A questão as intervenções humanitárias diante da nova ordem internacional

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Resumo: Em meio às intempéries do complexo de relacionamentos internacionais, principalmente após o alvorecer da globalização e da nova ordem mundial, é comum que haja lacunas em meio ao tratamento recíproco dos Estados estrangeiros. Essa questão aufere valor ainda mais importante quando põe em jogo os direitos essenciais intrínsecos a cada ser humano. As intervenções humanitárias incidentes sobre Estados desatentos à dignidade humana surgem voltadas à superação deste dilema internacional. Contudo, as ações intervencionistas têm descartado sua ideia primordial, à medida que encobrem interesses mercantilistas, consagrando-se num verdadeiro tabu para a lógica das interligações político-sociais. Quais os aspectos do intervencionismo num cenário marcado por incessantes mudanças de opinião, onde a derrocada dos Estados cede espaço ao brilhantismo dos direitos atrelados aos indivíduos? A solução desta dialética parece derivar da dosimetria real dos sentimentos por trás dos esforços depositados, uma vez que a indignação contra injustiças generalizadas pauta todo manifesto humanitário.


Palavras-chave: Direito Internacional. Direitos humanos. Soberania. Intervenções humanitárias.


Abstract: Among the storms of complex international relationships, especially after the dawn of globalization and new world order, it is common that there are gaps in the middle of the reciprocal treatment of foreign states. This question receives value even more important when put into play the essential rights inherent to every human being. Humanitarian interventions imposed on inattentive States to human dignity are an alternative to practice this international aim. However, interventionist actions have discarded their primary idea, as they have hid mercantilist interests, becoming to a real taboo to the political logic and social interconnections. Which aspects of the interventionism in a setting marked by incessant changes of opinion, where the collapse of states gives way to the brilliance of the rights linked to individuals? The solution seems to derive as many dialectical real dosimetry feelings behind the effort deposited, since the widespread indignation against injustice manifest all humanitarian staff.


Keywords: International Law. Human rights. Sovereignty. Humanitarian interventions.



Sumário: Introdução. 1. O mininum das garantias do homem: direitos humanos. 1.1 noções básicas de direitos humanos. 1.2 evolução histórica. 1.3 a declaração universal dos direitos humanos de 1948. 1.4 características, gerações e sistemas de proteção. 1.5 processo de internacionalização. 1.6 perspectivas. 1.7 direitos humanos como objeto de intervenções. 2 soberania: uma regalia do povo para o estado. 2.1 reflexões preliminares. 2.2 titularidade do poder soberano. 2.3 correntes fundamentais. 2.4 soberania e globalização. 2.5 limitação da soberania estatal. 3 intervenções humanitárias: os fins justificam os meios?. 3.1 o direito de intervir. 3.2 cooperação internacional. 3.3 paradigmas do intervencionismo: globalismo e realismo. 3.4 o papel da onu e do seu conselho de segurança. 3.5 a relação intervencionista. 3.5.1 pólos da relação. 3.5.2 legitimidade. 3.5.3 situações de emergência humanitária. 3.5.4 procedimento. 3.6 ocorrências de intervenções humanitárias. 3.6.1 o caso de ruanda. 3.6.2 o caso de kosovo. 3.6.3 o caso do timor leste. 3.6.4 o caso da somália. 3.6.5 o recente caso da líbia. Considerações finais. Referências bibliográficas.

Introdução


Desde sua origem, o homem não teria sido o personagem desbravador do mundo em que vive sem a série de ações contínuas que o levaram a tanto. Sua completa inércia significaria não só a ausência de uma interação, de uma sociedade e de todas as suas formas de cultura, mas também a extinção da própria espécie. Como se arquiteta um homem? Através do seu complexo de atividades incessantes, que modificam o habitat e que delineiam paulatinamente a escrita da história.


O comportamento humano vem determinado por valores auferidos em meio ao contexto exterior. Cada ação é lapidada conforme os anseios, os interesses, as necessidades de cada ser. A justiça, matéria-prima de toda labuta do Direito, adentra nesse foco como um dos valores cruciais à harmônica convivência interpessoal dos homens.


 Sob a égide do preceito suum cuique tribuere[1], vêm à tona a concepção tradicional de justiça, sistematicamente arraigada em amplos setores da sociedade hodierna. O justo é visto como algo benéfico que se coaduna com o equilíbrio social e deve ser considerado como um ideal a ser seguido por todos. Este pensamento já está fincado sobre a racionalidade dos povos, sendo tomado, a certo ponto, como um modelo erga omnes. A virtude da justiça impõe-se como padrão elementar para o relacionamento cordial num plano onde despontam as mais instáveis emoções. Orientado por vetores éticos e morais, todo homem deve ordenar sua linha comportamental de acordo com os ditames da justiça. Muitas vezes, os homens abdicam de condutas naturais em prol dos valores que são atribuídos aos seus atos.


Assim, torna-se inerente ao homem a aversão a situações em que se sobressaia alguma forma de injustiça. Diante do espectro do injusto, o indivíduo racional, detentor dos valores supracitados, é tomado por um sentimento de repulsa ou de indignação, manifestando-se contrário a tal prática. Esta é uma reação normal e típica de qualquer um, é uma manifestação previsível dentro dos patamares da normalidade.


Ademais, essa questão ganha relevante proporção, quando a injustiça praticada equivale a uma ofensa a direitos fundamentais à existência do indivíduo, popularmente conhecidos estes como direitos humanos (DHs), direitos essenciais ou direitos dos homens. As atividades prejudiciais à estabilidade de direitos humanos viram alvo do repúdio da sociedade, que move mecanismos apropriados para a sua devida expurgação. Os direitos humanos recebem essa especial proteção em razão da extrema necessidade deles para a sobrevivência e a perpetuação do homem. Condicionam-se a prerrogativas atreladas à espécie, estipuladas pela dogmática jusnaturalista. Mister se faz recordar que esses direitos escapam às antigas concepções e partem para uma visualização mais ampla e geral.


Vislumbra-se aqui a universalidade dos direitos humanos, fator que retrata a sua realidade nos dias de hoje e que será mais abordado adiante.


O que se fazer ante uma injusta agressão aos direitos humanos de outrem? Dentro da lógica, seria preciso intervir sobre o fato a fim de sanear o problema. Para tanto, valer-se-ia de meios apropriados para cessar a injustiça, como forma eficaz destinada a manter o equilíbrio dos direitos fundamentais. A imediata intervenção, dessa maneira, é tida como instrumento hábil para a satisfação do impasse, pois quando se impede diretamente a continuidade da ofensa, não só se tutela os direitos básicos ao ser humano como também se evita a propagação da injustiça.


A política de intervenção para combater injustiças aos direitos humanos vem constantemente sendo adotada como prática da comunidade internacional. A proteção aos direitos naturais consolida uma preocupação comum a todos no âmbito universal, engajando tanto entes individuais como Estados Nacionais na empreitada humanitária.


Eis aqui o foco principal deste labor científico: o tratamento das intervenções humanitárias na atualidade, sobretudo com ênfase aos seus aspectos sociais, históricos e jurídicos. Assim, o intento maior desse estudo é explanar os dados sobre a legalidade dos movimentos intervencionistas, junto com os fundamentos teóricos e as recentes tendências acerca do tema. É cabível salientar, ainda sobre esse esquema, a importância, para o desenvolvimento da análise, da dosimetria das novas aporias que advém do embate entre princípios clássicos e recentes, como os do poder soberano dos Estados e da projetividade dos direitos humanos.


Em si, os trabalhos aqui empenhados se dividem em três partes principais: na primeira, dentro de uma esfera mais restrita, a abordagem entrelaça a visualização dos direitos fundamentais de cada ser; na segunda etapa, partindo para um quadro mais abrangente, o intento consiste na apreciação das muitas roupagens que envolvem a soberania dos Estados; em terceiro tempo, apogeu de todo o itinerário transcorrido, ressalta-se a invocação das intervenções internacionais como método de diluir os choques entre os dois pólos anteriores, trabalhando sutilmente a respeito desta conflitividade. Não sobrestando aqui, é ideal salientar que os dois primeiros pontos servem como uma consequente introdução ao terceiro, que se posiciona como a flama-chave de todas as atenções. Tal prospecção obterá sua característica primordial a partir deste instante.


Ab initio, o alvo desta indução recai sobre o celeiro dos direitos humanos e de suas peculiaridades determinantes. Mediante as novas exigências da comunidade de países, notoriamente influenciada pela onda de globalização do sistema internacional, evidencia-se como apanágio dos direitos essenciais o rompimento de fronteiras e a partida para o panorama universal de tratamento dos mesmos, o que viabiliza a construção da nova Ordem Mundial. Tal projeção adquire concretude através da vigência da Declaração Universal de Direitos Humanos de 1948[2], onde são expostas as condições de respeito à dignidade humana a serem observadas por todas as nações pactuantes das exposições expressas minuciosamente em seu texto.


Logo em seguida, procura-se enfatizar o arquétipo da soberania, poderio supremo cedido pela sociedade ao Estado, como entidade apta para o seu devido regimento. Corresponde a uma delegação oriunda das massas populares, fundada na cessão da força legitimatio à figura do Estado maior.


O conceito de soberania vem se mistificando cada vez mais, resultado de uma pertinente evolução de cunho político-histórico, que perdura desde antes mesmo do Século das Luzes[3] (ganhando neste os seus mais aprimorados contornos) até os dias de hoje. Neste ponto, será, propositalmente, desencadeado um gênero de paridade entre a atribuição soberana e os direitos essenciais dos atribuidores, à medida que, assim como os direitos humanos necessitam de especial proteção, a soberania também precisa ser defendida para que o Estado desempenhe as suas ações típicas com perfeição.


Diante das questões anteriores, vislumbra-se, sem mais delongas, a oportunidade mister de situar o nosso raciocínio em vias da intervenção humanitária, dispondo desses dois valores (soberania e direitos humanos) frente a frente nesta polêmica temática do âmbito internacional.


Somente partindo da prerrogativa intervencionista, é possível chegar a um aspecto muito discutido atualmente: a relativização da soberania estatal. Isso se dá em razão do refinamento das teorias políticas, que, influenciadas por correntes humanitárias, passam a enxergar a imagem da soberania não mais como algo absoluto, superior, inatingível aos outros. A contrario sensu, os Estados Soberanos não são mais vistos como exclusivamente independentes, tornando-se vulneráveis quando se promove a tutela dos direitos essenciais dos homens. Destarte, em meio às recentes posições, a soberania vem sendo colocada em segundo plano, porque, antes mesmo de invocar o respeito a um Estado soberano, tem-se que haver respeito aos direitos básicos dos integrantes individuais que compõem aquele Estado.


Historicamente, a vertente da supremacia dos direitos humanos sobre as imposições estatais se destaca a partir da crise nas estruturas democráticas e das catástrofes advindas da experiência com o totalitarismo[4] no século XX, cuja missão era conferir um caráter absoluto, total (daí a denominação) à soberania dos Estados. Estes poderiam praticar atos apenas de acordo com as suas conveniências, o fazendo de modo arbitrário, afetando diretamente a vida em sociedade.


Nesse contexto, o despontar da Segunda Guerra Mundial foi o ápice para a fixação de um alerta máximo a toda a comunidade internacional. De fato, os desmandos totalitaristas trouxeram uma amarga herança para todo o planeta: o holocausto serviu como demonstração a todos sobre a importância da sobreposição dos direitos do homem à vontade do Estado. Com este ensinamento emblemático, passaram a ser criadas normas globais, de eficácia universal, para que não acontecessem novamente tais ofensas aos direitos fundamentais dos seres humanos. Dentre tais medidas, destacam-se a elaboração de mecanismos internacionais especializados para tanto (como a Organização das Nações Unidas[5], a Anistia Internacional[6], o Human Rights Watch International[7] e a Declaração de Direitos Humanos). Igualmente, as intervenções humanitárias podem ser vistas como um desses mecanismos, pois se constitui num meio para a plena defesa do equilíbrio humanitário.


Quando se cuida das intervenções, in casu, a defesa dos direitos essenciais representa uma tarefa naturalmente árdua, que toma dinâmicos rumos à medida do passar do tempo. Em verdade, bastante inconstante é o fluxo desse questionamento, mormente num ambiente que altera suas fronteiras conforme o tracejar dos novos tempos de globalização. Muitas são as discussões levantadas com relação a tal complexidade. Como exemplo disso, há o importante requisito da legitimidade do ato de intervir, alvo de choques materiais entre duas correntes de pensamento: a Teoria Relativista (que atribui latentes intenções colonialistas ao movimento intervencionista) e a Teoria Universalista (que prega a justa legitimação das intervenções que almejem a garantia efetiva dos direitos humanos). Estes e mais outros pontos serão devidamente versados mais adiante, contemplando o melhor desenvolvimento desta análise.


Complementa-se o estudo com as expectativas referentes à admissão das intervenções humanitárias em face da inconstância que acentua o sincretismo da sociedade internacional nos últimos anos. Este fator se torna ainda mais desafiante em virtude do crescente contato internacional, incentivado por relações de ordem econômica, social ou cultural, que é uma fatídica realidade do mundo moderno. De tal contato defluem os mais variados comportamentos, que podem ou não ser nocivos aos direitos essenciais de alguém. Se nocivos, constituem, de certa forma, uma ofensa à humanidade, ficando passíveis de serem interferidos por terceiros.


Todo esse ensejo é de suma necessidade perante os complexos desafios dos novos tempos, haja vista que, antes de pensarmos no bem estar do Estado soberano, deve ser assegurado o mínimo de condições existenciais (especialmente respeito à dignidade) a cada um dos seus súditos.


1. O minimum das garantias do homem: direitos humanos


“Que obra-prima, o homem! Quão nobre pela razão! Quão infinito pelas faculdades! Como é significativo e admirável na forma e nos movimentos! Nos atos, quão semelhante aos anjos! Na apreensão, como se aproxima dos deuses, adorno do mundo, modelo das criaturas”! [8]


Nem só de um simples diálogo de Hamlet, produto ímpar da literatura shakespeariana, se faz um homem. É preciso mais que palavras comuns para defini-lo porque a sua fórmula é incomum. Sua existência vai além das fronteiras do Renascimento europeu[9] ou de qualquer outra vertente dantes já criada. A essência que o compõe foge às linhas do papel e salta aos olhares carnais, surpreendendo-os com sua excelência. É um ser fascinante, movido por conhecimentos e vontades inconstantes, feito da mais pura matéria e delineado com os mais tênues esboços. Tem criação remota e contestável, mas, com certeza, consiste na maior das invenções de que se têm notícia. É uma criatura descomunal que domina o mundo em que vive, dando-lhe sentido próprio.


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Visto por muitos como a mais áurea das ideias, jamais vislumbrada por sábios do porte de Da Vinci ou Gutenberg, o homem é dotado de personalidade que lhe é inerente e caracterizadora, a qual se resume num universo particular, incomensurável, relacionado à sua identidade diante do meio. A personalidade humana sempre se mostrou atraente e enigmática. Sobretudo, o homem não passa de um enigma: quanto mais se procura o seu sentido, mais surgem dificuldades para tanto. O homem é parte de um todo e também pode reunir esse todo em si mesmo.  Cada indivíduo protagoniza sua própria história e se torna coadjuvante das demais. É algo contraditório e, ao mesmo tempo harmônico. A odisseia do homem em seu espaço é simplesmente incrível e digna de tantos méritos. O interesse em desvendar tais mistérios chega a ser secular.


A razão compreende uma das dádivas imprescindíveis da natureza humana. Ela é a grandeza da espécie, aquela que manipula os juízos auferidos e que fica responsável por diferenciar o homem dos demais seres vivos. De tão ligados que estão a razão e o homem, não raramente, chega-se até a confundi-los, pois não é possível conceber um sem o outro. Quando raciocina, o indivíduo navega dentro de si, interagindo consigo mesmo e mais nada. Não é à toa que o famoso O Pensador[10] de Rodin alude tanto ao monólogo interior. O racionalismo organiza sentimentos, experiências e outros elementos subjetivos do ser humano. Sem a orientação da razão, o homem deixaria de ser único, visto que ela perfaz-se num conteúdo potencial para ele. Seria, assim, provavelmente um animal como outro qualquer. Um animal sem os atributos que o engrandecem.


É sob a luz da razão que podem ser dispostos, de forma prática, esses atributos atrelados à existência humana. Apenas através da observação racional, chega-se até a um consenso sobre a extrema essencialidade dos atributos humanos, quaisquer que sejam eles: a liberdade, a igualdade, a paz, o progresso, o ambiente, a integridade ou até mesmo a vida. A supressão de alguns desses caracteres inerentes à pessoa humana simboliza um ultraje à própria espécie e um atraso no caminhar do equilíbrio entre os povos.


Daí a importância da proteção aos atributos naturais do homem. Todos eles precisam ser defendidos, impugnando as violações que lhes acometam, pois equivalem à particularidade humana e respaldam a sobrevivência dos homens em um meio repleto de perigos. Portanto, é de se admitir que os direitos mais básicos de cada pessoa devem sempre estar socialmente assegurados, sobretudo aquelas que envolvem a sua dignidade, como forma de promover o pleno desenvolvimento da humanidade. Tais prerrogativas são recrutadas numa seleta classe de direitos muito debatidos nos dias atuais: o grupo dos direitos humanos fundamentais.


Sobre esta temática preliminar, estão expostas melhores considerações mais a seguir.


1.1. Noções básicas de direitos humanos


O encargo de conceituar os direitos humanos não é um intento nada simples. Estes adquirem conceitos diversos devido à sua ampla historicidade e abrangente incidência em diversos campos de atuação. São direitos que escapam do terreno estritamente jurídico, atingindo também outros pontos de vista, tais como o cultural, o histórico, o filosófico, o político, o moral, o sociológico, dentre outros. Sic, para a obtenção de um conceito mais completo de direitos humanos, é necessário recorrer a estas áreas para apurar a proposição firmada por cada uma delas. Os mais consideráveis destes conceitos serão disponibilizados a partir de agora.


Neste panorama, a opinião dos filósofos jusnaturalistas reside na ideia de que os direitos humanos são todos aqueles que se encontram incutidos à natureza do ser humano. São direitos naturais, imutáveis e absolutos, porque não dependem de qualquer outra circunstância (tempo, lugar, etnia, etc.) para existirem.


Em se tratando do ponto de vista histórico, eles são todos aqueles privilégios natos ao homem e que lhe foram adquiridos ao longo do decorrer do tempo e constituídos por meio de seus incessantes conflitos interpessoais.


Por outro lado, o modelo político institui o conceito de que direitos humanos são os frutos da democracia e da igualdade que se unem ao homem para garantir, a este, certa expressão em meio à coletividade, prevalecendo sempre como padrão de dignidade básica no processo de manifestação da vontade. São boas restrições e ressalvas ao poder de comando dos governantes sobre os seus governados.


As vertentes sociológicas, por sua vez, afirmam que eles correspondem a uma cláusula peculiar do relacionamento das pessoas em sociedade, haja vista que os direitos humanos proporcionam o respeitoso tratamento dos indivíduos entre si e entre estes e os Estados. Constituem pontos a serem observados por todos sem restrições, independentemente de raça, sexo, religião, nacionalidade ou nível financeiro.


Para a Escola Universalista, os direitos humanos se estabelecem como o conjunto de fundamentos essenciais pertencente a todo e qualquer indivíduo sem distinções. Dessa maneira, qualquer pessoa é legítima detentora desses direitos e ainda digna de todos os meios para a sua devida proteção. Tal conceituação encontra barreiras no tocante ao pensamento culturalista, questão que analisaremos mais adiante.


Já de acordo com a perspectiva jurídica, os direitos humanos consistem na gama de normas ou regras, de valor internacional e de natureza garantista, que tratam da tutela das suas necessidades básicas. No mais das vezes, eles são positivados no texto de Cartas Constitucionais, estruturantes do Estado de Direito, com o status de direitos fundamentais, como o caso da Constituição Brasileira de 1988, onde, em determinado trecho do seu corpo, se enuncia claramente que:


“Art. 4º A República Federativa do Brasil rege-se nas suas relações internacionais pelos seguintes princípios:


II – prevalência dos direitos humanos.”[11]


Não bastasse apontar o valor dos direitos humanos como um dos mais importantes princípios constitucionais, a Constituição Federal também cuida de garantias fundamentais em seu Título II, mais precisamente no Capítulo I (art. 5º). Daí muitos apontarem essa vertente legalista do conceito de direitos humanos como também chamada de constitucionalista.


Outrossim, alguns estudiosos dessa área oferecem definições importantes para os direitos humanos, que corroboram as afirmativas levantadas a posteriori. Seguindo os moldes legalistas, Alexandre de Moraes confirma que:


“[…] os Direitos Humanos colocam-se como uma das previsões absolutamente necessárias a todas as Constituições, no sentido de consagrar o respeito à dignidade humana, garantir a limitação de poder e visar o pleno desenvolvimento da personalidade humana”[12].


Partindo de outras linhas pensantes, o mestre João Baptista Herkenhoff aduz o seguinte:


“Por direitos humanos ou direitos do homem são, modernamente, entendidos aqueles direitos fundamentais que o homem possui pelo fato de ser homem, por sua própria natureza humana, pela dignidade que a ela é inerente. São direitos que não resultam de uma concessão da sociedade política. Pelo contrário, são direitos que a sociedade política tem o dever de consagrar e garantir.”[13] (grifo nosso)


Em suma, reunindo os preeminentes traços de cada uma dessas correntes, elabora-se o amplo conceito no qual os direitos humanos são um complexo de prerrogativas fundamentais que asseguram, incondicionalmente, a existência de cada pessoa e a defesa de qualquer abuso de poder e demais ofensas que possam afetá-la, sendo previamente expressas em diplomas legais. Destes últimos, o mais primoroso é a Declaração Universal dos Direitos Humanos, datada de 10 de dezembro de 1948.


É sublime ressaltar ainda, neste mesmo diapasão, o teor da finalidade precípua dos direitos humanos sobre a esfera internacional. Esse objetivo maior se abriga no ideal de proteção à dignidade humana de modo geral. Ou seja, os direitos humanos asseguram a todos os indivíduos de qualquer nacionalidade (inclusive aqueles tidos como apátridas ou cosmopolitas), não importando a jurisdição a que estejam submetidos, o respeito mínimo às condições existenciais de cada ser, ostentando meios de repelir excessos de poder e tantas outras modalidades de lesões.


