A responsabilidade civil do estado no direito brasileiro

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Resumo: O presente estudo consiste em uma revisão bibliográfica, com abordagem dedutiva e análise crítica-dialética que tem como mote analisar a responsabilidade civil do Estado no Direito brasileiro. É evidente que o Estado não pode ser considerado tal como qualquer pessoa física ou jurídica, tendo em vista que possui características totalmente distintas destes. Por estes motivos, inicialmente analisa-se, neste trabalho, a responsabilidade civil como um todo, partindo-se de um contexto histórico, passando por suas principais características e classificações, bem como analisando os elementos essenciais para a caracterização dessa responsabilidade, passando-se, na sequência, a observar, de forma didática, a responsabilidade civil do Estado por danos causados.

Palavras Chave: Responsabilidade Civil. Reparação. Estado. Responsabilidade objetiva.

Abstract: This study consists in a bibliographical review, with a deductive approach and a critical-dialectical analysis that aims to analyze the civil responsibility of the State in Brazilian Law. It is clear that the State can not be regarded as any natural or legal person, since it has characteristics which are wholly distinct from those. For these reasons, we initially analyze civil liability as a whole, starting from a historical context, through its main characteristics and classifications, as well as analyzing the essential elements for the characterization of this responsibility. , in order to observe, in a didactic way, the civil liability of the State for damages caused.

Keywords: Civil Responsibility. Repair. State. Objective responsibility.

Sumário: Introdução. 1. Responsabilidade civil. 1.1 Terminologia, conceito e breve histórico. 1.2 Aspectos Gerais. 1.3 Responsabilidade contratual e extracontratual. 1.4 Responsabilidade Civil Subjetiva e Objetiva. 1.5 Elementos da Responsabilidade Civil. 1.5.1 Conduta Culposa. 1.5.2 Dano. 1.5.3 Nexo de Causalidade. 2. Responsabilidade Civil do Estado. 2.1 Escorço histórico e atual aplicabilidade. 2.1.1 Da irresponsabilidade do Estado. 2.1.2 Concepção civilista. 2.1.3 Concepção publicística ou do Direito Público. 2.2 Da responsabilidade civil do Estado no sistema jurídico brasileiro. 2.2.1 Aspectos gerais.   2.2.2 Da legitimidade passiva do Estado e de seu agente. 2.2.3 Da denunciação da lide. 2.2.4 Da concorrência de causas. 2.2.5 Das excludentes de responsabilidade civil do Estado. 2.2.6 Da participação do lesado. 2.2.7 Do ônus da prova. Conclusão. Referências.

Introdução

A existência da reparação de danos causados pelo Estado está intrinsecamente ligada à concepção de Estado Democrático de Direito, visto que, conforme Kraemer (2004, p. 38): “o grande número de atividades desenvolvidas pela administração pública em benefício da sociedade pode, em algumas oportunidades, causar prejuízos para os cidadãos. O sistema, por ser coerente e harmônico, não pode deixar os cidadãos sem reparação”.

Ocorre que, quando se trata de um tema como o presente, muitos são os questionamentos a respeito da forma como esta responsabilização deve ocorrer, bem como ser provada, e em que casos ela efetivamente ocorre. Evidente que tais questionamentos não são sem razão, pois a responsabilidade civil do Estado é tema que sofreu grandes modificações no decorrer dos tempos, se observado um contexto mundial, passando de uma total irresponsabilidade do Estado a uma responsabilidade objetiva.

Há que se ressaltar, também, que o Estado como pessoa jurídica é intangível, somente se fazendo presente no sistema jurídico por meio de seus agentes, que são pessoas físicas, cujas condutas são a ele imputadas. O Estado, não fossem seus agentes, não teria meios para causar danos a outrem (CARVALHO FILHO, 2008)..

Nas palavras de Mello (2005, p. 937-938): “o Estado, entidade real, porém abstrata (ser de razão), não tem vontade nem ação, no sentido de manifestação psicológica e vida anímica próprias. Estas, só os seres físicos as possuem. Tal fato não significa, entretanto, que lhe faltem vontade e ação, juridicamente falando […] sua vontade e sua ação se constituem na e pela atuação dos seres físicos prepostos à condição de seus agentes, na medida em que se apresentem revestidos desta qualidade”.

Portanto, regra geral, há uma imputação direta dos atos dos agentes ao Estado, de modo que as condutas praticadas por eles serão entendidas como efetuadas pelo próprio Estado.

Dessa forma, o tema abrangerá sempre três sujeitos: O Estado, o agente deste e o lesado. Para que saibamos quem será o responsável por ressarcir um dano causado por este agente em nome do Estado, vamos estudar e analisar as teorias que se formaram perante determinados contextos históricos.

Em um primeiro momento, analisar-se-á a responsabilidade civil como um todo, partindo-se de um contexto histórico, passando por suas principais características e classificações. Na sequência, serão elencados os elementos essenciais para a caracterização dessa responsabilidade, delineando-se assim as mais importantes concepções a respeito do tema, a fim de criar subsídio ao enfrentamento do cerne deste trabalho.

Expostas as considerações iniciais a respeito da responsabilidade civil em geral, passamos à análise desta quando atribuída ao Estado.

Neste âmbito, Cahali define a responsabilidade civil do Estado como sendo “a obrigação legal, que lhe é imposta, de ressarcir os danos causados a terceiros por suas atividades” (2007, p. 13).

Sua finalidade é, desta forma, recompor prejuízo indevido, decorrente de dano sofrido por determinado sujeito. Dito de outra forma, nas palavras de Kraemer, visa “a recomposição patrimonial pela agressão injustificada a patrimônio de terceiros” (2004, p. 37).

1 Responsabilidade Civil

1.1                Terminologia, conceito e breve histórico

De início, oportuno que sejam estudados a origem da responsabilidade civil e os aspectos norteadores do tema no Direito pátrio.

É que com a análise da origem e desdobramentos históricos, mesmo que de forma sucinta, podemos chegar ao verdadeiro âmago daquilo que se estuda. Dito de outra forma, observando-se, ao menos em linhas iniciais, o caminho que os entendimentos percorreram no passar do tempo, é possível perceber porque diversos conhecimentos foram lapidados até chegarem à sua atual forma. Assim, consegue-se saber de que maneira um fundamento jurídico, que hoje nos é visto como normal ou natural, antes tempo poderia ter um ângulo de visão diverso. Nesse sentido, preciosa a lição de Barbosa Moreira ao referir que (1997, p. 22-23): “muita razão tinha CHESTERTON quando advertia que o homem pode enxergar mais longe se subir aos ombros dos que vieram antes. A abertura de novos horizontes e a penetração de outras luzes, de que hoje nos beneficiamos, não nos hão de tornar menos sensíveis à permanente importância do trabalho que já encontramos realizado, ou iniciado. Uma coisa é a retificação de rumos; outra, o desprezo ou esquecimento das descobertas com que nos enriqueceu o percurso vencido”.

Neste âmbito, observa-se que a responsabilidade “contém a raiz latina spondeo, fórmula conhecida, pela qual se ligava solenemente o devedor, nos contratos verbais do direito romano” (DIAS, 2006, p. 4).

Contudo, de acordo com o mesmo autor, sustentar que responsável é aquele que responde, e que por isso responsabilidade é a obrigação cabível ao responsável torna-se, além de redundante, insuficiente, eis que não dá solução ao problema que se pretende resolver.

Alves, a seu turno, completa ao asseverar que: “Etimologicamente, responsabilidade é signo linguístico derivado de responsável, de responder, do latim respondere, com a terminação bílis e o sufixo itatem, ambos igualmente de origem latina” (2001, p.19).

Diante do que já dito, pode-se compreender que a responsabilidade nos remete a uma ideia de contraprestação, correspondência, concluindo-se que é “resultado da ação pela qual o homem expressa o seu comportamento, em face desse dever ou obrigação” (DIAS 2006, p. 5).

Responsabilidade civil, portanto, contém a indissociável presença da reparação e do sujeito passivo na relação jurídica que se forma em razão da ocorrência de uma agressão à ordem jurídica (PEREIRA, 2001).

No campo da responsabilidade civil é analisado se o prejuízo experimentado pela vítima, em razão de determinado ato, deve ou não ser reparado por quem o causou, bem como em quais condições, maneira e forma deve ser ressarcida e estimada a indenização (GONÇALVES, 2005).

Outrossim, conforme ensina o mesmo autor, quando a humanidade dava seus primeiros passos – época em que não imperava o direito – não se cogitava o fator culpa, visto que o dano provocava reação imediata, instintiva e brutal do ofendido, sem regras ou limitações. Não podendo acontecer desde logo, sobrevinha vingança meditada, resultando na pena de talião, do olho por olho dente por dente.

Não obstante, é possível verificar a existência de um rudimento, de uma noção inicial da ideia de responsabilidade e indenização ou contraprestação já no Código de Hamurabi, a qual pode ser constatada, por exemplo, nos casos de abalroamentos fluviais. A respeito do referido código, bem ensina Altavila (1964, p. 41): “Nos casos de abalroamento, que deveriam ser frequentes naquele fervedouro fluvial, os rudimentos de direito comercial marítimo do Código obrigavam o causador do choque a indenizar todos os prejuízos, uma vez que o prejudicado pedisse previamente ‘justiça diante de seu Deus’, que era Marduk. Art. 240 – Se um barco a remos investe contra um barco a vela e o põe a pique, o patrão do barco que foi posto a pique deverá pedir justiça diante de Deus; o patrão do barco a remos, que meteu a fundo o barco a vela, deverá indenizar o seu barco e tudo quanto se perdeu”.

