A realização material do princípio da fundamentação no recebimento da denúncia

Resumo: O presente estudo buscou elucidar como a recente Lei 11.971/09 determina a emissão das certidões de antecedentes criminais mais precisas, garantindo, juntamente com o teor da Súmula Vinculante 14, a possibilidade a possibilidade de defesa e exclusão de homônimos em Inquérito e processo criminal.


Palavras-chaves: Constituição, materialidade, recebimento da denúncia, fundamentação, princípio.


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Sumário: Introdução; 1. Recebimentos da denúncia; 2. Momento efetivo do recebimento da denúncia; 3. Direito de identificação como manifestação de autodefesa; 4. Súmula vinculante 14 e defesa na fase inquisitória. Conclusão. Referências bibliográficas.


INTRODUÇÃO


A lei 11.719/08 tratou do recebimento da denúncia no processo penal com a menção a tal ato no art. 396 e também no art. 399, construindo uma situação de conflito doutrinário que prega a existência de 02 (dois) recebimentos da denúncia.


O art. 93, IX determina a necessidade de fundamentação nas decisões judiciais, assim, necessário que o magistrado atue expondo suas razões.


Dessa forma, imperativo que o segundo recebimento – por já contar com alegação acusatória e também sustentação defensiva do acusado – determine quais as razões que atuam no recebimento da denúncia, evitando que haja a violação do preceito da Fundamentação e também da Ampla Defesa.


Embora a jurisprudência exponha que tal recebimento não necessita de fundamentação, materialmente não há respeito aos postulados e tal lesão, sob a égide constitucional, é uma sabotagem constitucional que inviabiliza a democracia.


1 RECEBIMENTOS DA DENÚNCIA


A alteração do Código de Processo Penal sustentada pela lei 11.719/08 determinou uma situação de conflito dentro do procedimento, qual seja, a existência de 02 (dois) momentos de recebimento da denúncia, um que ocorre antes da citação do acusado e o outro após a citação e manifestação do acusado.


Consoante o art. 396, o magistrado após o oferecimento da denúncia deverá determinar a citação do acusado para responder a acusação em 10 (dez) dias.


Por evidente, a possibilidade de rejeição liminar existe e pode ser exercida pelo magistrado segundo as hipóteses do art. 395.


Anota-se que há também o art. 399 que trata do suposto segundo recebimento da denúncia que ocorre após a citação efetiva do acusado e a manifestação do defensor, que deve ser construída com argumentos defensivos amplos.


O teor do Código de Processo Penal deixa evidente tal situação:


“Art. 396-A. Na resposta, o acusado poderá arguir preliminares e alegar tudo que interessa à sua defesa, oferecer documentos e justificações, especificar as provas pretendidas e arrolar testemunhas, qualificando-as e requerendo sua intimação, quando necessário”.


Dentro de tal possibilidade, há o segundo recebimento da denúncia:


 “Art. 399. Recebida a denúncia ou queixa, o juiz designará dia e hora para a audiência, ordenando a intimação do acusado, seu defensor, do Ministério Público e, se for o caso, do querelante e do assistente”.


Assim, a princípio, consoante o texto do CPP haveria (02) recebimentos da denúncia, sendo o segundo o ato em que o magistrado já tem a denúncia e a tese defensiva.


2 MOMENTO EFETIVO DO RECEBIMENTO DA DENÚNCIA


Embora a lei demonstre a existência de 02 (dois) recebimentos, acertada é a lição de Aury Lopes Jr:


“Mas, infelizmente, foi inserida no art. 396 a mesóclise “recebê-la-á” e manteve-se a redação do projeto no que se refere ao art. 399, gerando uma dicotomia aparente (dois recebimentos?). Com isso, o recebimento da denúncia é imediato e ocorre nos termos do art. 396. Esse é o marco interruptivo da prescrição e demarca o início do processo, que se completa com a citação válida do réu. Tanto que o réu é citado nesse momento para apresentar sua resposta”.[1]


Tal enunciado deixa evidente que, apesar do dispositivo, o fato é que apenas um recebimento ocorre.


