A teoria da argumentação jurídica como instrumento para a solução justa dos casos

Resumo: A argumentação jurídica é a grande ferramenta do neoconstitucionalismo. Esta interpretação constitucional se inspira numa concepção pós-positivista do direito. Tem como base e fundamento qualificação das regras, e a distinção com relação aos princípios. O direito não pode ser estudado apenas como um produto acabado, criado por uma ação legislativa, mas como processo no qual se analisa como se chega à decisão judicial. O processo de decisão precisa ser fundado em uma ótica racional do conjunto de ideias que o compõe para oferecer respostas aos operadores do Direito. A TAJ , para a solução dos casos difíceis, utiliza a técnica da ponderação, quanto houver choques de princípios fundamentais. A jurispru­dência do Supremo Tribunal Federal, incorporou essa técnica à roti­na de seus pronunciamentos. O intérprete deverá fazer concessões recíprocas entre os valores e interesses em disputa, preservando o máximo pos­sível de cada um deles. Situações haverá, no entanto, em que será impossível a compatibilização. Nesses casos, o intérprete precisará fazer escolhas, determi­nando, in concreto, o princípio ou direito que irá prevalecer. Para tanto, utilizando-se das técnicas da Teoria da Argumentação Jurídica, entraremos resultados satisfatórios, condizentes com o Estado Democrático de Direito.

Palavras Chaves: Teoria; Argumentação; Jurídica e Ponderação.

Abstract: The legal argument is the great tool of neo. This constitutional interpretation is inspired by a post-positivist conception of law. Its basis and foundation qualification rules, and the distinction with respect to the principles. The law can not be studied only as a finished product, created by legislative action, but as a process in which we analyze as it gets to a court decision. The decision making process needs to be based on a rational set of optics that composes ideas to offer answers to the operators of Law. The TAJ, for the solution of difficult cases, uses the technique of weighting, as there are shocks to fundamentals. The jurisprudence of the Supreme Court, has incorporated this technique into the routine of their pronouncements. The interpreter must make reciprocal concessions between values ​​and interests at stake, preserving as much as possible from each of them. There will be situations, however, where it is impossible to reconcile. In such cases, the interpreter will need to make choices, determining, in particular, the principle or law that will prevail. Therefore, using the techniques of the Theory of Legal Argumentation, will get satisfactory results, consistent with the democratic rule of law.

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Keywords: Theory, Argumentation, Legal and Weighting

Sumário: Introdução. 1. A nova interpretação Constitucional e o pós positivismo. 2. A interpretação constitucional e a Teoria da Argumentação Jurídica. 2.1. Conceito de Princípios. 2.2. Das regras e a diferenciação de princípios. 3. Teorias do Discurso Prático. 3.1 A Teoria da argumentação de Chaim Perelman. 3.2 A Teoria do Discurso pratico Racional Geral de Robert Alexy. 3.3 A Teoria da Argumentação Jurídica, como instrumento de interpretação no pós positivismo. 4. A Técnica da ponderação utilizada pela Teoria da Argumentação jurídica para a solução de casos difíceis. 5. Conclusões

Introdução

Nas ultimas décadas, dois fenômenos marcaram claramente o desenvolvimento do Direito em geral e do Direito Constitucional em particular.

O primeiro deles, designado como pós-positivismo, identifica a reaproximação entre o Direito e a Ética, o resgate dos valores para o Direito e a superação da ideia da legalidade estrita e escrita, normatização dos princípios e o foco nos direitos fundamentais.

O segundo fenômeno foi a ascensão do direito constitucional para o centro do sistema jurídico. A Constituição passou a ser também o modo principal de interpretar todos os ramos do Direito.

Desenvolvendo a ideia fundamental do pós positivismo, com ênfase na reaproximação entre o Direito e a Ética, o resgate dos valores para o Direito e a superação da ideia da legalidade estrita e escrita, normatização dos princípios e regras e o foco nos direitos fundamentais, haverá a possibilidade da realização da Constituição, que deve estar atenta a realidade, para a sua plena efetividade.

Na realização da Constituição, em busca do ideal de Justiça, ocorre a normatização de regras e princípios, e na solução de choque de princípios, da mesma hierarquia, temos um instrumental extremamente útil, que é Teoria da Argumentação Jurídica.

Neste trabalho discorremos, sobre alguns pontos importantes sobre a técnica da Teoria da Argumentação Jurídica, veremos a definição de princípios e regras. Discorreremos, em rápidas pinceladas, os pensamentos dos dois maiores expoentes desta Teoria, Chaim Perelman e Robert Alexy, para a seguir, utilizando-se das lições dos mestres, chegarmos a algumas conclusões para a escolha da decisão correta.

1. A nova interpretação Constitucional e o pós positivismo.

Nas últimas décadas, dois fenômenos marcaram claramente o desenvolvimento do Direito em geral e do Direito Constitucional em particular.

