Resumo: Este artigo descreve a possibilidade da imputabilidade da responsabilidade tributária aos sócios por débitos da pessoa jurídica, embasada no Código Tributário Nacional, nas Jurisprudências e no Código Civil. Demonstrados os atos cometidos com excesso de poderes ou infringindo a lei, é possível que a execução fiscal seja redirecionada aos sócios das empresas.
Palavras-chave: Responsabilidade tributária. Pessoa jurídica. Sócios. Empresas. Execução fiscal.
Abstract: This article discusses the possibility of liability for the tax liability to the members for debts of the corporation, based in the tax code, in case law and the Civil Code. Stated acts committed with excessive powers or breaking the law, it is possible that the tax lien be redirected to the shareholders of the companies.
Keywords: Tax liability. Entity. Partners. Companies. Tax lien.
Sumário: Introdução. 1. Artigo 135 do CTN. 2. Fato gerador. 3. Administradores. 4. Responsabilidade solidária. Conclusão. Referências.
Introdução
O presente artigo tem a finalidade de considerar os diversos posicionamentos jurídicos relacionados à imputação da responsabilidade tributária aos sócios pelos débitos da pessoa jurídica. A controvérsia entre a lei e as interpretações de alguns juristas demonstra a complexidade do tema e da
dificuldade em inserir os sócios na Certidão de Dívida Ativa – CDA.
1.Artigo 135 do CTN
A jurisprudência do STJ considera que a prática de atos que envolvam excesso de poderes ou que infrinjam a lei, contrato social ou estatutos caracteriza, de acordo com o art. 135, III do CTN, os sócios (diretores, gerentes ou representantes da pessoa jurídica) como responsáveis por substituição, pelos créditos decorrentes das obrigações tributárias.
Segue abaixo, em sua forma literal, o artigo 135, inciso III do CTN:
“Art. 135 – São pessoalmente responsáveis pelos créditos tributários correspondentes a obrigações tributárias resultantes de atos praticados com excesso de poderes ou infração a lei, contrato social ou estatutos: (…)
III – os diretores, gerentes ou representantes das pessoas jurídicas de direito privado”.
Entretanto alguns juristas como Aliomar Baleeiro, Ives Gandra da Silva Martins e Sacha Calmon discorrem que tal definição de responsabilidade é equivocada, considerando-a pessoal com base na literalidade do artigo. Alguns argumentos dos juristas que defendem esta tese, resumidamente, baseiam-se no fato de que a pessoa jurídica é composta de pessoas físicas responsáveis pelas decisões.
De acordo com o jurista Bernardo Ribeiro de Moraes (1995, p. 522): “Havendo apenas responsabilidade pessoal e inexistindo a solidariedade, a responsabilidade das pessoas mencionadas, quando agindo em nome de pessoas jurídicas, exclui a responsabilidade destas”, tal afirmação possibilita a interpretação de que a pessoa física não pode ser confundida com a pessoa jurídica. Outros defendem a idéia da responsabilidade supletiva e não solidária, podendo ser aplicada somente quando não for possível cobrar o tributo do contribuinte e de que os responsáveis arcariam somente com as penalidades de caráter moratório.
Sacha Calmon frisa que a responsabilidade pessoal dos administradores deve ser levada em consideração somente após a pessoa jurídica provar a sua inocência, caso contrário, os administradores ficariam vulneráveis, podendo sofrer injustiças quando obrigados a praticarem atos ilegais para as empresas. Segundo o jurista (2006, p. 727):
“O que não se pode admitir é que grandes empresas, até mesmo multinacionais, por pura matroca obriguem seus diretores contratados, com poucos bens ou sem eles, a ficarem responsáveis por atos deliberadamente praticados em proveito das empresas, com excesso de poder ou infração da lei ou contrato. A exclusão das empresas daria lugar a enormes injustiças e à indução de "planejamentos tributários" marotos. Além disso, tornaria as funções gerenciais um tipo de atividade de alto risco. Fraude, conluio, sonegação para elidir o cumprimento de obrigação igualmente aproposita a responsabilidade prevista no art. 135, mas somente na hipótese de a pessoa jurídica provar a sua inocência”.
Para alguns a responsabilidade solidária também é levada em consideração devido à dificuldade de dissociação entre o responsável e o contribuinte desde a ocorrência do fato gerador. Para outros, ainda que representado, o contribuinte não pode ser eximido de sua responsabilidade devido a sua relação pessoal e direta com o fato gerador, além disso, a simples ausência do nome do sócio-gerente na certidão de dívida ativa também não o exime da penhora de seus bens.
