A sociologia da violência

O presente trabalho visa a responder alguns questionamentos básicos concernentes à criminologia, partindo-se de um foco sociológico. Com efeito, indaga-se se existe uma relação entre estrutura social e violência, bem como qual seria o principal fator de violência existente na estrutura social brasileira hodierna.

O pessimista queixa-se do vento, o otimista espera que ele mude e o realista ajusta as velas. (Willian George Ward)

SUMÁRIO: introdução; estrutura social e violência; fator-motor de violência na estrutura social brasileira; conclusão.

INTRODUÇÃO

Neste sucinto escrito, visar-se-á alcançar respostas claras e diretas a alguns básicos questionamentos relativos à criminologia, sob um prisma sociológico.

Efetivamente, indagar-se-á se existe, ou não, uma relação entre estrutura social e violência.

Além disso, esclarecer-se-á qual seria o fator principal de violência existente na estrutura social brasileira dos dias atuais.

ESTRUTURA SOCIAL E VIOLÊNCIA

Existe, de fato, uma relação cristalina entre estrutura social e violência?

Em verdade, a resposta é óbvia.

Acentuadamente em países subdesenvolvidos, onde se vê com com maior nitidez a diferença entre as classes sociais,  os crimes contra o patrimônio proliferam-se.

Sabe-se, sem gris algum, que a grande gama de ocorrências policiais registradas no Brasil, v.g., referem-se a delitos cujo bem jurídico tutelado é o patrimônio, mais especificamente no que concerne ao furto.

Dessa arte, não há como se falar em inexistência relacional entre estrutura social e crime.

Mais ainda, há de ser asseverado que a relação mostra-se patentemente íntima, sendo o último conseqüência da primeira.

Em países subdesenvolvidos, a governança procura enfatizar a questão produtiva, relegando para depois questões como aquelas que norteiam aspectos culturais. A mão-de-obra braçal, p.ex., constitui-se, em países dessa estirpe, a suprema prioridade.

E não é de se estranhar, verdadeiramente, que interna corporis [1] o país faça com os seus o que, no exterior, os países desenvolvidos fazem com aqueles menos desenvolvidos, ou seja, explorá-los economicamente até os limites da suportabilidade.

Efetivamente, nessa linha de raciocínio, vale lembrar o pensamento de BRUM, qual seja, “o Brasil é considerado uma grande empresa extrativa, integrada na engrenagem do sistema mercantilista, explorada em função da metrópole e destinada a fornecer produtos primários para abastecer os centros econômicos da Europa”.[2]

Por outro lado, em países mais evoluídos economicamente, onde a senda desumana e afoita rumo ao desenvolvimento já se tornou uma sombra do passado, percebe-se, sem grande esforço, que a cultura, os valores postos em jogo, os objetivos sociais, a qualidade intelectual da sociedade, o cuidado para com o lazer, enfim, possuem características latentemente distintas daquelas observadas nos países pobres.

A razão disso tudo advém, resplandecentemente, da dissimilitude econômica entre os territórios, ocasião em que cada comunidade internacional, ou mesmo local, vive o seu próprio “ciclo”, entendido este como a atualidade econômica, ou de desenvolvimento econômico, vivenciado por cada sociedade em particular e em um momento em particular.

Aliás, BRUM já esclarecia que “o ciclo pode ser definido como o período em que determinado produto, beneficiando-se da conjuntura  favorável do momento, constitui-se no centro dinâmico da economia, atraindo as forças econômicas – capital e mão-de-obra – e provocando mudanças em todos os outros principais setores da sociedade”.[3]

FATOR-MOTOR DE VIOLÊNCIA NA ESTRUTURA SOCIAL BRASILEIRA

Qual seria, então, o principal fator de violência existente na estrutura social brasileira hodierna?

Basicamente, como já se deixou transparecer acima, percebe-se que o fator primordial é o econômico.

De efeito, havendo desenvolvimento econômico, o foco afasta-se da “corrida maluca”[4] dos países menos desenvolvidos em busca de um lugar ao sol.

Por outro lado, não havendo o apetecido desenvolvimento da economicidade local, a motivação obsessivo-compulsiva dos países menos abastados nunca cessará, dirigindo-se os seus intuitos, inexoravelmente e com quase absoluta exclusividade, às benesses pretendidas por meio da senda econômica, mostrando-se referida conjuntura em uma característica, em um estigma mesmo, ínsito dos “países pobres”. [5]

Nesse contexto, pois, pode-se dizer que, dentro da estrutura social brasileira, o subdesenvolvimento econômico é o grande leitmotiv[6] da violência.

Delitos de furto, de roubo, de latrocínio e de estelionato sãos sempre os mais observados nos registros de ocorrências policiais. O “risco social”[7], assim sendo, é mais cristalino e notório em países ainda não perfeitamente estruturados economicamente.

Claro, ainda, que o “modelo” adotado pelo país influencia sobremaneira na sua estrutura social. Assim, haverá nítida distinção de estrutura entre países que, distintamente um do outro, inclinaram-se ou para o modelo comunista,[8] ou socialista[9] ou  capitalista.[10]

Todavia, o modelo capitalista é o grande vetor contemporâneo, sendo conseqüência sua o enfoque social dirigido ao patrimônio.

Daí, por óbvio, não causa espanto a agressão de alguns menos favorecidos à abastança ostentada por aqueles mais privilegiados.

Dessa pândega toda, por fim, vale salientar, exsurge que alguns mais desavisados ainda esbravejam que a criminalidade é conseqüência de uma falta de maior “ação” do  Estado repressor (Polícia). Todavia, para qualquer um que se proponha a levar a efeito um raciocínio um pouco mais demorado, logo se perceberá, conforme sobejamente acima já expendido, que a criminalidade é pura conseqüência de uma causa arraigada fortemente na estrutura social vigente.