O primeiro deles, designado como pós-positivismo, identifica a reaproximação entre o Direito e a Ética, o resgate dos valores para o Direito e a superação da ideia da legalidade estrita e escrita, normatização dos princípios e o foco nos direitos fundamentais.

O segundo fenômeno foi a ascensão do direito constitucional para o centro do sistema jurídico. A Constituição passou a ser também o modo principal de interpretar todos os ramos do Direito.

Desenvolvendo a ideia fundamental do pós positivismo, com ênfase na reaproximação entre o Direito e a Ética, o resgate dos valores para o Direito e a superação da ideia da legalidade estrita e escrita, normatização dos princípios e regras e o foco nos direitos fundamentais, temos a possibilidade da realização da Constituição no pos positivismo, que deve estar atenta a realidade, para a sua plena efetividade.

Neste sentido doutrina Konrad Hesse, que a Constituição deve estar condicionada pela possibilidade de realização do seu conteúdo :

Quanto mais suas normas partem das realidades da situação histórica e procuram conservar e aperfeiçoar aquilo que já está delineado na condição individual da atualidade, tanto mais rápido podem elas desenvolver efeito normalizador”[1].

A realização da Constituição, no pós-positivismo, em busca do ideal de Justiça, ocorre a normatização de regras e princípios, e na solução de choque de princípios, da mesma hierarquia, temos um instrumental extremamente útil, que é Teoria da Argumentação Jurídica.

Assim, no próximo tópico, veremos a definição de princípios e regras, para a seguir, situar a Teoria da Argumentação Jurídica, de como trabalha com estes importantes conceitos, no choque entre regras, e princípios constitucionais, para a escolha da decisão certa, ou melhor, da decisão mais razoável para o caso concreto.

2. A interpretação Constitucional e a Teoria da Argumentação Jurídica

A argumentação jurídica é a grande ferramenta do neoconstitucionalismo.

A nova interpretação constitucional se inspira numa concepção pós-positivista do direito, conforme visto acima.

Tem como base e fundamento qualificação das regras, e a distinção com relação aos princípios.

Referida assertiva é verificada de maneira clara na análise de concretos.

De acordo com este movimento, o direito não pode ser estudado apenas como um produto acabado, criado por uma ação legislativa, mas como processo no qual se analisa como se chega à decisão judicial. O processo de decisão precisa ser fundado em uma ótica racional do conjunto de ideias que o compõe para oferecer respostas aos operadores do Direito.

 De caráter fragmentário, a nova teoria utiliza inúmeros instrumentos para chegar à decisão do caso concreto, mais sensível ao contexto e utilizando-se de informações de outras ciências, como os da filosofia política, sociologia, filosofia e da Teoria da Linguagem, dentre outas.

Não se limita a análise aos aspectos jurídicos tradicionais.

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Sua orientação é voltada para a solução do caso e está produzindo uma revitalização da razão prática no âmbito jurídico.

Antonio Cavalcante Maia destaca que “o amadurecimento de uma cultura jurídica necessita de uma doutrina preocupada com as questões pragmáticas diuturnas, e com os pilares teóricos informadores do desenvolvimento da ciência jurídica”[2].

Após a Constitui­ção de 1988, constata-se o florescimento de um novo pensamento no direi­to constitucional brasileiro, elaborando uma maneira mais adequado de interpretar a matriz principiológica da Constituição.

Exemplo disso encontramos no trabalho cientifico desenvolvido por Willlis Santiago Guerra Filho, em sua pioneira obra sobre a Teoria da Ciência Jurídica[3], onde o preclaro mestre une a questão da metodologia à interpretação constitu­cional, e traz a experiência desenvolvida na Alemanha .

A hermenêutica jurídica não pode mais prescindir da argumenta­ção, conforme lição de Margarida Maria Lacombe Camargo, que aduz que:

 “a compreensão requerida pelo direito poderá ser realizada e apresentada concretamente, mediante o recurso técnico da argumentação, enquanto a argumentação, como instância dialógica, permite o exercício da liberdade, do confronto e do amadurecimento de idéias, em direção a uma solução jurídica nem certa nem errada, mas razoável”[4].

Encontrando-se superada sua concepção tradicional limitada a técnicas de interpretação das leis, como por exemplo a interpretação literal ou lógico-sistemática.

“A contribuição de Chaim Perelman para a metodologia do direito é fundamental neste retorno aos estudos da retórica como uma teoria da argumentação”[5], como bem estudado por Margarida Camargo.

Chaim Perelman buscou uma outra dimen­são da racionalidade, mais compatível com a vida prática. A melhor conduta para se chegar a uma decisão será a mais razoável, de forma convincente para o auditório ao qual se dirige. Escapa-se ao rigor de uma lógica formal, mas a validade da interpretação se sustenta porque eticamente correta.