Ainda, nos dizeres de Nucci:


“É inegável o equívoco legislativo na redação do art. 399 (“recebida a denúncia ou queixa”), dando a entender que seria a peça acusatória recebida duas vezes, pois já fora realizada essa atividade por ocasião no disposto no art. 399, caput”.[2]


Anota-se que, apesar de reconhecer o acerto em tais lições, necessário que a jurisprudência se alinhe, efetivamente, a um dos requisitos de existência do próprio ato, que é a necessidade de fundamentação.


O próprio art. 396 impõe ao magistrado cognição consoante a possibilidade de rejeição liminar, assim, o caráter decisões do recebimento é notório.


3 MATERIALIDADE DO PRECEITO DA FUNDAMENTAÇÃO


O próprio art. 396 impõe ao magistrado cognição que trate da possibilidade de rejeição liminar, assim, o caráter decisões do recebimento é notório.


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Por evidente, o processo que apenas respeita ao teor legal pode ser inválido perante o valor democrático em razão da necessidade de o processo atender aos princípios, como elementos essenciais.


O argumento percorre os princípios como cogentes e a normatividade destes postulados, elementos tratados pelo neoconstitucionalismo que pregam a sustentação dos princípios como norma cogente.


A lição precisa de Barroso – neste sentido – é acertada:


“Uma vez investida na condição de norma jurídica, a norma constitucional passou a desfrutar dos atributos essenciais ao gênero, dentro os quais a imperatividade. Não é própria de uma norma jurídica sugerir, recomendar, aconselhar, alvitrar. Normas jurídicas e, ipso facto, normas constitucionais contêm comandos, mandamentos, ordens, dotados de força jurídica, e não apenas moral”.[3]


Dentro de tal cogência normativa o preceito da fundamentação das decisões adquire a necessária característica de incidir sobre todos os momentos processuais, a jurisprudência já se determinou em tal sentido em diversos momentos:


“HABEAS CORPUS. ARTS. 396, 396-A, 397 E 399, CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. `SEGUNDO¿ RECEBIMENTO DA DENÚNCIA. JUÍZO DE ADMISSIBILIDADE. TESES DEFENSIVAS BUSCANDO ABSOLVIÇÃO SUMÁRIA. REJEIÇÃO DO PEDIDO. FUNDAMENTAÇÃO. NECESSIDADE. Antagonizada a pretensão acusatória com argumentos de fato e de direito produzida pela defesa na resposta preliminar, para fazer persistir aquela com a regular tramitação do processo, deve o juiz esclarecer a motivação deste recebimento da denúncia, renovando o juízo de admissibilidade e, assim, mantendo o controle jurisdicional sobre a acusação a justificando a sucumbência inicial da defesa. Ordem concedida” (Habeas Corpus Nº 70030173082, Quinta Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Aramis Nassif, Julgado em 17/06/2009)


O voto do ilustre relator é ensinamento preciso:


“Este papel do juiz julgador necessita da aplicação do Art. 93, IX, da Constituição Federal, porque o exercício da opção pela continuidade do feito, derribando a tese defensiva, é uma decisão que faz sucumbir os interesses do acusado em ver-se absolvido. Ou seja, necessário o cotejo da acusação, para seu controle, e da defesa para ver ou não absolvido o acusado”.


O Supremo Tribunal Federal em decisão recente e necessária elucidou a necessidade de fundamentação no recebimento da denúncia, sob pena de nulidade, no presente estudo entende-se absoluta, em razão de violação de princípio, em seu teor, e também norma:


“EMENTA: AÇÃO PENAL. Denúncia. Rejeição pelo juízo de primeiro grau. Recebimento em recurso em sentido estrito. Repúdio ao fundamento da decisão impugnada. Acórdão carente de fundamentação sobre outros aspectos da inicial. Nulidade processual caracterizada. Não conhecimento do recurso extraordinário. Concessão, porém, de habeas corpus de ofício. É nula a decisão que recebe denúncia sem fundamentação suficiente sobre a admissibilidade da ação penal.” (RE 456673, Relator(a): Min. CEZAR PELUSO, Segunda Turma, julgado em 31/03/2009, DJe-094 DIVULG 21-05-2009 PUBLIC 22-05-2009 EMENT VOL-02361-05 PP-01086)


No HC 94.408 o Ministro Eros Grau ensina:


“no exercício da prudência do direito, para que prevaleça contra qualquer outra, momentânea, incendiária, ocasional, a força normativa da Constituição. Sobretudo nos momentos de exaltação. Para isso fomos feitos, para tanto estamos aqui”.