Este autor nos demonstra ainda, a título de exemplificação, que “admitia-se o ressarcimento pelos meios pecuniários e só em sua falta era aplicado o talião” (p. 40), sendo que, inclusive, havia diversos casos em que se estabelecia uma espécie de compensação, por vezes pecuniária e outras com o próprio corpo. Um médico, por exemplo, era bem compensado se curasse os clientes, ou perdia as mãos se operava mal e, acaso um veterinário matasse animal que estivesse tratando, deveria pagar um quarto de seu preço ao seu proprietário (ALTAVILA, 1964).

Tudo isso, a nosso ver, compara-se com a ideia de responsabilidade e contraprestação que vige em nosso direito atual, sendo possível afirmar que o prejudicado passou, na época supramencionada, a perceber conveniências na compensação econômica para reparação do dano.

Na vigência dos Códigos de Ur-Nammu, Manu e da Lei das XII Tábuas, vislumbrava-se a caracterização da soberana autoridade, onde o legislador veda a chamada justiça pelas próprias mãos, antes aclamada (GONÇALVES, 2005).

Mas foram os romanos que fizeram as primeiras diferenciações entre “pena” e “reparação”. Distinguiam-se os delitos públicos – ofensas mais graves, a ponto de perturbar a ordem – onde a pena econômica imposta deveria ser recolhida aos cofres públicos – e os delitos privados, ocasião em que o dinheiro cabia à vítima.

Por outro lado, em que pese o direito romano tenha contribuído de forma significativa para a formulação das regras da responsabilidade civil, não se ateve a construir uma teoria sobre o tema, como, aliás, nunca se deteve na elaboração teórica de nenhum instituto (PEREIRA, 2001).

Com a edição da Lex Aquilia, deu-se um marco na evolução histórica de responsabilidade civil, sendo que inclusive seu nome ofereceu nomenclatura à designação da responsabilidade civil delitual ou extracontratual (GAGLIANO; PAMPLONA, 2006). Tal legislação, seguem os referidos autores: “foi constituída de três partes, sem haver revogado totalmente a legislação anterior, sua grande virtude é propugnar pela substituição das multas fixas por uma pena proporcional ao dano causado”.

Posteriormente, o direito francês veio para aperfeiçoar as regras anteriores, estabelecendo um princípio geral da responsabilidade civil, abandonando o critério de enumeração dos danos ensejadores de reparação (GONÇALVES, 2005). O Código Civil de Napoleão, que influenciou diversas legislações do mundo, inclusive o Código Civil brasileiro de 1916, incorporou a inserção da culpa como elemento básico da responsabilidade civil (GAGLIANO; PAMPLONA, 2006).

Na sequência, principalmente em razão da jurisprudência, passou-se a observar, por exemplo, a ampliação do conceito de culpa, ou ainda novas teorias dogmáticas que propunham a reparação do dano decorrente, exclusivamente, do fato ou em virtude do risco criado (DIAS, 2006).

Assim, analisadas a origem e o histórico da responsabilidade civil, passaremos a estudar alguns aspectos gerais a respeito do tema, bem como a finalidade da responsabilidade civil e sua diferenciação perante as responsabilidades penal e administrativa.

1.2 Aspectos Gerais

Há que se observar a existência de dois aspectos onde se caracteriza a responsabilidade da pessoa: o moral e o jurídico. A diferença mais relevante entre eles encontra-se na ausência de coercitividade institucionalizada da norma moral, não havendo, assim, utilização de força organizada para exigir o cumprimento (GAGLIANO; PAMPLONA, 2006).

Neste âmbito, a ordem jurídica visa proteger o lícito e reprimir o ilícito, e para isso estabelece deveres que de acordo com a natureza do direito correspondente são positivos – de dar ou fazer – ou negativos – de não fazer ou tolerar determinado ato. Observa-se, inclusive, um dever geral de não prejudicar a ninguém, expresso pelo Direito Romano por intermédio da máxima neminem laedere (CAVALIERI FILHO, 2009).

Por outro lado, um mesmo ato, obviamente, é capaz de gerar mais de uma responsabilidade, em mais de uma esfera, sendo que a principal ligação entre estes é justamente o fato de se tratar de ato praticado contra o Direito.

Assim, a fim de localizar o assunto aqui tratado, é elementar deixar claro que o conceito de responsabilidade engloba não somente o direito civil, como também as demais esferas do direito, tais como penal e administrativa. Nesse sentido, assevera Pereira (2001, p. 11): “Como sentimento social, a ordem jurídica não se compadece com o fato de que uma pessoa possa causar mal a outra pessoa. Vendo no agente um fator de desequilíbrio, estende uma rede de punições com que procura atender às exigências do ordenamento jurídico. Esta satisfação social gera a responsabilidade criminal. Como sentimento humano, além de social, à mesma ordem jurídica repugna que o agente reste incólume em face do prejuízo individual. O lesado não se contenta com a punição social do ofensor. Nasce daí a ideia de reparação, como estrutura de princípios de favorecimento à vítima e de instrumentos montados para ressarcir o mal sofrido. Na responsabilidade civil estará presente uma finalidade punitiva ao infrator aliada a uma necessidade que eu designo como pedagógica, a que não é estranha à ideia de garantia para a vítima, e de solidariedade que a sociedade humana lhe deve prestar”.

Doutra banda, a responsabilidade civil é independente da criminal, não podendo, contudo, se questionar mais sobre a existência do fato ou sobre a autoria, quando estas questões já estiverem decididas na esfera penal, conforme leciona o art. 935 do Código Civil: “A responsabilidade civil é independente da criminal, não se podendo questionar mais sobre a existência do fato, ou sobre quem seja o seu autor, quando estas questões se acharem decididas no juízo criminal”.

Na linha de Gagliano e Pamplona: “um mesmo fato pode ensejar duas responsabilizações, não havendo bis in idem em tal circunstância, justamente pelo sentido de cada uma delas e das repercussões da violação do bem jurídico tutelado” (2006, p. 5). Exemplo básico disso é o autor de um furto, que poderá ser responsabilizado não só no âmbito civil pelos danos causados em decorrência do delito, como também na esfera penal com a pena imposta pelo Estado.

Dessa forma, podemos afirmar que a responsabilidade penal traz em seu bojo, em regra, uma natureza pública, enquanto a responsabilidade civil o faz de forma privada, eis que tem como principal mote reparar os danos sofridos pela vítima, o que – ressalva se faz – não quer dizer que se dê exclusivamente de forma individual.

A respeito da natureza da responsabilidade civil, cumpre salientar que existe um dever jurídico originário – também chamado primário – e outro sucessivo – ou secundário. A violação daquele, sempre que acarretar dano a outrem, dará origem a esse, ou seja, havendo a violação de um dever jurídico originário surge o dever de indenizar o prejuízo. Desta forma, pode-se dizer que responsabilidade é dever jurídico sucessivo, no tocante à obrigação de compor o dano (CAVALIERI FILHO, 2009).

Nessa senda, deve-se distinguir obrigação e responsabilidade, o que é feito pelo artigo 389 do Código Civil, que assim dispõe: “Não cumprida a obrigação, responde o devedor por perdas e danos”. Ademais, em seu artigo 927 demonstra-se elencado o dever de indenizar como uma obrigação, diversa, mas classificada em mesmo patamar daquela originária (de dar, fazer, não fazer).

Não obstante, inúmeras são as causas que podem gerar o dever de indenizar, conforme traz a lume Cavalieri Filho (2009, p. 5-6): “As causas jurídicas que podem gerar a obrigação de indenizar são múltiplas. As mais importantes são as seguintes: a) ato ilícito (stricto sensu), isto é, lesão antijurídica e culposa dos comandos que devem ser observados por todos; b) ilícito contratual (inadimplemento), consistente no descumprimento de obrigação assumida pela vontade das partes; c) violação de deveres especiais de segurança, incolumidade ou garantia impostos pela lei àqueles que exercem atividades de risco ou utilizam coisas perigosas; d) obrigação contratualmente assumida de reparar o dano, como nos contratos de seguro e de fiança (garantia); e) violação de deveres especiais impostos pela lei àquele que se encontra numa determinada relação jurídica com outra pessoa (casos de responsabilidade indireta), como os pais em relação aos filhos menores, tutores e curadores em relação aos pupilos e curatelados; f) ato que, embora lícito, enseja a obrigação de indenizar nos termos estabelecidos na própria lei (ato praticado em estado de necessidade”.

Mister se faz compreender, de acordo com o que afirma DIAS, “que o interesse em reestabelecer o equilíbrio econômico-jurídico alterado pelo dano é a causa geradora da responsabilidade civil” (2006, p. 55). Melhor dizendo, o interesse em ver ressarcido ou compensado o dano sofrido pela vítima é o que arvora a responsabilidade à sua importância no Direito. A causa geradora é, na verdade, o próprio dano, e o desejo intrínseco do ser humano em vê-lo reparado.

De todo o exposto, tem-se que a responsabilidade civil decorre, em regra, de fato juridicamente reconhecido como ilícito. Como exceções vislumbram-se os artigos 188, 929 e 930 do Código Civil, ocasião em que observados casos em que caracterizada a responsabilidade e indenização decorrentes de ato lícito.

1.3                Responsabilidade Contratual e extracontratual

A divisão da responsabilidade civil em contratual e extracontratual se dá em razão da qualidade da violação, visto que, conforme já visto alhures, a lesão causada pode ter infringido relação jurídica obrigacional preexistente – neste caso estamos falando de um dever oriundo de um contrato, ou ainda uma obrigação imposta por preceito geral do Direito, ou pela legislação (CAVALIERI FILHO, 2009).

Assim, em se tratando de violação a um dever oriundo de negócio jurídico, o ilícito, bem como sua decorrente responsabilidade, serão contratuais. Por outro lado, quando caracterizada violação de dever jurídico imposto pela lei, observar-se-á a ocorrência de responsabilidade extracontratual. Tal divisão, gize-se, se dá puramente por caráter legislativo e didático.