Quanto à normatização de tal intento, encontra-se a competência de um ramo jurídico especializado: o Direito Internacional dos Direitos Humanos (DIDH), campo que regula leis, tratados, procedimentos e instituições para a promoção dos direitos humanos em todos os países, podendo ficar a comunidade internacional com o papel de se opor a transgressões desses preceitos. Tem autonomia como disciplina jurídica e atribui, pela primeira vez, a cada pessoa humana a condição de sujeito de direito internacional.


O DIDH diferencia-se do Direito Internacional Humanitário (DIH) por diversos fatores, dentre os quais se sobressaem os seguintes: enquanto o DIH refere-se à assistência às pessoas vítimas de guerras e conflitos armados (feridos, doentes, prisioneiros, etc.), o DIDH ampara os indivíduos em qualquer situação, sem qualquer discriminação a determinados casos; o DIH nunca pode ser passível de derrogação ou suspensão, ao passo que, no DIDH, alguns direitos podem ser derrogados ou suspensos, como in exemplis suspensões dos direitos de locomoção e de comunicação durante a vigência do estado de sítio; além disso, o DIH acata medidas nacionais para repreensão das violações aos seus ditames, ao tempo que, para o DIDH, tais atitudes somente serão aceitas se provenientes de entidades internacionais. O Direito Internacional Humanitário contrai a sua materialidade através da atuação do Comitê Internacional da Cruz Vermelha[14] (CICV), que recentemente é o seu maior guardião.


Diante de todo exposto, podemos sustentar o seguinte:


[…] verifica-se a grande importância dos Direitos Humanos na atual conjuntura internacional, principalmente nesse último meio século de intensa evolução da Declaração Universal dos Direitos Humanos e criação de mecanismos cada vez mais efetivos para a atuação nessa área, com o Direito Internacional dos Direitos Humanos afirmando-se como ramo autônomo da ciência jurídica contemporânea e destacando a proteção do homem, enquanto indivíduo, frente aos Estados ou frente a qualquer outro sujeito do Direito Internacional que venha a praticar atos nocivos à sua figura, ou condenáveis perante a Sociedade Internacional.[15]


1.2. Evolução histórica


O percurso dos direitos humanos ao longo da história não se restringe apenas a um determinado espaço de tempo. Muito pelo contrário, os direitos humanos, da forma como são ostentados hoje em dia, nada mais são do que o resultado de um longo processo de evolução histórica, onde cada momento da humanidade serviu como peça para a sua consolidação.


Nos primeiros tempos, a Antiguidade demonstrou um juízo muito primitivo e imaturo no que concerne aos direitos humanos. Eles eram vistos pelo homem antigo como qualquer dos direitos pertencentes ao homem, incluindo aí todos os tipos de direitos que os indivíduos pudessem ter. Destarte, nos primórdios, o homem não soube atribuir essencialidade aos seus direitos vitais, ficando estes a mercê de um arcaico sistema jurídico. Há resquícios de previsões remotas dos direitos humanos no Código de Hamurabi, em A República de Platão e no Cilindro de Ciro[16] (considerado a primeira declaração de direitos dos homens).


A precária estrutura política desse período também deu sua parcela de contribuição para tal entendimento. Malgrado Sócrates, Aristóteles e outros nomes catedráticos da época estivessem formulando as prematuras noções sobre o universo, ainda não se vislumbrava o fenômeno da limitação do poder do Estado, o qual só veio a surgir posteriormente. A Grécia Antiga foi berço da democracia e da filosofia política em si, porém o poder da polis[17] não poderia ser contestado por qualquer indivíduo. Inexistiam normas de oposição dos direitos básicos do homem ao poder do Estado. Assim, os direitos humanos ficavam legalmente desamparados, somente sendo respeitados de acordo com a discricionariedade dos governantes. Até mesmo o Direito Romano, com suas inovadoras compilações de matéria jurídica, padecia deste vício. Mesmo assim, as civilizações antigas deixaram um legado importante acerca das primeiras pontuações a esse respeito.


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Foi na Idade Média, com a ascensão teológica do Cristianismo, que o direito natural passou a auferir moderado realce. Por influxo da doutrina cristã, os homens passaram a olhar a si mesmo de um jeito diferente em busca da dignidade e da igualdade concedidas pelas providências divinas. Entretanto, os dogmas cristãos não promoveram a equiparação desses direitos humanos aos direitos do Estado. Pelo contrário, a Igreja impôs sua própria supremacia ao comando dos reis e imperadores medievais. A competência para interferência na vida social era exercida por Deus e por seus representantes terrenos.


Apenas com o despontar da modernidade ocidental, a história dos direitos humanos passou a ganhar contornos significativos. A partir deste momento, o homem pincelou uma (até então) nova impressão sobre seus direitos típicos. Inclusive, alguns historiadores e juristas acreditam na tese de que o nascimento dos direitos humanos (pelo menos, do modo que são hodiernamente) se ensejou durante este contexto. De fato, as mais robustas compreensões acerca da matéria humanística começaram a ser confeccionadas deste ponto em diante.


É no seio da Era Moderna que o homem expurga a sua singularidade e começa a procurar mais reconhecimento. Houve uma grande revolução social, encaminhada através da permuta do feudalismo pelos requintes do regime capitalista. O homem feudal, submisso aos seus senhores e ao seu Deus, transforma seu modo de pensar, ao passo que centra suas preocupações em si mesmo. Aperfeiçoa-se aí a ideia de exaltar os direitos que cada um detém intrinsecamente, decisão que acarreta um desligamento com o pensamento das culturas antigas.


Do século XVI até o XVIII, o homem assume papel de relevante significância em relação a outros poderes, que viram personagens secundários. O mundo moderno é marcado por essa verdadeira odisseia da mentalidade humana. Nesse interstício, edificam-se os moldes contemporâneos dos direitos fundamentais. A primeira declaração de direitos humanos da época moderna foi a Declaração de Direitos da Virgínia (1776), que respaldou o diploma de independência dos Estados Unidos da América. Todavia, é na França que situamos a maior importância sobre o tema.


Como ápice da propagação do senso humanitário está a queda do Antigo Regime[18] francês já nos derradeiros instantes da Idade Moderna (século XVII) e que funcionou como ferramenta de transição da mesma para uma nova Era. Revoltada com os desmandos dos monarcas absolutistas, a burguesia francesa lutou ferrenhamente contra tais arbitrariedades, reivindicando seus direitos básicos que precisavam ser respeitados. A revolução na França estava assim formada. Os populares procederam à tomada da Bastilha[19], mas, somente em 26 de agosto de 1789, a Assembleia Nacional Constituinte aprovou a célebre Declaração Universal dos Direitos do Homem e do Cidadão, inspirada na Revolução Americana de 1776 e na filosofia iluminista (a qual se deve o desenvolvimento das teorias do direito natural), trazendo à tona uma trilogia retumbante dos princípios “Liberdade, Igualdade e Fraternidade”. Este foi um marco crucial no histórico dos direitos humanos, porque representou a plena divulgação deles para amplos lugares do globo.


Serviu de base a Declaração Universal oriunda da Revolução Francesa para as legislações que lhe sucederam. Depois dela, outros numerosos documentos referentes à exaltação dos direitos do homem foram surgindo já na fase histórica atual.


Diante da calamidade causada pela Segunda Guerra Mundial (1939-1945), o mundo foi sacudido por uma onda de prevenção dos direitos humanos. Os atos pungentes cometidos pelos nazistas, todos praticados em nome do Estado, deixou toda a humanidade em alerta para os excessos estatais sobre a individualidade das pessoas.


Tanto que ainda em 1945, por meio da assinatura da Carta das Nações Unidas, fundou-se a ONU, organismo responsável pela conservação da paz, da solidariedade e da tolerância internacional. À ONU restou o dever de elaborar uma declaração humanitária conforme o anseio urgente do Pós-Guerra, assim o fazendo em 1948.


Enquanto isso, no Brasil, a história dos direitos humanos sempre se viu intimamente ligada ao seguimento da evolução constitucional. A Constituição Imperial de 1824 e as demais Republicanas (1891, 1934, 1937, 1946 e 1988), no que consiste ao trato desses direitos, foram pilares nacionais de mera conscientização (de costume, produzidos como elemento preambular e/ou introdutório), coadunados às práticas e manifestações exteriores. Breve exemplo da afirmativa anterior é o fato gerador da promulgação da Lei Maria da Penha[20].


Consoante este entendimento, data vênia, o apego ao constitucionalismo é registro concreto da influência dos direitos essenciais sobre o ordenamento jurídico brasileiro. Quanto esse aspecto presente na Carta Magna em vigor, diz-se que:


“A Constituição de 1988 veio para proteger, talvez tardiamente, os direitos do homem. Tardiamente, porque isso poderia ter se efetivado na Constituição de 1946, que foi uma bela Constituição, mas que, logo em seguida foi derrubada, com a ditadura. É por isso que Ulisses Guimarães afirmava que a Constituição de 1988 era uma “Constituição cidadã”, porque ela mostrou que o homem tem uma dignidade, dignidade esta que precisa ser resgatada e que se expressa, politicamente, como cidadania.”[21]


Por hora, é prudente recordar que o mais importante e mais recente artefato de defesa dos direitos humanos contemporâneo, em status mundial, é a Declaração Universal de Direitos Humanos de 1948.


1.3. A declaração universal dos direitos humanos de 1948


Teve como sujeito precursor a Carta de São Francisco[22], de 1945, mais conhecida como a Carta das Nações Unidas. Esta Carta destacou-se pelo pioneirismo na fixação do DIDH e na fundação da ONU, além de ser-lhe creditada a dádiva da colocação dos direitos fundamentais como máxima no jus gentium. Colaborou através da preparação do terreno para maiores reflexões do DIDH, efetivou a elaboração da norma proibitiva de guerra[23] e participa também como integrante da Carta de Direitos Humanos das Nações Unidas (juntamente com a Declaração de Direitos Humanos de 1948 e os Pactos Internacionais de Direitos Civis e Políticos e de Direitos Econômicos e Culturais de 1966).


Três anos depois do advento da Carta, em 1948, é aclamada pela Assembleia Geral das Nações Unidas a contemporânea Declaração Universal dos Direitos Humanos, versão modernizada de documentos anteriores (como a Declaração da França em 1789, da Inglaterra em 1689 e dos EUA em 1791), atendendo aos requisitos humanitários da atualidade. Concedeu sólida autonomia jurídica à questão dos direitos do homem, sendo citada, algumas vezes, sob alcunha de “libelo contra o totalitarismo”.[24]


Acerca do seu texto, é salutar o engate da proposição de Rezek, quando preceitua que seu conteúdo “exprime de modo amplo – e um tanto precoce – as normas substantivas pertinentes ao tema, e no qual as convenções supervenientes encontrariam seu princípio e sua inspiração”.[25] A Declaração carrega em si uma metodologia revolucionária para o manejo dos direitos humanos.


Há divergências quanto à natureza desse documento. Muitos acreditam se tratar de tratado multilateral ou mera interpretação do conceito de direitos humanos, devido ao seu teor. Apesar de tamanho apreço, a Declaração Universal tem aspecto não-convencional, visto que ela não exala propriamente obrigações para os Estados signatários, e sim determinadas recomendações e definições. Portanto, não corresponde exatamente a uma modalidade de tratado. O mais sensato é que a imputem forma de resolução.


Para Noberto Bobbio, a Declaração Universal de Direitos Humanos retrata muito mais que uma simples resolução. Nela encontra-se embutida toda a expectativa das garantias mínimas para a incolumidade das sociedades futuras. É o que reparamos no seguinte trecho:


“Com essa declaração, um sistema de valores é – pela primeira vez na história – universal, não em princípio, mas de fato, na medida em que o consenso sobre sua validade e sua capacidade para reger os destinos da comunidade futura de todos os homens foi explicitamente declarado. […] Somente depois da Declaração Universal é que podemos ter a certeza histórica de que a humanidade – toda a humanidade – partilha alguns valores comuns; e podemos, finalmente, crer na universalidade dos valores, no único sentido em que tal crença é historicamente legítima, ou seja, no sentido em que universal significa não algo dado objetivamente, mas subjetivamente acolhido pelo universo dos homens”.[26] (grifo nosso)


A Declaração de Direitos Humanos de 1948 condensou as súplicas de inúmeros oprimidos, alicerçou o DIDH, instaurou uma tendência política erga omnes, positivou os direitos da cidadania, respaldou a universalidade dos direitos essenciais, inspirou a redação de várias Constituições, serviu de pano de fundo para manifestações solidárias, etc.


Resgatando de 1789 os ideais de liberté, egalité e fraternité (transcritos já no seu primeiro artigo), a Declaração de Direitos Humanos de 1948 vai mais longe quando repele as discriminações de raça, cor, opinião, sexo e outras que assolam a dignidade dos seres humanos. Propõe que as condições de igualdade e liberdade acompanhem o homem por todas as etapas da sua vivência, proscrevendo quaisquer restrições nesse sentido. Inova ainda ao cuidar de casos de escravidão, servidão, tortura, liames familiares e exploração trabalhista de modo bem específico. Até mesmo o devido processo legal desponta como outra novidade nesse âmbito.


Sua ligação com o direito natural, estipulando este como requisito sine qua non para o equilíbrio humanitário, é mais um ponto a ser observado:


“A declaração não esconde, desde o seu primeiro artigo, a referência e a homenagem à tradição dos direitos naturais: “Todas as pessoas nascem livres e iguais”. Ela pode ser lida assim como uma “revanche histórica” do direito natural, uma exemplificação do “eterno retorno do direito natural”, que não foi protagonizado pelos filósofos ou juristas, – uma vez que as principais correntes da filosofia do direito contemporânea (utilitarismo, positivismo, historicismo, marxismo), mesmo divergindo sobre vários assuntos, todas elas, com pouquíssimas exceções, concordavam quanto ao fato de que o jusnaturalismo pertencia ao passado; mas foi protagonizado pelos políticos e diplomatas, na tentativa de encontrar um “amparo” contra a volta da barbárie”.[27]


Estruturalmente, a Declaração de 1948 se revela singela e concisa na divisão dos seus objetivos. De início, o preâmbulo ressalta a proteção aos direitos humanos em todas as suas expressões de liberdade. Ele também rejeita qualquer tipo de tirania e opressão, enaltecendo o desenvolvimento internacional e a cooperação mútua entre diversos Estados Nacionais. Afora isso, o diploma é composto por mais 30 (trinta) artigos, assim repartidos doutrinariamente, segundo José Augusto Lindgren Alves: direitos pessoais (arts. 3º ao 11); direitos das relações sociais (arts. 12 ao 17); direitos civis e políticos (arts. 18 a 21); direitos econômicos, sociais e culturais (arts. 22 a 27); e direitos da comunidade internacional (arts. 28 e 29).[28]


1.4. Características, gerações e sistemas de proteção


Da maneira como são declarados culturalmente, os direitos humanos expõem uma série de qualidades que os diferenciam do restante dos direitos comuns. Tal distinção é de enorme importância, pois eleva os direitos humanos a um alto escalão hierárquico, onde se desfruta de proteção e notoriedade social. De cunho puramente doutrinário, os direitos humanos fundamentais revestem-se de determinadas características, dentre as quais cabe sublinhar: historicidade, irrenunciabilidade, inalienabilidade, inviolabilidade, interdependência, efetividade, complementaridade, imprescritibilidade e universalidade. Tais condições são “universalmente válidas, a que se agrega o postulado antropológico, que vê no homem não um cidadão da Cidade de Deus ou (como no século XIX) do mundo histórico, mas um ser natural”.[29]


De antemão, a historicidade é determinante que se apregoa não só aos direitos humanos como também a tantos outros direitos, uma vez que ambos perfazem todo um ciclo temporal próprio. Para exemplificar esse fato, os direitos do homem nascem em meio às oposições revolucionárias, sofrendo mutação com a sequencia da história e chegando ao nosso século da forma como os consultamos na Declaração Universal de 1948. Os direitos universais não podem ser objeto de abdicação, porquanto são irrenunciáveis a qualquer título. Alguns direitos fundamentais, como a liberdade de expressão ou de locomoção, podem até não serem exercidos efetivamente, mas jamais o indivíduo poderá abrir mão deles bem como colocá-los em disponibilidade. Por isso, são tidos, comumente, como inalienáveis, não-passíveis de negociações ou cessões, devido a seu caráter substancial. Terminantemente invioláveis por serem combatidas todas as transgressões contra suas premissas. Já são interdependentes esses direitos porque não se sujeitam a recursos para a sua real aplicabilidade. Consideram-se efetivos por haver mecanismos coercitivos para a garantia deles. A complementaridade provém da impossibilidade de isolamento interpretativo dos direitos humanos, isto é, o entendimento desses direitos deve ser complementado por um conjunto de apontamentos diversificados. Os direitos essenciais ainda são tidos como imprescritíveis, porque não desaparecem se deixarem de ser exercidos num certo decurso de prazo.


Particularmente, a característica da universalidade (que expande a abrangência dos direitos humanos a todos os indivíduos indiscriminadamente), uma das mais peculiares marcas dos direitos humanos, vem figurando como alvo de estridentes controvérsias.


Impacta com esse universalismo a vertente do relativismo cultural ou simplesmente do culturalismo, na qual se sugere a aceitação de motivações regionais sobre a influência exercida pelos direitos humanos, dirimindo, assim, a aplicação geral dos mesmos. Consoante o partido relativista, os direitos mínimos do homem não devem ser mantidos como universais, aplicáveis a toda e qualquer situação, mas sim contemplados de acordo com a variedade conceptiva de cada modelo de sociedade. Dessa forma, para os relativistas, os direitos dos homens ficam condicionados ao setor cultural de cada povo, podendo ser deduzidos distintamente em diversas partes da esfera internacional.


Alguns peritos imputam pretensões mercantilistas, cristãs e europeias disfarçadas pelo intento universalista, que, segundo eles, visa forçar as outras culturas a aceitar tradições que lhe são estranhas.


“Os direitos humanos, em verdade, na luta pela afirmação de relações internacionais realmente pautadas pela afirmação dessa categoria de direitos, devem ser a expressão do front de reação ao localismo globalizado. Trata-se de pensar que, se tomados não no sentido universalista a eles atribuído pelo Ocidente, mas em seu sentido multicultural, podem servir de cultura contra-hegemônica em face dos desvarios dominadores dos ocidentais expansionistas de suas ideologias de seus mercados, de seus imperialismos”.[30]


Eis aí o pano de fundo do dilema universalismo versus relativismo: os direitos humanos, efetivamente ocidentais, poderiam enquadrar também o Oriente em prol da universalidade? Deste ponto provém a polêmica sobre a tendência de homogeneização cultural: o Ocidente tenciona compelir, sob justificativas universalistas, as culturas orientais a acatar sua ideologia com propósitos humanitários ou globalizadores? Tal preocupação é paradoxal e dela derivam conflitos geopolíticos de grande magnitude, como os ataques de 11 de setembro de 2001[31] e a incansável batalha norte-americana contra o terrorismo. Em resposta às dúvidas concernentes ao universalismo/relativismo, surpreende-nos o consenso e a ponderação:


“Um grande obstáculo a ser superado, talvez o maior, para se conseguir uma mais ampla aceitação dos direitos humanos internacionalmente reconhecidos, é o que se refere à assertiva de que, esta dialética humanística é uma concepção originariamente nascida no ocidente e, conseguintemente, não espelharia a realidade dos países orientais. Não há dúvida, é cediço, de que esta visão tutelar do ser humano tem como berço o mundo ocidental. A fonte única e primária das idéias de liberdade individual, democracia, direitos humanos bem como outras prerrogativas do gênero é, irretorquivelmente, o ocidente ou, mais precisamente, a Europa. Isto não permite se inferir, contudo, que as demais nações não devem adotá-las e reforçá-las apenas por este motivo. Este tipo de rivalidade e preconceito, infelizmente, tem sido muitas vezes o grande fator inibidor da adoção de um sistema cosmopolita de proteção ao ser humano que auferisse ressonância universal. O que demanda, conseqüentemente, sua incontinente eliminação, em prol da própria humanidade, que ruma para o terceiro milênio sequiosa da consolidação de um mundo mais justo, apoiado na harmonia entre os povos. […] O que acarretará, é o que se espera, uma maior predisposição à tolerância por parte dos diferentes povos no que toca o ideal de proteção à dignidade humana em todas as suas facetas. Para que, enfim, possa ser estabelecido, definitivamente, um código comum de normas, que galgue aceitação em todas as nações, que viria a proporcionar uma proteção mais eficaz dos direitos inerentes à pessoa humana, independentemente de sua linhagem racial”.[32] (grifo nosso)


A partir dos processos de multiplicação e de diversificação (especificação) dos direitos humanos, teve origem uma nova divisão dessa estirpe de prerrogativas em gerações dimensionais.  De tão decisivas que são essas gerações, elas orientaram até o loci estratégico de cada dispositivo da Declaração Universal, carregando sobre si impressões históricas e principiológicas (trilogia francesa anteriormente citada). Assim, a primeira geração dos direitos básicos equivale a direitos civis e políticos, onde “se diz que todo homem tem direito à vida, à liberdade e à segurança” [33], que constituem os bens mais essenciais para a sua sobrevivência. Também denominada de gênero dos direitos humanos clássicos, a primeira geração resta sustentada por apoio iluminista-liberal. Em sede da segunda geração, estão os direitos econômicos, sociais e culturais, fundados por linhagens socialistas, tem a ver com o acesso à saúde, à educação, às ciências e ao bem estar no trabalho. A terceira geração, por seu turno, qualifica-se por tratar de direitos a uma nova ordem internacional, sugestão do período Pós-Segunda Guerra Mundial, roga por uma zona de contatos pacíficos e solidários entre os povos. Agrega os direitos ao desenvolvimento, ao patrimônio comum e ao meio ambiente. Por último vem uma nova categoria, produto da contemporaneidade, conhecida como a quarta geração de direitos das futuras sociedades, mais voltada para o avanço dos biodireitos e direitos tecnológicos.