O entendimento do Superior Tribunal de Justiça é razoável e também está buscando uma frente constitucional:


“Crime de responsabilidade dos funcionários públicos (processo). Denúncia (recebimento). Fundamentação (necessidade). 1. Foi em 1973 que se instalou, no Supremo Tribunal, a propósito da natureza do ato judicial de recebimento da denúncia, inteligente e mágica discussão entre Bilac, Alckmin e Xavier, e lá prevaleceu o entendimento de que tal ato, se possui carga decisória, não é, entretanto, “ato decisório mencionado no art. 567” (RE-74.297, DJ de 27.3.74). 2. Então, decerto que o recebimento da denúncia não é simples despacho de expediente, ao contrário, pois, de Toledo, no Superior Tribunal, em 1995, no RHC-4.240. De igual sorte, Medina e Quaglia, nos anos 2004 e 2005, nos RHCs 13.545 e 17.974. 3. É, então, correto, hoje e agora, interpretando a regra do art. 516 do Cód. de Pr. Penal, admitir que, se se exige a rejeição da denúncia (ato negativo) em despacho fundamentado, também a decisão que a recebe (ato positivo) há de ser, sempre e sempre, devidamente fundamentada. 4. Pensar de maneira outra seria colocar à frente da liberdade a pretensão punitiva, quando, é sabido, o que se privilegia é a liberdade. Nunca é demais lembrar: (I) “havendo normas de opostas inspirações ideológicas – antinomia de princípio –, a solução do conflito (aparente) há de privilegiar a liberdade, porque a liberdade anda à frente dos outros bens da vida, salvo à frente da própria vida” (HC-95.838); e (II) “impõe-se, isto sim, se extraiam conseqüências de um bom, se não excelente, princípio/norma, que cumpre ser preservado para o bem do Estado democrático de direito” (HC-96.521). 5. Ordem de habeas corpus concedida para se anular toda a ação penal desde, e inclusive, o recebimento da denúncia – a que se procedeu sem fundamentação”. (HC 76.319/SC, Rel. Ministro NILSON NAVES, SEXTA TURMA, julgado em 11/12/2008, DJe 23/03/2009)


O voto da ilustre ministra Maria Thereza de Assis Moura, que acompanhou o relator:


“É até intuitivo que, diante do comando legal, a admissão da acusação somente se viabilizasse mediante decisão fundamentada. Na hipótese, a motivação cumpre o papel fundamental de legitimação do processo penal, mecanismo de intervenção tão gravoso. E veja que, pouco a pouco, com o palmilhar de nossa jovem democracia, tal concepção foi se generalizando, independentemente da natureza do delito. São exemplos dessa nova perspectiva, o rito sumaríssimo trazido pela Lei 9.099/95, o procedimento da anterior legislação de drogas, Lei 10.409/02, e, o da atual, Lei 11.343/06. E, para coroar tal compreensão, as recentes reformas do Código de Processo Penal cristalizaram, de modo amplo, a necessidade de que o magistrado, antes de empolgar a ação penal, zele pela sua higidez, justificando-se o processo apenas diante de comprovado embasamento – formal e material”.


Acertado é o direcionamento da eminente ministra do STJ a qual ensina sobre a necessidade de o processo seja racionalmente instituído apenas quando há, de fato, fundamento para tal.


A fundamentação do recebimento é o mínimo dever do magistrado de demonstrar as razões que o levaram a decisão de impor o processo e suas misérias ao cidadão.


