A proteção constitucional ao idoso e a (i)legalidade do reajuste das mensalidades dos planos de saúde por mudança de faixa etária

Raony Rennan Feitosa de Menezes Gonçalves

Resumo: Este trabalho traz breves reflexões acerca da proteção legal conferida ao idoso no ordenamento jurídico brasileiro, analisando os direitos e prerrogativas conferidos a estes pela Constituição Federal de 1988, pelo Código Civil de 2002, pela Lei nº. 10.741/03, conhecida com Estatuto do Idoso, além de tratados internacionais ratificados pelo Brasil e de outros dispositivos legais infraconstitucionais, e busca identificar se há ou não permissivo legal que embase a majoração da mensalidade paga como contraprestação pelos serviços de plano de saúde por mudança de faixa etária, especialmente quando não há clara e inconfundível previsão contratual e os percentuais aplicados não são razoáveis, pois incompatíveis com a variação dos custos médico-hospitalares e afins, implicando na conclusão de utilização de percentuais aleatórios que, concretamente e sem base atuarial idônea, oneram excessivamente os idosos, implicando na conclusão de haver verdadeira discriminação por sua condição de idosos.

Palavras-chave: Idoso. Reajuste. Plano de Saúde. Relação de consumo. Proteção Constitucional.

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Abstract: This work brings brief reflections on the legal protection granted to the elderly in the Brazilian legal system, analyzing the rights and prerogatives conferred on them by the Federal Constitution of 1988, by the Civil Code of 2002, by Law no. 10,741 / 03, known as the Elderly Statute, in addition to international treaties ratified by Brazil and other infraconstitutional legal provisions, and seeks to identify whether or not there is a legal permissive that encapsulates the increase of the monthly payment paid as consideration by the health plan services by change especially when there is no clear and unmistakable contractual forecast and the percentages applied are unreasonable because they are incompatible with the variation in medical and hospital costs and the like, implying the conclusion of the use of random percentages that, concretely and without an adequate actuarial basis , excessively burdened the elderly, implying in the conclusion that there is true discrimination because of their status as elders.

Keywords: Seniors. Readjustment. Health Plan. Consumer relation. Constitutional Protection

 

Sumário: Introdução; 1. A proteção ao idoso no ordenamento jurídico brasileiro; 1.2. Na Constituição Federal de 1988; 1.3. No Estatuto do Idoso; 1.4. No Código de Defesa do Consumidor; 2. Análise Jurisprudencial; Conclusão; Referências.

 

Introdução

O tema objeto de estudo deste trabalho é atual e tem importância jurídica e social, pois com o aumento da expectativa de vida dos brasileiros de todas as classes sociais e regiões do país, tem-se registrado um crescente envelhecimento da sociedade. Essa nova organização social tem exigido dos legisladores e julgadores uma crescente modernização do direito pátrio para tutelar os direitos de uma parcela cada vez maior da população, os idosos, que demandam especial proteção, que lhes assegure não só uma morte digna, mas condições dignas de vida e integridade moral e psicológica, além da física, coibindo quaisquer formas de abandono, negligência e/ou abuso, em especial o financeiro, em respeito ao princípio da dignidade da pessoa humana, da manutenção de um mínimo existencial, e aos outros tantos princípios constitucionais.

Justifica-se, pois, este trabalho, além das razões acima expostas, pela necessidade de profunda análise acerca das profundas transformações experimentadas nas relações profissionais e comerciais envolvendo a crescente população idosa brasileira, desenvolvendo, ademais, uma cultura de prestação de serviço responsável, amparada na boa fé e no respeito ao idoso.

Diante dessa problemática, este trabalho teve como objetivos analisar, à luz dos princípios e normas constitucionais, do direito civil e da mais moderna jurisprudência pátria, a legalidade/possibilidade de majoração do valor da mensalidade paga como contraprestação pelos serviços de plano de saúde em razão da mudança de faixa etária, examinando a proteção entregue pelo ordenamento jurídico brasileiro ao idoso e os direitos que lhe são assegurados.

No que toca ao tipo de pesquisa, restou desenvolvida ampla pesquisa bibliográfica sobre o tema, por meio de artigos jurídicos, doutrina, revistas jurídicas, jurisprudência, normas constitucionais e infraconstitucionais.

Quanto ao método de análise, no presente trabalho, utilizou-se do método lógico-dedutivo, lastreando-se na construção e evolução doutrinária, jurisprudencial e normativa, para extrairmos uma conclusão acerca do tema proposto.

 

1 – A proteção ao idoso no ordenamento jurídico brasileiro

Nosso ordenamento jurídico comporta inúmeras leis que trazem em seu bojo políticas e medidas de proteção aos idosos. Todavia, é muito comum que pessoas e instituições desconheçam esses instrumentos de proteção, o que acaba por torná-los ineficazes.

Podemos citar como exemplo o antigo Código Civil (de 1916) e o Código Civil em vigor (de 2002), o Código Penal, a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), diversas leis previdenciárias, a Lei 8.842/94 (da Política Nacional do Idoso) e outras tantas.

Neste trabalho, no entanto, trataremos especialmente de três fontes normativas de proteção ao idoso, pois são, em verdade, os poços de onde se extraem inspiração e validade conferidas às garantias e instrumentos instituídos em favor dessa crescente fatia da população nacional: a Constituição Federal de 1988, o Estatuto do Idoso e o Código de Defesa do Consumidor.

1.1  – Na Constituição Federal de 1988

Ao longo de todo o texto constitucional de 1988 podemos identificar a previsão de inúmeras políticas e princípios de proteção ao idoso, bem como ferramentas de concreção dessas políticas.