É indubitável a vulnerabilidade que se impregna aos direitos do homem. Mesmo com os vastos atributos elencados logo atrás, os direitos humanos se demonstram frágeis e bem suscetíveis de violações. Com o fito de sanar esta lacuna, empregam-se meios capazes de sanar os riscos que recaem sobre eles. A proteção internacional dos direitos humanos incorpora forma de mecanismos globais e regionais. Eis uma exígua consideração sobre ambos:


“A Proteção Internacional dos Direitos Humanos apresenta dois mecanismos de proteção: o global e os regionais. O global é o sistema da organização das Nações Unidas (ONU); os sistemas regionais são: o Sistema Africano (Carta Africana dos Direitos Humanos e dos Direitos dos Povos – 1981), o Sistema Árabe (Carta Árabe dos Direitos Humanos – 1994, até o momento só ratificada pelo Iraque), o Sistema Europeu (Convenção Europeia para Proteção dos Direitos Humanos e Liberdades Fundamentais – 1950) e o Sistema Interamericano (Convenção Americana de Direitos Humanos – 1969)”.[34]


Em virtude disso, torna-se cediço o caráter descentralizado das medidas protetivas dos direitos humanos, de sorte que a implementação do sistema pode ocorrer por diversos métodos, dependendo do ponto de vista do órgão protetor. A estrutura de proteção global, de encargo da ONU, incorre sobre problemas de fluxo geral, ou seja, sobressai-se perante falhas que abalam genéricas extensões. Pari passu, os sistemas regionais perpetram ações voltadas para a localização exclusiva de onde deflui cada ofensa. Tanto um como o outro sistema tem atividade profícua, podendo se completar reciprocamente de acordo com cada circunstância.


1.5. Processo de internacionalização


Consiste numa propensão da moderna política atendida pelas correntes humanitárias. É marcha definitiva na história dos direitos humanos e de sua aceitação no terreno universal. Toma notabilidade com o declínio da antiquada (para não chamar de anacrônica) exclusividade estatal na personificação de sujeitos internacionais.


Através da admissão do ser humano como ente de direito internacional, adotou-se nova postura em face das relações externas. Isso não apenas significou a concessão da faculdade de litigância em nível mundial, mas ainda valorizou a frágil dignidade humana e impulsionou o motor da internacionalização. O término da Segunda Grande Guerra concomitante com as raízes da Declaração Universal de Direitos Humanos de 1948 foram componentes importantes desse processo evolutivo. “Entre as principais características do processo de internacionalização dos direitos humanos, que se consolidou efetivamente após 1945, estão: 1) o estabelecimento do princípio da dignidade da pessoa humana como referencial axiológico a ser respeitado por todos os Estados; 2) a limitação da soberania estatal”.[35]


Muitas vezes, o poderio do Estado é utilizado como justificativa para a prática de agressões aos direitos humanos da população. Clássica amostra desse fato é a violação do direito à vida de pessoas não-pertencentes à raça ariana, bruscamente cultuada pelas chefias nazistas da Alemanha. A equiparação do indivíduo humano num dos pólos da relação internacional, conferindo-lhe autonomia para tanto, serviu de artifício limitador das vontades do Estado soberano. Há um benéfico progresso nesse sentido, porquanto assegura a plena observância dos direitos ditos essenciais à humanidade.


Já não funciona como absoluta a soberania do aparelho estatal, uma vez que o respeito à dignidade pessoal serve de base para a fiscalização do desempenho dos Estados, ficando estes, inclusive, submetidos a medidas de responsabilização. Praticamente fica estatuído, portanto, que o Estado é agente zelador dos direitos básicos da sua respectiva sociedade, e não instituição suprema e opositora a tal campanha.


Melhor abordagem sobre a questão da internacionalização e da colocação de óbices à atuação do Estado será discorrida mais para frente. Até aqui, basta constatar todas as exposições anteriormente relatadas.


1.6. Perspectivas


De 1945 aos dias atuais, os direitos humanos têm vivido um incomparável progresso histórico, jamais antes imaginado em qualquer outra ocasião. A cada passagem do tempo, as questões que envolvem sua alçada vêm conquistando, sistematicamente, ainda mais espaço, à medida que aumenta a preocupação com a efetividade dos mesmos, seja esta formal (consubstanciada em aparato legal de garantias) ou material (reconhecimento popular dos direitos humanos no mundo prático).


A sociedade moderna pende a uma melhor agilidade na seara dos direitos humanos, pois se tornou comum a recorrência das massas às fórmulas de reivindicação dos seus direitos. A crescente disponibilidade de informações e a fertilidade da expressão popular, aliadas com o senso de justiça e a demanda por proteção, são fatores pontuais que prestigiam essa órbita dos direitos do homem. As bandeiras levantadas em nosso tempo acerca dos direitos à liberdade, à honra, à privacidade, ao lazer, à saúde e à educação são algumas das mais rotineiras provas de tal realidade.


Embora haja este avanço, concomitantemente persistem frequentes contestações à legítima concretude dos fins norteadores dos direitos humanos. Por mais que estes aparentem segura autenticidade, os manifestos “humanitários” deixam a desejar quando disfarçam intenções diferentes daquelas originariamente preceituadas. Isto é, quando encobrem proveitos estranhos à sua natureza, o usufruto dessas prerrogativas é tido como contrário à legalidade. Os direitos fundamentais não podem servir como escudo para práticas ilícitas, nem tampouco argumento para isentar ou reduzir responsabilidades alheias[36]. Há um déficit social que acentua o aspecto, qual seja:


“O paradoxo da contemporaneidade é o paradoxo de uma sociedade obsessivamente preocupada em definir e proclamar uma lista crescente de direitos humanos, e impotente para fazer do plano de um formalismo abstrato e inoperante esses direitos e levá-los a uma efetivação concreta nas instituições e nas práticas sociais.”[37]


Violações aos direitos humanos sempre existiram em todas as civilizações, de modo até vertiginoso, muito antes da aparição da própria Declaração Universal, porém sendo a partir dela tratadas como tais, em sede do uso de meios legais para sua adequada perquirição. Ao mesmo tempo em que se refina a opressão às violações humanitárias, posiciona-se o indivíduo como sujeito jurídico de direito internacional. Este é outro fato que merece ser repisado defronte do vantajoso passo dado nesta área. O insigne pensador Noberto Bobbio exprime parecer lenitivo a esse respeito, ipsis verbis:


“É fato hoje inquestionável que a Declaração universal dos Direitos do Homem, de 10 de dezembro de 1948, colocou as premissas para transformar os indivíduos singulares, e não apenas os Estados, em sujeitos jurídicos de direito internacional, tendo assim, por conseguinte, iniciado a passagem para uma nova fase do direito internacional, a que torna esse direito não apenas o direito de todas as gentes, mas o direito de todos os indivíduos. Essa nova fase do direito internacional não poderia se chamar, em nome de Kant, de direito cosmopolita.”[38]


Os direitos humanos compreendem metas a serem perseguidas em ânimo constante. São intermináveis os seus contrastes e as súplicas por seu auxílio. Sem titubearem, os mecanismos de proteção humanitária devem permanecer atuantes e se adaptar aos novos anseios que vão surgindo. Neste esforço, é preciso trabalhar a conscientização coletiva e a mobilização dos setores sociais. Devemos atentar para o futuro esperado pela humanidade, cuja pretensão sacia as garantias fundamentais de bem estar, conquanto o alcance deste rumo venha cercado de intensidade obstante. Fixar a cerne dos direitos humanos para pô-los em prática é um bom começo para isso.


“Busca-se do mundo jurídico, quanto aos direitos humanos, não deixá-los isolados ou confinados na língua das leis, mas conduzi-los a uma perspectiva de materialização. Melhor dizendo, a uma efetividade prática dos Direitos Humanos e, para tanto, apontando, necessariamente, ao universal e popular, opondo-se a “todo caráter ideal abstrato”.[39]


O fato é que, mesmo com tanta retórica em sua volta, não há ainda um consenso quanto à doutrinação dos direitos humanos, ficando estes, muitas vezes, restritos às entrelinhas do papel. Este é outro principal problema que precisa ser solucionados pelo direito internacional.


1.7. Direitos humanos como objeto de intervenções


Em momento anterior, frisamos que os direitos inatos ao homem se estendem a todos os povos indistintamente, sem resquícios de discricionariedade alguma. De fato, a vida humana em todos os seus petrechos é primada, com feição absoluta, pelo Direito, que estima métodos para um devido resguardo. Esta é uma verdade compactada pelas novas ondas que segmentam os compartimentos modelares dos Estados de Direito, cujos postulados remontam à honra da dignidade mínima dos indivíduos.


“[…] se todo Direito – como afirmou Cícero – há de ser constituído por causa do homem, então, os princípios da juridicidade, do respeito à dignidade e liberdade humanas devem ser garantidos. Desse modo, onde quer que tudo isso seja cumprido, sempre poderemos encontrar um autêntico Estado de Direito.”[40] (grifo nosso)


A universalidade dos direitos humanos assume enorme relevância, uma vez que confirma que simples critérios de nacionalidade, antes de qualquer coisa, são subordinados ao estado da espécie. Por isso, esses direitos universais sobrepõem-se até aos símbolos maiores da soberania jurídica dos Estados: as suas Constituições ou leis que lhe sejam similares. Dessa forma, estas têm o condão de adequar seus respectivos ordenamentos jurídicos de acordo com a aragem dos diplomas de direitos humanos. O não cumprimento desse ajuste legal poderia acarretar ultraje à própria humanidade. O controle de constitucionalidade é um dos concretos efeitos do ajuste referido e deve se pautar à luz do princípio pro homine[41]. Neste sentido, o Estado Democrático de Direito terminou incorporando “na sua estrutura político-institucional os Direitos Fundamentais do Homem ao mesmo tempo em que os concebeu como elemento que o caracteriza como tal”.[42]


Sob a ótica dessa premissa, os direitos humanos ultrapassaram as fronteiras dos Estados, partindo para um brioso grau de excelência. Na realidade, todo direito intrínseco ao homem é anterior às organizações políticas, não existindo em função do Estado[43]. A democracia compreende apenas uma condição preestabelecida para o respeito aos direitos humanos. É do contexto in focus que provém ações das intervenções interestatais para a perfeita execução da finalidade humanitária. Destarte, no mundo sem fronteiras da atualidade, onde os direitos humanos entram em maciço destaque, os limites soberanos dos Estados quedam-se maleáveis no tocante à realização de projetos maiores e mais necessários, assim como a consecução das prerrogativas individuais.


São, portanto, os direitos embutidos ao homem um objeto (ou até mesmo uma condição existencial) para os impulsos intervencionistas. A natureza humana fala mais alto que meros padrões limítrofes de soberania, quando se presencia um atentado grave contra pessoas inocentes. Será dada maior especificidade à matéria com o decorrer dos próximos capítulos.


2. Soberania: uma regalia do povo para o estado


Todo poder emana do povo: esta é uma praxe há tempos arraigada na sociedade internacional, enfatizando a principal fonte de onde se extrai o poder político. Inclusive, tal entendimento é refletido por arcabouços normativos de várias nações do mundo, assim como sobrevêm na Constituição do Brasil de 1988, que o prescreve no parágrafo único de seu art. 1º. Além disso, as suas formas de interpretação adentram ao senso comum, em que não mais pairam indagações ou sobressaltos.


Ora, se todo o poder parte dos populares, os mesmos precisam dispor de, no mínino, uma parte dessa prerrogativa para a obtenção de segurança, já que as relações intersubjetivas comprimem tal garantia. Assim, o mesmo povo cede uma porção do poder inerente a um ser maior, um Leviatã[44] naturalmente segurador, que busca a difusão da paz entre os homens belicosos e também do bem estar geral. Este ser personifica-se na figura do Estado, imponente a partir da concessão de poderes por parte do povo. Desse modo atesta as palavras hobbesianas no livro Leviatã:


“Pois graças a esta autoridade que lhe é dada por cada indivíduo no Estado, é-lhe conferido o uso de tamanho poder e força que o terror assim inspirado o torna capaz de conformar as vontades de todos eles, no sentido da paz em seu próprio país, e ela ajuda mútua contra os inimigos estrangeiros. É nele que consiste a essência do testado, a qual pode ser assim definida: Uma pessoa de cujos atos uma grande multidão, mediante pactos recíprocos uns com os outros, foi instituída por cada um como autora, de modo a ela poder usar a força e os recursos de todos, da maneira que considerar conveniente, para assegurara paz e a defesa comum”.[45] (grifo nosso)


Foi assim desde os embrionários contornos do organismo estatal. Sem a permissão do povo para a atuação do Estado, provavelmente seria impossível o desenvolvimento do modus vivendi social. Assim, o Estado compreende o aparelho de organização própria e politicamente estruturada que controla, rege, administra um povo de acordo com os seus anseios, como retribuição pela força e confiança delegada para esse encargo. O estado de altivez que assegura ao Estado a íntegra persecução destes fins é o que denominamos como soberania.


De verdade, a soberania originária pertence ao povo, que transfere uma parcela dela para a construção de uma grande soberania atribuída ao Estado protetor. Em suma, está presente aqui a articulação republicana de muitos países. Até o termo “república” deriva da expressão latina res publicae (coisa pública), a qual subentende uma força vinda do povo e destinada ao suprimento das necessidades do mesmo.


2.1. Reflexões preliminares


A princípio, há de se destacar que a idealização de soberania é simultânea à percepção do fenômeno estatal, pois não se pode compreender um sem o outro. A concepção de Estado está vinculada à concepção de soberania, e vice-versa.


O poder que abarca a instituição do Estado sempre foi causa de profundas inquietações. Já nas primeiras civilizações via-se a necessidade da sobreposição de um órgão que assegure a justiça das relações sociais. Em diferentes momentos, oferta-se tal superioridade aos representantes dos Estados, que utilizam a soberania conforme cada circunstância. Foi assim no caso de Santo Agostinho (354-430) que submeteu a autoridade dos príncipes ao comando papal. Noutros contextos, a soberania é posta completamente à disposição dos chefes de Estado, pouco importando interferências de terceiros.


Num plano externo, significante se tornou a contribuição trazida pelo Tratado de Vestfália[46] (1648), que modificou a regulamentação política da Europa. Com isso, eleva-se os Estados à condição de atores em âmbito internacional, triunfando o vetor da isonomia jurídica entre as nações. Profícua colaboração esta para a conclusão da elaboração moderna de soberania. O mundo globalizado de hoje apressa as disparidades quanto à unanimidade que não define em exato os padrões da soberania estatal. O Estado soberano, desta maneira, contorna intempéries à medida que a sociedade se globaliza. Sensato se faz, por hora, dispor sobre as considerações básicas de soberania, conquanto seja vital para a concepção dela.


Etimologicamente, o termo “soberania” tem seu tronco junto à expressão francesa souveraineté, difundida pelo pensador francês Jean Bodin (1530-1596), no século XVI, que transpõe o “poder da República”. Contudo, o seu conceito se enquadra na mesma conformidade etimológica, sendo alvo de muita polêmica, principalmente com o recente processo de globalização, que acelera a equiparação socioeconômica entre os múltiplos Estados. Muitos são os autores que trabalharam na conceituação da prerrogativa soberana, que vem sendo rebuscada desde as antigas pregações de Aristóteles até os avançados teóricos da modernidade. A trilha histórica da soberania permeia o contundente estudo evolutivo do Poder.


O primeiro a suscitar a sistematização da soberania estatal foi o próprio Bodin, que lhe adstringiu um caráter ilimitado e perpétuo, ressalvando somente a cautela com as leis naturais e divinas. Para ele, o povo oferece integralmente seu poder aos governantes, legítimos representantes da vontade de Deus. O rei não é déspota e nem tampouco arbitrário, tendo só o condão de concentrar os poderes em nome do Estado. Destarte, segundo Bodin, a soberania do Estado tem procedência abstrata e graciosa.


Partindo do pressuposto homo homini lupus[47], Thomas Hobbes (1588-1679) temeu pela convivência conflituosa das pessoas, posto que o homem esconde em si mesmo o instinto prejudicial do egoísmo (estado de guerra permanente). Sob o intento de pautar a conduta dos indivíduos, entra em cena a atuação do Estado, que conquista força através da submissão da vontade dos seus súditos. Estes renunciam certas faculdades em prol da obediência ao Estado nacional (“Pacto de União”). Trata-se, portanto, de um Leviatã com imponência ilimitada e irrevogável, de onde não se contestam abusos, cujo encargo se desenha na tutela social. A absolutização do poder e a aplicação imperativa da direção estatal são decisivas para a ideologia hobbesiana de soberania. Acreditava Thomas Hobbes que somente assim seria possível concretizar a paz dos homens. Em comparação a Bodin, Hobbes se destaca pela soberania exacerbada interposta ao Estado.


Criticando o absolutismo soberano exercido pelos monarcas, John Locke (1632-1704) interpreta engenhosamente esse atributo como um investimento da ordem garantidora desempenhada pelo Estado, qual seja o pleno gozo dos direitos e liberdades individuais. O homem é naturalmente sociável (posição contrária à de Hobbes) e precisa apenas de segurança por parte do Estado para a sua prosperidade. A soberania, aqui, não possui tanto destaque, haja vista que o Estado é convalidado como porção de uma sociedade plural. Locke também aguçou as primordiais técnicas de liberalismo sobre o Estado soberano.


Em que pese o pensamento de Jean-Jacques Rousseau (1712-1778) sobre tal abordagem, a pontuação de soberania torna-se íntima da submissão de todos à vontade geral lastreada no contrato social. Sua curial explanação ergue sociedade e Estado numa mesma conexão, onde o desejo grupal constitui a razão de ser dos soberanos. Sábio anúncio este, porque serve como válvula de escape para a substância encadeada nos moldes da soberania atual.


Georg Jellinek (1851-1911), em expositiva opinião, incita a teoria da autolimitação para a perpetuação da soberania pertencente ao Estado. Em contraponto, Léon Duguit (1859-1928) detinha a crença na inexistência de soberania, interpelando-a como uma mera ânsia de fato, não como poder legítimo, pois sua força seria criada por uma determinação supraterrestre[48].


Hans Kelsen rechaçou o dualismo[49] quando confere um ângulo monista[50] para as normas soberanas do sistema jurídico internacional. A relação entre os mais variados países (soberanias) deve ser regulada por um ordenamento uno, em que a ordem jurídica interna não possa ser separada da ordem externa, sendo que esta prevalece sobre aquela. Todo o ordenamento sustenta-se a partir de uma norma-base hipotética (indemonstrável) fundamental. Por isso, Kelsen asseverou que a soberania somente deve ser apresentada como recurso para efetiva autonomia em face do relacionamento entre Estados.


Diante de tantos pormenores, o conceito contemporâneo de soberania revela-se por uma urgente adaptação às exigências do universo globalizado. Hoje, não se concebe mais soberania (definições visualizadas na efervescência do século XIX). Tornou-se notória, com isso, a decisão de reformulação da ideia de soberania para os dias de hoje.


É fato que a soberania vai muito além da mera retórica do direito internacional positivo. Ela não se prende apenas aos elementos formadores do Estado (governo, população e território), mas também ao status atual de redefinição das fronteiras, guarnecido pelo crescente índice de globalização.


A modernização da soberania, que modifica o padrão clássico e falido, vem sendo proporcionada pelas novas rédeas internacionais. O Estado soberano, hoje, depende precipuamente da ordem jurídica externa, sem que haja qualquer ingerência alheia em meio a esta subordinação. Ribeiro Bastos, esmiuçando esta tendência, preconiza muito bem que:


“[…] soberania é a qualidade que cerca o poder do Estado. […] indica o poder de mando em última instância, numa sociedade política. […] a soberania se constitui na supremacia do poder dentro da ordem interna e no fato de, perante a ordem externa, só encontrar Estados de igual poder. Esta situação é a consagração, na ordem interna, do princípio da subordinação, com o Estado no ápice da pirâmide, e, na ordem internacional, do princípio da coordenação. Ter, portanto, a soberania como fundamento do Estado brasileiro significa que dentro do nosso território não se admitirá força outra que não a dos poderes juridicamente constituídos, não podendo qualquer agente estranho à Nação intervir nos seus negócios”.[51]


Segundo este raciocínio, pondera-se que a soberania hodierna está abrigada na qualificação imposta por fator de conveniência para o Estado política, cultural e geograficamente organizado, para que este tutele sua sociedade e reivindique questões de seu interesse no cenário internacional, sujeitando-se, como condição para isso, a limites maiores e essenciais para todos.


No que se refere às características que envolvem a força soberana do Estado, destacam-se, entre elas, a unidade, a indivisibilidade, a inalienabilidade e a imprescritibilidade (todas remanescentes da Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948), sobre as quais Perini reporta o seguinte:


“Enquanto una, a soberania não pode ser múltipla, ou seja, se existissem diversas soberanias, dentro de determinada ordem, não existiria soberania alguma. O mesmo acontece com relação à indivisibilidade, pois, se a soberania fosse dividida, deixaria também de ser uma, e não seria soberania. A inalienabilidade significa que a soberania não pode ser transferida ou renunciada e a imprescritibilidade traz a permanência do poder supremo, a impossibilidade de decadência, caducidade da soberania”.[52]


Acrescentam-se aí os aspectos da integralidade (tem a ver com a totalidade dinâmica da soberania) e da universalidade (a construção do poder soberano pode acontecer em qualquer Estado existente). Outra nota que merece vislumbre é o fato de a soberania ser uma, mesmo funcionando em Estados federados. A solução por que passa o impasse pauta-se pela relativa autonomia dos entes federados até onde esbarram na soberania maior do Estado nacional. Ainda mais, aos estados federados falta justamente a personalidade jurídica para pleitos de direito internacional público.


O reconhecimento da soberania de um Estado pelos outros é ato meramente declaratório, como bem lembra Rezek:


“A soberania não é elemento distinto: ela é atributo da ordem jurídica, do sistema de autoridade, ou mais simplesmente do terceiro elemento, o governo, visto este como síntese do segundo – a dimensão pessoal do Estado –, e projetando-se sobre seu suporte físico, o território. O reconhecimento dos demais Estados, por seu turno, não é constitutivo, mas meramente declaratório da qualidade estatal. Ele é importante, sem dúvida, na medida em que indispensável a que o Estado se relacione com seus pares, e integre, em sentido próprio, a comunidade internacional. Mas seria uma proposição teórica viciosa – e possivelmente contaminada pela ideologia colonialista – a de que o Estado depende do reconhecimento de outros para existir.”[53]


A propósito desse reconhecimento, ele pode se suceder de maneira expressa ou tácita. Imprescindível recordar ainda que “o reconhecimento mútuo da personalidade internacional só configura pressuposto necessário da celebração de tratados bilaterais”.[54] O Estado carrega consigo a presunção desse reconhecimento, não obstante tal situação venha a ser contestada pelo próprio povo, quando querela a ruptura política através de ações como golpes de Estado e manifestos. O reconhecimento da soberania envolve questões conflituosas, divergentes e que servem de apanágio para um leque fundamentalista de discussões, assim como aconteceu no dissenso entre as doutrinas de Carlos Tobar e Genaro Estrada sobre o poderio do governo na América Latina durante o despontar do século XX.