A hermenêutica atual não pode mais sobreviver apenas com a operação de subsunção. Na maneira de decidir os casos mais com­plexos, chamados de casos difíceis, há que se encontrar critérios para lidar com esse novo material normativo, os princípios e regras, evitando-se uma excessiva ênfase na vontade do juiz.

Antonio Cavalcante Maia, comentando a crescente diferenciação do mundo social contemporâneo, “aponta para a necessidade de uma maior sofisticação do aparato metodológi­co dos operadores do direito. Isto tem ocasionado o aumento do inte­resse pela discussão teoria da hermenêutica e da argumentação”[6].

A necessidade de uma interpretação constitucional diferenciada do tradicional, efetua a concretização da norma constitucional. Surge o movimento pós-positivista, no qual os princípios ocupam lugar de destaque. São considerados como normas fundamentais do sistema como um todo.

A utilização de uma metodologia jurídica adequada à concretização da Constituição faz parte do movimento de dar um lugar de maior destaque na pirâmide normativa aos princípios.

Admite que decisões dos tribunais, em casos difíceis, cuja definição será dado em tópico apropriado, tenham base teórica para interpretar normas produzidas pelo poder legislativo.

Praticar a “interpretação constitucional” é diverso de interpretar a Constituição de acordo com os cânones tradicionais da hermenêutica jurídica, em bases jusprivatistas.

 A pergunta sobre o que seja “argumentação jurídica” não é pronta e fácil resposta, como adverte Manuel Atienz(ATIENZA, 2000, p. 18).

Para o autor, “a teoria da argumentação jurídica atinge três campos:

a) o da produção de normas;

b)o da aplicação de normas;

c) o da dogmática jurídica.

O primeiro se atem à fase legislativa das normas.

O segundo pretende elucidar os chamados hard cases ou casos difíceis relativos à interpretação e aplicação do direito.

O terceiro oferece aos órgãos jurídicos responsáveis pela atividade de criação e aplicação de normas, critérios auxiliares no processo de tomada de decisão, quando uma norma deva ser aplicada ao caso concreto”[7].

Todas as idéias defendidas pelos diversos teóricos da argumentação jurídica, dentro do contexto do neopositivismo, partem do fato de que as decisões jurídicas devem e podem ser justi­ficadas da melhor maneira possível. A obrigação de motivar as deci­sões judiciais, prevista textualmente no artigo 93, IX, Constituição, corolário do Estado de Direito, contribui para torná-las aceitáveis, e no contexto da Teria da Argumentação Jurídica, justificar uma decisão significa algo mais do que efetuar uma operação dedutiva que consiste em extrair uma conclusão a partir de premissas normativas e fáticas.

Robert Alexy, um dos maiores estudiosos da Teoria da Argumentação Jurídica, em obra que já se tornou clássica sobre o tema, de leitura obrigatória, suscita a questão do que seja uma fundamentação racional. Para ele, o pensamento jurídico é um caso especial do discur­so prático geral[8]. Este tópico será desenvolvido mais adiante.

Tanto Alexy como Atienza se preocupam com a cor­reção das afirmações normativas, mas o discurso jurídico é diferente porque a argumentação específica para o direito ocorre com uma série de condições limitadoras[9]. Essas condições seguem os ditames da lei, da doutrina e da jurisprudência, além das de ordem processual.

Concluindo, a Teoria da Argumentação Jurídica procura a justeza dos enunciados normativo no discurso jurídico, em face do Estado Democrático de Direito.

É um instrumental do neopositivismo, na nova interpretação constitucional, na superação dos mecanismos tradicionais da hermenêutica jurídica, em busca dos ideias máximos de Justiça.

2.1 O conceito de Princípios

É fundamental conceituar , dentro da ótica do pós positivismo, o que é princípio e regra, e qual a sua diferenciação, para termos parâmetros, e um guia seguro para a solução dos casos difíceis, dentro da Teoria da Argumentação Jurídica.

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Robert Alexy esclarece que:

“tanto regra quanto princípios são normas porque ambos dizem o que deve ser. Ambos podem ser formulados por meio de expressões deônticas básicas do dever, da permissão e da proibição. Princípios são, tanto quanto as regras, razões para juízos concretos de dever-ser, ainda que de espécie muito diferente. A distinção entre regras e princípios é, portanto, uma distinção entre duas espécies de normas[10].

Assim, conforme visto, a Constituição se vale de princípios e regras. Ambos são conteúdos de normas constitucio­nais.