Ainda que de forma genérica, a primeira proteção atribuída ao idoso pela Constituição Federal de 1988 está já em seu art. 1º, no rol dos fundamentos de nosso estado Democrático de Direito, onde legislador constitucional inseriu a cidadania e o princípio da dignidade da pessoa humana.

Diz o referido artigo:

“Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:

[…]

II – a cidadania

III – a dignidade da pessoa humana;

[…]”

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No que toca ao direito à cidadania, sua importância está em possibilitar ao idoso conservar a capacidade de analisar e compreender a realidade política e social, criticá-la e atuar sobre ela, interagindo com a sociedade, conservando sua integridade física, psíquica e moral, com o devido e necessário amparo e proteção. No entanto, importa muito mais destacar a importância da inclusão do princípio da dignidade da pessoa humana nesse rol, já que este mega princípio é, em verdade, o núcleo axiológico de todo o nosso ordenamento jurídico.

Sendo o mesmo um dos pilares do Estado democrático de direito, como se constitui a República Federativa o Brasil, seu estabelecimento no texto magno o faz ser o núcleo hermenêutico de toda a interpretação constitucional, posto que nesse modelo de Estado, é necessário interpretar o texto maior e as demais normas infraconstitucionais sempre o observando e o aplicando de maneira a respeitar e efetivar o sentido a ele dado pela Constituição Federal, qual seja, fundamento do estado brasileiro.

Leo Van Holthe (2010, p. 89) leciona que:

“Dos princípios fundamentais do Estado brasileiro contidos no art. 1º da Carta Magna, destaca-se o princípio da dignidade da pessoa humana como valor jurídico de maior hierarquia axiológica do nosso ordenamento constitucional (ao lado, apenas, do direito à vida)”.

Na seara dos direitos fundamentais, importa ainda destacar os princípios da igualdade e o direito ao trabalho, associação e convívio, e todas as demais garantias asseguradas pela Constituição aos brasileiros e estrangeiros, como o direito à vida, à saúde e à segurança.

Mas nem só de proposições genéricas é constituída a teia de proteção aos idosos delineada no texto Maior.

De início, é imprescindível citar o art. 206 da CF/88. Diz o referido artigo:

“Art. 230. A família, a sociedade e o Estado têm o dever de amparar as pessoas idosas, assegurando sua participação na comunidade, defendendo sua dignidade e bem-estar e garantindo-lhes o direito à vida.

  • 1º – Os programas de amparo aos idosos serão executados preferencialmente em seus lares.
  • 2º – Aos maiores de sessenta e cinco anos é garantida a gratuidade dos transportes coletivos urbanos”.

Deve-se observar, também, o artigo 229, que impõe aos filhos maiores o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade, a necessária preocupação com o idoso no que toca à individualização da pena, conforme artigo 5º, inciso XLVIII, devendo o mesmo cumpri-la em estabelecimento penal distinto.

A Constituição Federal estabeleceu, também, em seu art. 203, inc. I, especial proteção para o idoso que não contribui(u) para a previdência social, incluindo dentre os objetivos da assistência social, a proteção à velhice. A Constituição assegura, ainda, “um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei”, benefício esse que deve ser realizado com os recursos orçamentários da previdência social, conforme artigos 203, V, c/c 204.

É relevante lembrar-se da garantia constitucional de gratuidade no transporte público urbano, assegurada ao cidadão maior de 65 anos pelo art. 230, §2º, e que o maior de 70 anos exerce o voto facultativamente art. 14, §1º, inc. II, alínea “b”.

Destacamos, por fim, dois tratados internacionais que tratam da matéria e que, como vimos linhas atrás, quando tratarem de direitos humanos, são equivalentes às emendas constitucionais.

Consta do Pacto de San José da Costa Rica que:

“Artigo XXV

  1. Toda pessoa tem direito a um padrão de vida capaz de assegurar a si e a sua família saúde e bem estar, inclusive alimentação, vestuário, habitação, cuidados médicos e os serviços sociais indispensáveis, e direito à segurança em caso de desemprego, doença, invalidez, viuvez, velhice ou outros casos de perda dos meios de subsistência fora de seu controle”.

O Protocolo de San Salvador complementa essa proteção legal nestes termos:

 

“Artigo 17

Proteção de pessoas idosas

Toda pessoa tem direito à proteção especial na velhice. Nesse sentido, os Estados Partes comprometem‑se a adotar de maneira progressiva as medidas necessárias a fim de pôr em prática este direito e, especialmente, a:

  1. Proporcionar instalações adequadas, bem como alimentação e assistência médica especializada, às pessoas de idade avançada que careçam delas e não estejam em condições de provê-las por seus próprios meios;
  2. Executar programas trabalhistas específicos destinados a dar a pessoas idosas a possibilidade de realizar atividade produtiva adequada às suas capacidades, respeitando sua vocação ou desejos;
  3. Promover a formação de organizações sociais destinadas a melhorar a qualidade de vida das pessoas idosas”.

É inquestionável, pois, que no ordenamento jurídico inaugurado com a Constituição Federal de 1988, o idoso foi elevado à condição de sujeito pleno de direitos, carecedor e merecedor de ampla proteção estatal, amparando-se essa parcela da população com diversos instrumentos e políticas afirmativas de amparo, elevando-se seus interesses ao nível constitucional.