A responsabilidade civil extracontratual, também chamada pela doutrina de Aquiliana (v.g. por Gagliano; Pamplona, 2006) – nome derivado da Lex Aquilia, já referida no tópico que diz respeito ao histórico da responsabilidade civil, no presente trabalho – encontra-se prevista nos artigos 186 a 188 e 927 do Código Civil.

Por sua vez, a responsabilidade contratual tem previsão nos artigos 389 e seguintes e 395 e seguintes, também do Código Civil.

A respeito das diferenças básicas entre essas duas formas de responsabilização, Gagliano e Pamplona ensinam que: “Três elementos diferenciadores podem ser destacados, a saber, a necessária preexistência de uma relação jurídica entre lesionado e lesionante; o ônus da prova quanto à culpa; e a diferença quanto à capacidade”.

Com efeito, para caracterizar a responsabilidade civil contratual, faz-se mister que a vítima e o autor do dano já tenham se aproximado anteriormente e se vinculado para o cumprimento de uma ou mais prestações, sendo a culpa contratual a violação de um dever de adimplir, que constitui justamente o objeto do negócio jurídico, ao passo que, na culpa aquiliana, viola-se um dever necessariamente negativo, ou seja, a obrigação de não causar dano a ninguém (2006, p. 18).

Na responsabilidade civil extracontratual ou aquiliana, a culpa deve ser comprovada pela vítima, enquanto na contratual ela é, em regra, presumida, cabendo ao lesado fazer prova somente do descumprimento (CAVALIERI FILHO, 2009).

1.4 Responsabilidade Civil Subjetiva e Objetiva

Outra subdivisão da responsabilidade civil se dá quando fixada a análise em um de seus elementos caracterizadores que serão estudados em seguida, qual seja: a culpa.

Por este aspecto, podemos classificar a responsabilidade civil em objetiva e subjetiva. Acaso o dano seja causado em função de ato doloso ou culposo, estamos tratando de responsabilidade civil subjetiva. Já para a caracterização da responsabilidade civil objetiva, não há necessidade de que seja evidenciada a culpa, conforme se vê, exemplificativamente, nos artigos 927, parágrafo único e 931, ambos do Código Civil, que tratam de hipóteses em que haverá responsabilização independentemente da comprovação daquela.

Tais dispositivos estabelecem o seguinte: “Art. 927. […] Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.  […] Art. 931. Ressalvados outros casos previstos em lei especial, os empresários individuais e as empresas respondem independentemente de culpa pelos danos causados pelos produtos postos em circulação.”

Esta ideia de culpa está enlaçada à responsabilidade, e, por isso, de regra, ninguém pode merecer censura ou juízo de reprovação sem que lhe tenha faltado com o dever de cautela em seu agir. É justamente neste sentido que se enraíza a teoria clássica da responsabilidade civil subjetiva, da qual a culpa é o seu principal pressuposto (CAVALIERI FILHO, 2009).

Essa teoria é confirmada pela leitura do art. 186 do Código Civil de 2002, o qual refere o seguinte: “aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito”. Por isso, ao tratar conjuntamente da ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, denota-se que estamos falando da culpa em sentido lato, que abrange em seu bojo o dolo e a culpa em sentido estrito.

Pela teoria da responsabilidade civil subjetiva, a vítima alcançará a reparação do dano sofrido desde que faça prova do elemento culpa do agente e, por isso, é possível entender a importância da existência da responsabilidade civil subjetiva, conforme perfeitamente descreve Cavalieri Filho (2009, p. 16-17): “Por essa concepção clássica, todavia, a vítima só obterá a reparação do dano se provar a culpa do agente, o que nem sempre é possível na sociedade moderna. O desenvolvimento industrial, proporcionado pelo advento do maquinismo e outros inventos tecnológicos, bem como o crescimento populacional geraram novas situações que não podiam ser amparadas pelo conceito tradicional de culpa. Importantes trabalhos vieram, então, à luz na Itália, na Bélgica e, principalmente, na França sustentando uma responsabilidade objetiva, sem culpa, baseada na chamada teoria do risco, que acabou sendo também adotada pela lei brasileira em certos casos, e agora amplamente pelo Código Civil”.

Na responsabilidade civil objetiva, em regra, o elemento culpa não é desprezado, mas sim presumido, em razão de um dever a que objetivamente está obrigado o réu (GAGLIANO; PAMPLONA, 2009).

Adota-se, a seguir, a didática de Cavalieri Filho(2009), o qual demonstra cinco principais modalidades da responsabilidade civil objetiva – também chamada teoria do risco – encontradas na doutrina.

Na primeira delas, chamada de risco-proveito, o sujeito que em razão de alguma atividade recebe algum proveito deve ser o responsável por danos provenientes daquela. Não se trata tão-somente de proveito econômico, mas sim de um sentido amplo da palavra proveito.

A responsabilidade objetiva, segundo essa teoria, tem origem num princípio de equidade, que tem seu início no direito romano: aquele que lucra com uma situação deve responder pelo risco ou pelas vantagens dela resultantes (ubi emolumentum, ibi onus; ubi commoda, ibi incommoda). Quem aufere os cômodos (ou lucros), deve suportar os incômodos (ou riscos). (GONÇALVES, 2005).

A segunda delas demonstra o chamado risco profissional, onde é específica a relação empregador-empregado, ficando aquele obrigado a reparar os danos sofridos por este no desenvolver de seu labor, independente de culpa.

Depois, há também o risco excepcional: nesse caso, a reparação é devida acaso o dano seja consequente de um risco excepcional, fugindo da atividade – qualquer atividade, não somente profissional – comum da vítima. Incluem-se aqui os casos de exploração de energia nuclear, materiais radioativos, represas, construções colossais e redes de alta tensão, entre outros.

Já o risco criado trata da hipótese do sujeito que, ao desempenhar alguma atividade, responderá por qualquer evento danoso decorrente desta, independentemente de culpa. Pereira menciona que: “aquele que, em razão de sua atividade ou profissão, cria um perigo, está sujeito à reparação do dano que causar, salvo prova de haver adotado todas as medidas idôneas para evitá-lo” (2001, p. 24). Portanto, basta que a pessoa que desenvolva alguma atividade de risco cause dano para que esteja caracterizado o dever de indenizar.

Diferença se faz com o risco-proveito, pois naquele o agente que exerce a atividade deve ter algum tipo de vantagem. No risco criado, basta que o responsável desenvolva a atividade, dispensada a prova de que o agente retirava proveitos da determinada atividade.

Por fim, existe também o risco integral, hipótese máxima da teoria do risco, segundo a qual pode existir dever de indenizar mesmo que não haja nexo causal. Aqui, o dever de indenizar é apreciável somente em função do dano, mesmo que ele tenha ocorrido em função somente de ação da vítima, fato de terceiro, caso fortuito ou de força maior.

Todas estas teorias objetivistas encaram a responsabilidade civil como uma mera questão de reparação de danos, que se funda diretamente no risco da atividade exercida pelo agente. É de se ressaltar que o movimento objetivista surgiu no final do século XIX, quando o Direito Civil passou a receber influência da Escola Positiva Penal (GAGLIANO; PAMPLONA, 2006).

Assim, estabelecidas as diferenças entre estas espécies de responsabilidade, passamos a analisar os seus elementos.

1.5 Elementos da responsabilidade civil

Para a caracterização da responsabilidade civil, tem-se como regra sua composição por três elementos.

Primeiramente, observa-se um elemento formal, que é a violação de um dever jurídico mediante conduta voluntária; um elemento subjetivo, que pode ser o dolo ou a culpa em sentido estrito; e, ainda, um elemento causal – material, que é o dano e a respectiva relação de causalidade. Estes três elementos, são facilmente identificados no art. 186 do Código Civil, mediante análise do seu texto, a saber: conduta culposa do agente, observada na expressão “aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imperícia”; nexo causal, que expresso do verbo “causar”; e o dano, que fica patente nas expressões “violar direito ou causar dano a outrem”. (CAVALIERI FILHO, 2009).

Como exceção, de acordo com o antes estudado, a responsabilidade civil objetiva não necessita da comprovação do elemento conduta (dolo e culpa) para sua caracterização. Não obstante isto, nos próximos tópicos, analisar-se-á cada um desses três elementos, de forma individual.

1.5.1 Conduta culposa

Observando-se o elemento da conduta culposa, vislumbra-se que apenas o homem, por si ou por pessoa jurídica que cria, poderá ser civilmente responsabilizado, visto que um fato exclusivo da natureza, mesmo que gere dano, não ensejará a reparação civil (GAGLIANO; PAMPLONA, 2006).

Caracteriza-se, desta forma, este elemento da responsabilidade civil, como a ação ou omissão voluntária, que gera prejuízo a outrem.

Alguns autores, quando elencam este pressuposto da responsabilidade civil, costumam chamá-lo apenas de culpa. Contudo, mais correto se demonstra utilizar o termo conduta culposa, visto que a culpa, isolada e abstratamente considerada, só tem relevância conceitual. Esta somente irá adquirir relevância jurídica quando integrante da conduta humana. E é esta conduta culposa, que quando causa dano a outrem, gera o dever de indenizar (CAVALIERI FILHO, 2009).

Quando falamos em conduta, desta forma, estamos abrangendo não somente da ação, mas também a omissão, visto que conduta pode caracterizar também um não fazer.

Neste ínterim, Dias (2006, p. 133-134), que trata o elemento com a nomenclatura culpa, classifica esta como o “fundo animador do ato ilícito, da injúria, ofensa ou má conduta imputável. Nesta figura encontram-se dois elementos: o objetivo, expressado na ilicitude, e o subjetivo, do mau procedimento imputável. A conduta provável, por sua parte, compreende duas projeções: o dolo, no qual se identifica a vontade direta de prejudicar, configura a culpa em sentido amplo; e a simples negligência (negligentia, imprudentia, ignavia) em relação ao direito alheio que vem a ser a culpa no sentido estrito e rigorosamente técnico”.