Paulo de Barros Carvalho leciona que:

“princípio é palavra que frequenta com intensidade o discurso filosófico, expressando o “início”, o "ponto de origem”, o “ponto de partida”, a “hipótese-limite” escolhida como proposta de trabalho. Exprime também as formas de síntese com que se movimentam as meditações filosóficas (“ser”, “não-ser”, “vir-a-ser” e “dever-ser”), além do que tem presença obrigatória ali onde qualquer teoria nutrir pretensões científicas, pois toda ciência repousa em um ou mais axiomas (postulados). Cada “princípio”, seja ele um simples termo ou um enunciado mais complexo, é sempre susceptível de expressão em forma proposicional, descritiva ou prescritiva.”[11]

 Neste passo, partindo de linha metodológica de que principio aparece como linha diretiva que ilumina a compreensão e interpretação, temos a lição insuperável de Celso Antonio Bandeira de Mello, para definir o conceito de princípio:

Princípio é, pois, por definição, man­damento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas, compondo-lhes o espírito e servindo de critério para exata compreensão e inteligên­cia delas, exatamente porque define a lógica e a racionalidade do sistema normativo, conferindo-lhe a tónica que lhe dá sentido har­mónico”. Eis porque: “violar um princípio é muito mais grave que transgredir uma norma. A desatenção ao principio implica ofensa não apenas a um específico mandamento obrigatório, mas a todo o sistema de comandos. E a mais grave forma de ilegalidade ou inconstitucionalidade, conforme o escalão do principio violado, por­que representa insurgéncia contra todo o sistema, subversão de seus valores fundamentais, contumélia irremissível a seu arcabouço lógi­co e corrosão de sua estrutura mestra”[12].

Assim, na esteira do pensamento de Roque Antonio Carraza, que completando as lições de Celso Antonio Bandeira de Mello, que de forma concisa , “afirmou generalidade, ocupa posição de preeminência nos vastos quadrantes do Direito e, por isso mesmo, vincula, de modo inexorável, o entendimento e a aplicação das normas jurídicas que com ele se conectam[13].

Definido princípio, passamos a conceituar regra, e sua diferenciação.

2.2. Das regras e a diferenciação de princípios

Define Humberto Ávila:

“As regras são normas imediatamente descritivas, primariamen­te retrospectivas e com pretensão de decidibilidade e abrangência, para cuja aplicação se exige a avaliação da correspondência, sempre centrada na finalidade que lhes dá suporte e nos princípios que lhes são axiologicamente sobrejacentes, entre a construção conceituai da descrição normativa e a construção conceituai dos fatos.”[14]

Canotilho, aduz sobre a complexidade de definição entre regras e princípios e sugere vários critérios, para sua diferenciação, e denotação, para se ter noção do que seja regra:

a) “Grau de abstracção: as regras possuem uma abstracção relativamente reduzida .

b) Grau de determinabilidade na aplicação do caso concreto: as regras são susceptíveis de aplicação directa

c) «Proximidade» da ideia de direito: as regras podem ser normas vinculativas com um conteúdo meramente funcional

d) Natureza normogenética: os princípios são fundamento de regras, isto é, são normas que estão na base ou constituem a ratio de regras jurídicas, desempenhando, por isso, uma função normogenética fundamentante.”[15]

Neste sentido, em relação a natureza normogenética , é a doutrina de Tercio Sampaio Ferraz, ao lecionar que, teoricamente, pode-se dizer que:

princípios são pautas de segundo grau que presidem a elaboração de regras de primeiro grau. Isto é, princí­pios são prescrições genéricas, que se especificam em regras. Essa distinção, formulada em tese, não é fácil, porém, de ser sustentada na análise do texto constitucional. A terminologia, mesmo teoricamente, não é pacífica – o que exige um esclarecimento terminológico”[16]

E o preclaro mestre, reconhece que não é fácil sustentar teoricamente a distinção entre princípios e regras.

Ana Paula de Barcellos , em obra de folego, sobre a eficácia dos princípios constitucionais, faz perguntar pertinente:

“Que critérios podem ser objetivamente apresentados para distinguir regras e princípios? Se o fato de um enunciado assumir o caráter de um princípio ou de uma regra acarreta tantas conseqüências importantes para sua interpretação e aplicação — o que corresponde à realidade, como se verá —, é razoável que, antes de qualquer outra coisa, se seja capaz de distinguir essas duas catego­rias.

Muitos critérios têm sido apresentados para operar essa distin­ção entre princípios e regras, valendo percorrê-los, ainda que bre­vemente. Como se poderá perceber com facilidade, alguns deles são mais consistentes que outros; nada obstante, todos contribuem para formar um quadro mental mais preciso, menos intuitivo, acer­ca da distinção entre princípios e regras.[17]

No choque de princípios, entre princípios e regras, é que vamos encontrar o campo fértil da interpretação constitucional e tendo como um instrumento útil a Teoria da Argumentação Jurídica.

3. Teorias do Discurso Prático:

Dentre as diversas Teorias aplicadas na argumentação jurídica, daremos destaques as duas que considero as mais importantes, que influenciaram todo o movimento na mudança de paradigmas, e a evolução de um novo conceito , na aplicação do Direito, na superação dos conceitos tradicionais.