CONCLUSÃO

Diante do que se expendeu nessa dissertação, infere-se que a situação nascida de um encontro de determinadas circunstâncias envoltas no subdesenvolvimento[11] econômico incita sobremaneira a violência a qual se ergue e se descobre em um terreno que acaba tornando-se fértil e apropriado ao seu reinado.

Todavia, e por derradeiro, é ainda perfeitamente possível, por intermédio de um encadeamento lógico de juízos e de pensamentos sensatos, deduzir-se que o motivo condutor da violência longe está de assentar-se em uma possível carência de repressão por parte dos órgãos de segurança pública, porquanto estes apenas lidam com as conseqüências de uma violência preexistente, não com as suas causas.

 

Notas
[1] Questão “interna corporis “; questão restrita em seus efeitos à sociedade, ou instituição, que a decidiu; questão de competência exclusiva de sociedade ou instituição.
[2] BRUM, Argentino J. O Desenvolvimento econômico brasileiro. Petrópolis: Vozes, 1982, p.20.
[3] BRUM, A. op.cit., p.25.
[4] Hanna Barbera. The Wacky Races (CBS,1968).
[5] No que tange à “classificação” dos países, angariando-se a adjetivação de pobres ou ricos, existe o IDH (Índice de Desenvolvimento Humano). O IDH é uma medida comparativa de pobreza, alfabetização, educação, esperança de vida, natalidade e outros fatores para os diversos países do mundo. É uma maneira padronizada de avaliação e medida do bem-estar de uma população, especialmente bem-estar infantil. O índice foi desenvolvido em 1990 pelo economista paquistanês Mahbub ul Haq, e vem sendo usado desde 1993 pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento em seu relatório anual. Todo ano, os países membros da ONU são classificados de acordo com essas medidas. Os países com uma classificação elevada freqüentemente divulgam a informação, a fim de atrair imigrantes qualificados ou desencorajar a emigração. O Brasil está na 65ª colocação no ranking do IDH de 2005 (em 177 países no total), com um índice de 0,792 (médio desenvolvimento humano). Desde 1990, já subiu 14 posições. Apesar de ter melhorado nos critérios educação e longevidade, o Brasil caiu no critério renda. Em educação, o Brasil tem uma taxa de 11,6% de analfabetismo (91º no ranking mundial) e na taxa bruta de matrícula (um dos melhores avanços recentes na área) o Brasil é 26º colocado no ranking mundial. Em educação, o país tem desempenho melhor que a média mundial e regional.
[6] [Al., ‘motivo condutor’.] S. m.  1.    Mús.  Tema associado, no decurso de todo o drama musical, a uma personagem, uma situação, um sentimento, ou um objeto.  2. Liter.  Repetição, no decurso de uma obra literária, de determinado tema, a qual envolve uma significação especial.  3.P. ext.  Tema ou idéia sobre a qual se insiste com freqüência.
[Com cap. Tb. se usa o correspondente vernáculo, motivo condutor.]
[7] A teoria do risco social acabou promovendo um estrondioso debate acerca da reflexividade da vida contemporânea e a presença sempre constante da imponderabilidade e indeterminação como normas da modernidade. A busca pela inovação tecnológica, sedimentada no alcance de resultados incertos e instáveis, externaria a materialização do risco social e o desafio para a construção de uma sociedade democrática e sustentável (Beck, 1992).
[8] Comunismo é um modelo de sociedade inspirado a partir dos pensamentos inicialmente elaborados por Karl Marx e, posteriormente, continuados por diversos outros teóricos, notavelmente Friedrich Engels, Vladimir Lenin, Leon Trotsky, dentre inúmeros outros. Uma das principais obras fundadoras desta corrente política é “O Manifesto do Partido Comunista” de Marx e Engels. O Comunismo é um sistema econômico que nega a propriedade privada dos meios de produção. Num sistema comunista os meios de produção são de propriedade comum a todos os cidadãos e são controlados por seus trabalhadores. Sob tal sistema, o Estado não tem necessidade de existir e é extinto.
[9] Socialismo é um sistema político onde todos os meios de produção pertencem ao Estado, onde não existe o direito à propriedade privada e, em tese, a desigualdade social. A expressão socialismo foi consagrada por Robert Owen em 1841, terá sido pela primeira vez utilizada com uma certa precisão por Pierre Leroux, em 1831, seguido de Fourier, 1833, depois de começar a circular por volta de 1820.
[10] Capitalismo é definido como um sistema económico baseado na propriedade privada dos meios de produção, no lucro, nas decisões quanto ao investimento de capital feitas pela iniciativa privada, e com a produção, distribuição e preços dos bens, serviços e exploração da mão-de-obra afetados pelas forças da oferta e da procura.
[11] Condição de economias que apresentam níveis relativamente baixos de produtividade, renda per capita, desenvolvimento tecnológico, etc., o que costuma ser explicado pelas características de sua evolução histórica: “O subdesenvolvimento é …. um processo histórico, autônomo, e não uma etapa pela qual tenham, necessariamente, passado as economias que já alcançaram grau superior de desenvolvimento. ” (Celso Furtado, Teoria e Política do Desenvolvimento Econômico, p. 189.)

 


 

Informações Sobre o Autor

 

Roger Spode Brutti

 

Delegado de Polícia Civil no RS. Doutorando em Direito (UMSA). Mestre em Integração Latino-Americana (UFSM). Especialista em Direito Penal e Processo Penal (ULBRA). Especialista em Direito Constitucional Aplicado (UNIFRA). Especialista em Segurança Pública e Direitos Humanos (FADISMA)

 


 

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