1.2  – No Estatuto do Idoso

Em 1994, foi aprovada a Lei nº. 8.842, que estabelecia a Política Nacional do Idoso e criava/regulamentava os direitos sociais dos idosos, buscando garantir autonomia, integração e participação efetiva, como instrumento de cidadania

Embora tenha oferecido importante contribuição para o cenário jurídico da proteção ao idoso, essa lei se mostrou pouco eficaz, pois lhe faltavam especificações mais detalhadas que contribuíssem para a criminalização da discriminação, do preconceito, do desprezo e da injúria suportadas pelo idoso, bem como no que tocava à publicidades preconceituosas e outras condutas ofensivas. A referida norma também enfrentava dificuldades em tipificar o abandono do idoso em hospitais, clínicas, asilos e outras entidades assistenciais, para garantir a punição de parentes dessas vítimas. Faltava-lhe, também, uma regulamentação criteriosa acerca do funcionamento dos asilos, que especificasse o que deveriam essas entidades disponibilizarem, bem como quem deveria fiscalizá-las, impondo punições para os infratores.

Diante desse vácuo jurídico e protetivo e do clamor da sociedade, que vem enfrentando um fenômeno constante de envelhecimento da população e que carece de uma legislação que se adeque a essa nova realidade, foi aprovada, em 2003, a Lei nº. 10.741, que dispõe sobre o Estatuto do Idoso e dá outras providências.

Nesse moderno diploma legal, encontramos preceitos que deveriam ser amplamente debatidos pela sociedade, pois revelam o caráter protetivo dos direitos fundamentais assegurados à essa crescente e importante parcela da população brasileira, cuja situação ainda é extremamente precária, em especial entre as camadas mais pobres da sociedade, nas mais diversas áreas, tais como aposentadoria, transportes ou mesmo meios básicos para sua sobrevivência digna, como moradia, saúde, lazer, educação, segurança, dentre outros tantos.

Em uma declaração amplamente divulgada pela imprensa nacional e estrangeira sobre o Estatuto do Idoso, o então Presidente da República, Luís Inácio Lula da Silva, assim se manifestou:

“Seus 118 (cento e dezoito) artigos formam um guarda-chuva de garantias legais que a sociedade devia aos seus idosos. A partir de agora, eles terão uma ampla proteção jurídica para usufruir direitos da civilização sem depender de favores, sem amargurar humilhações e sem pedir para existir. Simplesmente viver como deve ser a vida em uma sociedade civilizada: com muita dignidade. Mas para que tudo isso se materialize, é preciso que esse instrumento de cidadania tenha a adesão de toda a sociedade, porque só assim as inovações que ele traz – e as leis que ele regulamenta – irão se transformar, de fato, em direitos na vida dos nossos idosos”.

A fala do então presidente se revela ainda mais importante por conclamar toda a sociedade a integrar esse programa/projeto de proteção coletiva ao idoso, pois, como diz a Constituição Federal de 1988, a família é “a base da sociedade”, e sua participação nessa jornada é imprescindível para emprestar-lhe eficácia.

Em completa consonância com o texto constitucional, já em seu art. 2º, a Lei nº. 10.741/03 assevera que:

“O idoso goza de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral de que trata esta Lei, assegurando-se-lhe, por lei ou por outros meios, todas as oportunidades e facilidades, para preservação de sua saúde física e mental e seu aperfeiçoamento moral, intelectual, espiritual e social, em condições de liberdade e dignidade”.

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Em seu art. 3º, a referida lei, além de estabelecer a garantia de prioridade em favor dos idosos no que toca aos recursos e políticas públicas, cria uma obrigação solidária e inafastável entre a família, a comunidade, a sociedade e o Poder Público, e os conclama a “assegurar ao idoso, com absoluta prioridade, a efetivação do direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, à cultura, ao esporte, ao lazer, ao trabalho, à cidadania, à liberdade, à dignidade, ao respeito e à convivência familiar e comunitária”.

Nos capítulos I à X do Título II da Lei nº. 10.741/03, o legislador infraconstitucional elencou os direitos fundamentais do idoso, afirmando, já de início, no art. 8º, que “O envelhecimento é um direito personalíssimo e a sua proteção um direito social”.

Nos moldes da CF/88, o Estatuto do Idoso estabeleceu, além de uma série de direitos fundamentais, garantias de efetividade desses direitos. Destacamos: O atendimento preferencial em órgãos públicos e/ou privados que prestem serviços à comunidade, como bancos e Correios; Garantia de acesso à assistência social e aos serviços de saúde (eficiência no atendimento em hospitais públicos e particulares); O direito à pensão alimentícia, cuja obrigação de prestação é solidária entre os prestadores (filhos, netos e demais parentes) e que deverá ser custeada pelo Poder Público quando “o idoso ou seus familiares não possuírem condições econômicas de prover o seu sustento”; Estimulo às empresas privadas para a contratação de idoso; Transporte coletivo gratuito para os que maiores de 65 (sessenta e cinco) anos, entregando para os legisladores municipais a possibilidade de ampliação desse benefício para os maiores de 60 (sessenta anos); Prioridade na tramitação de processos judiciais ou administrativos; A vedação à discriminação ao idoso pelos planos de saúde com a cobrança de valores mais elevados em razão da idade; Atendimento preferencial no Sistema Único de Saúde – SUS; Normatização da obrigação de todo cidadão comunicar qualquer tipo de violação que o idoso vier a sofrer às autoridades competentes; (k) Prioridade nos programas habitacionais, sendo-lhes reservados 3% (três por cento) das unidades.

Nos artigos 43 a 45, estão elencadas as medidas de proteção ao idoso. Da leitura desses artigos, fica clara a finalidade social dessas medidas, que buscam à conservação dos laços do idoso com seus familiares e sua comunidade. Neste tópico, merece destaque a responsabilidade do Ministério Público pela aplicação e fiscalização dessas medidas.