Trata-se da Teoria da argumentação de Chaim Perelman, e do professor Robert Alexy, da Universidade Christian Albrechts, em Kiel, Alemanha.

Conforme noticia Alexy:

 “ o filósofo e jurista Chaim Perelman, nascido em Varsóvia e professor durante muito tempo em Bruxelas, começou realizando estudos sobre o lógico Gottlob Frege. Logo se dedicou à análise lógica de juízos de valor e de conceitos valorativos. Chegou à conclusão de que os juízos de valor não se podem fundamentar somente mediante obser­vações empíricas (naturalismo) nem por meio de evidências de qualquer tipo (intuicionismo). Em seu estudo sobre a justiça, que apareceu em 1945, chegou, com isto, ao resultado de que pelo menos os princípios básicos de qualquer sistema normativo são arbitrários. Todavia, Perelman não se contentou com isso. Desde os anos cinqüenta, tenta mostrar, numa teoria da argumentação, que, além da comprovação empírica e da dedução lógica, existe ainda toda uma série de possibilidades de argumen­tação e fundamentação racional. Em especial, assegura a ideia de que a possibilidade do uso prático da razão pode-se mostrar numa teoria geral da argumentação”[18].

Assim, passamos, sem maiores delongas, a fazer um resumo da Teoria da argumentação de Chaim Perelman, para logo a seguir, esboçar a Teoria da Argumentação Jurídica, do Discurso Racional como Teoria da Fundamentação Jurídica, de Robert Alexy, por nós adotada.     

3.1. A Teoria da argumentação de Chaim Perelman

O conceito fundamental da teoria de Perelman é o de auditório, sendo este um conjunto daqueles sobre os quais o orador quer influenciar por meio de sua argumentação.

O papel do auditório é o que distingue a argumentação da demonstração, sendo a demonstração a dedução lógica.

Alexy destaca resultados importantes da obra perelmaniana:

“Assim, mostrou-se a existência de um estrito parentesco entre o conceito habermasiano de situação ideal de fala e o perelmaniano de auditório universal. Segundo ambas as concepções, uma norma (regra etc.) é suscetível de generalização se todos podem estar de acordo com ela. De grande interesse é, ademais, que Perelman, por um lado, oriente a argumentação racional de acordo com a ideia de uni­versalidade, mas a vincule, por outro lado, ao estado social e historicamente dado das concepções e atitudes. A argumentação não pode partir do nada nem começar em qualquer ponto. Busca chegar, a partir do faticamente dado como concepções e atitu­des, mediante um processo de elaboração racional, a resultados aceitáveis de maneira geral.Por isso, frequentemente não se pode indicar um resultado como o único e correto de maneira definitiva. Isso obriga a uma abertura à crítica e à tolerância”[19].

Apesar da estrutura lógica de uma justiça for­mal, apresentada por Perelman como a única justiça possí­vel segundo a igualdade, o autor rompe com a postura positivista-kelseniana e anteve o ordenamento jurídi­co firmado sobre uma pauta valorativa. E sendo os valores por natureza arbitrários, nenhum sistema, por mais adiantado que seja, pode ser inteiramente lógico e eliminar toda a sua arbitrariedade.

É o grande rompimento do positivismo tradicional.

Assim, os princípios gerais de um sistema, em vez de afirmarem o que é, determinam o que vale, mas de forma arbitrária e não fundamentalmente ló­gica, na visão de Kelsen quando apresenta a sua norma fun­damental, que também parte de um ponto arbitrário.

Os valores é que nos permitirão justificar as regras e princípios, e permitir a existência da justiça, pois, segundo Perelman, só o acordo sobre os valores nos permite justificar as regras, eliminando tudo o que favorece ou desfavorece arbitrariamente os membros de certa catego­ria essencial.

E uma vez existindo referido consenso, a possibili­tar o desenvolvimento racional do sistema normativo, as regras a ele estranhas é que poderão ser tidas como arbitrá­rias.

Disso resulta o relativismo jurídico de Perelman, que não reconhece a justiça como valor absoluto, possível de ser fundamentado unicamente na razão, mas relativo, porque fruto da vontade.

 Portanto, a justiça, enquanto mani­festação da razão na ação, deve contentar-se com um de­senvolvimento formalmente correto de um ou de vários valores.

Perelman é levado a distinguir três componentes da justiça: o valor que a fundamenta, a regra que a enuncia e o ato que a realiza.