A esse respeito, sugere Cavalieri filho (2009, p. 23-24) que “O ato ilícito, vimos quando procuramos situá-lo na teoria geral do Direito, tem por elemento nuclear uma conduta humana voluntária, contrária ao Direito. O art. 186 do Código Civil refere-se a esse elemento ao falar em “ação ou omissão”. Preferimos, todavia, o termo “conduta” porque abrange as duas formas de exteriorização da atividade humana. Conduta é gênero de que são espécies a ação e a omissão”.

Sobre esta voluntariedade, Gagliano e Pamplona referem que “o núcleo fundamental, portanto, da noção de conduta humana é a voluntariedade, que resulta exatamente da liberdade de escolha do agente imputável, com discernimento necessário para ter consciência daquilo que faz” (2006, p. 27).

Na visão de Cavalieri Filho, entende-se por conduta o comportamento humano “voluntário que se exterioriza através de uma ação ou omissão produzindo consequências jurídicas […] ação ou omissão é o aspecto físico, objetivo, […] sendo a vontade o seu aspecto psicológico ou subjetivo.” (2009, p. 24).

De fato, pressuposto básico à caracterização da conduta humana é a voluntariedade, vale dizer, não é necessária a demonstração do dolo no resultado, mas sim da intenção em praticar determinada conduta, de modo que não havendo voluntariedade na conduta, não há dever de indenizar.

Nessa consciência daquilo que está se fazendo, compreende-se o conhecimento dos atos materiais que se está praticando, não se exigindo, sempre, a consciência subjetiva da ilicitude (GAGLIANO; PAMPLONA, 2006).

Outro fato relevante a ser considerado é a descrição de hipóteses, em nosso Código Civil (v.g. artigos 932, 936, 937 e 938), de responsabilidade civil indireta, que não se dá por ato próprio, as quais podem ser observadas nos artigos 932, que diz respeito à responsabilidade por ato de terceiro, 936 que trata da responsabilidade civil por fato do animal, 937 e 938 da responsabilidade civil por fato da coisa (GAGLIANO; PAMPLONA, 2009).

A conduta, nestes casos, está ligada principalmente à omissão intrínseca a dever de custódia, vigilância ou eleição de representantes.

Determinados autores referem a ilicitude do fato como aspecto necessário da conduta humana voluntária.

Tais doutrinadores afirmam que o ato de vontade deve revestir-se de ilicitude, que seria um comportamento voluntário transgressor de um determinado dever (VENOSA, 2006).

Por outro lado, em uma visão mais ampla, Gaglliano e Pamplona (2006, p. 31) acrescentam que “a imposição do dever de indenizar poderá existir mesmo quando o sujeito atua licitamente. Em outras palavras, poderá haver responsabilidade civil sem necessariamente haver antijuridicidade, ainda que excepcionalmente, por força de norma legal. Por isso não se pode dizer que a ilicitude acompanha necessariamente a ação humana danosa ensejadora da responsabilização”.

Portanto, como regra geral, a antijuridicidade está calçada na conduta humana necessária para a caracterização da responsabilidade civil. Contudo, não se pode afirmar que é elemento vital para que seja evidenciada, justamente por haverem hipóteses de responsabilidade civil por atos lícitos.

1.5.2 Dano

Trata-se do principal elemento da responsabilidade civil. Sem ele, não há que se falar em qualquer espécie de indenização, visto que não haveria nada a ser ressarcido. Assume destaque a passagem de Cavalieri Filho, que afirma: “pode haver responsabilidade sem culpa, mas não pode haver responsabilidade sem dano” (2009, p. 70).

O dano é, de fato, tanto na responsabilidade objetiva quanto na subjetiva, o principal elemento para caracterização da responsabilidade civil. Sem ele, mesmo que o agente pratique conduta culposa ou dolosa, não se pode falar em dever de indenizar.

Gagliano e Pamplona conceituam dano ou prejuízo como sendo “a lesão a um interesse jurídico tutelado – patrimonial ou não -, causado por ação ou omissão do sujeito infrator” (2006, p. 36).

Questionando-se, de forma avançada, o que pode ser considerado dano, Cavalieri Filho (op cit.) nos diz que “Quando ainda não se admitia o ressarcimento do dano moral, conceituava-se o dano como sendo a efetiva diminuição do patrimônio da vítima. Hoje, todavia, esse conceito tornou-se insuficiente em face do novo posicionamento da doutrina e da jurisprudência em relação ao dano moral e, ainda, em razão da sua natureza não patrimonial. Conceitua-se, então, o dano como sendo a subtração ou diminuição de um bem jurídico, qualquer que seja a sua natureza, quer se trate de um bem patrimonial, quer se trate de um bem integrante da própria personalidade da vítima, com a sua honra, a imagem, a liberdade etc. Em suma, dano é lesão de um bem jurídico, tanto patrimonial como moral, vindo daí a conhecida divisão do dano em patrimonial e moral.”

Portanto, numa concepção contemporânea, dano é toda e qualquer diminuição – acrescento aqui o termo abalo – sofrida por um bem juridicamente tutelado, onde incluem-se os patrimoniais e os intrínsecos da pessoa.

Um mito que deve ser extirpado de nosso Direito é o de que o dano diz respeito somente a direitos individuais. A partir disso, extrai-se a errônea conclusão de que apenas o ilícito penal teria repercussão social, o que não pode ser plausível (GAGLIANO; PAMPLONA, 2006).

Estes mesmos doutrinadores ensinam que para caracterização do dano indenizável são necessários três requisitos, senão vejamos: a violação de um interesse jurídico patrimonial de uma pessoa física ou jurídica, ou seja, uma agressão a um bem tutelado juridicamente; a certeza do dano, tendo em vista que somente o dano efetivo e certo é indenizável, não havendo responsabilidade civil sobre dano incerto, abstrato ou hipotético e; a subsistência do dano, visto que, obviamente, se este já fora reparado não existe interesse na responsabilização civil, a menos que tenha sido reparado pelo próprio lesionado, como, por exemplo, no caso de um acidente com automóvel em que avariado o carro, onde mesmo que a vítima proceda ao conserto, permanecerá titular da pretensão de ressarcimento, buscando ter de volta os dispêndios empregados naquele.

O dano, conforme já dito, pode ser classificado em material ou patrimonial e moral. O primeiro se dá quando ocorrer lesão a bens economicamente apreciáveis pelo titular. Já o segundo tem lugar quando atingir bens da vítima de caráter personalíssimo, não tendo seu conteúdo pecuniário (GAGLIANO; PAMPLONA, 2006).

Este dano patrimonial compreende, conforme disposto no art. 402 do Código Civil, os chamados danos emergentes e os lucros cessantes, sendo os primeiros referentes ao que foi diminuído do patrimônio da vítima e os últimos aqueles que se deixou de auferir, senão vejamos.

Os danos emergentes correspondem ao verdadeiro prejuízo sofrido pela vítima, aquilo que lhe foi diminuído de seu bem juridicamente tutelado, dizem respeito ao termo “efetivamente perdeu” disposto no artigo supramencionado. Os lucros cessantes por sua vez, correspondem àquilo que a vítima razoavelmente deixou de receber em razão do evento danoso, cuja previsão é encontrada no termo “razoavelmente deixou de lucrar” (GAGLIANO; PAMPLONA, 2006).

1.5.3 Nexo de Causalidade

No âmbito da responsabilidade civil o nexo de causalidade se dá tal como vislumbrado no Direito Penal, onde descobrir o nexo que liga o fato danoso ao agente infrator é indispensável para que se possa concluir pela responsabilidade do mesmo (GAGLIANO; PAMPLONA, 2006). Tal concepção é aplicável em regra, mas não sempre, visto que dentre as modalidades de responsabilidade civil objetiva citamos a chamada teoria do risco integral, onde dispensada inclusive a incidência deste nexo causal para caracterização do dever de indenizar, teoria não muito aceita no Direito pátrio, mas por vezes acolhida na jurisprudência (v.g.: STJ – REsp 442586 / SP RECURSO ESPECIAL 2002/0075602-3,  Relatora Ministro LUIZ FUX (1122) Órgão Julgador T1 – PRIMEIRA TURMA Data do Julgamento 26/11/2002 Data da Publicação/Fonte DJ 24/02/2003 p. 196, REVJMG vol. 163 p. 825, RSTJ vol. 173 p. 136), muitas delas sob um entendimento errôneo, cujo mérito não se faz necessário adentrar.

Sobre o nexo, bem destaca Cavalieri Filho (2009, p. 46) “Não basta, portanto, que o agente tenha praticado uma conduta ilícita; tampouco que a vítima tenha sofrido um dano. É preciso que esse dano tenha sido causado pela conduta ilícita do agente, que exista entre ambos uma necessária relação de causa e efeitos. Em síntese, é necessário que o ato ilícito seja a causa do dano, que o prejuízo sofrido pela vítima seja resultado desse ato, sem o que a responsabilidade não correrá a cargo do autor material do fato. Daí a relevância do chamado nexo causal. Cuida-se, então, de saber quando um determinado resultado é imputável ao agente; que relação deve existir entre o dano e o fato para que este, sob a ótica do Direito, possa ser considerado causa daquele”.

O nexo causal, pode-se assim concluir, é o elemento de ligação entre a conduta e o resultado. É por meio dele que poderemos saber quem foi o causador ou quem será o responsável pelo dano.

Não obstante, existem três teorias que visam explicar o nexo de causalidade, quais sejam: a teoria da equivalência de condições, a teoria da causalidade adequada, e a teoria da causalidade direta ou imediata.