O Supremo Tribunal Federal tem decidido:
“Sociedade por cotas de responsabilidade limitada. Penhora. Os bens particulares do sócio não respondem por dívida fiscal da sociedade, salvos e houver a prática de ato com excesso de poder ou infração da lei”. (Recurso Extraordinário n. 108.386-SP, 2a. Turma, publicado no RTJ n. 122, p. 719)
Entretanto, de acordo com o relator Ministro Humberto Gomes de Barros, os débitos tributários da sociedade não são requisitos suficientes para o Estado recusar certidão negativa aos sócios da pessoa jurídica, precisando ser demonstrada efetivamente a responsabilidade do sócio-gerente pela dívida da pessoa jurídica. Segue abaixo decisão no mesmo sentido:
“TRIBUTÁRIO. ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. INSCRIÇÃO NO CADIN. IMPOSSIBILIDADE. RESPONSABILIDADE PESSOAL DO SÓCIO-GERENTE. ART. 135, III, CÓDIGO TRIBUTÁRIO NACIONAL. 1. Não há causa legitimadora a justificar a inscrição do nome do sócio da empresa inadimplente no CADIN, uma vez que a responsabilidade solidária só pode ser verificada se presentes os requisitos dispostos no art. 135, III, do Código Tributário Nacional. 2. A indicação do nome do sócio na CDA não confere legitimidade passiva ad causam aos sócios gerentes das empresas executadas. 3. Os diretores, gerentes ou representantes das pessoas jurídicas de direito privado podem ser responsabilizados, pessoalmente, não por serem sócios, quotistas ou acionistas da pessoa jurídica, mas pelo fato de exercerem a sua administração e possuírem poderes de gerência, por meio dos quais às vezes cometem abusos, excessos ou infrações à lei, estatuto ou contrato social. 4. O inadimplemento das obrigações tributárias, pela pessoa jurídica não é considerado infração à lei capaz de imputar responsabilidade pessoal prevista no art. 135, III, do Código Tributário Nacional aos sócios. 5. Não logrou a Fazenda Nacional comprovar que houve, por parte dos diretores, gerentes ou representantes da pessoa jurídica de direito privado, a prática de atos com excesso de poderes, infração à lei, contrato social ou estatuto, até mesmo dissolução irregular da empresa.” (AMS 2003.38.02.004166-9/MG – Desembargadora federal Maria do Carmo Cardoso – 8ª Turma- DJ 29/06/2007, p. 170).
2. Fato Gerador
A jurisprudência também defende outro viés, em que o fato gerador contemporâneo ao gerenciamento é requisito para a responsabilização do sócio-gerente em uma sociedade limitada, ou seja, este não pode ser responsabilizado se geriu a organização antes ou depois do credito tributário, fato confirmado abaixo:
“TRIBUTÁRIO. SOCIEDADE LIMITADA. DISSOLUÇÃO. SÓCIO GERENTE. RESPONSABILIDADE TRIBUTÁRIA. LIMITES
(…)
2. Cuida o presente caso de se buscar definição acerca da possibilidade de se cobrar integralmente de ex-sócio de uma empresa tributo por ela não recolhido, quando o mesmo não exercia mais atos de administração da mesma, reclamando-se ofensa ao
art. 135, do CTN (…)
4. A solidariedade do sócio pela dívida da sociedade só se manifesta, todavia, quando comprovado que, no exercício de sua administração, praticou os atos elencados na forma do art. 135, caput, do CTN. Há impossibilidade, pois, de se cogitar na atribuição de responsabilidade substitutiva, quando sequer estava o sócio
investido nas funções diretivas da sociedade.
5. In casu, a execução abrange período anterior à época de responsabilidade do embargado; as dívidas anteriores (ou posteriores) à permanência do sócio na empresa, não podem, via de regra, atingi-lo, até mesmo porque ausente qualquer prova de liame entre o embargado e os fatos geradores dos períodos restantes”. (…)” (STJ, 1ª Seção, AgRg EDivResp 109639/RS, Rel. Min. José Delgado, Dez/99, DJ de 28/02/2000).
3.Administradores
O Código Civil reconhece que na sociedade limitada nem todos os sócios são necessariamente administradores. Isso reduz a necessidade de todos terem que provar que não administram a sociedade e consequentemente que não são responsáveis pelos débitos desta. Também orienta que os sócios têm responsabilidade solidária pela integralização do capital social.