Os dois últimos componentes, são os únicos que podemos submeter a exigências racionais: podemos exigir do ato, que seja regular e que trate da mesma forma os seres inte­grantes da mesma categoria essencial; podemos requerer que a regra seja justificada e que decorra logicamente do siste­ma normativo adotado, mas quanto ao valor que funda­menta o sistema normativo, não o podemos submeter a nenhum critério racional, pois ele é arbitrário e logicamen­te indeterminado. Com efeito, embora qualquer valor pos­sa servir de fundamento para um sistema de justiça, esse valor, em si mesmo, não é justo. O que podemos qualificar de justas são as regras que ele determina e os atos que são conformes a essas regras.

Porém, ainda que diante da impossibilidade de pensar logicamente sobre os valores, o autor não se mostra insen­sível àquelas situações em que a aplicação regular e unifor­me da lei acarreta injustiça. Para os casos em que a lei não se mostre suficiente como parâmetro de justiça, o autor sugere o recurso à eqüidade, que funciona como elemento corretivo às insuficiências do formalismo legal. Perelman define eqüidade como a “muleta da justiça”, a ser utilizada para evitar que ela fique manca e de todo vulnerável.

Passamos agora a estudar a Teoria do Discurso prático racional geral de Roberto Alexy.

3.2. A Teoria do Discurso pratico Racional Geral de Robert Alexy.

Robert Alexy desenvolve regras de argumentação, racional e pratica, dentro da Teoria da Argumentação Juridica, e dentro as formas e discurso jurídico, elenca regras e esquemas lógicos, e esclarece, em relação as regras de argumentação dogmática:

Todo enunciado dogmático , se é posto em duvida, deve ser fundamentado, mediante o emprego, pelo menos, de um argumento pratico do tipo geral; todo enunciado dogmático deve enfrentar uma comprovação sistemática, tanto em sentido estrito como em sentido amplo, e se são possíveis argumentos dogmáticos, devem ser usados”[20].

Conclui sua obra com as seguintes observações:

A explicação do conceito de argumentação jurídica racional nesta investigação mediante a descrição de uma série de regras a serem seguidas e de formas que devem ser adotadas pela argumentação satisfazer a pretensão que nela se formula. Se uma discussão corresponde a essas regras e formas, o resultado alcançado pode ser designado “correto”. As regras e formas do discurso jurídico constituem por isso critério de correção para as decisões jurídicas.

Finalmente, não se deve subestimar a função da teoria do discurso jurídico racional como definição de um ideal. Como ideal vai além do âmbito da Ciência do Direito. Os juristas podem certamente contribuir para a realização da razão e da justiça, mas não podem fazer isso sozinhos, o pressupõe uma ordem social racional e justa”[21].

Assim, adotando-se as ideias de Alexy, argumentação jurídica é um caso especial da teoria da argumentação. Como tal, deve obedecer às regras do discurso racional: as conclusões devem decorrer logicamente das premissas, não se admite o uso da força ou da coação psicológica, deve-se observar o princípio da não contradição, o debate deve estar aberto a todos, dentre outras. Paralelamente, outras regras específicas do discurso jurídico deverão estar presentes, como a preferência para os ele­mentos normativos do sistema, o respeito às possibilidades semânticas dos textos legais, a deferência para com as deliberações majoritárias válidas e a observância dos precedentes, para citar alguns exemplos.

3.3. A Teoria da Argumentação Juridica, como instrumento de interpretação no pós positivismo.

A argumentação faz parte do mundo jurídico, que é feito de linguagem, racionalidade e convencimento. Todos os participantes do processo apresentam argumentos e a fundamentação é requisito essencial da decisão judicial. No entanto a interpretação jurídica lida com casos fáceis e com casos difíceis. Os casos fáceis podem ser decididos com base na lógica for­mal, dedutiva, aplicando-se a norma pertinente aos fatos, mediante subsunção. Nos casos difíceis, porém, a solução precisa ser construída tendo em conta elementos que não estão integralmente contidos nos enunciados normativos aplicáveis. Valorações morais e políticas precisarão integrar o itinerário lógico da produção da decisão. Este é o ambiente típico da argumentação jurídica.

Argumentação é a atividade de fornecer razões para a defesa de um ponto de vista, o exercício de justificação de determinada tese ou conclusão. Trata-se de um processo racional e discursivo de demonstração da correção e da justiça da solução proposta, que tem como elementos fundamentais: (i) a linguagem, (ii) as premissas que funcionam como ponto de partida e (iii) regras norteadoras da passagem das premissas à conclusão. A necessidade da argumentação se poten­cializa com a substituição da lógica formal ou dedutiva pela razão prática, e tem por finalidade propiciar o controle da racionalidade das decisões judiciais.

As diferentes teorias da argumentação jurídica têm por objetivo estruturar o raciocínio jurídico, de modo a que ele seja lógico e transparente, aumentando a racionalidade do processo de aplicação do Direito e permitindo um maior controle da justificação das decisões judiciais.