A primeira delas, da equivalência das condições, não diferencia os antecedentes do resultado danoso, de modo que tudo que concorrer para o evento é considerado com causa, visto que todos os fatores se equivalem, o que inclusive é adotado quando da responsabilidade penal no direito brasileiro (art. 13, o qual estabelece que “o resultado, de que depende a existência do crime, somente é imputável a quem lhe deu causa. Considera-se a causa a ação ou omissão sem a qual o resultado não teria ocorrido”). Seu grande contratempo é o fato de que, se todo o antecedente que contribuir ao evento é uma causa, a busca por estas poderia chegar ao infinito (GAGLIANO; PAMPLONA, 2006).

Para a segunda teoria, da causalidade adequada, causa é o antecedente não só necessário, mas também adequado para a produção do resultado, do que se extrai uma conclusão lógica de que nem toda condição é causa, mas apenas a mais apropriada a produzir o evento (CAVALIERI FILHO, 2009).

Desta forma, aos adeptos desta teoria, considera-se causa somente o antecedente abstratamente avaliado como suficiente a produzir o resultado. Nas palavras de Gagliano e Pamplona (2006, p. 90) “O ponto central para o correto entendimento desta teoria consiste no fato de que somente o antecedente abstratamente apto à produção do resultado, segundo um juízo razoável de probabilidade, em que conta com a experiência do julgador, poderá ser considerado causa”.

A terceira delas, a teoria da causalidade direta ou imediata, entende como causa apenas o antecedente fático que, ligado por um vínculo de necessariedade ao resultado danoso, determina este último como consequência sua, direta e imediata (GAGLIANO; PAMPLONA, 2006).

Nesse caso, explicam os autores supramencionados, a interrupção do nexo causal, em razão de causa superveniente, mesmo que de forma relativamente independente da cadeia de acontecimentos, impede a existência da ligação entre o resultado e determinado agente.

A doutrina pátria não é pacífica a respeito de qual teoria é adotada pelo nosso Direito.

Em que pese doutrinadores de renome defendam a utilização da teoria da causalidade adequada, como, por exemplo, Cavalieri Filho (2009), demonstra-se mais plausível a utilização da teoria da causalidade direta ou imediata visto que o art. 403 do Código Civil dispõe que: “ainda que a inexecução resulte de dolo do devedor, as perdas e danos só incluem os prejuízos efetivos e os lucros cessantes por efeito dela direto e imediato, sem prejuízo do disposto na lei processual”.

Assim, podemos afirmar que destas teorias apresentadas o Código Civil adotou a do dano direto ou imediato, eis que se demonstra a mais autorizada (GONÇALVES, 2005).

Apesar de compreendermos que o Código melhor se amolda a essa última teoria, reconhece-se que a jurisprudência por vezes adota a causalidade adequada (GAGLIANO; PAMPLONA, 2006).

2 Responsabilidade civil do Estado.

2.1 Escorço histórico e atual aplicabilidade

Tradicionalmente, a responsabilidade do Estado abrangia tão-somente a reparação por atos ilícitos, o que não englobava a indenização por danos causados por atos cometidos dentro da legalidade. Coetaneamente, esta noção é mais ampla, considerando também os atos injustos que tiveram origem em atividades estatais lícitas (CAHALI, 2007).

Não obstante, esta distinção é deveras importante, eis que, apesar de muitas vezes a indenização e o ressarcimento serem apresentadas como sinônimos, em nosso sistema jurídico elas possuem significações diferentes, conforme nos ensina o autor acima mencionado “a distinção é proveitosa, de forma que a doutrina tende a vislumbrar o instituto do ressarcimento verdadeiro e próprio, diverso do instituto da indenização dos atos legitimamente provocados; abrange esta os danos causados em razão do sacrifício dos direitos particulares, mas por força do exercício de uma faculdade concedida em lei ao Poder Público; e reservando-se aquela para os casos de responsabilidade por danos ilegítimos, de atividade lesiva de direito de terceiros” (p. 13).

Sob outro aspecto, a responsabilidade estatal, conforme explica Aguiar Júnior (2002, p. 151) “passou da irresponsabilidade absoluta da Fazenda Pública (admitida apenas a pessoal do funcionário) para a responsabilidade direta e objetiva do Estado (com direito de regresso contra o funcionário culpado)”.

Mas esta evolução se deu de forma lenta e longa, compreendendo diversas etapas, quais sejam: (I) Irresponsabilidade do Estado; (II) Concepção civilista; (III) Teoria publicística.

Antes disso, porém, é importante ressaltar que tal divisão está longe de ser uníssona na doutrina, onde muitas vezes são diversas as nomenclaturas e até acrescentadas outras divisões e subdivisões.

Adota-se, porém, a divisão acima mencionada, proposta basicamente por Paul Duez, na obra La Responsabilité de la Puissance Publíque, de 1926 (CAHALI, 2007), visto que se entende que as demais teorias expostas pela doutrina podem ser incluídas no tríduo referido alhures, eis que na maior parte das vezes são decorrentes suas. Assim, passamos a analisá-las uma a uma.

2.1.1 Da irresponsabilidade do Estado

A primeira concepção a respeito de responsabilidade civil do Estado, que prevaleceu na metade do século XIX, fixava-se na ideia de irresponsabilidade absoluta. Aqui, somente se vislumbrava a possibilidade de responsabilização da pessoa do agente público. A esse respeito, Kraemer explica que “a reparação apenas teria existência se, para o ato lesivo, houvesse cooperação do servidor” (2008, p. 39).

Em tal fase, vigorava a chamada teoria da irresponsabilidade, que possuía em seu bojo três postulados, quais sejam: (I) a soberania do Estado, de modo que proíbe ou nega sua igualdade ao súdito, sob qualquer aspecto; (II) sendo o Estado o representante do direito, não pode aparecer como violador deste; (III) atos contrários à lei, praticados por servidores, em hipótese alguma podem ser considerados atos do Estado, devendo ser atribuídos pessoalmente a eles (CAHALI, 2007).

Neste entendimento, portanto, sendo o Estado absoluto, não era possível suscitar a possibilidade de reparação dos danos causados por ele.

E por essa concepção anterior – estampada nos postulados the King can do no wrong, o rei não erra, quod principi placuit habet legis vigoren, o que agradou o príncipe tem força de lei e l’État c’est moi, o Estado sou eu, dentre outros – decorria a total irresponsabilidade civil estatal (CAVALIERI FILHO, 2008).

Ademais, tal entendimento permanecia sendo sustentado em razão “do princípio da separação dos poderes, em virtude do qual a sustentação da responsabilidade do Poder Público importaria a censura ou o julgamento dos seus atos, atividade defesa ao Poder Judiciário” (CAHALI, 2007, p. 21).

2.1.2 Concepção civilista

Contudo, a teoria da irresponsabilidade não resistiu por muito tempo aos seus opositores, sendo que a doutrina consolidou-se no sentido de que ela representava sinônimo de injustiça, visto que, se o Estado se constitui para tutela de direitos, não seria compreensível que ele próprio violasse-os. Sendo o Estado sujeito de direitos e obrigações, não há justificativa para que não haja sua responsabilização (CAHALI, 2007).

Assim, aquela teoria: “foi sendo vencida pela própria lógica e reprimida pela doutrina e pelos tribunais. De acordo com Celso Antônio Bandeira de Mello, o reconhecimento da responsabilidade do Estado, à margem de qualquer texto legislativo, teve por marco relevante o famoso aresto Blanco, do Tribunal de Conflitos, proferido em 1º de fevereiro de 1873, ainda que nele se fixasse que a responsabilidade do Estado não é geral, nem absoluta, e que se regula por regras especiais […] mais tarde, entretanto, os Estados Unidos e a Inglaterra vieram a admitir a responsabilidade civil do Estado, os primeiros em 1946, através do Federal Tort Claims Act, e a segunda em 1947, pelo Crown Proceeding Act.” (CAVALIERI FILHO, 2008, p. 229).

Adentrando nesta segunda fase, de fundo individualista, regula-se a responsabilidade do Estado pela regra geral do Código Civil, e nela muitos autores ainda se filiam, estando, contudo, longe de ser uma solução satisfatória, haja vista que o mau funcionamento de um serviço público nem sempre resulta de ato faltoso de determinado agente (DIAS, 2006).

Contudo, não se pode negar os méritos da concepção civilista, visto que fora a grande contestadora inicial do princípio da irresponsabilidade absoluta. Não obstante isso, alguns pressupostos desta teoria se mantêm como certos parâmetros do direito privado (CAHALI, 2007).

De acordo com este mesmo autor, por este entendimento, para caracterizar a responsabilidade do Poder Público “[…] fazia-se remissão aos princípios da responsabilidade por fato de terceiro (empregador ou comitente/preponente, representado, mandante)” (2007, p. 22).

Portanto, o fundamento da responsabilização se refere à culpa do agente vinculado ao Estado, sendo exigida a presença do elemento anímico para que esteja caracterizada (GAGLIANO; PAMPLONA, 2006).

Assim, há, de fato, uma grande evolução da teoria anterior, que pregava a total irresponsabilidade do Estado, de modo que aqui é necessária a culpa do agente, representante estatal no ato.

Com o surgimento da teoria da culpa administrativa – que aqui caracteriza-se como uma parte da concepção civilista – é vislumbrado o agente público como um preposto ou representante do Estado, ou seja, como parte da estrutura deste. Se dar causa a um dano, o fez em nome do Poder Público, eis que é instrumento deste (GAGLIANO; PAMPLONA, 2006).