No Título IV – arts. 46 a 68 do Estatuto, o legislador tratou da política e das entidades de atendimento ao idoso, que são essenciais para o cumprimento eficaz dos benefícios legalmente concedidos aos idosos e que serão fiscalizadas pelos Conselhos do Idoso, Ministério Público, Vigilância Sanitária e outras entidades previstas em lei.

O Título V trata do acesso do idoso à justiça, da proteção judicial dos seus interesses difusos, coletivos e individuais indisponíveis ou homogêneos e da competência do Ministério Público como seu representante e fiscal/aplicador da lei nas causas em que idosos figurem nos polos ativo ou passivo.

O Estatuto do Idoso traz em seu Título VI disposições acerca da tutela penal ao idoso, trazendo, ainda, um rol de crimes em espécie, além dos já previstos em outros diplomas.

No que toca especificamente ao tema objeto deste artigo, o Estatuto do Idoso (Lei nº. 10.741, de 1º de outubro de 2013), por seu turno, traz a seguinte determinação:

“Art. 15. É assegurada a atenção integral à saúde do idoso, por intermédio do Sistema Único de Saúde – SUS, garantindo-lhe o acesso universal e igualitário, em conjunto articulado e contínuo das ações e serviços, para a prevenção, promoção, proteção e recuperação da saúde, incluindo a atenção especial às doenças que afetam preferencialmente os idosos.

[…]

  • 3º É vedada a discriminação do idoso nos planos de saúde pela cobrança de valores diferenciados em razão da idade”.

É imprescindível, entretanto, que esse dispositivo seja analisado e aplicado conjuntamente com o disposto na Lei nº 9.656, de 3 de junho de 1998, que em seu art. 15 assim dispõe:

“Art. 15.  A variação das contraprestações pecuniárias estabelecidas nos contratos de produtos de que tratam o inciso I e o § 1º do art. 1º desta Lei, em razão da idade do consumidor, somente poderá ocorrer caso estejam previstas no contrato inicial as faixas etárias e os percentuais de reajustes incidentes em cada uma delas, conforme normas expedidas pela ANS, ressalvado o disposto no art. 35-E.

“Parágrafo único.  É vedada a variação a que alude o caput para consumidores com mais de sessenta anos de idade, que participarem dos produtos de que tratam o inciso I e o § 1º do art. 1º, ou sucessores, há mais de dez anos”.

Diante de todo o exposto, é possível afirmar sem receio que a aprovação do Estatuto do Idoso representou uma mudança de paradigma, pois ampliou sobremaneira o sistema protetivo dessa grande e crescente parcela da sociedade, caracterizando verdadeira ação afirmativa em prol da efetivação da igualdade material, semelhante às medidas aprovadas em favor das mulheres, das crianças e adolescentes, dos negros e dos índios.

1.3  – No Código de Defesa do Consumidor.

Há que se reconhecer que, ao contratar um plano de saúde comum, o beneficiário passa a gozar, na condição de destinatário final, de uma série de serviços, ao passo em que nasce para a operadora do plano de saúde a obrigação de prestar uma ampla diversidade de serviços.

A relação estabelecida entre Beneficiário e Plano de Saúde é, portanto, inequivocamente, uma relação tipicamente consumerista, visto que o Contratante/Beneficiário é destinatário final dos serviços prestados pelas operadoras desses planos. De tal maneira, resta plenamente aplicável o Código de Defesa do Consumidor ao presente caso.

Para aclarar o acima exposto, cumpre-nos demonstrar com amparo na legislação de regência o enquadramento do Contratante/Beneficiário como consumidor e das Operadoras/Planos de Saúde como fornecedores de serviços.

Para tanto, é imprescindível trazer à baila o teor do art. 2º e seu Parágrafo Único, do CDC, através do qual o legislador infraconstitucional brasileiro conceituou a figura do consumidor da seguinte forma:

“Art. 2° Consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final.

Parágrafo único. Equipara-se a consumidor a coletividade de pessoas, ainda que indetermináveis, que haja intervindo nas relações de consumo”.

Então, sendo o Contratante/Beneficiário destinatário final dos serviços oferecidos pelas Operadoras/Planos de Saúde, não há dúvida de que deve ser considerado como consumidor.

No tocante às Operadoras/Planos de Saúde, podemos defini-las como fornecedoras de produtos e serviços, nos termos do art. 3º também do CDC.

Vejamos:

“Art. 3° Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividade de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços”.

Foi com amparo nessas premissas, oriundas de um novo arranjo social onde a dignidade, a honra, a vergonha, a integridade moral e o crédito dos indivíduos tornaram-se características consideradas essenciais da personalidade em uma sociedade capitalista, de consumo e informatizada, seja de pessoa física ou jurídica, elevados mesmo à condição de direito fundamental e inerente à qualidade de ser humano, que, ao traçar os princípios e objetivos da Política Nacional de Consumo, com as normas insertas no Capítulo II, art. 4º e seus incisos, do CDC, o legislador pátrio reconheceu a vulnerabilidade do consumidor no mercado de consumo (art. 4º, I), instigando, além disso, a coibição e repressão de todos os abusos praticados no mercado de consumo […] (, art. 4º, VI, primeira parte). Sem grifos no original.

A legislação consumerista também consagrou vários direitos ao consumidor, elevando-os à categoria de direitos básicos ou fundamentais, dentre os quais devemos citar a efetiva prevenção e reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos e difusos (Cap. III, art. 6º, VI), o acesso aos órgãos judiciários e administrativos, com vistas à prevenção ou reparação de danos patrimoniais e morais, individuais (art. 6º, VII, primeira parte), e a facilitação da defesa de seus direitos, inclusive com a inversão do ônus da prova, a seu favor, no processo civil, quando no processo civil for verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de experiência (art. 6º, VIII).  Sem grifos no original.