O crescimento da importância da argumentação jurídica na hermenêutica e na filosofia do Direito tem motivações associadas à filosofia política e à filo­sofia moral. No plano político, o debate se reconduz à onipresente questão da legitimidade democrática da atividade judicial: na medida em que se reconhe­ce que o juiz participa criativamente da construção da norma, o fundamento de sua atuação já não pode repousar exclusivamente no princípio da separação de Poderes. A argumentação, a demonstração racional do itinerário lógico percorrido, o esforço de convencimento do auditório passam a ser fonte de legitimação e controlabilidade da decisão. No plano moral, já não se aceita, sem ojeção profunda, que qualquer decisão emanada da autoridade competente seja legítima. Cada vez mais se exige sua justificação racional e moral, vale dizer, sua justiça intrínseca.

 A principal questão formulada pela teoria da argumentação pode ser facilmente visualizada nesse ambiente: se há diversas possibilidades interpretativas acerca de uma mesma hipótese, qual delas é a correta? Ou, ainda que não se possa falar de uma decisão correta, qual (ou quais) delas é(são) capaz(es) de apresentar uma fundamentação racional consistente? Como ve­rificar se determinado argumento é melhor do que outro?

Existem incontáveis propostas de critérios para orientar a argumentação jurídica.

 A matéria, por suas implicações e complexidades, transformou-se em um domínio autônomo e altamente espe­cializado. Por ilustração, são estudados brevemente três parâmetros que se consideram pertinentes e recomendáveis: a) a necessidade de fundamentação normativa; b) a necessidade de respeito à integridade do sistema; c) o peso (relativo) a ser dado às conseqüências concretas da decisão.

Em primeiro lugar, a argumentação jurídica deve ser capaz de apresentar fundamentos normativos (implícitos que sejam) que lhe deem sustentação. O intérprete deve respeito às normas jurídicas – i.e., às deliberações majoritárias positivadas em um texto normativo -, à dogmática jurídica – i.e., aos conceitos e categorias compartilhados pela doutrina e pela jurisprudência, que, mesmo não sendo unívocos, têm sentidos mínimos – e deve abster-se de voluntarismos. Não basta, portanto, o senso comum e o sentido pessoal de justiça: é necessário que juízes e tribunais apresentem elementos da ordem jurídica que embasem tal ou qual decisão. Em suma: a argumentação jurídica deve preservar exata­mente o seu caráter jurídico – não se trata de uma argumentação que possa ser estritamente lógica, moral ou política.

Em segundo lugar, a argumentação jurídica deve preservar a integridade do sistema. Isso significa que o intérprete deve ter compromisso com a unidade, com a continuidade e com a coerência da ordem jurídica. Suas decisões, portan­to, não devem ser casuísticas ou idiossincráticas, mas universalizáveis a todos os casos em que estejam presentes as mesmas circunstâncias, bem como inspiradas pela razão pública. Além disso, o intérprete deve procurar observar os preceden­tes e impedir variações não fundamentadas de entendimento. De fato, o respeito à jurisprudência é uma forma de promover segurança jurídica e de resguardar a isonomia. O juiz não pode ignorar a história, as sinalizações pretéritas e as ex­pectativas legítimas dos jurisdicionados. Na boa imagem de Ronald Dworkin, a prática judicial é como um "romance em cadeia", escrito em vários capítulos, em épocas diferentes. É possível exercer a própria criatividade, mas sem romper com a integridade do Direito. Guinadas no enredo serão sempre possíveis – para fazer frente a novas realidades ou mesmo para corrigir um juízo anterior que se reputa equivocado -, mas deverão ser cuidadosamente justificadas e poderão ter seus efeitos limitados ou adiados para evitar injustiças flagrantes.

Em terceiro lugar, o intérprete constitucional não pode perder-se no mundo jurídico, desconectando-se da realidade e das conseqüências práticas de sua atuação. Sua atividade envolverá um equilíbrio entre a prescrição normativa (deontologia), os valores em jogo (filosofia moral) e os efeitos sobre a realida­de (consequencialismo). Por certo, juizes e tribunais não podem lançar mão de uma argumentação inspirada exclusivamente pelas conseqüências práticas de suas decisões. Pelo contrário, devem ser fiéis, acima de tudo, aos valores e princípios constitucionais que lhes cabe concretizar. Nada obstante isso, o juiz constitucional não pode ser indiferente à repercussão de sua atuação sobre o mundo real, sobre a vida das instituições, do Estado e das pessoas.

Aqui vale fazer uma nota. Os três parâmetros de argumentação expostos acima estão relacionados com um dos problemas suscitados pela teoria da ar­gumentação, talvez o principal deles: a verificação da correção ou validade de uma argumentação que, consideradas certas premissas fáticas e a incidência de determinadas normas, conclui que uma conseqüência jurídica deve ser aplica­da ao caso concreto. Isto é: cuida-se aqui do momento final da aplicação do Direito, quando os fatos já foram identificados e as normas pertinentes selecio­nadas. Isso não significa, porém, que esses dois momentos anteriores – seleção de fatos e de enunciados normativos – sejam auto evidentes. Ao contrário.