De sobreaviso, é salutar mostrar que soberania não consiste na mesma coisa que autonomia. Ambas, embora putativamente semelhantes, em especial no tocante à tentativa de equivalência entre estado federado e Estado a título pleno no seio internacional. Nesse caso, um estado federado pode ser autônomo quanto aos outros entes de mesma condição, muito embora não sejam soberanos a ponto de ditar impressões personalíssimas da esfera jurídica externa. Relativa competência para tanto pode ser garantida pelo Estado nacional à província federada. Mesmo assim, opiniões paralelas consideram a procedência de certo percentual de soberania às unidades federadas, o que vem lentamente mudando o anterior entendimento. Quanto a isso, Negri aduz que “sendo os estados-membros e municípios entes autônomos que buscam expedir normas, se essas forem criadas pela vontade do povo que participa na sua produção, elas se legitimam na soberania da vontade popular e, esse ente local sendo emissor de soberania para uma macrorregião, passaria a ser soberano, ao invés de ser autônomo”.[55] Reforça-se mais esta tese no caso do federalismo brasileiro, no qual há uma proveitosa atividade estruturante nos três níveis federados (União, estados-membros e municípios). Outro fato que mereceu relevo foi a participação internacional da Bielo-Rússia e da Ucrânia na época em que eram apenas estados-membros da URSS.


2.2. Titularidade do poder soberano


Perduram alguns contrastes doutrinários sobre esta matéria. Nem o Direito Constitucional nem a Teoria Geral do Estado caminham no sentido de transigir sobre a titularidade do poder soberano. Para uns, o verdadeiro titular da soberania é o Estado; para outros, a soberania concentra-se nas mãos daquele que assume o comando da nação. Destaca-se aqui o sublime apontamento de Rousseau, cuja filosofia já foi supramencionada, cerceia tais ideologias ao patrocinar o povo como real detentor da titularidade soberana.


“Como resultado dessa conclusão, refuta-se as ideias de Maquiavel, Bodin e Hegel lembrando que a ideia de soberania deve ser realmente reestruturada, pois não pode mais ser vista como um atributo do Estado”.[56]


O sufrágio universal e a virtude soberana como princípio norteador de vários mecanismos legais são dois exemplos da titularidade pública sobre a soberania, tão quanto pactua a Constituição do Brasil de 1988. Na pós-modernidade, a única fonte do poder soberano, de modo originário, é o povo, que vira seu legítimo titular. Fonte subsidiária desta soberania é a lei (ou contrato social, para Rousseau), que declara a delegação do poder pelo povo ao Estado, que, por sua vez, cumpre ela junto de seus estamentos cruciais (esferas executiva, legislativa e judiciária). O ato popular que delega o poder do povo é passível de revisão a qualquer tempo. Para a saudável realização desse processo, é recomendável a plena colaboração do povo na expressão de suas vontades.


2.3. Correntes fundamentais


Várias teorias foram surgindo através do tempo para explicar os fundamentos que formam o poder soberano. Algumas delas são dignas de nosso enfoque, como, por exemplo, a Escolástica Alemã e a Austríaca.


A primeira das principais correntes fundamentais é a teoria da soberania absoluta do rei, sistematizada na França do século XVI, e que atualmente acha-se em desuso contundente. Seu expoente teórico foi Jean Bodin, e serviu como escopo para o estabelecimento e perpetuação de monarquias e impérios. Aparece assim a designação “direito divino dos reis”. Deus incorporava-se na pessoa do monarca, que, por consequência, deveria exercer o poder pleno, perpétuo, absoluto e ilimitado. Predominou durante a Idade Média, atingindo seu ápice com o absolutismo europeu desse período.


Surgindo em meio aos praticantes da Escola Espanhola, a teoria da soberania popular parte do princípio do direito divino providencial, aquele dado por Deus ao povo, e não diretamente ao rei, como imaginava Bodin. Gratia argumentandi, o poder público que legaliza a proposição do ser governamental, o que justifica o direito de resistência pelo povo e a limitação da vontade real pela sociedade.


Os déspotas perdem ainda mais seu prestígio com a ascensão da teoria da soberania nacional, exsurgida do pressuposto de que o único poder se origina da nação, que pode ou não consentir com a política de governo. Destarte, compete a pura soberania aos nacionais e nacionalizados na prática da cidadania. A imposição do Parlamento à autoridade executiva de alguns países encontra exímio substrato a partir desta teoria, bem como a tematização da Revolução Francesa e dos movimentos liberais.


Das Escolas Alemã e Austríaca provêm acirradas discussões contra a Escola Clássica Francesa, no que concerne à teoria da soberania do Estado, a qual atribui a esta organização toda e qualquer fonte de poder. Essa ideologia foi um tipo de fomento para os regimes totalitaristas e para a cópula de sentimentos de cunho extremista e nacionalista (como, por exemplo, a xenofobia).


A contrario sensu, tanto a Escola Austríaca como a Escola Alemã modelam o padrão de soberania com bases essencialmente jurídicas, negando restrições advindas do direito natural. Aqui, direito e Estado são papéis que se completam, de modo que um não existe sem a chancela do outro.


Dessa forma, a soberania figura como teor supremo e coativo, erguendo a bandeira da estatalidade jurídica, isto é, a soberania é poder de direito e este estrutura o Estado, de modo que há uma mútua complementação desses pólos. Jellinek e Kelsen são, respectivamente, líderes dos postulados alemães e austríacos.


Para a teoria negativista da soberania, defendida por Leon Duguit, o ideal de soberania inexiste no plano concreto, limitando-se somente ao campo irreal (conceito abstrato ou metafísico de soberania). Segundo os negativistas, soberania compreende um mero serviço público como qualquer outro a ser desempenhado pelo Estado, que reúne em si as noções de pátria, governo e cosmo do direito.


Uma dessas vertentes que vêm tendo relativo destaque refere-se à teoria institucionalista, também conhecida como teoria realista. Estado e nação distinguem-se, apenas ganhando unidade em face do meio internacional. Por isso, a soberania, como expressão da identidade popular, é proveniente da nação, mas só passa a ser exercida através do ordenamento formal dinamizado pelo Estado. Assim, a concretização funcional e objetiva da soberania é realizada por vias estatais de poder. Em virtude desse fato, o Estado exerce a soberania em nome da nação, sendo por ela sujeito a certas limitações e à racionalidade política.


2.4. Soberania e globalização


Já não vingam mais, na realidade atual, as antigas compreensões absolutas de poder estatal, amargadas em face da vergonha resultante de coordenações totalitárias aparecidas num cenário de animosidade entre influentes países.


“[…] após a Primeira Grande Guerra, surgiram os regimes totalitários como o nazista e o comunista que reafirmaram a idéia de soberania absoluta, já que seus sistemas jurídicos primavam pela primazia do Direito Interno em relação ao Direito Internacional. É o que se convencionou chamar de “razões de Estado”, ou seja, cada Estado poderia fazer o que bem entendesse com as pessoas que estivessem sob sua tutela. Tal postura acabou por legitimar as atrocidades cometidas pelas lideranças totalitárias contra judeus, homossexuais, ciganos, dentre outros.”[57]


Em pleno auge do século XXI, a derrubada de fronteiras emerge de um dos principais e mais fortes fenômenos contemporâneos: a globalização. Este pendor não diz respeito somente a um processo social ou econômico. Acima de tudo, ele simboliza uma inovadora forma de ver o mundo em que vivemos. Sua origem data dos séculos XV e XVI, dos porões da expansão ultramarina que tomou conta do Velho Mundo, mas foi diante da atualidade que a globalização teve significativo impulso, atingindo amplos horizontes. O imperialismo, o universalismo, o mercantilismo e tantos outros comportamentos funcionaram como motores para tal evolução. Tanto que, a partir da década de 90, as utilidades sociais, como ciência, tecnologia e comunicação, foram se aprimorando vertiginosamente, de maneira a se amoldar aos instáveis hábitos humanos. A era global vem tomando espaço e também nosso tempo in totum de forma surpreendente e fascinante, dádiva esta da crescente interação entre os indivíduos e entre as nações de todo o mundo.


O choque de culturas e a extinção de barreiras são consequências inerentes à globalização desenfreada. O contato entre diferentes grupos acelera-se a cada dia que se passa. A circulação de pessoas, serviços e dados convergem numa dinâmica animalesca, sendo que as ações político-econômicas tornam o planeta ainda menor.


Hoje em dia, para sentir a influência da globalização não precisamos ir muito longe. Basta só enxergar com atenção tudo que está à nossa volta. O convívio com produtos importados, multinacionais, assim como os novos tipos de relacionamento derivados da internet, já fazem parte do nosso cotidiano e proporciona a troca rápida de informações numa onda contagiante de avanço ao futuro.


A profusão cognitiva do homem globalizado tem sido a maior de todos os tempos. Se, por um lado, a globalização oferta tantos benefícios, por outro, ela transparece também alguns pontos negativos. Exempli gratia, a globalização mostra seu lado positivo ao promover uma melhor aproximação de países, mas peca ao refletir as disparidades entre eles. Com efeito, o requisito do IDT (Índice de Desenvolvimento Tecnológico) presente na técnica de apuração do IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) de uma população é uma boa evidência desse vício globalizado.


O Brasil vem se adaptando tardiamente à globalização, juntando os esforços disponíveis para tanto. Consta que o primeiro estímulo oficial nesse sentido foi dado durante a gestão do presidente Fernando Henrique Cardoso (iniciada em 1995), conquistando mais solidez nos governos posteriores.


 Ante tais mudanças, o conceito de soberania sofreu latente reformulação, na busca de orquestrar-se à realidade hodierna. A revolução comunicativa pautada pela globalização instiga o fluxo volumoso de informações entre muitos lugares simultaneamente, com uma velocidade imperceptível há alguns anos atrás. Isso incentiva um aglomerado de relações sociais que vão além das fronteiras, comprometendo o controle territorial incumbido ao Estado no exercício da sua soberania.


“A informação tem, ainda, o poder de fortalecer ou enfraquecer governos. A globalização e a “democratização da informação” criaram para os governos o seguinte dilema: se o governo mantiver o monopólio da informação, manterá também o controle sobre a população, mas se verá alijado do cenário internacional globalizado; por outro lado, se permitir que a população tenha acesso à informação, perderá um de seus mais poderosos instrumentos de controle. As populações dos mais diversos países estão, com cada vez mais freqüência (e algumas delas pela primeira vez), dizendo aos seus governos o que estes devem fazer por elas; tal seria inimaginável num passado em que apenas uma pequena elite oficial controlava o acesso a todas as informações.”[58]


Desse modo, a publicidade de decisões tomadas pelo Estado torna-se uma fatalidade ocasionada pela globalização informativa. Na maioria das vezes, o privilégio internacional de um Estado é mensurado pelo nível de informações mantido entre este, seu povo e outros países soberanos. O rateio de informações, a confecção de tecnologia de ponta, a evolução das redes de transporte e telecomunicações ensejam um fracionamento do poder, porquanto os liames da informação não se atam mais à situação territorial da sociedade. De acordo com Perini:


“Essa intensificação da interdependência em escala mundial desterritorializa as relações sociais, e a multiplicação de reivindicações por direitos de natureza supranacional relativiza o papel do Estado-nação, que tem como uma de suas características principais a territorialidade. Há algumas décadas, ficava bem mais evidente a situação de um Estado que deixava de ser soberano após ter seu território invadido e ser subjugado por outro Estado. Hoje, para controlar um país, não se tem só a opção de enviar exércitos e ocupar o território, mas, ao contrário, pode-se controlar a economia do país e modificar os valores culturais dos habitantes, através dos meios de comunicação. Dessa forma, a perda ou a mitigação da soberania ocorre de forma muito mais sutil, mais camuflada”.[59]


A revisão conotativa da soberania procede do fato de que esse poder, recentemente com sua investidura clássica ultrapassada, alveja atender às expectativas das novas modalidades de relações sociais. Os Estados, tentando alcançar vasta efetividade, tendem a se unir sob formato de associações superiores e fundadas com a cessão de parte da soberania de cada um deles. Desse jeito, organismos supranacionais despontam em diversos cantos do globo, como a União Europeia, a ONU, a Liga das Nações, o Mercosul, etc.


Neste caso, a soberania perde a caracterização absoluta antes lhe imputada, e passa a ser vista como poder limitado, infinitamente dependente do regime jurídico internacional. A associação entre Estados prevalece num mundo em que uma nação individualmente não consegue abranger as relações globalizadas. O esforço coletivo de países é crucial para esse intento.


Em suma, as relações sociais globalizadas escapam das fronteiras físicas dos Estados, que já começam a repensar seus conceitos de modo a garantir melhor eficácia sobre elas. Para tanto, os Estados teriam que se unir abrindo mão de parte das suas respectivas soberanias para a construção de equipes internacionais, regidas por tratados, e não por leis ou Constituições, mas que ajudam no comando do poder soberano, ainda que redefinido por medidas limítrofes. As obrigações comunitárias pertinentes a essas alianças devem ser incorporadas, ou melhor, internalizadas de acordo com as peculiaridades de cada ordenamento aderente. Na sua exegese, Ives Gandra Matins repousa o raciocínio sobre a mudança no perfil do Estado e da soberania como determinante para a percepção atual:


“[…] do Estado Clássico surgido do constitucionalismo moderno, após as Revoluções Americana e Francesa, para o Estado Plurinacional, que adentrará o século XXI, há um abismo profundo. […] em outras palavras, o Estado Moderno está, em sua formulação clássica de soberania absoluta, falido, devendo ceder campo a um Estado diferente no futuro. […] n a União Européia, o Direito comunitário prevalece sobre o Direito local e os poderes comunitários (Tribunal de Luxemburgo, Parlamento Europeu) têm mais força que os poderes locais. Embora no exercício da soberania, as nações aderiram a tal espaço plurinacional, mas, ao fazê-lo, abriram mão de sua soberania ampla para submeterem-se a regras e comandos normativos da comunidade. Perderam, de rigor, sua soberania para manter uma autonomia maior do que nas Federações clássicas, criando uma autêntica Federação de países. […] nada obstante as dificuldades, é o primeiro passo para a universalização do Estado, que deve ser “Mínimo e Universal”. […] a universalização do Estado, em nível de poderes decisórios, seria compatível com a autonomia dos Estados locais, aceitando-se a Federação Universal de países e eliminando-se a Federação de cada país, que cria um poder intermediário que, muitas vezes, se torna pesado e inútil”.[60]


Com certeza, “o fenômeno da globalização é o ponto de partida para a migração do poder que se verifica na recente história mundial” [61], a qual suscita uma redefinição político-jurídica a nível contemporâneo.


2.5. Limitação da soberania estatal


A soberania em suas diversas formas, tanto interna (supremacia federativa) quanto externa (independência e personalidade internacional), suporta imposições de limites oriundos de múltiplas órbitas. Dentre esses limites, destacam-se especialmente o direito privado dos populares e o direito imperativo da esfera externa.


O Estado é máquina subserviente nata ao povo, e como tal apenas se limita a atender às suas exigências. Prevendo tais relações, as leis se põem como objeto legítimo de limitação do poder, para que o Estado lute pelos ideais estritamente declarados na sociedade civil. A autoridade legal está acima do Estado, haja vista que a lei nada mais é do que a expressão materializada da soberania conferida pelo público. Desta forma, leis, decretos, jurisprudências e, inclusive, os princípios gerais do direito natural atropelam a gana discricionária do Estado, demarcando a atuação desenvolvida por este na perseguição dos seus fins.


“A única fonte legítima (originária) de poder, no mundo pós-moderno (mundo da história não linear), é o POVO e a fonte secundária é a lei (ordenamento jurídico) criada pelo POVO, cabendo ao Estado, como uma das instituições da NAÇÃO exercer a função de fazer cumprir a lei pelos segmentos básicos do serviço público (executivo-administrativo, comissário-legislativo, judiciário). Estado não é […] soberano por atributo intrínseco, mas exerce a soberania por delegação popular numa relação jurídica revisível a qualquer tempo pelo povo”.[62]


Arrebatado pelo ímpeto do bem comum, o Estado tem o seu desempenho limitado também por valores arraigados no meio social, como a religião, a ética, a democracia e o culto à família. O respeito a esses fatores confirma o Estado como honroso cumpridor de deveres e adepto do autocontrole. A limitação estatal não deve ser tida como expiação de penalidade, mas como uma condição para o desdobramento pacífico do ciclo internacional.


Não só a sociedade se coloca como limite para a soberania dos governantes, a própria presunção da coexistência de outros Estados consiste noutro veículo que racionaliza esse potencial. Inclua-se aos Estados ainda as organizações, associações (como já tratamos anteriormente) e afins que, como atores do domínio externo, detém o condão de limitar o caráter soberano. É propício exclamar aqui sobre a junção bem sucedida dos países em torno da Comunidade Europeia[63], conforme insinua Eduardo Carlezzo:


“O processo de integração europeu, até alcançar um patamar de supranacionalidade, não ocorreu de uma hora para outra, mas sim começou a cerca de 50 anos atrás, com Tratado de Paris, que constituiu a Comunidade do Carvão e do Aço (CECA), inicialmente composta por seis Estados. Este tratado estabeleceu instituições independentes dos respectivos Estados membros que passaram a ser responsáveis pela gerência do carvão e do aço dos mesmos. Outro passo importante foi dado em 1957, com o Tratado de Roma, que criou a Comunidade Européia de Energia Atômica (CEEA ou EURATOM) e a Comunidade Econômica Européia (CEE). Assim, com o desenvolvimento das relações entre os Estados e com as semelhanças dos dirigentes destas três comunidades, em 1992, assinou-se o Tratado de Maastricht, que criou a União Européia”.[64]


Porém, mesmo com esse arsenal delimitador e incidente sobre a soberania, devemos nos ater principalmente sobre o influxo dos direitos humanos como argumento para a limitação do poder soberano dos Estados. Será dada mais ênfase a este fato nas próximas meditações. Por enquanto, precisamos saber que os direitos humanos são, nos dias de hoje, uma chave-mestra para a ponderação do ato de limitar ou não a soberania nacional.


O que se pretende com isso não é denegrir ou menosprezar a instituição estatal de forma alguma. O que se intenta com o procedimento de limitação da soberania é lembrar que o Estado deve sempre servir ás veleidades do seu povo, e não o contrário. Pleiteia-se, através da disposição desses limites, um Estado ainda mais apto a tratar os problemas sociais com exatidão, dedicação e perseverança.


3. Intervenções humanitárias: os fins justificam os meios?


Dispondo as peças sobre o tabuleiro, colocaríamos de um lado do jogo a figura soberana do rei, que exala, de primeira, a imponência do seu valor. Este por si só não representaria nada sem a presença das outras peças inferiores, que merecem o devido respeito por sua contribuição ao prosseguimento das jogadas e ao tão reclamado fair play. Elas servem como trunfos fundamentais, capazes de aflorar saídas ainda não privilegiadas pelos participantes. Assim como tais trunfos, apresenta-se o fardo inato das garantias daqueles que sustentam todo padrão de soberania, os direitos humanos. O embate entre esses dois elementos, direitos do homem e soberania, jamais será restrito a uma singela partida de xadrez, pois os valores em questão são infinitamente maiores do que qualquer xeque-mate do jogador vitorioso. Estes valores invadem uma classe superiora de ideias e certifica a ordem e a paz sobre a imperiosa humanidade. Dois valores distintos, mas primordiais para a composição das relações entre pessoas internacionais.[65] São responsáveis também por basear uma das práticas mais polêmicas do âmbito do direito internacional: as intervenções humanitárias.


Essas intervenções são tidas como o aglomerado de atividades externas que interferem direta ou (até mesmo) indiretamente sobre a soberania de determinado Estado violador dos direitos fundamentais de sua sociedade, almejando interromper a perpetuação das manifestações contrárias à essência natural do ser humano, tendo em vista as correntes e os planos humanísticos da comunidade internacional. Trata-se de uma atitude tão arriscada quão necessária à defesa dos direitos humanos passíveis de injusta agressão. É um prisma complexo e que divide opiniões. No entanto, revela-se como alternativa para a coibição dos atos extremistas dilacerados durante o estender da Segunda Guerra Mundial e que ainda subsistem com teimosia em nossos dias.


Há, outrossim, quem conteste o próprio termo “intervenção humanitária”. Parte dos doutrinadores segue a pretensão de uma titulação substituta sob a terminologia de “proteção humanitária”, excluindo quaisquer confusões que rodeiem a denominação. Gareth Evans e Mohamed Sahnoun são alguns desses estudiosos que simpatizam com tal adequação.


Noutro foco, intervenção equivale a uma espécie de ingerência ocorrida no vácuo internacional com norte no suprimento da carência humanitária. Em aspecto conceitual do jus gentium, intervenção e ingerência compreendem diferentes investidas sobre o espaço estrangeiro, apesar de esporádica paridade, pois:


“Tanto a ingerência quanto a intervenção partem da mesma fonte imediata, qual seja, a igualdade soberana dos Estados. Todavia, o conceito de ingerência é muito mais abrangente, sendo a intervenção uma de suas modalidades. A ingerência poderia ser classificada com uma intromissão ilícita em território estrangeiro, quando se tratando e assuntos e competência exclusiva interna de Estados soberanos. Ocasião esta totalmente contrária à situação dos direitos humanos, uma vez que fazem parte da jurisdição da sociedade internacional, tornando lícita, portanto, as chamadas intervenções humanitárias [….]”.[66]


A proteção dos direitos humanos autentica cada uma dessas intervenções. É fato que esta moda já se proliferou entre povos de muitas etnias, religiões e culturas. É um tema especial que merece, sobretudo, toda a atenção que lhe é empregada. Prova disso são as constantes expressões de repulsa popular a governos, facções e demais entes transgressores do ordenamento humanitário. Por exemplo, a China (país que condiciona incisivamente a vida dos seus habitantes) sofreu nítidos protestos contra seu posicionamento em face dos direitos humanos, quando da sua exposição nos Jogos Olímpicos de 2008. Os sessenta anos da Declaração Universal dos Direitos do Homem foram comemorados com euforia diante do Portão de Brandenburgo numa Alemanha livre do nazismo, onde a queda do muro de Berlim traduziu a vontade de unificação do povo clemente por dignidade. A comoção internacional pela libertação da senadora colombiana Íngrid Betancourt ainda em 2008, depois de ficar anos flagelada em poder das FARC[67] é outra amostra disso, bem como a aplicação da pena capital ao estadista iraquiano Saddam Hussein em 2006, condenado por vitimar milhares de pessoas. As vibrações ocidentais com a morte de Osama Bin Laden, já em 2011, que aliviou uma vitória sobre a incessante batalha contra a Al-Qaeda, e tantos momentos ao redor do planeta são apenas reflexos de que os direitos humanos já deixaram de ser anseios temas secundários na repercussão internacional há muito tempo. É nesse sopro que se inspiram as correntes do intervencionismo.