Mesmo diante de tão claras disposições legais, havia questionamentos perante o Poder Judiciário acerca da aplicação das disposições do CDC às relações entre beneficiários e planos de saúde, de maneira que, com lastro nessas disposições, os tribunais brasileiros avançaram proferindo decisões que reconheciam a aplicação desse diploma às relações mencionadas, entendimento esse consolidado pelo egrégio Superior Tribunal de Justiça – STJ, que editou a súmula 469, que tinha o seguinte conteúdo:

“Aplica-se o Código de Defesa do Consumidor aos contratos de plano de saúde”.

Com a evolução dessas relações e a adequação do entendimento do STJ, a mencionada súmula restou superada, substituída pela Súmula 608, que tem o seguinte teor:

“Aplica-se o Código de Defesa do Consumidor aos contratos de plano de saúde, salvo os administrados por entidades de autogestão”.

A diferenciação entre planos de saúde comuns e os administrados por entidades de autogestão restou suficientemente explicada no Informativo de jurisprudência STJ 588, de agosto de 2016, a seguir transcrito:

“DIREITO CIVIL E DO CONSUMIDOR. DESCLASSIFICAÇÃO DE OPERADORA DE PLANO DE SAÚDE DE AUTOGESTÃO COMO FORNECEDORA.
Não se aplica o CDC às relações existentes entre operadoras de planos de saúde constituídas sob a modalidade de autogestão e seus filiados, na hipótese em que firmado contrato de cobertura médico-hospitalar. A jurisprudência do STJ, até o presente momento, vem externando o entendimento de que as normas do CDC regulam as relações existentes entre filiados e operadoras de planos de saúde, ainda que estas se constituam na forma de autogestão, sem fins lucrativos, uma vez que a relação de consumo se caracterizaria pelo objeto contratado, ou seja, a cobertura médico-hospitalar (REsp 519.310-SP, Terceira Turma, DJ 24/5/2004). Acontece que, após recente julgamento realizado pela Segunda Seção (REsp 1.536.786-MG, DJe 20/10/2015), em que foi analisada questão de certo modo assemelhada, consistente na incidência das mesmas regras do CDC às relações envolvendo entidades de previdência privada fechadas, os aspectos lá considerados para o afastamento da legislação consumerista mostram-se de aplicação pertinente ao caso de entidades que administrem plano de saúde de autogestão, tendo em vista a coincidência de características entre as entidades, reclamando a necessidade de renovação da discussão da matéria, sempre no intuito do aperfeiçoamento da jurisprudência. Com efeito, os planos de autogestão são assim denominados dada a opção feita pela empresa empregadora em assumir a responsabilidade pela gestão e pelo fornecimento de serviços de assistência médico-hospitalar, seja por meio de rede própria seja por meio de convênios ou quaisquer tipos de associação com as empresas que fornecerão, de fato, o serviço. À luz da Lei n. 9.656/1998, é possível afirmar que, apesar de serem reguladas pela mesma norma das operadoras comerciais, há, em relação a pessoas jurídicas que mantêm sistemas de assistência à saúde pela modalidade de autogestão, diferenças de tratamento, e uma das mais significativas diz respeito à inexigibilidade para as últimas entidades de oferecimento de plano-referência, indispensável para a constituição das pessoas jurídicas que não operam nesta modalidade. De certo, o objetivo perseguido pela lei por ocasião da criação do plano-referência foi tornar óbvias as obrigações das operadoras e, na mesma linha, as cláusulas de exclusão de cobertura, para que o contrato firmado não se mostrasse iníquo para o consumidor, principalmente no momento em que necessitasse da assistência do plano. A exclusão das operadoras de autogestão da obrigatoriedade do oferecimento do plano-referência justifica-se na própria razão de ser do modelo. É que, pensado para garantir o mínimo ao usuário, o plano-referência também representa forma de incremento na competição entre as operadoras, uma vez que, por serem praticamente idênticos os serviços disponibilizados, diferente apenas o preço, a escolha do consumidor é facilitada, sendo realizada por meio de simples comparação. Na linha desse raciocínio, como as entidades de autogestão não podem oferecer seus planos no mercado de consumo sob pena de total descaraterização da modalidade, não faz sentido, para essas pessoas jurídicas, a exigência desse mínimo. A doutrina que comenta o CDC vê, nessa particularidade, razão bastante para que o diploma consumerista não seja aplicado às relações constituídas com as operadoras de autogestão. Noutro ponto, ainda para afastar a incidência do CDC das relações com as autogestoras, doutrina assinala que, mesmo havendo retribuição dos serviços prestados por meio de remuneração, isso não parece suficiente para mudar o entendimento até aqui afirmado. Assim, há diferenças sensíveis e marcantes entre as diversas modalidades de operadoras de plano de saúde. Embora todas celebrem contratos cujo objeto é a assistência privada à saúde, apenas as comerciais operam em regime de mercado, podendo auferir lucro das contribuições vertidas pelos participantes (proveito econômico), não havendo nenhuma imposição legal de participação na gestão dos planos de benefícios ou da própria entidade. Anote-se, ademais, que, assim como ocorre nos casos de entidades de previdência privada fechada, os valores alocados ao fundo comum obtidos nas entidades de autogestão pertencem aos participantes e beneficiários do plano, existindo explícito mecanismo de solidariedade, de modo que todo excedente do fundo de pensão é aproveitado em favor de seus próprios integrantes. Portanto, as regras do Código Consumerista, mesmo em situações que não sejam regulamentadas pela legislação especial, não se aplicam às relações envolvendo entidades de planos de saúde constituídas sob a modalidade de autogestão. Assim, o ‘tratamento legal a ser dado na relação jurídica entre os associados e os planos de saúde de autogestão, os chamados planos fechados, não pode ser o mesmo dos planos comuns, sob pena de se criar prejuízos e desequilíbrios que, se não inviabilizarem a instituição, acabarão elevando o ônus dos demais associados, desrespeitando normas e regulamentos que eles próprios criaram para que o plano se viabilize. Aqueles que seguem e respeitam as normas do plano arcarão com o prejuízo, pois a fonte de receita é a contribuição dos associados acrescida da patronal ou da instituidora’ (REsp 1.121.067-PR, Terceira Turma, DJe 3/2/2012)”. (REsp 1.285.483-PB, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 22/6/2016, DJe 16/8/2016)”.