Ademais, a mesma doutrina nos cita as decorrentes teorias da culpa anônima, onde há a responsabilidade do Estado mesmo que não se saiba o sujeito causador do dano, da culpa presumida ou falsa teoria objetiva, que é uma variante da culpa administrativa, sendo que aqui há a presunção da culpa do Estado, adotando-se a inversão do ônus da prova e por fim, a da falta administrativa que define a falta do serviço estatal como culpa deste, não sendo necessária a investigação do elemento subjetivo, mas somente a falta do serviço (GAGLIANO; PAMPLONA, 2006).

2.1.3 Concepção publicística ou do Direito Público

Nesta terceira fase, vislumbra-se a desvinculação do direito civil, passando o instituto a basear-se no terreno próprio do direito público, de modo que a doutrina caminhou no sentido de abolir a “distinção entre os atos jure imperii e atos jure gestionis”, sustentou pura e simplesmente a obrigação pelos danos causados aos particulares (CAHALI, 2007, p. 25).

Neste ponto resta caracterizada, portanto, a responsabilidade objetiva do Estado, que é entendimento predominante no direito atual.

Aqui, aplica-se a mesma regra já explicitada no item “1.4” deste trabalho, que tratava da diferenciação de responsabilidade subjetiva e objetiva, visto que prescindível a verificação do fator culpa.

Nas palavras de Carvalho Filho (2008, p. 516): “Não há dúvida de que a responsabilidade objetiva resultou de acentuado processo evolutivo, passando a conferir maior benefício ao lesado, por estar dispensado de provar alguns elementos que dificultam o surgimento do direito à reparação dos prejuízos, como, por exemplo, a identificação do agente, a culpa deste na conduta administrativa, a falta do serviço etc”.

Por isso, diz-se que domina o direito social, visto que garante aos indivíduos a reparação integral de eventuais danos causados pelo Estado, sendo que alguns doutrinadores identificam a ocorrência de três espécies de teorias oriundas desta do Direito Público, quais sejam: do risco administrativo, do risco integral e do risco social.

Em um primeiro momento da concepção publicística, observa-se a ocorrência do chamado risco administrativo. Para Gagliano e Pamplona (2006, p. 193): A ideia de risco administrativo avança no sentido da publicização da responsabilidade e coletivização dos prejuízos, fazendo surgir a obrigação de indenizar o dano em razão da simples ocorrência o ato lesivo, sem se perquirir a falta do serviço ou da culpa do agente.

No que diz respeito ao risco integral, modalidade extremada da doutrina do risco, é caracterizado o dever de indenizar mesmo em que haja culpa exclusiva da vítima, fato de terceiro, caso fortuito ou de força maior. Não é, contudo, a melhor hipótese de aplicação neste caso. Sobre esta teoria, precisa a explicação de Cavalieri Filho (2008, p. 233): “Se fosse admitida a teoria do risco integral em relação à Administração Pública, ficaria o Estado obrigado a indenizar sempre e em qualquer caso o dano suportado pelo particular, ainda que não decorrente de sua atividade, posto que estaria impedido de invocar as causas de exclusão do nexo causal, o que, a toda evidência, conduziria ao abuso e à iniquidade. […] fica registrado que alguns autores, embora falem em teoria do risco integral, estão, na realizada, se referindo àquilo que para outros é a teoria do risco administrativo […] qualquer que seja o rótulo ou qualificação que se dê à teoria que justifica o dever de indenizar do Estado, não poderá ser ele responsabilizado quando não existir relação de causalidade”.

Destarte, tendo em vista que o risco integral não considera para sua análise o nexo causal, estaríamos basicamente evoluindo de uma injustiça para outra. Na primeira, vigente à época da total irresponsabilidade do Estado, o sujeito lesado jamais poderia postular indenização em face do daquele. Na segunda, não poderia o Estado alegar qualquer ausência de nexo causal, bastando caracterização do dano.

O risco social, também chamado responsabilidade sem risco, entende que o Estado tem o dever de indenizar eventual quebra da harmonia e da estabilidade social, cuja obrigação de cuidado lhe é devida.

Para Bahia, “o que releva não é mais individuar para reprimir e compensar, mas socializar para garantir e compensar” (1995, p. 94).

Neste caso, é possível a concretização da responsabilidade civil em situações que sejam desconhecidos os autores dos delitos, quando estes empreendam fuga sem deixar bens, ou sejam insolventes (DIAS, 2006), o que não obsta, contudo, eventual ação de regresso.

Esta última fase da teoria publicística, contudo, não é ainda comumente aplicada nos tribunais, apresentando-se como uma tendência aos tempos que estão por vir.

2.2 Da responsabilidade civil do Estado no sistema jurídico brasileiro

2.2.1 Aspectos gerais

No Brasil, não houve a passagem pela teoria da irresponsabilidade do Estado. Mesmo quando não havia legislação legal específica, a responsabilização já era aceita como princípio fundamental (CAVALIERI FILHO, 2008).

De fato, das teorias já expostas alhures, a que mais se amolda ao atual entendimento do Direito brasileiro é o da responsabilidade civil objetiva, não havendo necessidade da prova do fator culpa.

Neste sentido, vai o ensinamento de Gagliano e Pamplona: “A constatação de ‘culpa da vítima’ fulmina a pretensão reparatória, não pela ausência de elemento subjetivo, mas sim por quebrar o nexo de causalidade necessário para o reconhecimento da reparabilidade do dano”. (2006, p. 195).

Esta assertiva se firma ainda mais quando observada pela atual proposta de responsabilidade civil no Brasil, que propõe a mais ampla reparabilidade dos danos causados, muitas vezes independendo do fator culpa, o que não significa que se tenha adotado o risco integral.

Contudo, Cahali  (2007, p. 34) discorda em parte, ao sustentar que “a teoria do risco integral é a que mais se identifica com a responsabilidade objetiva, já que se esgota na simples verificação do nexo de causalidade material: o prejuízo sofrido pelo particular é consequência do funcionamento (regular ou irregular) do serviço público”.

Ao que parece, a ideia central e os entendimentos é a mesma, especialmente porque no trecho supracitado o autor cita a necessidade de verificação do nexo causal material. Desta forma, estamos diante somente de uma diferenciação de terminologia, mas não do entendimento sobre a matéria.

Como já dito, a desnecessidade de prova do fator culpa não implica dizer que o sistema brasileiro tenha adotado as teorias do risco integral ou social, mas sim a teoria publicística do risco administrativo, admitindo-se a quebra do nexo causal, pela comprovação de uma das excludentes de responsabilidade civil (GAGLIANO; PAMPLONA, 2006), as quais poderão ser observadas a seguir, neste mesmo capítulo.

A utilização da teoria do risco vem a concretizar a responsabilidade objetiva em sua plenitude, dispensando-se os pressupostos de falha do serviço e culpa anônima da Administração, de modo que é em vão a busca de decomposições da teoria do risco ou especificações artificiais (CAHALI, 2007).

O art. 37, § 6º da Constituição Federal nos explica que o Estado somente irá responder pelos danos causados por seus agentes, nessa qualidade, o que demonstra que a teoria adotada pelo legislador é a do risco administrativo.

Conforme destaca Cavalieri Filho  (2008, p. 237), o Estado não responderá “quando seus servidores não estiverem no exercício da função, nem agindo em razão dela. Não responderá, igualmente, quando o dano decorrer de fato exclusivo da vítima, caso fortuito ou força maior e fato de terceiro, por isso que tais fatores, por não serem agentes do Estado, excluem o nexo causal”.

De fato, a teoria publicística e a responsabilidade objetiva se confundem, sendo esta uma decorrência da ascensão daquela. De acordo com as palavras de Cahali, a teoria do risco se mostra compatível “com o caráter publicístico que se irroga à responsabilidade civil do Estado” (2007, p. 34).

Cumpre ressalvar, igualmente, que a concretização desta teoria não significa o total esquecimento das demais, que podem ser aplicadas em determinadas particularidades.

Por outro lado, o art. 37, § 6º da Constituição Federal de 1988, antes citado, define a responsabilidade civil objetiva do Estado por danos causados pelos seus agentes, nessa qualidade, bem como o direito de ação de regresso.

No regime do texto constitucional anterior, constava o termo “funcionário”, e não “agente”. A substituição da nomenclatura foi válida, eis que tal termo não era apropriado. Nas palavras de Cavalieri Filho (2008, p. 236): “‘funcionário’, em seu sentido técnico, é somente aquele que ocupa cargo público, sujeito ao regime estatutário. Já então prevalecia o entendimento de ter sido o termo empregado em sentido amplo, para indicar servidor ou agente público, isto é, todo aquele que era incumbido da realização de algum serviço público, em caráter permanente ou provisório. A Constituição atual, por conseguinte, ao utilizar o vocábulo agente, deu guarida a esse entendimento doutrinário, deixando claro que a responsabilidade do Estado subsistirá ainda que se trate de ato praticado por servidor contratado, funcionário de fato ou temporário, qualquer que seja a forma de sua escolha ou investidura”.

Portanto, não interessa a espécie de vinculação do agente com o Estado, mas somente que esteja esse no exercício de suas funções quando praticar o ato danoso, resultando na responsabilidade objetiva.

2.2.2 Da legitimidade passiva do Estado e de seu agente

Questionamento que se forma aqui é o referente à legitimidade passiva quando da propositura da ação de responsabilidade civil em decorrência de dano por ato do Estado. A esse respeito, Gagliano e Pamplona  (2006, p. 197) afirmam que: “Uma tormentosa questão se refere não à ação regressiva do Estado em relação ao agente material do dano, uma vez que essa se encontra consagrada expressamente no texto constitucional, mas, sim, em relação à possibilidade de ajuizamento direto da ação contra o agente público e não contra o Estado”.

Sob outro aspecto, há quem sustente a responsabilidade exclusiva do Estado, de modo que o agente somente poderia ter que arcar com eventuais prejuízos, na eventual ocorrência de posterior ação de regresso contra este agente, sendo que a ação principal somente poderia ser proposta em face do Estado.