À guisa de melhores considerações sobre o tema, serão concedidos profundos apontamentos nas páginas subsequentes. De certo, o mais relevante dos discursos em breve reside nas intenções embutidas no instrumento de intervenção. Aqui, sobra momentaneamente a corrosão do quesito maquiavélico: será que esses fins justificam mesmo os meios interventivos?


3.1. O direito de intervir


A possibilidade de interferir no comando do espaço territorial, marítimo ou aéreo de determinado Estado soberano, por ter este violado o presumido senso de proteção dos direitos humanos, faz parte de um leque de repreensões ou punições a serem aplicadas sobre tais entes violadores. A intervenção funciona como uma opção para extirpar injustiças humanitárias que podem ocorrer em qualquer lugar sob os mais diversos formatos. Pode ser comparada, inclusive, como uma eficaz munição a ser utilizada na batalha pela paz universal. Consiste num direito arraigado dentro da comunidade internacional, e que pode ser acionado a todo tempo, sempre que as circunstâncias o exigirem. Sua natureza está adstrita na própria esfera das relações internacionais, sendo a quebra da soberania vista amiúde como penalidade jurídica, se homologada pela chefia competente da ONU. O seu fato gerador é representado pela incidência de lesões aos direitos fundamentais dos indivíduos.


A degradação da vida humana; a tirania opressora dos ditadores; as privações ilegais de liberdade; a coação exagerada; o desamparo da fome, da pobreza e da miséria; o perigo dos crimes contra a humanidade (genocídio, atos atrozes, perseguição grupal, repressão política); isso tudo demonstra a necessidade de medidas enérgicas de proteção aos direitos humanos como as intervenções internacionais, motivo por que o direito de intervir vem se tornando habitual na modernidade geopolítica mundial.


Em se tratando dos países estrangeiros como usuários do direito de intervenção, é preciso ressaltar que esta deve ser assimilada tanto no meio exterior como dentro do Estado interventor. Segundo André Regis, a assimilação supracitada tem coerência com o empreendimento democrático, pelo qual os cidadãos tomam conhecimento do limiar estratégico desse intervencionismo. O pensamento é traduzido com as seguintes palavras, in verbis:


“Numa democracia, o suporte político dos cidadãos é uma condição moralmente necessária para qualquer intervenção humanitária. Se os cidadãos rejeitam a ideia de Guerra Justa, pois acreditam que as guerras só devem ser promovidas para garantir os próprios interesses estratégicos dos Estados, então intervenções humanitárias serão inviáveis do ponto de vista político. É interessante observarmos que, em regra, a opinião pública interna dos países com capacidade de intervenção tende a aceitar o custo, em termos de vidas dos combatentes, em guerras motivadas pelo interesse nacional, como, por exemplo, luta por aquisição ou manutenção de território; contudo, isso não acontece com relação às intervenções humanitárias. Ainda quanto à influência da política interna, devemos destacar que os governantes tendem, antes de tomar qualquer decisão sobre possível intervenção, a analisar o que eles poderão ganhar ou perder eleitoralmente com a intervenção”.[68] (grifo nosso)


Com isso, entende-se que nem sempre a teia intervencionista está desvencilhada do fenômeno democrático, haja vista que, de acordo com este, o povo se presume ciente plenamente acerca de todas as decisões concluídas pelo seu Estado. A Guerra Justa[69], neste caso, refere-se à luta intensa em benefício dos indefesos, daqueles que não reúnem condições de tutelar suas garantias essenciais. Enfim, as intervenções amoldam-se ao padrão de Guerra Justa, à medida que a reprovação imediata das injustiças já entrou num consenso geral entre todos (assim como vimos logo nos primeiros trechos deste trabalho).


Quanto ao emprego de força armada nas ações interventivas, ainda há um sério e controverso problema que assola a questão. Na Carta das Nações Unidas, inclusive, a recorrência bélica das intervenções é terminantemente proibida, excetuando-se a proteção do interesse comum. O problema concerne no fato de que ainda “não há uma definição pacífica do que seja o interesse comum, nem tampouco de quem tem autoridade para defini-lo”.[70] A onda de desconfiança e de discórdia, notadamente resultante da performance duvidosa dos Estados Unidos na liderança mundial, também é outro agravante para esta situação, já que o Estado americano comanda boa parte das intervenções efetivadas.


É sensato lembrar que, além de zelar pelo arroubo dos direitos humanos, a investida dos interventores se contrapõe à manutenção da soberania estatal. Entra em cena, aqui, o dilema central da tática intervencionista: o que vale mais, os direitos humanos intrínsecos a cada indivíduo ou o favorecimento peculiar conferido aos Estados soberanos?


Esta pergunta é veemente para toda a metodologia do intervencionismo e provoca múltiplas deliberações quanto à impressão do mesmo. Pode ser simplificada por meio do seguinte esquema:


Organograma 1: Ilustração sobre a reflexão que cerca as intervenções.


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Já propomos que os dois conceitos (soberania e direitos do homem) são naturalmente contraditórios e dignos de grande e rebuscada análise. Desde os tempos do Tratado de Vestfália de 1648, a soberania vem se lapidando consoante matrizes de igualdade jurídica dos Estados. De lá para cá, “o princípio da soberania vem sofrendo progressivos desgastes no sentido de atender às necessidades de uma nova ordem jurídica internacional” [71] que vem se impondo de maneira bastante paulatina.


A conduta impiedosa adotada em nome do Estado, na Segunda Grande Guerra, e que lhe arrogou caráter totalitarista e militar, serviu como chamada emergencial para o apropriado trato dos direitos humanos e a criação de uma zona definidora da extensão soberana até então ilimitada. O Nazifascismo que se espalhou na Europa durante o século XVIII foi o baluarte para ações infames contra a vida e a democracia. A Alemanha nazista de Adolf Hitler e a Itália fascista de Benito Mussolini foram edificadas a partir de um nacionalismo extremado que cultuou o orgulho patriota, o combate à liberdade e a superioridade racial (arianismo para os alemães). A Segunda Guerra Mundial deflagrou um cenário de catástrofe, onde imperava a carnificina da caçada aos judeus, ciganos, homossexuais, comunistas, negros, soviéticos, eslavos e outros inocentes. Sobre isso:


“O certo é que entre 1939 e 1945 desencadeou-se o mais cruel e generalizado conflito bélico entre potências mundiais, com um saldo de milhões de mortos e as piores atrocidades cometidas. Elementos ideológicos recolhidos do biologismo deram o discurso de justificação ao hitlerismo; a “ditadura do proletariado” marxista e a utopia da sociedade sem classes ou comunismo brindaram os instrumentos ideológicos de justificação do stalinismo; o liberalismo do século XVIII e começos do século XIX foi, junto com a teoria da necessidade, a ideologia de justificação do aniquilamento nuclear das populações civis de Hiroshima e Nagasak”i.[72]


Como se percebe, muitas são as justificativas para violações dos direitos humanos em face do poderio soberanos de Estados-nações. A retórica dessas ideologias atraiu (e atrai até hoje) adeptos de amplos setores sociais, conseguindo força e voracidade. No tocante à influência persuasiva desses regimes sobre seus comandados, acrescenta-se que:


“Cada atrocidade foi cometida em nome da “humanidade” e da “justiça”. Cada um dizia que queria “libertar” o homem (o “super-homem” criador do “mito democrático”, ou libertar todos os homens da exploração do capital ou do Estado). Cada ideologia tinha “sua” ideia do homem e, na medida em que a realizava, tudo estava justificado pela necessidade. Daí nenhuma delas poder deter-se em obstáculos formais e se orientar por seu próprio “direito natural””.[73]


Realmente, o holocausto abrigou um desastre terrível, que jamais deverá ser reinventado, exterminando multidões em prol da exaltação do poder estatal, o que foi um alerta às autoridades mundiais para exercer com cautela a proteção dos direitos humanos. A constante empírica da Segunda Guerra aliada com a conscientização internacional pela prevenção de novos extermínios empreendeu os alicerces da fundação da ONU, organismo voltado à preocupação com os direitos humanos de porte nunca dantes visto na história. Assim como entidades da mesma linhagem, a ONU surgiu para conter a periculosidade de uma nova guerra entre superpotências, livremente se baseando na filosofia da harmonia eterna estatuída num opúsculo de Immanuel Kant. A Declaração Universal de 1948 veio justamente para pôr a termo os objetivos da ONU, surgindo concomitantemente com o diploma seccional da Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem.


A Guerra Fria, sucedida entre 1945 e 1991, não só repartiu o mundo em dois blocos hegemônicos (de um lado, o capitalismo americano e, do outro, o socialismo soviético) como também foi um período de enorme cautela para os defensores dos direitos humanos, razão por que a sociedade internacional ficou vigilante sobre as incertas ameaças de um conflito propriamente dito. Neste momento, transige-se a ideia de expandir o tema dos direitos humanos para o campo universal, não os deixando mais contidos na jurisdição doméstica dos Estados. Projetou-se, desse modo, a tendência da internacionalização dos direitos do homem.


“O grau de respeito aos direitos humanos transformou-se num dos principais elementos para aferir-se a inserção de determinado país na Comunidade Internacional. Com isso, os direitos humanos deixaram de ser uma questão de domínio reservado dos Estados e ganharam o status de tema global […]”.[74] (grifo nosso)


Por outra ótica, essa internacionalização (ponto já observado anteriormente) instiga o ânimo do direito de intervir, dado que esse processo eleva a pretensão humanitária a um patamar superior, não sobrando apenas nas míseras linhas do ordenamento de cada Estado. Com o sucedâneo internacionalista, a proteção dos direitos humanos avistou novos e amplos horizontes através de acordos, tratados e convenções mundiais acerca dessa questão. Em igual proporção, foram se torneando sistemas regionais e periféricos de direitos humanos, típicos de determinadas regiões ou continentes, ativando de forma subsidiária os remédios humanitários do regime autorizado de controle estatal. É o caso dos já citados complexos normativos Americano, Europeu e Africano, bem como a Liga Árabe. Flávia Piovesan complementa que:


“[…] a Carta das Nações Unidas de 1945 consolida, assim, o movimento de internacionalização dos direitos humanos, a partir do consenso de Estados que elevam a promoção desses direitos a propósito e finalidade das Nações Unidas. Definitivamente, a relação de um Estado com seus nacionais passa a ser uma problemática internacional, objeto das instituições internacionais e do direito internacional”.[75]


Como frisamos antes, os direitos humanos são universais e imprescritíveis, devendo ser alvo do respeito geral. Inclusive, sobre este entendimento repousam as previsões de inúmeras Constituições pelo mundo. Enquanto isso, o Estado vem se distanciando do modelo hobbesiano, tendo sua soberania abalada de maneira significativa na atualidade. Destarte, o direito de intervir ultrapassa o atributo soberano em detrimento dos desmandos do Estado, para pôr em efetividade os preceitos humanitários. Sobre a posição privilegiada dos direitos humanos neste ramo, o catedrático jurisperito Antônio Augusto Cançado Trindade pontua relevante opinião, in verbis:


“[…] o Estado que não respeita os mais basilares direitos humanos, que oprime e castiga seus súditos, que faz discriminações graves contra parcelas de sua população por motivos étnicos, raciais, sexuais, religiosos e condutas similares, não têm, pelo menos do ponto de vistas moral, direito à soberania, à autodeterminação, à igualdade, entre outros.” (grifo nosso)


No Brasil, a potencial valia dessas garantias básicas vem disposta nas palavras da Emenda Constitucional nº 45, publicada em dezembro de 2004, que confere caráter constitucional aos tratados e acordos internacionais de direitos humanos aprovados no Congresso Nacional. Além disso, os direitos humanos têm presença registrada no rol taxativo de cláusulas pétreas da nossa Carta Magna (art. 60, § 4º, IV, CF/88).


Pouco importando a nacionalidade, a luta incansável em favor dos direitos do homem passa a ser de preocupação internacional, responsabilizando todos aqueles que ousarem atentar contra a estabilidade humanitária. O direito de intervenção sobre a soberania alheia emerge como instrumento de proteção nessa causa. Ab alto, muito da disseminação desse ímpeto deve-se à popularização da Declaração Universal e à estruturação do Direito Internacional dos Direitos Humanos. O tratamento especial dos direitos fundamentais se arvora na feição simbólica e artificial dos mesmos, a qual embrenha o abismo havido entre a sua idealização e a sua concretização.


Antes de qualquer coisa, é cabível sublinhar que a segurança da intervenção logra de impressões subjetivas que constrangem a sensibilidade humana de tal modo que não se vê outra saída a não ser interferir drasticamente sobre o problema para acabar com o mal-estar. Eis o cunho subjetivo do direito de intervir em domínios estrangeiros. Ainda assim, é extremamente viável saber usar a prerrogativa intervencionista, visto que há momentos em que é possível dispensá-la, porquanto se desconhece grande porcentagem das crises humanitárias hodiernas, sendo que algumas delas poderiam ser apaziguadas sem necessidade de intervenções agressivas. O senso da ponderação é vital nesse tracejo.


3.2. Cooperação internacional


Tendo como plataforma o ambiente exterior, revigora-se uma teia de contatos entre diferentes Estados estrangeiros. Este tem sido um fado cada vez mais presente no sistema internacional, que se ajusta aos moldes de relações políticas, sociais e econômicas mantida entre os países. O próprio sistema, com sua natureza anárquica, ainda se depara com pendências à defesa da soberania. De certa forma, isso diminui a resolução das lides humanitárias, especialmente no que se refere às intervenções, que encontram seu déficit nas barreiras levantadas pela imagem máxima da soberania.


Todo comportamento estatal surte reflexos nesse sistema, ensejando, direta ou indiretamente, efeitos sobre os demais Estados da comunidade. Essa é uma fórmula basilar para o conjunto internacional: toda ação sempre acaba gerando uma reação. Dessa condição advêm os conflitos externos, nos quais se opõem os interesses das nações. Isso representa, lamentavelmente, uma colaboração de fundo negativo para o sistema internacional. Resta prejudicado também o módulo de cooperação nessa rede, como explanaremos adiante.


Buscando amenizar a irrisão instaurada pelos reflexos nocivos que maculam a ordem da plataforma internacional, é conveniente que se elaborem regimes para conter tais malefícios. Muito se pensou acerca de um regime mundial de governo[76], que tomaria conta de setores específicos para a vivência da humanidade, exercendo supremacia sobre todos os Estados, projeto que fracassa na falta de unicidade do sistema internacional, devido à difícil conjugação deste que agrega divergências gritantes.


Para André Regis, o mundo precisa ser visto com exclusividade humanitária, porém a onda de estatalidade política não propicia esse intento:


“Na realidade, o mundo hoje ainda é bastante parecido com o mundo de Vestfália quanto à sua divisão política. Ou seja, o sistema internacional, por ser formado a partir de células individuais – os Estados – não permite a substituição da fragmentação política responsável pela geração das visões parciais comprometidas com os interesses estatais. Como consequência, as políticas governamentais não levam em consideração o que seria melhor para o mundo como unidade humanística: o que prevalece sempre é o que é melhor para o próprio Estado”.[77]


Esse ponto de vista estatal representa obstáculo à consecução da plena cooperação porque, quando o Estado empenha-se em resolver discussões internas, esquecendo daquelas fora da sua abrangência, ele vira as costas para o movimento cooperativo prestigiado no seio internacional. Talvez fosse vantagem a estipulação de um organismo apto em articular relações internacionais no sentido da cooperação recíproca, já que a ONU assume limitadamente este encargo.


Por causa da lacuna de um regulamento geral, a cooperação passa a ser exercida de acordo com a especificidade de cada gênero das relações externas, tanto que aquela se rateia em contumazes segmentos: cooperação militar, cooperação cultural, cooperação tecnológica, cooperação econômica, etc. De acordo com tais naturezas, surgem entidades distintas para cada papel: Organização Mundial do Comércio (OMC), Organização Internacional do Trabalho (OIT), Fundo Monetário Internacional (FMI), dentre inúmeras outras.


Assim é ornamentado o sistema internacional, onde a falta de poder regulador universal é suprida pela atividade de instituições multilaterais sobre assuntos de interesse dos Estados. Nesse caso, a debilidade humanitária relaciona-se com o desleixo estatal em face da proteção da dignidade do homem. Disso aflora a precariedade dos direitos humanos que ainda desfigura o sistema internacional, o que omite a acepção cooperativa na seara em foco.


Questionamento necessário acerca do tema se instala no tocante à procedência do instinto da cooperação num mundo tomado pela hegemonia de pequeno número de Estados sobre outros menos desenvolvidos. Depois do Tratado de Vesfália, a política de relações internacionais tem sido conivente com a liderança hegemônica de uma superpotência estatal, posto insofismavelmente atribuído hoje aos Estados Unidos da América. Nihil obstat, até mesmo a fixação dessa hegemonia pode ajudar na missão cooperativa ao diligenciar regimes internacionais[78].


De acordo com Robert Keohane:


“[…] manter um regime internacional é mais fácil do que criá-lo. Os regimes internacionais podem constituir-se nos principais responsáveis pela cooperação internacional. Os atuais regimes internacionais foram resultado do esforço americano para criar uma nova ordem internacional liberal que favorecesse o desenvolvimento do liberalismo para a promoção da expansão do capitalismo. Por isso, depois da 2ª Guerra Mundial as instituições criadas podem ser divididas em dois grupos. O primeiro liderado pela ONU, voltado para a garantia da paz internacional, e o segundo, voltado para a liberalização do comércio internacional. É nesse segundo grupo que encontramos o GATT, o FMI, o Banco Mundial, por exemplo. […] A cooperação somente se torna necessária num contexto de discórdia. Assim, para evitarem os efeitos negativos da discórdia, os Estados negociam e barganham mediante o emprego de políticas de coordenação”.[79]


Se o comportamento entre Estados é, em regra, tido como anárquico, o sistema em si deve lançar mão de mecanismos de cooperação, almejando amenizar a multiplicação da discórdia entre os estrangeiros. A própria anarquia foi e será eternamente ligada ao sistema internacional, cuja cooperação sobressai à existência dos conflitos. Mister, aqui, é aguçar o fato de que a cooperação embarca no êxito da supressão das desavenças reais e/ou potenciais. A conservação da harmonia em meio ao confronto de distintos anseios dos Estados consiste no objeto precursor da cooperação suficiente para reger os liames internacionais.


Diante da dificuldade em reprimir a anarquia do meio externo, a ideologia de distribuição da gestão sobre o sistema parece ter bom grado, ao passo que se inaugura a noção de balança (racionalização) de poder. Por meio desta, previne-se equívocos relativos ao exercício demasiado do poder por certa potência dominante. Desse jeito, a balança de poder tende a ser unipolar, bipolar ou multipolar, seguindo à risca toda a disputa dos Estados pela hegemonia universal.


Então, a expectativa colocada em cima da melhor cooperação entre países incorpora significativa exposição dos esforços mundiais pela paz e pela tranquila convivência entre os povos. Cooperar, neste instante, sintetiza a procura de um lugar-comum entre os interesses conflitantes dos Estados, apesar de muitas serem as provações que estorvam essa finalidade. Entretanto, questão da cooperação é vetor de suma importância e que deve ser pretendido hic et nunc.


3.3. Paradigmas do intervencionismo: realismo e globalismo


A radical transformação provocada pela globalização a partir do século XX, açodada com o pós-Guerra Fria[80], ofereceu a propositura de uma nova ordem para o mundo inteiro, na qual havia revolução contundente quanto ás relações internacionais. Desmoronou-se, assim, o arcaico protótipo de ter apenas Estados atuando em nível internacional, enquanto se descobrem outras figuras com habilidades para tanto. É o que acontece com as empresas transnacionais, as ONGs, os blocos econômicos e a pessoa humana em particular. De todas essas, surpreende-nos a participação individual do homem como agente decisivo em tal lista.


Em frente da sua nova condição, o ser humano não relutou em usufruir de suas funções como elemento justificado no recente diagrama mundial. Pelo contrário, ele se engajou ainda mais nessas causas, concorrendo em feitos e fazendo por merecer essa maior segurança à sua espécie. Em se tratando dessa realização, as forças intrépidas dispostas em tal órbita visam dirimir a barbárie que acarreta sofrimentos desumanos, mitigando as relações internacionais e corroborando a estabilidade global. Bastante se consome neste ponto a eficiência das intervenções humanitárias no que concerne á difusão dessa proteção.


Tendo como enfoque o intervencionismo, há a assunção de duas teorias para a análise das relações no meio internacional sob o contexto universal, quais sejam o realismo e o globalismo.


Das duas correntes, certamente a mais remota é o realismo. As aspirações de Tucídides (471-400 a.C) sobre a Guerra do Peloponeso entre Atenas e Esparta já revelavam inclinações realistas, no que se refere ao palco do poderio helênico. Mesmo tendo sua raiz histórica ligada à Antiguidade Clássica, o realismo só adquiriu esta denominação muito tempo depois. O realismo ganhou a forma como é visto hoje logo depois da Primeira Guerra Mundial. O surgimento da Liga das Nações[81] no cenário mundial para o trato de conflitos internacionais, tentando evitar o perigo de outra guerra, não foi apreciado com entusiasmo pelos chamados realistas, que nutriam descrença na capacidade de garantia da paz por parte da Liga. Inclusive, os mesmos realistas faziam menção aos simpatizantes da Liga das Nações como “utopistas”, “idealistas” e “visionários”. São princípios básicos do realismo:


– Especialidade: Os Estados são peças-chave de todo o sistema, sendo fundamentais para o desenvolvimento da política internacional;


– Exclusividade: Os Estados atuam como elemento unitário, isto é, eles são os únicos a exercer a representação oriunda da política internacional;


– Racionalidade: Os Estados dirigem suas decisões de modo racional, à medida que examinam possibilidades, maximizam proveitos e reduzem prejuízos para eles mesmos;


– Hierarquia das questões internacionais: Os temas mais relevantes do sistema internacional são aqueles envolvendo a segurança do Estado, restando, em segundo plano, as questões sociais, ambientais, culturais, etc. Primeiro vem a integridade estatal para que, depois, se possa garantir o esclarecimento de outros pontos.


Segundo a égide realista, propugna-se veementemente o poder pertencente ao Estado soberano. Nicolau Maquiavel e Jacques Bossuet foram exemplos de realistas natos que contribuíram para a edificação teórica do pensamento. A real e absoluta preponderância da arena internacional centra-se nos Estados, dos quais se extraem as demais concatenações exteriores.