Nessa senda, aplicáveis as disposições do Código de Defesa do Consumidor à relação estabelecida entre beneficiário e plano de saúde comum, não se pode ignorar a proteção concedida ao beneficiário/consumidor pela legislação consumerista, que diz serem nulas de pleno direito às cláusulas que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, vedando, ainda, o estabelecimento de obrigações abusivas, nos termos do Art. 51 do CDC.

 

2      – Análise Jurisprudencial

São fartos os precedentes jurisprudenciais dos Tribunal de Justiça Brasileiros que corroboram o até aqui exposto, conforme visto abaixo:

“AGRAVO INTERNO NA APELAÇÃO CÍVEL. PLANO DE SAÚDE. REAJUSTE.  O art. 15, parágrafo única da lei nº 9.656/1998 e do art. 15, §3º da lei nº 10.741/2003 que veda “a discriminação do idoso nos planos de saúde pela cobrança de valores diferenciados em razão da idade”. Desta maneira, não há direito da contratada em onerar pessoas idosas com reajustes que superem os dos demais contratantes. O magistrado a quo agiu acertadamente ao declarar a abusividade de cláusula contratual, não devendo incidir o reajuste por faixa etária, mas tão somente o anual determinado pela ANS, fazendo-se mister a devolução da quantia paga a maior pelo contratante, durante todo o período reclamado. Estando a cobrança baseada no contrato, não se há falar em restituição em dobro, assim, cabe a restituição, na forma simples, dos valores cobrados a maior, corrigidos pela tabela do ENCOGE desde o desembolso (e não da publicação da decisão, consoante fixou o juiz de piso) e acrescidos de juros legais de 1% ao mês desde a citação. (Agravo 405111-60179832-25.2012.8.17.0001, Rel. Alberto Nogueira Virgínio, 2ª Câmara Cível, julgado em 19/09/2018, DJe 04/10/2018)”.

“APELAÇÃO CÍVEL. PLANO DE SAÚDE. REAJUSTE. ABUSIVIDADE CARACTERIZADA. DANO MORAL DEVIDO. Quando a prova documental é suficiente para o julgamento antecipado da lide não há que se falar em cerceamento de defesa. Da leitura da documentação apresentada pelo plano recorrente, não se infere dados concretos acerca da aplicabilidade dos percentuais de reajuste no período reclamado por mudança de faixa etária. O percentual de reajuste de mensalidade em percentual exorbitante, quedando-se ao puro arbítrio da seguradora, deve ser repudiado e taxado como abusivo. O aumento da última faixa etária do plano foi de 131,59% (cento e trinta e um vírgula cinquenta e nove por cento), revelando-se um aumento desproporcional e desarrazoado em relação aos reajustes anteriores de 3,95 % (três virgula noventa e cinco por cento) e 1,59% (um virgula cinquenta e nove por cento), fato que fere claramente o princípio da boa-fé contratual e implica em dificuldade real financeira para a segurada continuar associada ao plano. (Apelação 407223-90001178-16.2012.8.17.0001, Rel. Alberto Nogueira Virgínio, 2ª Câmara Cível, julgado em 04/07/2018, DJe 08/08/2018)”.

A Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça, por seu turno, em julgamento de recurso repetitivo (Tema 952), ao analisar o Resp nº 1568244/RJ, de Relatoria do Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, proferiu a seguinte decisão acerca dessa matéria:

“[…] PLANO DE SAÚDE. MODALIDADE INDIVIDUAL OU FAMILIAR.  CLÁUSULA DE REAJUSTE DE MENSALIDADE POR MUDANÇA DE FAIXA ETÁRIA.  LEGALIDADE. ÚLTIMO GRUPO DE RISCO. PERCENTUAL DE REAJUSTE. DEFINIÇÃO DE PARÂMETROS. […] 1. A variação das contraprestações pecuniárias dos planos privados de assistência à saúde em razão da idade do usuário deverá estar prevista no contrato, de forma clara, bem como todos os grupos etários e os percentuais de reajuste correspondentes, sob pena de não ser aplicada (arts. 15, caput, e 16, IV, da Lei nº 9.656/1998). 2. A cláusula de aumento de mensalidade de plano de saúde conforme a mudança de faixa etária do beneficiário encontra fundamento no mutualismo (regime de repartição simples) e na solidariedade intergeracional, além de ser regra atuarial e asseguradora de riscos. 3. Os gastos de tratamento médico-hospitalar de pessoas idosas são geralmente mais altos do que os de pessoas mais jovens, isto é, o risco assistencial varia consideravelmente em função da idade. Com vistas a obter maior equilíbrio financeiro ao plano de saúde, foram estabelecidos preços fracionados em grupos etários a fim de que tanto os jovens quanto os de idade mais avançada paguem um valor compatível com os seus perfis de utilização dos serviços de atenção à saúde. 4. Para que as contraprestações financeiras dos idosos não ficassem extremamente dispendiosas, o ordenamento jurídico pátrio acolheu o princípio da solidariedade intergeracional, a forçar que os de mais tenra idade suportassem parte dos custos gerados pelos mais velhos, originando, assim, subsídios cruzados (mecanismo do community rating modificado). 5. As mensalidades dos mais jovens, apesar de proporcionalmente mais caras, não podem ser majoradas demasiadamente, sob pena de o negócio perder a atratividade para eles, o que colocaria em colapso todo o sistema de saúde suplementar em virtude do fenômeno da seleção adversa (ou antisseleção). 6.  A norma do art. 15, § 3º, da Lei nº 10.741/2003, que veda “a discriminação do idoso nos planos de saúde pela cobrança de valores diferenciados em razão  da  idade”,  apenas  inibe  o reajuste que consubstanciar  discriminação  desproporcional  ao  idoso,  ou seja, aquele sem pertinência alguma com o incremento do risco assistencial acobertado pelo contrato. 7.  Para evitar abusividades (Súmula nº 469/STJ) nos reajustes das contraprestações  pecuniárias dos planos de saúde, alguns parâmetros devem  ser observados, tais como (i) a expressa previsão contratual; (ii)  não  serem  aplicados  índices  de  reajuste  desarrazoados ou aleatórios,  que  onerem  em  demasia  o  consumidor,  em  manifesto confronto  com a equidade e as cláusulas gerais da boa-fé objetiva e da especial  proteção  ao  idoso,  dado que aumentos excessivamente elevados,  sobretudo para  esta última categoria, poderão, de forma discriminatória,  impossibilitar a sua permanência no plano; e (iii) respeito  às  normas  expedidas  pelos  órgãos governamentais: a) No tocante aos contratos antigos e não adaptados, isto é, aos seguros e planos  de  saúde  firmados  antes  da  entrada  em  vigor da Lei nº 9.656/1998,  deve-se  seguir  o que consta no contrato, respeitadas, quanto  à  abusividade  dos  percentuais  de  aumento,  as normas da legislação  consumerista e, quanto à validade formal da cláusula, as  diretrizes da Súmula Normativa nº 3/2001 da ANS. b). Em se tratando de contrato (novo) firmado ou adaptado entre 2/1/1999 e 31/12/2003, deverão ser cumpridas as regras constantes na Resolução CONSU nº 6/1998, a qual determina a observância de 7 (sete) faixas etárias e do limite de variação entre a primeira e a última (o reajuste dos maiores de 70 anos não poderá ser superior a 6 (seis) vezes o previsto para os usuários entre 0 e 17 anos), não podendo  também  a  variação  de  valor na contraprestação atingir o usuário idoso vinculado ao plano ou seguro saúde há mais de 10 (dez) anos. c) Para os contratos (novos) firmados a partir de 1º/1/2004, incidem as regras da RN nº 63/2003 da ANS, que prescreve a observância (i) de 10 (dez) faixas etárias, a última aos 59 anos; (ii) do valor fixado para a última faixa etária não poder ser superior a 6 (seis) vezes  o  previsto  para  a  primeira; e (iii) da variação acumulada entre  a  sétima  e  décima faixas não poder ser superior à variação cumulada entre a primeira e sétima faixas. 8. A abusividade dos aumentos das mensalidades de plano de saúde por inserção do usuário em nova faixa de risco, sobretudo de participantes idosos, deverá ser aferida em cada caso concreto. Tal reajuste será adequado e razoável sempre que o percentual de majoração for justificado atuarialmente, a permitir a continuidade contratual tanto de jovens quanto de idosos, bem como a sobrevivência  do  próprio  fundo  mútuo  e  da  operadora, que visa comumente  o  lucro,  o  qual  não pode ser predatório, haja vista a natureza da atividade econômica explorada: serviço público impróprio ou atividade  privada  regulamentada,  complementar,  no  caso,  ao Serviço Único de Saúde (SUS), de responsabilidade do Estado. 9.  Se for reconhecida a abusividade do aumento praticado pela operadora de plano de saúde em virtude da alteração de faixa etária do usuário, para não haver desequilíbrio contratual, faz-se necessária, nos termos do art.  51,  § 2º, do CDC, a apuração de percentual  adequado e  razoável  de  majoração  da  mensalidade em virtude  da  inserção  do  consumidor  na nova faixa de risco, o que deverá  ser  feito  por  meio  de  cálculos  atuariais  na  fase  de cumprimento de sentença. 10.  TESE para  os  fins  do  art. 1.040 do CPC/2015: O reajuste de mensalidade  de  plano  de  saúde  individual ou familiar fundado na mudança  de faixa etária do beneficiário é válido desde que (i) haja previsão contratual, (ii) sejam observadas as normas expedidas pelos órgãos  governamentais reguladores e (iii) não sejam aplicados percentuais  desarrazoados  ou  aleatórios  que, concretamente e sem base   atuarial   idônea,  onerem  excessivamente  o  consumidor  ou discriminem o idoso. […] (REsp 1568244 RJ, Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 14/12/2016, DJe 19/12/2016)”.