Tal entendimento decorre principalmente do que dispunha o art. 107 da Emenda Constitucional nº 1 de 1969, que dizia que “as pessoas jurídicas de direito público responderão pelos danos que seus funcionários, nessa qualidade, causarem a terceiros” e em seu Parágrafo único afirmava, nestes termos: “caberá ação regressiva contra o funcionário responsável, nos casos de culpa ou dolo”.

Mas a teoria prevalecente é aquela em que o autor pode escolher litigar contra o Estado – contra quem a responsabilidade é objetiva; contra o agente – devendo comprovar dolo ou culpa; ou ainda em face de ambos, de forma solidária.

Assim, tanto a doutrina quanto a jurisprudência posicionam-se pela possibilidade da admissão da ação indenizatória contra o Estado, o agente público ou ambos (GAGLIANO; PAMPLONA, 2006).

É fato, também, que a responsabilidade do Estado e das pessoas jurídicas de direito público é direta perante o administrado, especialmente pela concepção organicista do ente público (CAHALI, 2007).

Da mesma forma se dá com relação aos prestadores de serviços públicos, eis que desde o advento da Constituição Federal de 1988 não há dúvidas de que assim como as pessoas jurídicas de Direito Público, a empresa pública, a de economia mista, e os concessionários, permissionários e autorizatários de serviços públicos estão sujeitos ao regime geral do Estado, quando o assunto é Responsabilidade Civil.

Cavalieri Filho (2008, p. 244) acrescenta, neste sentido, que: “Apenas as empresas prestadoras de serviços públicos estão sujeitas à responsabilidade objetiva prevista no art. 37, § 6º da Constituição Federal. As demais – empresas que executam atividade econômica – respondem subjetivamente; podem responder objetivamente, não com base na Constituição, mas sim pelo Código do Consumidor (arts. 12 ou 14) se forem fornecedoras de produtos ou serviços e estiver em jogo relação de consumo”.

Mas estas entidades de Direito Privado respondem com seu patrimônio, em nome próprio. Não deverá haver solidariedade do Estado nestes casos.

Tal responsabilidade estatal pode ser, todavia, subsidiária, conforme explica Cavalieri Filho (2008, p. 245-246) ao descrever as razões destas prestadoras responderem com seu próprio patrimônio: “1) o objetivo da norma constitucional, como visto, foi estender aos prestadores de serviços públicos a responsabilidade objetiva idêntica a do Estado […]. Quem tem bônus deve suportar os ônus; 2) as pessoas jurídicas prestadoras de serviços públicos têm personalidade jurídica, patrimônio e capacidade próprios. São seres distintos do Estado, sujeitos de direitos e obrigações, pelo que agem por sua conta e risco, devendo responder por suas próprias obrigações; 3) nem mesmo de responsabilidade solidária é possível falar neste caso, porque a solidariedade só pode advir da lei ou do contrato, inexistindo norma legal atribuindo solidariedade ao Estado com os prestadores de serviços públicos. Antes pelo contrário, o art. 25 da Lei nº 8.987/1995 […] estabelece responsabilidade direta e pessoal da concessionária por todos os prejuízos causados ao poder concedente, aos usuários ou a terceiros; 4) no máximo, poder-se-ia falar em responsabilidade subsidiária do Estado à luz do art. 242 da Lei das Sociedades por Ações”.

Contudo, o último argumento não deve mais ser adotado, visto que este artigo 242 da Lei 6.404 (o qual dispunha que as companhias de economia mista não estão sujeitas a falência mas os seus bens são penhoráveis e executáveis, e a pessoa jurídica que a controla responde, subsidiariamente, pelas suas obrigações), Lei das Sociedades por Ações, foi revogado no ano de 2001, pela Lei 10.303, que trouxe diversas alterações à referida legislação.

Por outro lado, perfeitamente vigente o artigo 25 da Lei 8.987/95, que dispõe sobre o regime de concessão e permissão da prestação de serviços públicos previstos no artigo 175 da Constituição Federal. Eis o que dispõem, respectivamente, os referidos dispositivos: “Art. 25. Incumbe à concessionária a execução do serviço concedido, cabendo-lhe responder por todos os prejuízos causados ao poder concedente, aos usuários ou a terceiros, sem que a fiscalização exercida pelo órgão competente exclua ou atenue essa responsabilidade” e “Art. 175. Incumbe ao Poder Público, na forma da lei, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, sempre através de licitação, a prestação de serviços públicos”.

Mas, mesmo com a revogação do artigo 242 da Lei 6.404, a doutrina é firme pela possibilidade de responsabilidade subsidiária do Estado em razão do responsável primário não possuir condições de reparar o dano causado.

A esse respeito, compartilhamos da ideia trazida por Carvalho Filho  (2008, p. 534), que assim expõe: “ o Poder Público não é, repita-se, o segurador universal de todos os danos causados aos administrados. O que é importante é verificar a conduta administrativa. Se a conduta concorreu com a pessoa responsável para o resultado danoso […] haverá realmente solidariedade […] se a culpa é exclusiva da pessoa prestadora do serviço, a ela deve ser imputada a responsabilidade primária e ao Poder Público a responsabilidade subsidiária”.

Assim, não é o Estado eximido da responsabilidade por todo e qualquer ato da prestadora do serviço público. Mas será, na realidade, responsabilizado nas hipóteses de concorrer com o fato danoso (responsabilidade solidária) e quando a prestadora não tiver condições de repará-lo (responsabilidade subsidiária).

2.2.3 Da denunciação da lide

A denunciação da lide, no que tange às ações indenizatórias, está prevista no art. 125, II do Código de Processo Civil/2015, e é definida por Arruda Alvim (em obra escrita quando da vigência do código de 1973, mas cuja definição permanece sendo exata) como sendo: “a forma reconhecida pela lei como idônea para trazer terceiro ao processo (litisdenunciado), a pedido da parte, autor e/ou réu, visando eliminar eventuais ulteriores ações regressivas, nas quais o terceiro figuraria, então, como réu. Por isso mesmo é que o denunciado em relação ao denunciante é réu. O direito de regresso, ocorrendo a denunciação, deverá ser resolvido no mesmo processo” (2010, p. 665).

É importante ressaltar a lição de Pontes de Miranda (1973, p. 115), ao mencionar que: “Se alguém é réu ou autor em ação que a decisão do juiz atingirá a esfera jurídica do vencido e alguma lei, ou negócio jurídico estabeleceu a ação regressiva, pode ser litisdenunciado quem teria tal obrigação. Pense-se na espécie do texto constitucional em que se fala de ação regressiva que têm as pessoas jurídicas de direito público contra os funcionários que deram ensejo, por culpa ou dolo, a ação de indenização”.

Não se pode esquecer que à época em que escrita esta obra vigia a redação da Emenda Constitucional nº 1/69, que era expressa ao afirmar a possibilidade de ação regressiva, conforme artigo já mencionado alhures.

Havendo, como já ressaltado anteriormente, a possibilidade de regressão do Estado, nada impediria a aplicação do instituto, em regra (GAGLIANO; PAMPLONA, 2006, p. 199).

Contudo, há séria resistência à sua admissão na jurisprudência e na doutrina, visto que os que a defendem consideram-na mais danosa à vítima. Gagliano e Pamplona justificam tal entendimento com clareza e objetividade, afirmando que “soa estranho que, respondendo o Estado objetivamente, deva ser aberta a discussão para o elemento culpa, no que diz respeito a ação regressiva contra o agente público” (2006, p. 200).

O ingresso deste funcionário no processo ensejaria a existência, nos mesmos autos, de duas lides (GAGLIANO; PAMPLONA, 2006) – o que, ressaltamos, ocorre com frequência em outros processos. Ocorre que um deles seria referente ao Estado, com responsabilidade objetiva, e o outro em face do agente, que seguiria a regra clássica da responsabilidade civil subjetiva, o que poderia tornar o processo mais demorado.

A esse respeito, contudo, não existe ainda um consenso, havendo decisões em ambos os sentidos. Destaca-se, contudo, o entendimento do STJ, que já afirmou que nos feitos em que se alega a responsabilidade civil do Estado “a denunciação da lide ao agente causador do suposto dano não é obrigatória. Caberá ao magistrado avaliar se o ingresso do terceiro ocasionará prejuízo à celeridade ou à economia processuais” (REsp 1187456 RJ 2010/0033058-5, segunda Turma, que teve como Relator o Ministro Castro Meira, Julgado em 16/11/2010, DJe 01/12/2010, tendo como precedentes ainda os: REsp 1.089.955/RJ, Rel. Min. Denise Arruda, DJe 24/11/2009; REsp 975.799/DF, Rel. Min. Castro Meira, DJe 28/11/2008; REsp 891.998/RS, Rel. Ministro Luiz Fux, Primeira Turma, julgado em 11/11/2008, DJe 01/12/2008; REsp 903.949/PI, Rel. Ministro Teori Albino Zavascki, Primeira Turma, julgado em 15/05/2007, DJ 04/06/2007 p. 322; AgRg no Ag 731.148/AP, Rel. Ministra Denise Arruda, Primeira Turma, julgado em 08/08/2006, DJ 31/08/2006 p. 220; REsp 620.829/MG, Rel. Ministro Luiz Fux, Primeira Turma, julgado em 21/10/2004, DJ 22/11/2004 p. 279; EREsp 313886/RN, Rel. Ministra Eliana Calmon, Primeira Seção, julgado em 26/02/2004, DJ 22/03/2004 p. 18).

Gagliano e Pamblona  (2006, p. 201) posicionam-se no seguinte sentido: “se há controvérsia quanto à autoria e materialidade do ato imputado ao servidor público, a denunciação da lide é medida da maior importância, pois evitará a prolação de sentenças contraditórias. Em outra via, entretanto, caso a discussão se limite ao elemento anímico (dolo ou culpa) do servidor, ampliar os limites da lide é despiciendo e pouco interessante para a efetivação da prestação jurisdicional. Parece-nos esse, sem dúvida, o melhor critério.”