Conforme disposto no art. 2º da Portaria 180, de 25/02/2010 da PGFN:
“Art. 2º A inclusão do responsável solidário na Certidão de Dívida Ativa da União somente ocorrerá após a declaração fundamentada da autoridade competente da Secretaria da Receita Federal do Brasil (RFB) ou da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) acerca da ocorrência de ao menos uma das quatro situações a seguir:
I – excesso de poderes;
II – infração à lei;
III – infração ao contrato social ou estatuto;
IV – dissolução irregular da pessoa jurídica.
Parágrafo único. Na hipótese de dissolução irregular da pessoa jurídica, os sócios-gerentes e os terceiros não sócios com poderes de gerência à época da dissolução, bem como do fato gerador, deverão ser considerados responsáveis solidários.”
O inciso III do art. 135 do CTN possibilita a interpretação de que a responsabilidade tributária precisa ser direcionada ao gerente, diretor ou administrador independente destes serem sócios ou não e que a solvência irregular é pré-requisito para se impor a responsabilidade tributária ao sócio-gerente, administrador, diretor ou equivalente quando provada a realização de atos ou fatos com excesso de poderes, infração de lei, contrato social e estatutos.
Os administradores das empresas passíveis de responsabilização seriam aqueles diretamente relacionados ao recolhimento de tributos, possuindo responsabilidade objetiva. O fisco precisaria provar a prática de atos ilícitos, ou seja, que o administrador agiu deliberadamente com o intuito de sonegar tributos.
O STJ tem defendido a tese da responsabilidade subjetiva do administrador ao não o considerar diretamente responsável pela infração à lei quando do não pagamento dos tributos. A Ministra Eliana Calmon é adepta da idéia de que a responsabilidade pessoal do sócio não é objetiva, precisando ser provado pelo exequente a conduta culposa ou dolosa do sócio-gerente. A decisão abaixo corrobora as afirmações:
“PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO – EXECUÇÃO FISCAL- ART. 135, INCISO III, DO CTN – RESPONSABILIDADE DO SÓCIO GERENTE – SUBJETIVIDADE – COMPROVAÇÃO DA EXISTÊNCIA DE ATO PRATICADO MEDIANTE FRAUDE OU COM EXCESSO DE PODERES – NECESSIDADE – INFRAÇÃO À LEI – MERA INADIMPLÊNCIA – NÃO CARACTERIZAÇÃO.
1. A jurisprudência deste eg. Tribunal consolidou-se quanto a ser subjetiva a responsabilidade do sócio-gerente pelo pagamento de tributo devido pela sociedade, ficando aquele obrigado pessoalmente pela dívida, somente quando restar provado ter ele agido com fraude ou excesso de poderes, não se consubstanciando em infração à lei, de per si, a mera inadimplência.
2. Agravo regimental desprovido”. (AGREsp 384860/RS; Relator Min. Paulo Medina, Dj/I de 09/06/2003, p. 213)
O simples inadimplemento da obrigação tributária não necessariamente indica a responsabilidade pessoal do administrador que só pode ser considerada em casos de infringência da lei, contratos sociais ou estatutos. Tal informação corrobora o que afirma Sacha Calmon Navarro Coelho considerando que os atos ilícitos são aqueles que infringem a lei ou contratos e não o simples não recolhimento do tributo.
4.Responsabilidade Solidária
De acordo com o artigo 1º § 16 da lei 11.941/09, a pessoa física responsabilizada pelo não pagamento ou recolhimento de tributos devidos pela pessoa jurídica, que solicitar o parcelamento da dívida passa a ser solidariamente responsável, juntamente com a pessoa jurídica, em relação à dívida parcelada. Conforme artigo 124, inciso II do CTN “são solidariamente obrigadas as pessoas expressamente designadas por lei”
Este fato permite inferir que a pessoa física somente se torna responsável pelas dívidas tributárias da pessoa jurídica ao parcelar a dívida no seu próprio nome, não podendo ser responsabilizada automaticamente pela Fiscalização ou pelo Poder Judiciário. Isso significa que a partir de da publicação da Lei n. 11.941 não seria possível cobrar dos sócios administradores por meio da responsabilidade solidária e sim por meio do pedido pela pessoa física do parcelamento da dívida.