Consoante tal situação, Lauria Tucci:


É, portanto, mediante a motivação que o magistrado pronunciante de ato decisório mostra como apreendeu os fatos e interpretou a lei que sobre eles incide, propiciando, com as indispensáveis clareza, lógica e precisão, a perfeita compreensão da abordagem de todos os pontos questionados e, conseqüente e precipuamente, a conclusão atingida.(…)


Daí, a afirmada imprescindibilidade da motivação de todos os atos dos órgãos jurisdicionais que tenham conteúdo decisório, consubstanciado no dever funcional de justificação do comportamento profissional dos agentes do Poder Judiciário, que, pela sua natureza, inadmite qualquer limitação”.[4]


Assim – diante do evidente fato de que o ato de recebimento não é mero expediente – é imperativo que haja fundamentação devido em razão, além do dever de fundamentar, da necessidade de materializar o preceito da Ampla Defesa, pois, já que há defesa preliminar para expor a possibilidade de não recebimento, tal manifestação deve ser devidamente atacada pelo magistrado.


O mesmo doutrinador supramencionado conclui de forma magistral que:


“Com efeito, não pode haver mais qualquer dúvida acerca da indispensabilidade de motivação de todos os atos emanados do agente do Poder Judiciário – juiz ou tribunal – que ostentem conteúdo decisório”[5].  


Portanto, diante da normatividade constitucional, é imprescindível a compreensão de que a Constituição não faculta a adequação do processo ao princípio da motivação dos atos judiciais; há, de fato, uma obrigação inerente à própria função da magistratura.


CONCLUSÃO


Essencial, com efeito, que haja tanto uma interpretação constitucional quanto a aplicação segundo a imediata incidência do artigo 5º, § 1º da Carta Democrática.


Em mesma linha, Lauria Tucci novamente de forma brilhante expõe:


“não se pode falar em fundamentação hábil quando a decisão de recebimento da denúncia ou da queixa limita-se à afirmação da co-existência de fumus boni júris (fundamento razoável da acusação) e do legítimo interesse de agir do acusador, público ou privado: é absolutamente necessário que o órgão jurisdicional justifique-os, em consonância e perfeita harmonia com os elementos colhidos nos autos de investigação criminal ou constantes das peças de informação”.[6]


Uma sociedade justa é aquela que obriga o respeito aos princípios tanto por parte do cidadão quanto por parte do Estado. Desta forma, quando o Estado erige a fundamentação das decisões judiciais como princípio constitucional, o seu desrespeito aniquila a ordem democrática e a jurisprudência reconhecendo tal situação, impõe a fundamentação do recebimento da denúncia.


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Notas:

[1] LOPES JR., Aury. Direito Processual Penal e sua conformidade constitucional, volume II, 3 edição revisada e atualizada. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2009.

[2] NUCCI, Guilherme de Souza. Código de Processo Penal Comentado. 8 edição, revista, atualizada e ampliada. São Paulo: RT, 2008.

[3] BARROSO, Luís Roberto. Curso de Direito Constitucional Contemporâneo. Os conceitos fundamentais e a construção do novo modelo. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 218.

[4] TUCCI, Rogério Lauria. Direitos e Garantias Individuais no Processo Penal Brasileiro. 3º ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: RT, 2009. p. 189

[5] TUCCI. op. cit. p. 193.

[6] TUCCI. op. cit. p. 203.


Informações Sobre os Autores

Bruno Sitta Giacomini

Acadêmico de direito na UEL/Londrina

Diego Prezzi Santos

Doutorando em Direito pela Faculdade Autônoma de São Paulo (FADISP). Mestre em Direito pelo programa de mestrado em ciências Jurídicas do Centro Universitário de Maringá (CESUMAR) na linha de pesquisa Instrumentos de Efetivação dos Direitos da Personalidade, recebendo aprovação com nota máxima da banca. Pós-graduado em Direito e Processo Penal pela Universidade Estadual de Londrina (UEL). Professor de pós-graduação na Universidade Estadual de Londrina (UEL). Professor da Fundação Escola do Ministério Público (FEMPAR). Professor de pós-graduação na Faculdade Arhur Thomas (FAAT). Professor de pós-graduação na Universidade Norte do Paraná (UNOPAR). Professor de pós-graduação não Centro Universitário de Maringá (CESUMAR). Professor de graduação no Instituto Catuaí de Ensino Superior (ICES). Parecerista em revistas científicas. Possui graduação em Direito pela Universidade Estadual de Londrina (UEL) com habilitação em Direito Penal e Processo Penal. Membro associado do Conselho Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Direito (CONPEDI). Membro associado ao Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCRIM). Advogado com experiência em direito penal e processo penal.


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