No entanto, há intenso debate entre os realistas quanto à visão estática do poder estatal, podendo ser enxergado este de maneira isolada ou conjunta. Destarte, o poder de um Estado ou pode partir da junção de todas as suas próprias forças ou pode ser mensurado através da sua influência perante entes de igual magnitude. Terceira corrente realista acredita que o poder procede do índice de interação de um Estado com os demais. As diferentes prospecções em torno do advento desse poder prostram-se ante a noção de que o poder é fruto do influxo, do controle ou da ousadia dos Estados uns com os outros.


Ademais, os realistas asseveram que a anarquia[82] constante no sistema internacional “refere-se simplesmente à ausência de qualquer autoridade acima dos Estados soberanos”[83]. É plausível considerar ainda o realismo como premissa discutível nos pontos de vista neoliberal e cooperativo:


“Tanto o realismo quanto o neoliberalismo partem do pressuposto de que a falta de uma autoridade soberana que possa fazer e garantir os acordos cria a oportunidade para os Estados buscarem seus interesses de modo unilateral, tornando a cooperação extremamente difícil de ser alcançada. Os Estados temem que os outros busquem obter vantagens sobre eles. Logo, os acordos devem ser moldados de modo a minimizar o perigo provocado pela desconfiança; as circunstâncias que possibilitaram um certo acordo numa determinada época podem mudar, tornando difícil o respeito ao acordo pactuado. As promessas e as ameaças devem ser levadas a sério. […] A afinidade entre o realismo e o neoliberalismo institucionalista não é a única razão para duvidarmos da afirmação de que não existe lugar para cooperação no realismo. Essa visão implica dizer que os conflitos de interesses são totais, e que sempre que um Estado ganhar outros irão perder. Contudo, esse jogo de soma-zero não é plausível. A crença em uma política internacional caracterizada pela barganha constante, que é fundamental para o realismo (mas não apenas para o realismo), significa uma mistura de interesses comuns e conflitantes”.[84]


Prima facie, o realismo prega a plena independência de cada Estado-nação, onde cada qual obtém autoridade irrestrita dentro da sua faixa territorial, porém peca nas disposições protetivas de direitos humanos. O porquê desta falha refere-se à negação do internacionalismo e á imposição de previsões humanitárias apenas ao ordenamento nacional de cada país. Entende-se, com tudo isso, que a doutrina do realismo impede qualquer atividade intervencionista que venha a se efetuar no âmbito internacional, pois a mesma revigora o obsoleto status intransponível da soberania dos Estados.


Em outro aspecto, o globalismo vem sendo encarado como uma plataforma de apuração das relações internacionais com cunho capitalista suscitado a partir da nova era de globalização. Na verdade, o globalismo é mais um produto da contemporaneidade, que atende às exigências da sociedade moderna e ávida por inovações. A propósito, os globalistas (fazendo jus à sua designação) apontam sua ideologia para a hodierna realidade do globo, na qual impera uma variedade de agentes (além dos Estados) na conexão das relações internacionais. Aqui reside uma das maiores (senão a maior) disparidades entre o globalismo e o realismo: a aceitação ou não de outras pessoas internacionais na provocação de pleitos desse porte. A visão providencial do globalismo acentua o fato de que os Estados tiveram sua autonomia relativizada com o lapso temporal, abrindo vaga no campo internacional para outros atores, até então secundários. A geração de empregos, a circulação de riquezas, o crescimento das economias, a equiparação de países emergentes e o limiar da nova ordem mundial foram alguns dos fatores que custearam a tese globalista. Isso se deu em virtude da relevância auferida pelas entidades subsidiárias (em especial, as multinacionais), que reúnem em suas mãos boa parte da faculdade decisória do mundo, o que reflete sua notoriedade para reger as balanças econômicas atuais. Os maus bocados vividos pelo FMI, ocorridos com a descentralização do capital, são um exemplar efeito deste fenômeno.


É imprescindível também a delimitação dos principais pontos sobre o conteúdo globalista, quais sejam:


– Pluralidade de agentes: Os Estados não atuam mais como os únicos sujeitos da esfera internacional, passando a integrar o conglomerado com outros sujeitos nunca antes assim considerados;


– Capitalismo: Tanto realistas como globalistas confirmam o sistema anárquico internacional, sendo que os primeiros acreditam na repartição de poderes entre os países, ao passo que os últimos confiam no predomínio capitalista para ofuscar o controle mundial dos Estados. O globalismo persiste na priorização do capitalismo como motor para o andamento do progresso econômico, porquanto o socialismo definhou-se a partir do fim da Guerra Fria e do fracasso pela divisão da Europa com a “cortina de ferro”;


– Teoria da dependência: Patenteada pelos globalistas, explica o desenvolvimento e o subdesenvolvimento internacional ao estimar o grau de integração dos Estados no ambiente capitalista;


O neoliberalismo, que preza pela não-intermediação do Estado sobre os rumos da sua economia, mobiliza os Estados na direção da extensão dos caracteres anárquicos, altamente danosos a empresas e grupos transnacionais que monopolizam as relações comerciais.


Com fulcro na égide humanista, a corrente do globalismo convalesce a prática do intervencionismo, haja vista que retorna a tratar das relações internacionais conforme disposições neste ângulo. Vejamos:


“[…] em primeiro lugar, observa-se que, num mundo marcado pela expansão do capitalismo e do agigantamento das empresas transnacionais, microconflitos intraestatais, responsáveis pela perpetração de crimes contra a humanidade, constituem uma ameaça para a liberdade de comércio de bens e serviços. Logo, esses conflitos só podem dar prejuízos às empresas transnacionais pela simples diminuição dos mercados consumidores. Em segundo lugar, num ambiente não dominado pelas questões militares, os fóruns internacionais poderiam dedicar-se à discussão sobre outros temas de natureza sócio-econômica, como, por exemplo, as intervenções humanitárias. E finalmente, caso os Estados se enfraqueçam a ponto de provocar uma redefinição do conceito de soberania, ficará mais fácil, em termos normativos, criar um sistema internacional de proteção humana.”[85] (grifo nosso)


Em suma, o realismo e o globalismo constituem elucidativa carga de estudo para o sistema internacional e todos os relacionamentos que dele exalam. Ademais, ambas carregam em si o caminho evolutivo das justificativas intervencionistas, tomando por base a soberania, os direitos humanos e a comunidade internacional, conforme explícito na tabela abaixo:


Tabela 1: Tipos de justificativas das intervenções segundo o realismo e o globalismo.


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3.4. O papel da ONU e do seu conselho de segurança


Logo após o desfecho da Segunda Guerra Mundial, alguns Estados, exaustos e sensibilizados com as abomináveis sequelas dos regimes totalitaristas, em 1943, durante reunião plena em Moscou, lançaram-se as pioneiras ideias de constituição de um órgão mundialmente humanitário, somente elencando, nesta ocasião, os fundamentos básicos deste projeto. Ainda neste mesmo ano, um quorum maior de Estados buscou, em Teerã, alicerçar ainda mais tal plano estratégico. No ano de 1944 que Washington, capital norte-americana, sediou mais um encontro internacional, onde houve avanço significativo nesta direção. Porém, somente em 26 de junho de 1945, imbuídos pela proteção das prerrogativas mínimas da humanidade, precisamente 51 Estados assinara a Carta de São Francisco, que vigorou a partir de 24 de outubro de 1945, a qual compreendia a base da conjuntura estrutural da Organização das Nações Unidas (ONU) e o seu comprometimento na luta contra massacres aos direitos humanos. Hoje, a ONU é entidade de enorme influência universal e externa as suas atividades por meio de seis idiomas oficiais: inglês, espanhol, árabe, russo, francês e chinês. Isto representa a meta onusiana de alcançar múltiplos públicos em torno do planeta.


“O sistema das Nações Unidas para a proteção dos direitos humanos contém normas de alcance geral, quais sejam aquelas destinadas à proteção de todos e quaisquer indivíduos do mundo, de forma genérica e abstrata, e sistemas especiais de proteção, direcionados a grupos particulares de indivíduos, a exemplo dos refugiados”.[86]


Todos aqueles países que se tornarem signatários do regime proposto pela ONU integram a comunidade internacional e, simultaneamente, abdicam de porção das suas soberanias para a fortificação da instituição universal. Por conseguinte, tal renúncia tácita remete à relativização da soberania, que serve de padrão para o intervencionismo. A ONU saiu da inércia quanto à condução de intervenções estrangeiras em 1967, na cautela humanitária incidente sobre conflitos no Terceiro Mundo (apartheid[87] e manifestações anticolonialistas).


A competência para intervir da ONU se demonstra a partir das violações concretas, praticadas pelos Estados soberanos, contrapostas à integridade dos direitos da pessoa humana. Com isso, deixa-se para o lado os anseios exclusivos do Estado para salvar os caracteres definidores do bem estar de cada indivíduo. Não obstante a expressividade de tais conceitos, muito se delibera ainda acerca da prevalência da matéria interventiva sobre assuntos internos da personalidade estatal.


Certamente, a repartição de maior prestígio na ONU é a sua Assembleia Geral. Ela é responsável por solver questões elementares para a instituição (como orçamento, admissão e expulsão de membros, etc.), sendo formada por 191 Estados, todos votantes nas decisões ativas da ONU, além de ser presidida por representante hábil, escolhido dentre os seus integrantes para exercer mandato de 2 anos.


Em outro ponto da hierarquia institucional, por mais que haja uma Comissão de Direitos Humanos dentro da organização onusiana, esta fica apenas restringida ao preparo de tratados e congêneres protetores da natureza humana. Em sede de intervenções humanitárias internacionais, o órgão das Nações Unidas com maior importância sobre o tema é o Conselho de Segurança. A ele é atribuída toda a responsabilidade para atingir a paz mundial, encarregado também de aprovar (ou não) providências repressivas contra atentados à humanidade. Dentre tais medidas encontram-se a diplomacia e as intervenções, armadas ou não-armadas, como o envio de Forças de Paz aos países suplicantes por amparo.


A composição do Conselho constitui-se por 15 membros, dos quais cinco são tidos como permanentes (representando os países que obtiveram vitória no término da Segunda Guerra: EUA, Reino Unido, Rússia, China e França). A renovação dos membros não-permanentes se procede a cada dois anos, vedada a reeleição. Suas deliberações envolvem basicamente duas qualificações: pendências de ramo processual e de ramos diversificados. Aliás, o Conselho destaca comitês especializados na consecução da harmonia entre as nações, dos quais se sobressaltam a Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) e o Comitê de Combate ao Terrorismo (CCT).


São alvos precípuos do Conselho de Segurança a ONU as soluções ex officio para vingar o escopo ideológico da dignidade humana em meio aos conflitos externos. Inclusive, esse Conselho tem autonomia na aplicação de sanções e de embargos contra aqueles que forem de encontro às suas predisposições. Quanto a isto:


“Suas funções podem ser resumidas a: a) manter a paz e a segurança internacionais; b) investigar toda a situação que possa conduzir a um conflito internacional; c) recomendar, na condição de mediador, condições para sua resolução; d) elaborar planos para o desarmamento; e) recomendar sanções econômicas contra Estados que deliberadamente ameacem a paz; f) recomendar o ingresso de novos Estados; g) recomendar à Assembleia Geral o candidato a Secretário-Geral e os juízes da Corte Internacional de Justiça”.[88] (grifo nosso)


De acordo com a concessão da chancela do Conselho de Segurança, apresentam-se dois tipos de intervenções: unilaterais e coletivas. Acerca dessa classificação, Renata Vargas Amaral ressalta que:


“Importante diferenciar duas espécies de intervenção humanitária que existem do quadro contemporâneo do direito internacional, quais sejam, a intervenção humanitária unilateral, ou estrangeira, e a intervenção humanitária internacional ou coletiva. As intervenções unilaterais caracterizam-se por serem intervenções praticadas por país ou países estrangeiros nos domínios do território onde violações de direitos humanos estejam acontecendo. Este tipo de intervenção é aquela que precisamente não conta com a aprovação do Conselho de Segurança da ONU, mesmo que tenha a aprovação da sociedade internacional. Diferentemente, as intervenções coletivas, são aquelas que além de contarem com a aprovação da sociedade internacional, são legitimadas pelo Conselho de Segurança para agir.”[89]


Desde os ataques de 11 de setembro de 2001, quando o mundo ocidental se afligiu e passou a temer pesados investimentos contra os direitos humanos, implantou-se na ONU como um todo o senso de proteção contra riscos dessa intensidade. Em 2005, legalizou-se em definitivo a doutrina The Responsability to Protect (responsabilidade de proteger), aprovada por vontade majoritária da Assembleia Geral. De acordo com este paradigma, a ONU autodetermina-se na responsabilidade legal de salvaguardar o equilíbrio mundial, diante da sua forte imposição diante das relações internacionais mantidas por Estados-membros. A subsunção normativa da Responsability to Protect consubstanciou avanço crucial para as intervenções humanitárias. Foi até mesmo bem posicionada a sugestão de alteração da nomenclatura “direito de ingerência” por “responsabilidade de proteger”, pela Comissão Internacional sobre Intervenção e Soberania Estatal (ICISS)[90], ao contemplar o auxílio prestado em situações de incertezas humanitárias. Através da evolução da responsabilidade de proteger, as Nações Unidas limitaram com mais finco o clássico modelo de soberania, pautado no ingresso de novas instituições não-governamentais com poder sentencial em problemas internacionais. A expectativa é que os direitos humanos extingam completamente o preceito da não-intervenção, coisa nunca vislumbrada nos tempos áureos do estatismo.


A seguir, segue quadro explicativo dos diferentes momentos históricos da responsabilidade de proteger:


Tabela 2: Diferentes momentos do vínculo “direitos humanos versus responsabilidade de proteger” no Sistema Internacional de Estados (SIE).


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Há apreço em mencionar o caráter subsidiário da responsabilidade onusiana em proteger os direitos fundamentais de todas as populações[91]. Por esta razão, as soluções interventivas concedidas pela ONU se interpõem como remédio viável para tratar de condutas comissivas ou omissivas que contradizem os direitos humanos. A valorização dos direitos humanos é coordenada que precede os esforços das Nações Unidas. Por sua versão, os Estados são os primeiros vigilantes da estabilidade humanitária. Somente quando os próprios Estados, em vez de prosperar tal favor, se contrapõem à projeção humanística, é que a ONU é acionada para intervir sobre a irregular atuação estatal. Desta forma, fica óbvia a responsabilidade da ONU na segurança da incolumidade universal, promovida como “obrigação claramente subsidiária, só recebendo guarida quando o Estado não a cumpre, entrando em cena a comunidade internacional”.[92]


Perspicaz parecer de Rodrigo Cogo corrobora a ascensão das intervenções a partir do aprimoramento dos valores da dignidade da pessoa humana e da racionalidade da soberania, in verbis:


“Antes as intervenções só ocorriam em condições excepcionais, hoje, com a causa dos Direitos Humanos recebendo maior peso, e, com prenúncios de um Direito supranacional disciplinador das regras a serem adotadas nas relações interestatais, atos interventivos são cada vez mais frequentes, gerando, a partir disto, o retorno ao anseio kantiano de ordem jurídica única, com a aplicação de suas diretrizes aos Estados que desta organização fizerem parte.”[93]


Na empiria interventiva haure-se o fôlego substancial que orienta a ONU no resguardo do homem no mundo. Entretanto, cabe, em específico, ao Conselho de Segurança desta mensurar o caráter humanitário dos meios usados para tanto, algo que prepondera de uma árdua tarefa em face da globalização que confunde o animus comportamental de todas as partes.


3.5. A relação intervencionista


3.5.1 Pólos da relação


Considerando a formação de uma relação dita como intervencionista, precisamos nos concentrar em pontos lógicos que definem o dimensionamento da causa humanitária. Quando acontece a violação os direitos humanos básicos, também nasce o anseio da intervenção para interceder sobre a ofensa, na tentativa de se evitar um colapso ainda maior e de proporções desagradáveis. Experimenta-se, assim, uma reação pela situação de injustiça que foi desencadeada.


Grosso modo, três são os pólos principais que fazem parte da composição de uma relação intervencionista. Primeiramente, a violação aos direitos humanos é situada na mira onde se acrescentam todos os esforços. Depois, se estabelecem ao seu redor dois vetores, um positivo e outro negativo, ou seja, um que intenta a benesse daqueles direitos e um que se opõe a tal prática. Basicamente, assim se dispõe a relação de intervenção humanitária:


Organograma 2: Ilustração da típica relação de intervenção.


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Segundo este realce, a convergência destes pólos arquiteta toda a relação num aspecto ideológico-formal, porque decifra amplamente o marco que o intervencionismo deve tomar: a atenção merecida aos direitos humanos, colocados num lugar privilegiado da contenda.


Assim, entende-se que o consenso de proteção humanitária deve estar situado como objeto da relação, sob o qual se retraem todas as atenções. É elemento fundamental, sem o qual deixa de existir a própria intervenção humanitária (ou, pelo menos, deixa de existir o arroubo humanitário). É pomo da universalidade arraigada na esfera do jus gentium, dando o verdadeiro sentido ao liame firmado:


“A proteção internacional dos direitos humanos é um forte indicador da universalidade (tomando-se como paradigma as normas internacionais e a retórica argumentativa) ou da tendência à universalidade (tendo-se em conta o relativismo cultural, os mecanismos de proteção e a efetiva concretização) desses direitos. À luz dessa universalidade, os Estados teriam o dever de respeitá-los e de promovê-los, com abstração de qualquer particularidade nacional ou regional e das concepções próprias das distintas culturas existentes”.[94]


Em outro prisma, situa-se o Estado soberano na posição de agente violador da plenitude humanitária. No caso em tela, onde o manifesto intervencionista entra em cena, cabe a esse Estado a posição de sujeito passivo, porque sofre os efeitos das investidas que flexibilizam a sua autonomia, em virtude da limitação da soberania com suporte na interrupção da continuidade anti-humanística.


Em condição de sujeito ativo da relação supracitada estão os agentes interventores, aqueles que agem sumariamente para assegurar o cumprimento dos preceitos de dignidade humana, corrigindo, através da interferência na soberania do sujeito passivo, as ofensas praticadas diante das vítimas desse abuso de poder. Neste diapasão, podem figurar no pólo ativo das relações os Estados estrangeiros, entidades não-estatais, organizações internacionais e a própria comunidade de países (por vezes, aprontados mediante corporações, como, por exemplo, a participação da OTAN[95] na intervenção sobre a Líbia). Como vimos anteriormente, para que vingue a relação interventiva internacional, todo seu procedimento deve ser de conhecimento das autoridades da ONU.


3.5.2 Legitimidade


A tensão em volta da legitimidade das intervenções humanitárias é uma das questões mais importantes no contexto atual das relações internacionais.


Uma intervenção legítima cumpre todos os pressupostos que lhe são peculiares, sejam eles a legalidade internacional, a finalidade humanitária ou a admissão por parte da comunidade de países. O que se percebe, no mundo contemporâneo, é que a tônica legítima do intervencionismo vem se corrompendo de forma paulatina, em razão da inconstância política que eiva o cenário mundial.


Este fatídico reflexo exsurge, mormente, por meio da atuação dos organismos interventores (pólo ativo da relação), que, na prática dos seus planejamentos, encontram-se movidos por interesses suscetíveis de amplos desvios. Estes interesses não podem fugir da alçada humanitária, tornando-se inconcebíveis intervenções humanitárias de interesses totalmente voltados à discricionariedade privativa de determinado Estado ou instituição. André Regis observa, acerca desse fato, que “a intervenção não deverá ser baseada na defesa de interesses estratégicos dos países interventores”.[96]


Pouco importa o comportamento do Estado violador com os demais países, o que se procura interferir, aqui, é a violação contra os direitos humanos do povo, ou de parte dele, ensejada por ação/omissão governamental. A esta violação deve se prender esse tipo de atividade intervencionista, no sentido de exterminá-la.


No momento de intervir, o agente deve ter em mente a intenção de acabar com o crime humanitário, tão rapidamente quanto o surgimento do mesmo. É importante Destaque a esse respeito vai para o entendimento de Renata Vargas Amaral:


“A Carta das Nações Unidas, em seu Capítulo VII, prevê o direito de intervenção humanitária e seus limites dentro do Direito Internacional, em casos de situações de extremo sofrimento humano, em que não é possível se manter um mínimo de padrão humanitário, onde as violações de direitos humanos sejam maciças e por atitudes continuadas dos violadores desses direitos por tempo prolongado, salientando-se que o consentimento do Estado receptor da ajuda não se faz necessário e, ainda, sendo o uso da força permitido, unicamente, para assegurar a garantia dos direitos humanos daqueles indivíduos”.[97] (grifo nosso)


Apesar de ser básica tal compreensão, a crise de legitimidade das intervenções tende a aumentar ainda mais quando elas são encaradas, de modo equivocado, como instrumentos colonialistas.[98] Isto é, a invasão dos agentes interventores sobre países opressores dos direitos humanos, algumas vezes, é vista como método disfarçado de manter o controle sobre eles, em analogia aos vestígios do Pacto Colonial, estipulado a partir do século XV. Essa suposta importunação das intervenções fez sobressair duas teorias a tal respeito. São elas a Teoria Relativista e a Teoria Universalista.


Segundo a Teoria Relativista, o procedimento de intervenção sobre o território de outros países nada mais é do que uma enrustida forma de colonização. Essa corrente enaltece o princípio da não-intervenção e o da absoluta soberania, pouco significando o teor dos problemas envolvidos. O injusto acometido em desfavor das garantias fundamentais não funciona como justificação para as intervenções. Alguns juristas, como Grigory Tunkin, partidários desta teoria, demonstram-se efusivamente contrários à noção de intervenção humanitária ante a soberania alheia.[99] Os relativistas também condenam o caráter universal dos direitos do homem, restringindo a matéria humanitária à jurisdição nacional de cada Estado. Assim, direitos humanos passam a ser temas internos de cada região. A atribuição de feições colonialistas às intervenções em nada pactua com as disposições contemporaneamente consolidadas no sistema internacional, ficando direcionada, assim, a um presumido desuso.


Em posição contrária se situa a Teoria Universalista, que confia impreterivelmente na iniciativa intervencionista como solução concreta para as emergências humanitárias. O direito internacional já tem maturidade suficiente para discernir as situações onde ocorrem calamidades aos direitos essenciais, e, portanto, consegue muito bem trazer a seara universal para o seu campo de abrangência. Os universalistas, neste caso, interpõem a dignidade do homem num patamar supraestatal, acima de qualquer circunscrição de soberania ou de ordem doméstica. Promover a paz e a segurança geral vale muito mais do que efetivar interesses limitados às fronteiras de um Estado nacional. A realização de intervenções é sim uma tática sadia, desde que tenha pela frente a defesa dos direitos humanos fundamentais. Esta é, sem dúvidas, a mais sensata das duas teorias descritas.