Ademais, não há óbice legal à denunciação da lide na indenizatória em face do Estado. Contudo, tal ocorrência poderia se concretizar somente com a concordância do autor da ação, visto que, em caso de discordância, poderia acarretar-lhe prejuízo.

Se o entendimento majoritário é no sentido de que a vítima do dano possa escolher contra quem intentar a ação, não seria justo fazer-lhe aguardar uma solução a respeito da ocorrência da culpa ou dolo em face do agente público, incumbência esta reservada ao Estado na ação de regresso que lhe é possibilitada.

Cumpre ressalvar, todavia, que o indeferimento da denunciação da lide não acarreta a perda do direito de regresso, consagrado constitucionalmente, de modo que permanece intocado o Direito do Estado em buscar o reembolso daquilo que dispendeu em razão da ação indenizatória (GONÇALVES, 2005).

2.2.4 Da concorrência de causas

Em havendo concorrência de causas, a responsabilidade do Estado deverá ser circunscrita ou atenuada em relação ao dano efetivamente causado por este (CAVALIERI FILHO, 2008).

Bem expostos os ensinamentos de CAHALI (2007, (p. 41-43)), ao referir que: “deslocada a questão para o plano da causalidade, qualquer que seja a qualificação que se pretenda atribuir ao risco como fundamento da responsabilidade objetiva do Estado […] aos tribunais  se permite a exclusão ou atenuação daquela responsabilidade quando fatores outros, voluntários ou não, tiverem prevalecido na causação do dano, provocando o rompimento do nexo de causalidade, ou apenas concorrendo como causa na verificação do dano injusto […] o dano é injusto, mas sujeito à responsabilidade ressarcitória atenuada, se concorre com a atividade regular ou irregular da Administração como causa, fato da natureza, do próprio prejudicado ou de terceiro”.

Outra conclusão não se pode extrair que não esta exposta acima, tendo em vista que não seria justo responsabilizar integralmente o Estado quando outrem concorre pela consecução do dano.

O mesmo se dá quando a vítima concorre para o dano causado, o que será visto detalhadamente em tópico específico.

2.2.5 Das excludentes de responsabilidade civil do Estado

Tendo o sistema jurídico adotado a teoria publicística do risco administrativo para caracterização da responsabilidade civil do Estado, existe a possibilidade de rompimento do elemento nexo causal, excluindo-se, assim, o dever de indenizar por parte desse.

Uma destas causas excludentes de responsabilidade estatal é a culpa exclusiva da vítima, o que, assim como o fato atribuído exclusivamente a terceiro, desfaz o nexo causal necessário à responsabilização. Esta excludente ataca “a raiz da responsabilidade” (NASCIMENTO, 1995, p. 19).

Outrossim, o caso fortuito ou de força maior exclui a responsabilidade das pessoas jurídicas de direito público e de direito privado prestadoras de serviços públicos.

É o que se dá quando indivíduos sofrem danos em razão de fatos imprevisíveis. Danos que não podem ser pressentidos, ou que não é possível preparar-se para enfrenta-los, cujos principais aspectos a serem considerados são a imprevisibilidade e a irresistibilidade (CARVALHO FILHO, 2008).

Há que se ressaltar, porém que “acontecimentos puramente naturais, que atuam sobre a coisa sem a intervenção do homem, não podem ser imputados a ninguém, não podendo ipso facto fundamentar pretensão a abstenção” (ALVES, 2001, p. 140), cuja prova deve conter os elementos de absoluta inevitabilidade da eficácia lesiva a terceiros.

Outras hipóteses de exclusão desta responsabilidade são o fato do agente público agir em legítima defesa, própria ou de terceiro – devendo esta ser necessária, proporcional e moderada, visando cessar agressão do ofendido – e o exercício regular de direito – se houver causa provocada ela vítima ou ofensor. (NASCIMENTO, 1995).

Há quem inclua, também, a hipótese de estado de necessidade – que na esfera penal exclui a existência de crime, conforme artigos 23, I e 24 do Código Penal – no âmbito da responsabilidade civil, o que se daria quando o perigo gerador da necessidade não foi provocado nem podia ser evitado pelo agente público.

O artigo 65 do Código de Processo Penal estabelece que “faz coisa julgada no cível a sentença penal que reconhecer ter sido o ato praticado em estado de necessidade, em legítima defesa, em estrito cumprimento de dever legal ou no exercício regular de direito”.

A esse respeito, DIAS (2006, p. 921), apesar de afirmar que não concorda com tal entendimento, afirma que: “o código de Processo Penal isentou em qualquer caso de reparação o prejuízo causado em estado de necessidade. Assim, o terceiro inocente, atingido pelo ato necessário, não pode, à luz desse Código, voltar contra o causador do dano, mas somente recorrer à talvez problemática responsabilidade de quem criou a situação de necessidade”.

Deve ser lembrado, contudo o artigo Art. 929 do Código Civil, o qual refere que: “se a pessoa lesada, ou o dono da coisa, no caso do inciso II do art. 188, não forem culpados do perigo, assistir-lhes-á direito à indenização do prejuízo que sofreram”, entendimento que, portanto, deve prevalecer, até porque a doutrina majoritária atual tampouco elenca o estado de necessidade entre as excludentes da responsabilidade civil.

2.2.6 Da participação do lesado

Pertinente também que se deixe claro o que ocorre quando o próprio lesado vem a participar ou a concorrer para a ocorrência do evento danoso imputado ao Estado.

Nestes casos, se a vítima, ou ofendido, concorrer com culpa não exclusiva, somada ao nexo causal do Estado, será acrescido a este nexo a culpa da vítima, como fator concausal. Esta culpa não exclusiva não isenta o Estado da responsabilidade, tão-somente repercutindo na extensão do montante indenizatório (NASCIMENTO, 1995).

A este respeito, leciona Carvalho Filho (2008, p. 527): “se, ao contrário, o lesado, juntamente com a conduta estatal, participou do resultado danoso, não seria justo que o Poder Público arcasse sozinho com a reparação dos prejuízos. Nesse caso, a indenização devida pelo Estado deverá sofrer redução proporcional à extensão da conduta do lesado que também contribuiu para o resultado danoso”.

Para evitar-se o enriquecimento ilícito da vítima, portanto, acaba por também ser responsável pelo dano causado, juntamente com o Estado, de modo que isso irá influir proporcionalmente na formulação da quantia a ser indenizada.

2.2.7 Do ônus da prova

Do exposto acima, podemos afirmar que o principal meio de defesa do Estado em uma ação de responsabilidade civil por dano de fato ocorrido é a tentativa de caracterização de excludente ou atenuante de responsabilidade.

Assim, tendo em vista que esta responsabilidade é objetiva, caberá ao próprio Estado fazer prova do rompimento do nexo. Conforme nos diz Nascimento  (1995, p. 19): “a carga probatória, para se eximir da responsabilidade, passa a ser do Estado, e assim mesmo limitadamente. Não basta comprovar a inocorrência de culpa de seu agente, ou do próprio Estado, ou se pretender provar que não houve, concretamente, falta anônima da administração. Prova neste sentido é irrelevante e desimporta ao julgamento da causa ou à definição do ressarcimento”.

O ônus da prova é, portanto, das pessoas jurídicas de direito público e de direito privado prestadoras de serviços públicos, o que, ocorrendo, fará com que deixem de responder pelos danos (ALVES, 2001).

A pretensão da vítima em obter a reparação dos prejuízos, haja vista a caracterização de responsabilidade objetiva, atenua o princípio de que o ônus da prova cabe a quem alega – onus probandi incubit ei que dicit, non qui negat – eis que se o autor da ação alegar a existência do fato danoso e do nexo de causalidade caberá ao réu a contraprova destas alegações (CARVALHO FILHO, 2008).

Conclusão

De todo o exposto no presente texto, destaca-se principalmente que houve um processo evolutivo extremamente beneficiário à pessoa lesada por atos danosos praticados pelo Estado. Não há dúvidas de que este entendimento seguiu a própria tendência do Estado no âmbito social, onde também passou a garantir os mais diversos direitos aos cidadãos.

De fato, evoluiu-se de uma total irresponsabilidade do Estado (situação esta não evidenciada no Brasil) por seus atos para uma situação em que este passa a assumir o dever de indenizar os danos causados por seus agentes ou decorrentes de suas atividades, bastando ao cidadão comprovar a ocorrência do prejuízo e o nexo de causalidade entre este e a atividade do Estado.

Entende-se que não se vislumbra lugar para aplicação de uma teoria do risco em sua forma extrema (risco integral), mas constatou-se também uma possibilidade de evolução para a última fase da teoria publicística, nomeada “risco social” ou “responsabilidade sem risco”, quando o Estado assume a obrigação de indenizar eventual quebra da harmonia e da estabilidade social, cuja obrigação de cuidado lhe é devida. Entretanto, não há dúvidas que, assim como ocorreu nos demais progressos anteriores, para se chegar neste patamar é necessário que haja também evolução da sociedade como um todo.

De qualquer sorte, considerando que o Estado necessita sempre se seus agentes para atuar, quando comprovada a culpa destes no dano causado, poderá ocorrer a responsabilidade solidária entre agente e Estado, cabendo, também, o ajuizamento de ação de regresso deste em face do agente.

 

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Informações Sobre o Autor

Pedro Henrique Baiotto Noronha

Especialista em Direito Processual Civil com capacitação para o Ensino no Magistério Superior pela Faculdade de Direito Prof. Damásio de Jesus Bacharel em Direito pela Unicruz. Servidor Público do Poder Judiciário-RS