Ao contrário do que muitos acreditam, o Estado não é o segurador universal. Sua função não é arcar com todos os prejuízos que as pessoas possam sofrer no exercício de suas atividades cotidianas. O motivo é simples: mesmo no mais seguro dos países, não há como garantir de forma absoluta a segurança. Sempre haverá uma taxa de criminalidade, mesmo que a polícia seja extremamente eficaz. Não se pode responsabilizar o Estado pelo que ele não pode fazer, ou seja, evitar os crimes.
Assim, uma pessoa que foi assaltada não tem o direito de pedir indenização ao Estado, a despeito de o art. 144 da Constituição prever que a segurança é um direito de todos e um dever do Estado.
Há, também, o caso de investidores que sofrem prejuízos em operações de risco e que, com freqüência, processam o Banco Central para serem indenizados. Seu desejo é viverem em uma sociedade na qual tudo esteja garantido pelo Estado, o que equivale a um capitalismo sem riscos. É inevitável lembrar o conhecido jargão, pelo qual, no Brasil, privatizam-se os lucros e socializam-se os prejuízos!
A situação muda radicalmente de figura quando a pessoa lesada está sob custódia do Estado. Sua vida é transferida da sociedade civil, em que impera a liberdade, para uma instituição total, concebida e mantida pelo Estado, na qual ele deve se submeter a rígida disciplina, com o objetivo formal de ser “reeducado”.
A Administração Pública torna-se responsável por manter intactos todo os direitos do preso que não foram restritos ou eliminados pela pena (cf. art. 3° da Lei de Execução Penal – Lei 7.210/84). Porém, sabe-se que, mais do que a liberdade, o preso perde sua dignidade. Tratado de forma absolutamente desumana na maioria dos casos, o preso é submetido a constante degradação física e mental. Aliás, a maioria das penas privativas de liberdade pode ser considerada como uma situação inconstitucional, pois viola a proibição de penas cruéis (cf. Constituição Federal, art. 5°, XVLII, e).
Assim, qualquer dano causado ao preso, mesmo que não tenha origem em conduta de agente público, deve ser indenizado pelo Estado. Ressalte-se que a responsabilidade civil da Administração Pública por condutas omissivas é regida pela teoria da falta do serviço, ou seja, o Estado é responsável se o serviço público funcionou mal, não funcionou ou funcionou atrasado. Ora, qualquer dano sofrido pelo preso no interior do presídio demonstra claramente que o serviço penitenciário não funcionou de maneira adequada.
Para o filho de M.V.P.R., o serviço penitenciário falhou miseravelmente. Em 2003, ele foi torturado e enforcado durante uma rebelião em Ponte Nova, município localizado a 180 km de Belo Horizonte. Não se pode dizer que o fato foi imprevisível, pois as condições carcerárias brasileiras sempre tornam previsíveis as ocorrências de rebeliões. Assim, depois de quatro anos, o Tribunal de Justiça de Minas Gerais considerou presente a responsabilidade civil do Estado, condenando o governo estadual a indenizar a mãe da vítima, por danos morais, no valor de R$ 20.000,00. Sabe-se há muito que a dor não pode ser quantificada, quanto mais a dor de perder um filho. Porém, a indenização por danos morais é a compensação possível nesses casos.
A utilização dessas ações de indenização é uma forma de desestimular o comportamento que, de alguma forma, causou o dano, além de ser uma maneira, mesmo que microscópica, de a população mostrar seu repúdio ao sistema carcerário como ele se encontra e, assim, exigir sua reforma.
Informações Sobre o Autor
Alexandre Magno Fernandes Moreira Aguiar
Procurador do banco Central em Brasília e professor de Direito Penal e Processual Penal na Universidade Paulista