“Por declarar este universalismo, as Nações Unidas, por meio da Carta de 1945 e da Declaração de 1948, legitimaram também as intervenções humanitárias, que estão legalizadas desde as suas proclamações, tornando impossível que o tratamento de um Estado para com seus súditos seja assunto somente de jurisdição doméstica.”[100]


Vem sendo pacífica a concepção universalista das intervenções, ao passo que a internacionalização regozija a idéia de que a pessoa humana merece posição notável no que tange à nova realidade da soberania estatal perante o globo. Muito mais que uma mera reação contra ousadias humanitárias, a legitimidade das intervenções tem a ver com reflexões de um senso de bondade comum. J. J. Canotilho corrobora esta tese ao dispor que:


“[…] qualquer que seja a incerteza perante a ideia de um standard mínimo humanitário e quaisquer que sejam as dificuldades em torno de um sistema jurídico internacional de defesa de direitos humanos, sempre se terá de reconhecer a bondade destes postulados quando se discute o problema das intervenções humanitárias”.[101]


Questões a esse respeito merecem ser repisadas a todo o momento como forma de erradicar incoerências ainda mais sérias.


3.5.3 Situações de emergência humanitária


Da seguinte maneira, Renata Vargas Amaral descreve as situações de emergência humanitária:


“Emergência humanitária é, pois, uma situação de extremo sofrimento humano provocado ou não pelo governo nacional, mas em que direitos humanos estão sendo violados de forma maciça e por tempo prolongado, e em que o Estado soberano não está agindo de forma a proteger tais direitos e, por isso, e por ser a dignidade da pessoa humana preocupação da sociedade internacional, faz-se legitimamente necessária uma iniciativa de órgãos internacionais”.[102]


Destarte, configura-se emergência humanitária a partir dos requisitos: a) ultraje concreto e potencial aos direitos humanos; b) prolongação da ofensa por um determinado período; c) Estado desinteressado com a cautela humanitária; d) aviltamento ou grave sofrimento do povo por causa deste menosprezo. É sobre a situação de emergência humanitária que trabalha o movimento interventivo. A prática dos crimes contra a humanidade são exemplos leais de casos de emergência humanitária.


Não adianta fugir do âmbito de incidência emergencial. É inevitável a aparição de grupos de interesses por trás da técnica intervencionista, no intento de mascarar ou levar a erro a previsibilidade de tal emergência. No entanto, só serão legítimas as intervenções internacionais que abordarem as hipóteses de urgente segurança da dignidade humana. Por exemplo, os EUA (principal país interventor do planeta) esquecem a situação de emergência humanitária que passa a Chechênia, mas não intervêm lá porque isso ocasionaria represália não apenas por respostas nucleares dos russos, mas também pelo abalo na economia da Rússia, que é uma parceira financeira dos americanos. Fator parecido se dá com Cuba, cuja ditadura constrange certas liberdades das pessoas, pois ataques interventivos diretos pelos EUA acarretaram insurreições nos grupos de imigrantes cubanos que moram em Miami. A China, uma das maiores potências econômicas da atualidade, se enquadra ainda nesta espécie de receio estadunidense. Em razão disso tudo, precisam ser revistas as considerações latentes às emergências.


3.5.4 Procedimento


Inexiste imparcialidade no procedimento interventivo. Todos os sujeitos da relação comportam-se de modo a impor seus interesses (sejam humanitários ou anti-humanitários) em disputa. A intervenção tende, então, a ser parcial, condição que se atrela à própria legitimidade da mesma. Nesse diapasão, Kofi Annan credita o alcance da legitimidade das intervenções humanitárias ao apoio da maioria dos povos da comunidade internacional.[103]


Os esforços humanitários não podem forçar os Estados violadores a importar costumes, vontades ou conveniências diversas pelos atores intervenientes. Pelo contrário, a intervenção tem que almejar exclusivamente o fim da ofensa aos direitos humanos, sob pena de cassação da sua legitimidade conferida. Por isso, intervenções legítimas podem vir a se tornar ilegítimas durante o decurso do processo, modificando-se de acordo com a qualidade superveniente.


As intervenções humanitárias, ab initio, somente serão promovidas se esgotados todos os outros meios de solução pacífica das controvérsias. Primeiramente, cabe a chance de tentativas diplomáticas através de mediações para chegar a um comum acordo. O insucesso dessa possibilidade abre as portas para a utilização dos mecanismos interventivos, que por si mesmos perfazem esforços e dispêndios de várias categorias.


A decisão da necessidade de intervenção sobre certo conflito fica a critério do Conselho de Segurança das ONU.


“Estas ações são permitidas apenas em situações de maciço sofrimento humano, que estejam ocorrendo por um longo período de tempo, a serem avaliadas pela Comissão de Direitos Humanos e, decididas pelo Conselho de Segurança das Nações Unidas, que irá deliberar sobre a necessidade ou não de uma intervenção humanitária, pois é o órgão responsável pela manutenção da paz e segurança mundiais, sendo ele o titular do direito de usar medidas coercitivas”.[104]


Em relação aos cuidados a serem tomadas para a outorga do direito de intervir, André Regis aduz que:


“Neste sentido, algumas precauções são fundamentais, entre elas: 1) Deve haver um estudo que simule quais os custos, em termos de vida e de sofrimento, da intervenção. Ela não deve acontecer enquanto não ficar claro que os benefícios superarão os custos, inclusive levando-se em conta que deve pesar na decisão o estabelecimento de práticas costumeiras que indiquem a outros potenciais ou reais criminosos que graves crimes contra a humanidade não serão tolerados. 2) Os estudos prévios acerca da viabilidade da intervenção devem levar em consideração a existência de armas de destruição de massa ao dispor dos criminosos. Caso elas existam, os riscos da intervenção serão enormes. Nesse caso, deve-se buscar, preferencialmente, outros meios de pressão, principalmente via sanções diplomáticas, culturais, científicas e, principalmente, comerciais”.[105]


Somente após a prolação do parecer favorável das entidades competentes é que as intervenções humanitárias são postas em prática. O uso de forças militares é permitido nas intervenções, desde que direcionado à proteção das vítimas indefesas. Toda a ação deve ser rápida, visando atender às urgentes súplicas pela resolução do conflito humanístico, podendo, até mesmo, proceder sem a aprovação final do Conselho de Segurança, em virtude do veto de membros permanentes, se aceita pela maior parte da sociedade internacional. Tais atividades expiram no instante em que desaparece inteiramente o desacato aos direitos humanos na localidade interferida. As intervenções perdem a sua finalidade com o fim da injustiça humanitária, ou seja, se persistirem em continuar mesmo depois de declarada a desnecessidade, a conduta interventiva será vista como um excedente não-legítimo.


Fazendo um apanhado geral, o próprio André Regis arrola as três etapas basilares do procedimento interventivo: a) a preventiva; b) a interventiva propriamente dia; c) a reconstrutiva.[106]


3.6. Ocorrências de intervenções humanitárias


Doravante, serão mostradas algumas considerações a respeito de casos práticos de intervenções humanitárias que já ocorreram pelo mundo. Dentre tantos, servem de modelos exemplares para o presente entendimento as intervenções em Ruanda, Kosovo, Timor Leste, Somália e Líbia.


3.6.1 O caso de Ruanda


Localizada num dos derradeiros continentes a passar pela descolonização[107] (talvez por sua autonomia tardia, a África tornou-se vulnerável foco de intervenções), Ruanda foi abatida por desastroso genocídio sobre sua população na década de 90. Tal calamidade ocorreu a partir de conflitos tribais entre os Hutus e os Tutsis, o que foi devidamente previstos meses antes num relatório expedido pela CIA. Entretanto, mesmo diante do risco iminente de genocídio naquele país, os EUA cruzaram os braços para esta causa, deixando inocentes a mercê do perigo humanitário.


Também não assumiram os riscos de intervir em Ruanda seus antigos colonizadores, Bélgica e França, responsáveis, inclusive, pelo surgimento dos atritos entre as duas tribos conflitantes. Mesmo sendo os governos mais aptos a prestar o auxílio interventivo, ambos vergonhosamente não saíram da inércia. Em pior situação ficou a França, quando, além de intervir depois da ocorrência do massacre, igualou a mesmo nível vítimas e genocidas.


Outro fator que agravou a crise em Ruanda foi a falha no envio de tropas pacificadoras em virtude da morosidade das exigências burocráticas dos EUA em liberar o empréstimo de veículos operacionais para os soldados africanos. Destarte, o maior ensinamento tirado da intervenção humanitária em Ruanda é que a burocracia muitas vezes atrapalha o pleno desempenho intervencionista (neste caso em particular, impediu-se a aquisição de materiais para salvar a vida de milhares de pessoas que padeceram com o genocídio).


O exemplo da intervenção em Ruanda fadou-se ao fracasso e não deve jamais ser repetido.


3.6.2 O caso de Kosovo


No início de 1998, a violência cometida em Kosovo, província ao sul da república iugoslava, teve cunho interétnico. Indivíduos de origem albanesa foram marginalizados em meio a uma sociedade com predominância sérvia.


“Pessoas de etnia albanesa no Kosovo sentiam-se desconfortáveis como membros de uma RFI predominantemente sérvia (embora no próprio Kosovo os sérvios fossem apenas cerca de 10% da população). Esse crescente de tensões, que já durava dez anos, era acompanhado de perto pela Organização para Segurança e Cooperação na Europa (OSCE), a União Europeia e o Grupo de Contato – um grupo de seis Estados composto pela França, Alemanha, Itália, Rússia, Reino Unido e Estados Unidos”.[108]


O confronto irrompeu com a iniciativa da facção terrorista separatista “Exército de Libertação do Kosovo” (KLA), que visava reprimir os sérvios por meio de ataques militares. A tragédia ganhou mais expressão em 15 de janeiro de 1999, num massacre de kosovares e albaneses, na cidade de Racak. Tempos depois, autoridades buscaram chegar a uma saída para a tempestuosa relação entre as partes, o que foi apoiado pelo Conselho de Segurança da ONU.


Denúncias de violações sérias dos direitos vitais dos albaneses por parte dos sérvios acirraram ainda mais a questão, que passou a ter concreta interferência das forças da OTAN. Desde o princípio, a OTAN destinava-se a findar as perseguições sérvias contra os albaneses, sendo, assim, a entidade mais adequada para efetuar a intervenção no território de Kosovo. Em março de 1999, começaram os ataques aéreos da OTAN contra a Iugoslávia.


Contudo, as investidas militares agravaram o problema humanitário no país, acentuando o desespero das pessoas vitimadas por bombardeios. Muitos se refugiaram e o êxodo aumentou desenfreadamente. Intensos foram os dias até a rendição sumária, com inúmeras mortes provocadas pelas alianças aéreas. Se fosse adotado um plano de estratégias terrestres, certamente muitas vidas teriam sido poupadas.


A partir da vitória da OTAN sobre as forças extremistas, comandadas por Slobodan Milosevic, Kosovo contou com a ajuda da União Europeia para reconstruir sua dignidade e implantou a democracia em sua sociedade com a cooperação de órgãos da ONU. Assim, foram obtidos os ideais visualizados pela intervenção em Kosovo, uma vez que houve a exclusão das opressões que assolavam os direitos humanos de uma minoria étnica, ficando os responsáveis pelos crimes em massa sob julgamento do Tribunal Internacional.


3.6.3 O caso do Timor Leste


Na luta pela independência de Portugal, o Timor Leste contou com o auxílio da Indonésia durante a guerra civil de 1974 contra a influência colonizadora. Só que, com a retirada dos portugueses, a Indonésia o incorporou ao seu território, na condição de 27ª província, o que indignou as forças timorenses. Por outro lado, a Indonésia temeu repressivas consequências em razão de uma possível libertação do Timor Leste dos seus domínios.


Em 1976, o Conselho de Segurança onusiano sugeriu a independência do Timor Leste, pautado no princípio da autodeterminação dos povos. O massacre de manifestantes ocorrido em 1991 chocou a comunidade internacional e funcionou como sinal para a independência do Timor. No entanto, a Indonésia não pretendia se livrar facilmente do território em jogo.


Mediante votação organizada pela própria ONU, o povo timorense decidiu pela imediata independência. Tal escolha acentuou o emprego de forças violentas pelos sujeitos contrários a tal sugestão. Apesar de ser declarada situação de emergência à segurança humanitária, a Indonésia não recuou, negando qualquer forma de interferência em seu espaço para tratar de matéria de competência interna.


Apenas em outubro de 1999, foi abolida a anexação do Timor Leste, restando este como país independente. A intervenção da ONU em prol dos timorenses simbolizou muito mais do que um simples acontecimento político ou humanitário:


“O fato é que o Timor Leste representa a primeira experiência da ONU no chamado processo de construção estatal, ou state-building process. Daí sua verdadeira importância. Timor foi o primeiro Estado criado pela ONU. Acreditamos que as lições aprendidas com essa experiência podem ser valiosas para a implementação de um Estado palestino.”[109]


3.6.4 O caso da Somália


Na intervenção sobre a Somália, a gravidade dos objetivos depositados tomou enormes proporções. Isso se demonstrou por meio de intenções abusivas de superpotências oportunizando os atentados contra os direitos fundamentais ensejados naquele país.


“No caso da Somália, a derrubada do governo por facções políticas inicia o conflito, sendo que três grupos conhecidos como Movimento Nacional Somali (MNS), Movimento Patriótico Somali (MPS) e Congresso Somali Unido (CSU) comandaram a tomada da capital do País. Naquele momento a situação estava difícil e se agravando ainda mais com a seca que assolava a região, somando-se a isso a retirada das agências de ajuda humanitária da ONU.”[110]


Então, os países desenvolvidos passaram a liderar um programa de assistência aos militares em conflito na Somália, estampando suas intenções com a causa humanitária. Só que, por trás delas, procurava-se fortalecer seus poderes hegemônicos, com a disseminação de projeções econômicas, militares e políticas naquele contexto.


3.6.5 O recente caso da Líbia


Inspirados nas revoluções da Tunísia e do Egito, ocorridas meses antes, e num possível “efeito dominó”, manifestantes líbios passaram a reivindicar ao Estado mais respeito aos seus direitos básicos, além de uma maior liberdade e desenvolvimento do país. Os protestos se iniciaram no dia 15 de fevereiro de 2011 e duram até os dias de hoje. Governando a Líbia há mais de 40 anos, o ditador Muammar Khadafi é o principal alvo das tensões que clamam pela deposição do seu cargo e pela implementação do regime democrático.


A onda de manifestações espalhou-se rapidamente e ganhou destaque na mídia internacional, comovendo pessoas de diversos lugares que, unidas pelas redes sociais da internet, expuseram aderência à primazia dos direitos humanos.


A partir de então, intensificaram-se os embates dos exércitos anti e pró-Khadafi, proliferando tiroteios, assassinatos e rixas por toda a Líbia.


De repente, as principais cidades do país, com destaque para Tripoli e Benghazi, se viram tomadas pelos conflitos. Muammar Khadafi foi perdendo gradativamente seu controle sobre a população líbia.


A comunidade internacional também condenou a postura de Khadafi em frente da morte de centenas de pessoas. O Conselho de Segurança das Nações Unidas determinou o congelamento dos bens de Khadafi e de integrantes da sua base de apoio. Os EUA, por sua vez, aplicaram sanções aos desmandos governamentais na Líbia, enquanto o Tribunal Penal Internacional, almejando a plenitude na apreciação do caso, aplicou a medida proibitiva de viagens externas para o presidente líbio. Mesmo contrariando grande parte dos países da sociedade internacional, alguns chefes de Estado da América Latina (dentre eles, Cuba, Venezuela e Nicarágua) não reconhecem a interferência sobre o governo líbio, respaldados no preceito de competência privativa diante dessas tensões humanitárias.


Aliada às reprimendas líbias, o avanço do fundamentalismo islâmico, as crises rebeldes no Oriente Médio (Iêmen, Barein e Jordânia) e os levantes da Síria e de Israel colocam os EUA numa situação delicada em função do seu status de “polícia” internacional[111], quando coordenam coalizões atuantes nesta área. As revoltas árabes ao norte da África e no Oriente Médio são, de fato, respostas efetivas à opressão de regimes fatigados pela impunidade e pelo desdém internacional. A iniciativa da população não só da Líbia, mas de tantos outros casos, é apenas um reflexo da mudança principiológica dos indivíduos vítimas de tal martírio. A ânsia por justiça e igualdade reduz o mercantilismo de valores escondidos atrás das ditaduras questionadas.


Sobre isso, vultosas especulações enladeiam os setores econômicos da Líbia, principalmente no que trata da exploração petrolífera. Mesmo com tantas reservas de petróleo e gás em sua região, somente uma minoria privilegiada usufrui dos rendimentos dessa atividade. Tal riqueza natural[112] atrai também a ganância de Estados sedentos por lucros financeiros. A partir disso, exaspera-se a constatação do apanágio humanístico das intervenções, maculando suas legítimas articulações, diante das restrições impostas ao Estado líbio.


Em face dos estímulos do presidente francês, Nicolas Sarkozy, e do primeiro-ministro inglês, David Cameron, os americanos tomaram o eixo das intervenções sobre a soberania da Líbia. Essa ressalva pela aprovação alheia revela a multipolaridade das decisões incisivas no plano externo.


Quando a OTAN começou a liderar as ações militares na Líbia, o desentendimento entre seus países-membros tornou-se gritante. Uma das mais notórias medidas interventivas da OTAN foi a adoção de uma zona de exclusão aérea sobre o espaço territorial líbio, devido ao constante tráfego de aviões militares que bombardearam repentinamente as forças de Khadafi.


Por sua vez, os EUA, munidos pela mobilização conjunta do presidente Barack Obama e da secretária Hillary Clinton, buscam, antes de qualquer fato, conter as ofensivas khadafistas através do empenho contingente no sentido de flexibilizar, facilitar a ablação dos opositores. É visível a trilogia propugnada no redimensionamento dos encargos intervencionistas: os EUA detêm o comando das operações, a OTAN entra com os meios executórios e a ONU legitima as prementes medidas fixadas.


Porém, ao povo líbio cabe sopesar a sua subordinação às intervenções estrangeiras, haja vista que tantas provações servem para aprimorar o ideal de senso crítico ante a referida política.


Considerações finais


Por mais que repercutam como ousados os desafios dos direitos humanos no século XXI, o passo da globalização adentra de modo avassalador num cenário de instabilidades. A aproximação entre os diversos pontos do mundo pode ser vista também como vantagem humanística[113] em face do despotismo fático que ainda amedronta específicas regiões do planeta. Não se admite mais, num universo tão arrojado, qualquer receio a opressões e tiranias de indivíduos que dilaceram a máquina estatal.


Ademais, o senso de respeito com o homem, independente de qualquer pertença nacionalista[114], compreende caractere universalista, jamais vislumbrado antes no histórico evolutivo das sociedades. Hoje, mais do que nunca, o repúdio, o asco, o desprezo a discriminações por pré-julgamentos raciais, sexuais, étnicos, religiosos ou econômicos já é sentimento plantado em meio às impressões da comunidade internacional. Comportamentos discriminatórios não apenas constituem afronta aos direitos fundamentais dos indivíduos, mas ainda transfiguram uma oposição ao sadio caminhar das relações externas. Estes atos reprováveis têm nas intervenções humanitárias soluções conformativas, apesar do sacrifício do princípio da soberania para o alcance das metas.


A par de tudo isso, vem surgindo inúmeras dialéticas atenciosas pela veracidade entre a impugnação ou não dos movimentos intervencionistas. Se alguns confirmam a estreita ligação entre colonialismo e intervenção, outros, por sua vez, decolam a ideia de ingerência urgencial nas hipóteses de caos humanitário. A verdade é que muito a perspectiva interveniente deve à mundialização dos direitos humanos. Todos os méritos recaem sobre a contribuição deste fator.


Desses termos, queda-se pacata a competência da sociedade internacional, que não pode mais se omitir em face de riscos sérios às garantias essenciais das massas, o que revela bravo legado extraído do holocausto presenciado na Segunda Guerra Mundial. Afinal de contas, a vanguarda da humanidade encontra-se acima de todas as doutrinas, opiniões e experiências. O cometimento de ações que insultam os direitos do homem abandona padrões enfáticos diante do novo prisma internacional que se estabelece.


As intervenções internacionais, dessa maneira, despontam como providências da instrumentalidade[115] para a prática do objetivo promovido, qual seja o enaltecimento da dignidade da pessoa humana.


O que se pretende, nessa ótica, é a realização, a concretização dos direitos humanos, de modo que o seu teor escape dos padrões estritamente formais. A atribuição da soberania estatal estremece com relação a essa melhor eficácia humanitária. Os direitos humanos, numa perspícua visão do contexto moderno, respaldam uma superioridade controladora sobre as atuações dos Estados, o que atrofia a proeza proposta por Thomas Hobbes. As noções de Guerra Justa ou de justiça global são determinantes para tanto.


Em se tratando de intervenções, muita discussão ainda se orquestra, sendo a ideia de fiscalização preventiva dos direitos humanos somente uma minuta que ainda não saiu do papel, por razões de entraves político-econômicos.


Toda a solução dos questionamentos interventivos descende do ponto de relativização da soberania em balanceamento com os direitos básicos do ser humano. Este método se demonstra assombroso para o classicismo soberano, uma vez que este é desconsiderado em relação às inovações do sistema internacional.


A convenção de que a soberania dos Estados soa como poder perpétuo, absoluto e concentrado já não mais atende expectativas na atualidade[116], deixando lacunas e impotências num momento onde o homem se destaca por sua revolucionária individualidade.


Hoje, os direitos humanos e as intervenções são assuntos constantes na seara internacional, haja vista que o mundo trilha sua evolução através da remodelagem dos conceitos políticos. Muito colaboraram para esta nova postura a fundação das Nações Unidas e a proclamação da Declaração Universal dos Direitos do Homem no século passado. Mesmo com contratempos[117], o desempenho da ONU e da Declaração de 1948 é decisivo para guiar as questões internacionais à concordância geral. Vivencia-se, cotidianamente, o experimento de uma consciente ordem universal.


O intervencionismo é sim aparato pontual para resolver problemas humanitários, quando aspirar comprovadamente o resgate da dignidade dos homens. Somente este objetivo justifica uma legítima intervenção humanitária. A legalidade intervencionista é apresentada na Carta das Nações Unidas e encaminha atos resolutivos a um eventual colapso referente aos direitos humanos. Se verdadeiramente dedicada a este prol, a intervenção promove a boa convivência das partes divergentes no complexo globalizado.