Firmou-se, como visto, a seguinte tese:

“O reajuste de mensalidade de plano de saúde individual ou familiar fundado na mudança de faixa etária do beneficiário é válido desde que (i) haja previsão contratual, (ii) sejam observadas as normas expedidas pelos órgãos governamentais reguladores e (iii) não sejam aplicados percentuais desarrazoados ou aleatórios que, concretamente e sem base atuarial idônea, onerem excessivamente o consumidor ou discriminem o idoso”.

Decidiu-se, pois, pela legitimidade dos reajustes de mensalidade dos planos de saúde conforme a faixa etária do usuário, mas somente se houver clara e inconfundível previsão contratual e se os percentuais forem razoáveis, além, é claro, da necessidade de observância das normas expedidas pelos órgãos e agências reguladores.

É indispensável, ademais, que os índices e percentuais de reajuste do valor das mensalidades, valores esses definidos unilateralmente pelas operadoras de planos de saúde, estejam devidamente atrelados à variação dos custos médico-hospitalares e afins e sejam estabelecidos com base atuarial idônea, vedada por absoluto a utilização de percentual aleatório, atrelado tão somente à expectativa de lucro dos prestadores de serviços.

 

Conclusão

Diante de tudo o que foi possível constatar e objetivamente demonstrar neste artigo, podemos concluir que a Constituição Federal de 1988 trouxe para nosso ordenamento jurídico e para toda a sociedade inúmeras e profundas mudanças, mudanças essas de especial relevo para o Direito das Minorias e dos Grupos Vulneráveis, que vêm experimentando uma constante reformulação em seus conceitos, estruturas e institutos.

A elevação do princípio da dignidade da pessoa humana à condição de fundamento do Estado Democrático de Direito e núcleo axiológico de todo o ordenamento jurídico brasileiro, causou uma revolução sem precedentes na tutela dos direitos das minorias e dos mais vulneráveis grupos sociais, pois influenciou toda a produção normativa infraconstitucional, que ao ser interpretada à luz dos princípios constitucionais, garantiu prioridade à proteção dos direitos fundamentais desses indivíduos.

Diante desse novo cenário jurídico e no contexto social de nosso país, o idoso alcançou posição de destaque no rol dos grupos e classes alvos das políticas públicas protetivas. O idoso, por muito tempo relegado ao segundo plano no ambiente familiar e social, tornou-se sujeito de direito, com especial proteção normativa, assim como mulheres e crianças.

Os inúmeros casos de maus-tratos, abandono, abusos e golpes contra idosos, levaram nossos legisladores à criação de um novo diploma normativo, chamado de Estatuto do Idoso, que incorporou elementos de nossa Constituição Federal, bem como de tratados internacionais sobre direitos humanos e de nossa vasta legislação infraconstitucional, elevando o envelhecimento ao status de direito personalíssimo e a sua proteção à condição de direito social.

Esse Estatuto previu, além de direitos e garantias asseguradas aos idosos, uma série de medidas que buscam proteger o idoso, bem como punir quem o maltrata física, psicológica e/ou financeiramente, representando uma mudança de paradigma e ampliando o sistema protetivo dessa grande e crescente parcela da sociedade, constituindo uma verdadeira ação afirmativa em prol da efetivação da igualdade material.

É evidente a conduta ilícita e lesiva das operadoras de planos de saúde ao impor reajuste sem amparo contratual ou legal, em percentual exorbitante, sem cercar-se das cautelas necessárias para garantir a prestação de serviços seguros, pois, ao alterarem unilateralmente as cláusulas do contrato, incorrem em prática comercial desleal, ignorando a legislação aplicável, a mais moderna jurisprudência pátria e a ausência de previsão contratual que embase eventual aumento.

Deveriam as operadoras de planos de saúde, enquanto prestadoras de serviço, zelar pelo conforto e segurança de seus clientes/beneficiários, especialmente os idosos, pela prestação de um serviço adequado, agindo com zelo, diligência e respeito às pessoas e às leis de nosso país. No entanto, o que se vê é o uso indiscriminado de técnicas e procedimentos que visam obter somente lucro, sem importar-se com os consumidores.

Assoma-se sobre o Poder Judiciário uma onda gigantesca de processos judiciais contra operadoras de planos de saúde, que, ao arrepio da lei, imputam ao consumidor cobranças indevidas e abusivas, alterando unilateralmente as cláusulas do contrato somente para impor condições insustentáveis, recusando-se insistente e propositadamente a solucionar as controvérsias que lhes são apresentadas por consumidores enganados, abusados e que se veem sem outra solução que não seja buscar uma resposta pelos meios judiciais, diante da inércia e da inépcia dessas empresas.

Isso só se agrava quando consideramos que a conduta equivocada, desarrazoada e ilícita perpetrada pelas operadoras de planos de saúde podem ensejar um forte abalo no orçamento do consumidor idoso e de sua família, impondo-lhes severas restrições financeiras, incidindo pesada e negativamente sobre as condições e padrão de vida dos idosos, já tão fragilizados pelos crescentes custos com sua manutenção na velhice.

Não havendo, como plenamente demonstrado ao longo de toda esta análise, previsão contratual clara e objetiva acerca dos índices e percentuais de reajuste do valor do prêmio mensal, valores esses definidos unilateralmente pelas operadoras de planos de saúde, tampouco demonstração cabal da adequação do percentual aplicado no caso concreto, não restando demonstrada a variação dos custos médico-hospitalares e afins, conclui-se pela utilização de percentual aleatório que, concretamente e sem base atuarial idônea, onera excessivamente o idoso consumidor e o discrimina por sua condição de idoso, conduta ilícita e que fere de morte princípios caros ao estado democrático de direito e às garantias fundamentais insculpidas na Carta Magna.

 

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