatória do juiz como uma condição sine qua non da justiça no processo. A esse respeito, Theodoro Júnior assevera que “o juiz, no processo moderno, deixou de ser simples árbitro diante do duelo judiciário travado entre os litigantes e assumiu poderes de iniciativa para pesquisar a verdade real e bem instruir a causa” (2012, p. 444).

Como resultado de seu processo de evolução, o ordenamento jurídico hodierno entende que, acima do ônus da prova, prevalece o compromisso com a verdade real.

5- O PRINCÍPIO DA COOPERAÇÃO

Ainda no mesmo campo das razões que fundamentam o princípio da verdade real e fomentam o poder instrutório do juiz, surge o princípio da cooperação, que tem alcançado prestígio cada vez maior, uma vez que concede mais credibilidade ao Judiciário.

“Atualmente, prestigia-se no Direito estrangeiro – mais precisamente na Alemanha, Franca e em Portugal – e, já com algumas repercussões na doutrina brasileira o chamado princípio da cooperação, que orienta o magistrado a tomar uma posição de agente-colaborador do processo, de participante ativo do contraditório e não mais a de um mero fiscal de regras.” (DIDIER, 2006, p. 75)

Como se vê, há uma opinião uníssona no sentido de que o Judiciário consegue aproximar-se mais da verdade real somente com a participação ativa do juiz. O magistrado, portanto, não está mais limitado a julgar. Suas funções foram expandidas, e hoje a produção de provas deve ser encarada como uma de suas atribuições legais.

CONCLUSÃO

Como se pode observar, o ordenamento jurídico vigente amplia o valor dado à verdade real para a solução dos litígios. A sociedade não quer mais se prender às pseudossoluções traçadas pela verdade formal. Pelo contrário, a jornada percorrida em um processo judicial deve caminhar no sentido mais próximo da realidade.

Nesse mesmo sentido, a legislação pátria confere à figura do magistrado maior liberdade para questionar, instruir, inquirir. Em outras palavras, o julgador deixa de ser um elemento passivo e inerte da fase probatória do processo, e passa a ser um verdadeiro agente investigativo, senão o maior interessado no alcance da verdade real, enquanto administrador da justiça.

O princípio da imparcialidade não representa qualquer obstáculo para a atuação do juiz na fase de instrução. Pelo contrário, os princípios apontados tomam uma dimensão maior e indicam que a participação do julgador é essencial para a formação de um processo verdadeiramente democrático.

Em última análise, deve-se atentar para o fato de que os princípios da verdade real e da cooperação, bem como os demais dispositivos legais indicados incluem a coleta da verdade entre as funções inerentes ao cargo ocupado pelo juiz. Desta maneira, é possível dizer que a produção de provas não é uma faculdade, mas um dever do magistrado para com a sociedade.

 

Referências:
CINTRA, Antônio Carlos de Araújo, GRINOVER, Ada Pellegrini, DINAMARCO, Cândido Rangel, Teoria geral do processo. 22. ed. São Paulo : Malheiros, 2006.
DIDIER JR., Fredie. Revista de Processo. 2006. p. 75.
GRECO FILHO, Vicente. Direito processual civil brasileiro. vol. 2. 12. ed. São Paulo: Saraiva, 1997.
LORENZETTI, Ricardo Luis. Teoria da decisão judicial: fundamentos de direito. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010.
MONTEIRO, João. Programa do Curso de Processo Civil. 3 ed. São Paulo, 1912.
THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil. vol. 1. 53. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2012.

Informações Sobre o Autor

Samir Vaz Vieira Rocha

Advogado. Pós Graduando em Direito Tributário. Membro do Movimento OAB Jovem


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