Várias discussões ainda contornam as intervenções internacionais inseridas dentro da comunidade de nações. Porém, todas as colocações refletem a importância e a cautela que merece o intervencionismo[118] no tratamento das relações externas, visando dirimir os contrastes que porventura aparecerem.


É certo que as intervenções têm se consolidado preferencialmente nos últimos anos. Isso é dádiva do novo espaço que o homem tenta implementar em nosso tempo. As opiniões de modificam, deixando esquecido tudo o que não é mais interessante. A ânsia por proteção agora recai sobre o povo humano e não mais sobre os Estados nacionais que o dividem. Eis o rótulo do moderno tempo dos direitos humanos.


C’est fini, a conclusão de que intervenções humanitárias sobre o poderio de Estados violadores é o prelúdio de uma nova era global, onde as garantias fundamentais compõem o alto escalão das prioridades. A globalização, que engrandece a individuação do homem junto de uma reestruturação social e política, representa critério específico desse sentido. Enfim, o princípio de defesa dos direitos humanos tem sido superior à própria noção de Estado, pois o mundo hodierno intercede por avanços contra governanças exageradas, que tendem a atingir os direitos dos povos de forma desastrosa. A abolição destes moldes é emblemática para o destaque do mínimo vital da humanidade. O compromisso interventivo é factual nesta causa, sendo exercido sob a precisa atenção dos órgãos adequados. Denota-se como cediço o fato de que as intervenções sempre terão inclinações políticas, mas, neste ponto, o humanitarismo deve preponderar sobre elas. Intervir para salvar os direitos humanos é a plena recomendação quando a sociedade mundial se depara diante de calamidades generalizadas. A proteção da vida está em primeiro lugar. Portanto, as intervenções internacionais sempre serão cabíveis, desde que os fins humanitários justifiquem os meios utilizados.


 


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Notas:

[1]Dar a cada um o que é seu”: Célebre definição, de natureza literária, surgida nos áureos tempos da Roma Antiga com o poeta Simônides, e que foi rebuscadamente utilizada pelos juristas daquela época, com destaque para o intelectual Ulpiano.

[2] Tendo como mentor de seu esboço o canadense John Peters Humphrey e mais tantas outras personalidades mundiais, a Declaração Universal dos Direitos Humanos é um diploma internacional, surgido em 10 de dezembro de 1948. Livremente inspirada pela Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão (apresentada durante a Revolução Francesa de 1789), a Carta trata dos direitos essenciais referentes à natureza e à sobrevivência humanas.

[3] O século XVIII também ficou conhecido como Período Iluminista ou simplesmente Iluminismo, marcado por um movimento intelectual que se registrou na Europa e que circunstanciou as raízes fundamentais para a nossa moderna vida política, social e cultural. Surgiu na Inglaterra, porém encontrou grande expressão e notório clamor na França. Por meio da “Ilustração”, foi instituída a filosofia do esclarecimento, cujos catedráticos cientistas foram: René Descartes, Isaac Newton, John Locke, Montesquieu, Voltaire, D’Alembert, Diderot, Adam Smith e Jean-Jacques Rousseau.

[4] Sistema de governo ou regime em que um determinado grupo centraliza todos os poderes político-administrativos para si mesmo. São exemplos clássicos de Estados Totalitaristas: o Nazista, comandado sob extrema direita pelo ditador alemão Adolf Hitler, e o Fascista, liderado pelo político italiano Benito Mussolini.

[5] Conhecida também através da sigla ONU, ou até mesmo Nações Unidas (NU), é uma organização mundial, fundada em 1945, após os desastres da Segunda Grande Guerra, e regida por regras de Direito Internacional, que preza pela paz entre os povos, em seus mais diversos fatores: desenvolvimento social, progresso econômico, proteção dos direitos humanos, etc. O seu objetivo primordial é evitar possíveis guerras entre as divergentes nações do mundo.

[6] Movimento internacional não governamental engajado na tutela dos direitos humanos dos indivíduos prisioneiros, fundada em 1961, averiguando os casos de torturas, execuções, prisões políticas e demais excessos da punibilidade.

[7] Organização não-governamental financiada por terceiros e engajada na proteção dos direitos humanos, sendo, para isso, ativa em vários continentes do planeta.

[8] SHAKESPEARE, William. Hamlet. Disponível em: <http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/cv000073.pdf>. Acesso em: 05 de outubro de 2010.

[9] Renascimento cultural, Renascença ou Renascentismo foi uma grande revolução de cunho artístico-intelectual, ocorrida na Europa em meados do século XVII, caracterizada por apego à cultura greco-romana e pela influência do Humanismo (filosofia moral que colocava o homem no centro de todas as coisas).

[10] Famosa estátua de bronze, que retrata um homem em estado de meditação, do escultor francês Auguste Rodin.

[11] BRASIL. Constituição Federal, 1988.

[12] MORAES, 1998 apud SAMANIEGO, Daniela Paes Moreira. Direitos humanos como utopia. Disponível em: <http://jus.uol.com.br/revista/texto/76/direitos-humanos-como-utopia/1>. Acesso em: 10 de outubro de 2010.

[13] HERKENHOFF, 1994 apud SAMANIEGO, Daniela Paes Moreira. Op. cit.

[14] Instituição humanitária, criada no ano de 1863, de caráter internacional, neutro e independente, que age em prol das pessoas vitimadas pela guerra, por outros conflitos armados, por situações de violência e demais calamidades. Atualmente sediada na Suíça, exerce influência assistencial sobre diversas áreas do mundo.

[15] REBOUÇAS NETO, Edvaldo de Sousa; MENEZES, Bruno Leonardo Gomes Alencar de Souza. O Direito Internacional dos Direitos Humanos na ordem jurídica internacional. Disponível em: <http://jus.uol.com.br/revista/texto/1606>. Acesso em: 11 de outubro de 2010.

[16] Primitivo decreto do Império Persa (539 a.C.), de formato cilíndrico e de conteúdo humanista, onde Ciro II dispõe de autorizações ocorridas logo após a conquista da Babilônia.

[17] Denominação das cidades gregas (constituídas pelos cidadãos vivendo em comunidade organizada) durante a Idade Antiga. Termo empregado desde o período arcaico até o período clássico.

[18] Antigo Regime é um dos termos designativos do sistema de governo político-social instalado na França em meados do século XVI, com planejamentos traçados pela monarquia absolutista.

[19] Evento principal, ícone maior da Revolução Francesa, ocorrido em 14 de julho de 1789, simbolizando o pleno declínio do Antigo Regime e a queda sumária do Absolutismo real. Bastilha era uma fortaleza utilizada como prisão pelos soberanos franceses. Tal acontecimento obteve reflexo não só na França, mas também em todos os impérios da Europa.

[20] Lei nº 11.340 de 07 de agosto de 2006 que cria situações para coibir a violência contra a mulher. Surgida das pressões humanitárias internacionais (especialmente por parte da Comissão Interamericana de Direitos Humanos), o nome da lei advém da farmacêutica Maria da Penha Maia Fernandes, vítima de brutais agressões domésticas por parte do próprio marido.

[21] SAMANIEGO, Daniela Paes Moreira. Op. cit.

[22] Assinada em São Francisco por 51 Estados originais, no dia 26 de junho de 1945, substituindo a antiga Liga das Nações pela ONU.

[23] Com a Carta da ONU, o estado de guerra, antes considerado lícito e legal, passa a ser repudiado pela ordem jurídica na tentativa de solução dos conflitos.

[24] BITTAR, Eduardo Carlos Bianca; ALMEIDA, Guilherme Assis de. Curso de Filosofia do Direito. São Paulo: Atlas, 2005, p. 544.

[25] REZEK, José Francisco. Direito Internacional Público – Curso elementar. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 226.

[26] BORGES, Alci Marcus Ribeiro. Breve introdução ao direito internacional dos direitos humanos. Disponível em: <http://jus.uol.com.br/revista/texto/9228>. Acesso em: 26 de novembro de 2010.

[27] LYRA, Rubens Pinto (Org.). Estado e Cidadania – De Maquiavel à Democracia Participativa. João Pessoa: Editora Universitária da UFPB, 2006, p. 183-184.

[28] ALVES, 1997 apud BORGES, Alci Marcus Ribeiro. Op. cit.

[29] FERRAZ JÚNIOR, Tércio Sampaio. A Ciência do Direito. São Paulo: Atlas, 1980, p. 24.

[30] BITTAR, Eduardo Carlos Bianca (coord.). Direitos humanos no século XXI: cenários de tensão. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2009, p. 90.

[31] Data da série de ataques terroristas contra os Estados Unidos da América comandados pela organização islâmica Al-Qaeda e que ocasionaram a destruição das torres gêmeas do complexo World Trade Center (Nova Iorque) e da sede de departamento do Pentágono (Washington, D.C.).

[32] OLIVEIRA NETTO, Sérgio de. Relativismo ou universalismo das leis sobre direitos humanos. Disponível em: <http://jus.uol.com.br/revista/texto/2041>. Acesso em: 30 de novembro de 2010.

[33] REZEK, José Francisco. Op. cit., p. 226.

[34] BITTAR, Eduardo Carlos Bianca; ALMEIDA, Guilherme Assis de. Op. cit., p. 551.

[35] BARROS, Carlos Roberto Galvão. A internacionalização dos direitos humanos e as suas peculiaridades. Disponível em: <http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.27720>. Acesso em: 10 de dezembro de 2010.

[36] MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. São Paulo: Atlas, 2004, p. 62.

[37] VAZ, 1993 apud LYRA, Rubens Pinto (Org.). Op. cit., p. 192.

[38] BOBBIO, 2004 apud LYRA, Rubens Pinto (Org.). Ibidem, p. 191.

[39] MACHADO, Alberto Vellozo. A popularização dos direitos humanos. Disponível em: <http://jus.uol.com.br/revista/texto/7285>. Acesso em: 07 de janeiro de 2011.

[40] VERDÚ, Pablo Lucas. A Luta pelo Estado de Direito. Rio de Janeiro: Forense, 2007, p.154.

[41] Aquele que prioriza a interpretação normativa em favorecimento do bem maior dos seres humanos.

[42] ALMEIDA FILHO, Agassiz de; CRUZ, Danielle da Rocha (Coord.). Estado de Direito e Direitos Fundamentais – Homenagem ao Jurista Mário Moacyr Porto. Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 441.

[43] AGRA, Walber de Moura. Curso de Direito Constitucional. Rio de Janeiro: Forense, 2007, p. 114.

[44] Criatura marítima descomunal, de proporções gigantescas, relatada em diferentes momentos da história, como por trechos da Bíblia Sagrada, pelo relato de navegadores da Idade Moderna ou pelo imaginário recente sobre aparições do um monstro no Lago Ness.

[45] HOBBES, Thomas. Leviatã ou Matéria, Forma e Poder de um Estado Eclesiástico e Civil. Disponível em: <http://www.dhnet.org.br/direitos/anthist/marcos/hdh_thomas_hobbes_leviatan.pdf>. Acesso em: 25 de janeiro de 2011.

[46] Também chamado Paz de Vestfália, Osnabrück e Münster (cidades alemãs), coleciona uma série de acordos que findaram a Guerra dos Trinta Anos, iniciando uma nova espécie de sistema internacional ao constar noções de Estado e de soberania.

[47] O homem é o lobo do homem: Sentença criada por Plauto (230 a.C. – 180 a.C.) e mais difundida por Thomas Hobbes, teórico inglês do século XVIII.

[48] PERINI, Raquel Fratantonio. A soberania e o mundo globalizado. Disponível em: <http://jus.uol.com.br/revista/texto/4325>. Acesso em: 02 de fevereiro de 2011.

[49] Dualismo é uma corrente filosófica empenhada por Heinrich Triepel, que alega a existência de duas ordens jurídicas (interna e externa), independentes e autônomas no meio internacional.

[50] Monismo é uma corrente filosófica empenhada por Hans Kelsen, que alega a existência de uma só ordem jurídica (ao mesmo tempo interna e externa) no meio internacional. Tanto o monismo quanto o dualismo podem se manifestar de modo radical ou moderado.

[51] MATINS (Coord.), 1998 apud PERINI, Raquel Fratantonio. Op. cit.

[52] PERINI, Raquel Fratantonio. Op. cit.

[53] REZEK, José Francisco. Op. cit., p. 235.

[54] Idem, p. 237.

[55] NEGRI, André Luís del. Soberania e federalismo. Disponível em: <http://jus.uol.com.br/revista/texto/2857/soberania-e-federalismo>. Acesso em: 14 de setembro de 2010.

[56] NEGRI, André Luís del. Op. cit.

[57] ROCHA, Patrícia Barcelos Nunes de Mattos. Direitos humanos, globalização e soberania. Disponível em: <http://www.boletimjuridico.com.br/doutrina/texto.asp?id=1729>. Acesso em: 17 de setembro de 2010.

[58] PERINI, Raquel Fratantonio. Op. cit.

[59] PERINI, Raquel Fratantonio. Op. cit.

[60] MARTINS, 1998 apud PERINI, Raquel Fratantonio. Op. cit.

[61] SGARBOSSA, Luís Fernando; JENSEN, Geziela. Globalização econômica, neoliberalismo e direitos humanos. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/11044>. Acesso em: 25 de fevereiro de 2011.

[62] CARPIZO, 1982 apud NEGRI, André Luís del. Op. cit.

[63] Modernamente designada como União Europeia, é um bloco econômico e político composto por 27 países da Europa, instituída no ano de 1992 com a assinatura do Tratado de Maastricht, somente tendo seu funcionamento reformado com o Tratado de Lisboa em 2007.

[64] CARLEZZO, Eduardo. Soberania versus Direito Internacional. Disponível em: <http://www.datavenia.net/opiniao/2001/Soberania-x-Direito-Internacional.htm>. Acesso em: 07 de março de 2011.

[65] Correspondem aos destinatários do manejo internacional de direitos. Enquadram-se nessa espécie de suma importância para as relações internacionais: os Estados, a pessoa humana, as organizações internacionais (OIs), entidades não-governamentais e empresas transnacionais (aceitas estas duas últimas a partir das exigências da globalização atual.

[66] AMARAL, Renata Vargas. Análise jurídica de intervenção humanitária internacional. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/8861>. Acesso em: 28 de março de 2011.

[67] Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (FARC) é uma organização comunista, por alguns vista como terrorista e defensora do marxismo-leninismo, criada em 1964, que atua em guerrilhas para a implantação do socialismo na Colômbia.

[68] REGIS, André. Intervenções nem sempre humanitárias – O realismo nas relações internacionais. João Pessoa: Editora Universitária da UFPB, 2006, p. 11.

[69] Para Santo Agostinho, os indefesos merecem a proteção por haver uma expectativa forte no sentido de repelir injustas ofensas aos seus direitos básicos. Isso embasa a função da Guerra Justa, cuja premissa filosófica pauta o racionalismo das intervenções em foco.

[70] REGIS, André. Op. cit., p. 11.

[71] AMARAL, Renata Vargas. Op. cit.

[72] ZAFFARONI, Eugenio Raúl; PIERANGELI, José Henrique. Manual de Direito Penal brasileiro – Parte geral. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, p. 66.

[73] Idem.

[74] BITTAR, Eduardo Carlos Bianca; ALMEIDA, Guilherme Assis de. Op. cit., p. 552.

[75] PIOVESAN, 2000 apud AMARAL, Renata Vargas. Op. cit.

 

[76] A natureza abrupta do plano universal é voltada para as desavenças que predominam com a ausência do governo mundial. Portanto, o fito para a solução desses impasses centraliza-se na cooperação maior de todos os grupos.

[77] REGIS, André. Op. cit., p. 118-119.

[78] Funcionam permanentemente como preceitos norteadores do convívio entre personagens da esfera internacional. Assim, são típicos instrumentos de prevenção dos problemas que impossibilitam a plena cooperação entre países.

[79] KEOHANE, 1984 apud REGIS, André. Op. cit., p. 123-124.

[80] O término da Guerra Fria, subsequente a 1989, anunciou também o fim da bipolaridade planetária e alterou o mapa europeu (até então redesenhado pelo Plano Marshall e pela divisão financiada pelo Muro de Berlim) a partir da fragmentação da antiga União Soviética, regressando ao status normal a fronteira russa e a dos seus ex-aliados. Isso lembra o período pós-Primeira Guerra Mundial, que instalou uma ordem configurada pelo final do Tratado de Versalhes. Mais que isso, depois da Guerra Fria e da disputa político-militar (corrida armamentista) entre EUA e URSS, acelera-se o gigante complexo globalizador, sustentado pela dilatação dos meios comunicativos e das negociações comerciais e financeiras.

[81] O insucesso da Liga das Nações fez o homem criar a ONU, após a Segunda Grande Guerra, sem expectativas pelo início de um pleno governo mundial.

[82] A completa ausência de tal autoridade internacional embasa a justificativa dos Estados em manusear o poder para sobrepor sua vontade aos outros atores externos.

[83] REGIS, André. Op. cit., p. 112.

[84] REGIS, André. Op. cit., p. 121-122.

[85] REGIS, André. Op. cit., p. 103.

[86] AMARAL, Renata Vargas. Op. Cit.

[87] Política de segregação racial instalada na África do Sul em 1948. Desde então, o apartheid perdurou décadas assolando o país inteiro com medidas violentas para separar oficialmente a população branca da maioria negra. Tal isolamento tinha cunho político-social, tendo o seu fim anos depois (já na década de 90). Um dos principais opositores do regime, que ganhou destaque mundial ao se consagrar com prêmios internacionais, foi o líder negro Nelson Mandela.

[88] PEREIRA, Bruno Yepes. Curso de Direito Internacional Público. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 134-135.

[89] AMARAL, Renata Vargas. Op. cit.

[90] COGO, Rodrigo. Fundamentos filosóficos da doutrina onusiana de intervenções internacionais: Da Guerra Justa à Responsabilidade de Proteger. Disponível em: <http://jus.uol.com.br/revista/texto/18804>. Acesso em: 16 de abril de 2011.

[91] A Organização das Nações Unidas é nata defensora dos direitos humanos, mas só se vale desta atribuição quando governos estatais transgridem-nos. O auxílio da ONU, neste caso, aparece como opção recorrida em momentos de emergência.

[92] COGO, Rodrigo. Op. cit.

[93] COGO, Rodrigo. Op. cit.

[94] SIMMA & CAMPOS, 2002 apud GARCIA, Emerson. Influxos da ordem jurídica internacional na proteção dos direitos humanos. O necessário redimensionamento da noção de soberania. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=13623>. Acesso em: 07 de maio de 2011.

[95] A Organização do Tratado do Atlântico Norte tem cunho militar e se baseia na assinatura, em 1949, do Tratado do Atlântico Norte, que fundamenta alianças intergovernamentais entre forças do mundo, quais sejam Estados Unidos, Canadá e países da União Europeia.

[96] REGIS, André. Op. Cit., p. 25.

[97] AMARAL, Renata Vargas. Op. cit.

[98] Algumas correntes vêem a intervenções como instrumentos de domínio de países ricos sobre países mais pobres, em comparação ao monopólio operado pelo Sistema Colonial (séculos XV a XIX), no qual se cometiam abusos e intensa exploração da metrópole para com as suas colônias.

[99] AMARAL, Renata Vargas. Op. cit.

[100] AMARAL, Renata Vargas. Op. cit.

[101] CANOTILHO, 1995 apud PESTANA, Eugênia Kimie Suda Camacho. . Ingerência humanitária: Um novo paradigma em formação? Disponível em: <http://www2.senado.gov.br/bdsf/item/id/484>. Acesso em: 12 de maio de 2011.

[102] AMARAL, Renata Vargas. Op. cit.

[103] ANNAN, 1999 apud REGIS, André. Op. cit., p. 52.

[104] AMARAL, Renata Vargas. Op. cit.

[105] REGIS, André. Op. cit., p. 54.

[106] REGIS, André. Op. cit., p. 146.

[107] Até meados do século XX, a África ainda era neocolônia da Europa. O processo de descolonização só veio com o pós-Segunda Guerra, em aproveitamento da situação precária das metrópoles desgastadas no confronto mundial.

[108] PESTANA, Eugênia Kimie Suda Camacho. Op. cit.

[109] REGIS, André. Op. cit., p. 71.

[110] SANTOS, Andréa Cristina Correia de Souza Renault Baêta dos; PAULA, Francine Machado de; et. al. Direito Internacional Humanitário. O simbolismo dos direitos humanos na intervenção humanitária na Somália. Disponível em: <http://jus.uol.com.br/revista/texto/14875>. Acesso em: 30 de maio de 2011.

[111] Por ser o país mais poderoso do mundo, é compreensível que os Estados Unidos arquem com os custos da manutenção das rédeas do sistema internacional, de forma a policiar e intervir, quando conveniente, nos conflitos, guerras, legislaturas e demais relações entre as nações.

[112] A produção de petróleo na Líbia gira em torno de dois milhões de barris por dia, tudo em forte abundância e com alta qualidade.

[113] Tal vantagem provém do avanço incrementado pela globalização no mundo contemporâneo. À medida que há uma crescente interação entre pessoas de distintas origens e ideologias, há concomitantemente uma ampla rede de deliberações e soluções de problemas, dentre eles os contrastes humanitários.

[114] Muitos entendem, conforme vimos anteriormente, que o homem não deve ser notado como um ser nacional (brasileiro, japonês, australiano, francês, norueguês, egípcio, mexicano, etc.) e sim universal, justamente porque ele está fincado desde o princípio num espaço mundial. Além disso, todos são semelhantes e têm os mesmos direitos quando se trata da espécie humana, fato que independe de questões recorrentes à nacionalidade.

[115] Daí o caráter instrumental das intervenções humanitárias internacionais.

[116] O momento hodierno, voltado aos anseios acarretados pela globalização, já não é mais o mesmo dos tempos em que vigorava o absolutismo supremo das monarquias estatais na Europa, onde imperavam as práticas arbitrárias e as leis convenientes à pessoalidade das autoridades que chefiavam os governos.

[117] Desvios de finalidade, inércia da sociedade, desleixo dos comandantes políticos, falta de informações, dentre outros empecilhos.

[118] O intervencionismo, hoje, é tão importante no âmbito internacional que vários esforços jurídico-sociais são aplicados para sua previsão, além de alimentar, por si mesmo, o ânimo das atenções e dos debates mundiais.


Informações Sobre o Autor

Wendell Carlos Guedes de Souza

Bacharel em Direito, Bacharelando em Administração,
Auxiliar da Procuradoria Jurídica do Município de Rio Tinto/PB.


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