Segundo o Ministro do Supremo Tribunal Federal, Ribeiro da Costa:
“Como os sócios da em nome coletivo, os da por cotas, também, e com acerto de cotistas chamados, respondem solidariamente pelas obrigações e dívidas sociais. Aqueles, ilimitadamente. Estes limitadamente, até o montante do capital social. Esta responsabilidade, todavia, apura-se em caso de falência. Só nesse caso. Fora dele não”. (1ª. Turma, RE 21.742-SP, RDM, vol. 8º., p. 148)
A não intervenção dos sócios, de acordo com a nova lei, restringe a atuação do fisco de incluir todos os sócios como responsáveis pelas dívidas tributárias. O fato deste não encontrar patrimônio da pessoa jurídica extinta não pode justificar a responsabilização automática do quadro societário das empresas. O julgado abaixo ajuda a dirimir possíveis dúvidas quanto a esta afirmação:
“PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. AGRAVO DE INSTRUMENTO. RESPONSABILIDADE TRIBUTÁRIA DO SÓCIO QUOTISTA. JURISPRUDÊNCIA CONSOLIDADA PELA PRIMEIRA SEÇÃO DO STJ. CDA. PRESUNÇÃO RELATIVA DE CERTEZA E LIQUIDEZ. NOME DO EXECUTADO NA CDA. CO-RESPONSÁVEL REDIRECIONAMENTO. INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA. RESPONSABILIDADE. ILEGITIMIDADE PASSIVA ARGUIDA EM EXCEÇÃO DE PRÉ-EXECUTIVIDADE. INVIABILIDADE. ARTIGO 543-C, DO CPC. RESOLUÇÃO STJ 8/2008. ARTIGO 557 DO CPC. APLICAÇÃO. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. TRIBUNAL A QUO. SÚMULA 7.
1. A responsabilidade patrimonial secundária do sócio, na jurisprudência do E. STJ, funda-se na regra de que o redirecionamento da execução fiscal, e seus consectários legais, para o sócio-gerente da empresa, somente é cabível quando reste demonstrado que este agiu com excesso de poderes, infração à lei ou contra o estatuto, ou na hipótese de dissolução irregular da empresa.
2. A orientação da Primeira Seção desta Corte firmou-se no sentido de que, "se a execução foi ajuizada apenas contra a pessoa jurídica, mas o nome do sócio consta da CDA, a ele incumbe o ônus da prova de que não ficou caracterizada nenhuma das circunstâncias previstas no art. 135 do CTN, ou seja, não houve a prática de atos 'com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos'."Precedente: REsp. 1.104.900/ES, Primeira Seção, Rel. Min. DENISE ARRUDA, DJU 01.04.09) 3. A suscitação da exceção de pré-executividade dispensa penhora ,posto limitada às questões relativas aos pressupostos processuais; condições da ação; vícios do título e exigibilidade e prescrição manifesta.
4. A responsabilidade de sócio, por dívida fiscal da pessoa jurídica, em decorrência da prática de ato ilícito, demanda dilação probatória.
5. A exceção de pré-executividade se mostra inadequada, quando o incidente envolve questão que necessita de produção probatória, como referente à responsabilidade solidária do sócio-gerente da empresa executada.
6. Conforme assentado em precedentes da Seção, inclusive sob o regime do art. 543-C do CPC (REsp. 1.104.900, Min. Denise Arruda, Documento: 960487 – Inteiro Teor do Acórdão – Site certificado – DJ: 30/04/2010 Página 1 de 9 Superior Tribunal de Justiça sessão de 25.03.09), não cabe exceção de pré-executividade em execução fiscal promovida contra sócio que figura como responsável na Certidão de Dívida Ativa – CDA. É que a presunção de legitimidade assegurada à CDA impõe ao executado que figura no título executivo o ônus de demonstrar a inexistência de sua responsabilidade tributária, demonstração essa que, por demandar prova, deve ser promovida no âmbito dos embargos à execução. (…)
8. Agravo regimental desprovido.”
Conclusão
Pode-se concluir que se por um lado a jurisprudência tem exigido provas de atos praticados com excesso de poderes ou infração a lei, contrato social ou estatutos pelos sócios, por outro, tem demonstrado que a inserção do nome do sócio em CDA como corresponsável pelos créditos tributários permite o redirecionamento da execução ainda que não seja demonstrada a atuação deste conforme expresso no caput do art. 135 do CTN, cabendo contudo, ao fisco provar que o administrador agiu deliberadamente com o intuito de sonegar tributos.
FREITAS, Wladimir Passos. Código Tributário Nacional comentado. 3 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, 606- 611 p.
COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Curso de direito tributário brasileiro. 9 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2006, 727 p.
MORAES, Bernardo Ribeiro de. Compêndio de Direito Tributário. Vol. II, 3ª ed., 1995, 522 p.
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Informações Sobre o Autor
Ricardo Fernandes Faria
Graduado em Administração de Empresas pós-graduado em Gestão de Projetos e em Direito Tributário