Desse modo, fica apenas o registro de que, além da questão posta acima, outros dois problemas que têm ocupado os estudiosos da argumentação jurídica envolvem exatamente a seleção das normas e dos fatos que serão considerados em determinada situação. Com efeito, não é incomum, diante de um caso, que alguns fatos sejam considerados relevantes e outros, ignorados. Que critérios levam o intérprete a dar relevância jurídica a alguns eventos e preterir outros?

Também a seleção da norma ou normas aplicáveis, isto é, o estabelecimento da premissa normativa, nem sempre é um evento simples. A pergunta aqui, que muitas vezes não terá uma resposta unívoca, pode ser formulada nos seguintes termos: que normas são pertinentes ou aplicáveis ao caso?

Em suma, o controle da racionalidade, correção e justiça do discurso jurídico suscita questões diversas e complexas, que envolvem a compreensão do Direito, a seleção dos fatos e o exame das diversas soluções possíveis. Desnecessário dizer que se vive um tempo de perda na objetividade e na previsibilidade da interpretação em geral, com redução da segurança jurídica (ou da antiga percepção de segurança jurídica, que talvez fosse superestima­da). Atente-se, porém, que as diferentes categorias da nova interpretação, não são a causa da insegurança. Justamente ao con­trário, procuram elas lidar racionalmente com as incertezas e angústias da pós-modernidade – marcada pelo pluralismo de concepções e pela velocidade das transformações – e de uma sociedade de massas, de riscos e de medos.

No ambiente da colisão, da ponderação e da argumentação, frequentemen­te não será possível falar em resposta correta para os problemas jurídicos pos­tos, mas sim em soluções argumentativamente racionais e plausíveis. A legiti­mação da decisão virá de sua capacidade de convencimento, da demonstração lógica de que ela é a que mais adequadamente realiza a vontade constitucional in concreto. Não é incomum a ocorrência de idas e vindas durante a tramitação processual, com reconsiderações e reformas dos pronunciamentos judiciais.

Havendo a colisão dos direitos fundamentais à li­berdade de expressão e de informação com os direitos da personalidade à pri­vacidade, à honra e à imagem, utiliza-se a técnica da ponderação.

 Não se trata de um caso fácil, por envolver um conflito de direitos funda­mentais, sem que o ordenamento forneça, em tese, a solução constitucional­mente adequada. O juiz, portanto, terá de realizar a ponderação entre os va­lores em conflito, fazendo concessões recíprocas e/ou escolhas. E, reconheça-se, pessoas esclarecidas e de boa-fé poderão produzir soluções diferentes para o problema.

O domínio da colisão dos direitos fundamen­tais, da ponderação e da construção argumentativa da norma concreta não é feito de verdades plenas ou de certezas absolutas. Ele é influenciado não apenas pela maior ou menor complexidade das normas e dos fatos envolvidos, como também pela pré-compreensão do intérprete e pelos valores morais e políticos da sociedade. O que se pode dizer é que a argumentação desenvolvida é dota­da de lógica e racionalidade suficientes para disputar a adesão do auditório, isto é, da comunidade jurídica e da sociedade em geral. Esse é o mínimo e o máxi­mo que se pode pretender na busca da solução constitucionalmente adequada para os casos difíceis.

4. A Técnica da ponderação utilizada pela Teoria da Argumentação jurídica para a solução de casos difíceis.

A Teoria da Argumentação jurídica, para a solução dos casos difíceis , utiliza a técnica da ponderação.

Assim, é interessante discorrer sobre o que seja ponderação, e sua utilização para a solução dos casos difíceis, onde ocorra conflitos e choques de princípios e regras, com a possibilidade de uma resposta razoável.

Por muito tempo, a subsunção foi o raciocínio padrão na aplicação do Direi­to. Como se sabe, ela se desenvolve por via de um raciocínio silogístico, no qual a premissa maior – a norma – incide sobre a premissa menor – os fatos -, produ­zindo um resultado, fruto da aplicação da norma ao caso concreto.

Esse tipo de raciocínio jurídico continua a ser fundamental para a di­nâmica do Direito, para a solução de casos fáceis. Mas não é suficiente para lidar com as situações que envolvam colisões de princípios, regras , envolvendo os direitos fundamentais.

De fato, nessas hipóteses, mais de uma norma postula aplicação sobre os mesmos fatos. Vale dizer: há várias premissas maiores e apenas uma premissa menor. Como intuitivo, a subsunção, na sua lógica unidirecional (premissa maior => premissa menor => conclusão), somente poderia trabalhar com uma das normas, o que importaria na eleição de uma única premissa maior, descar­tando-se as demais.

Referida solução, porem, não é constitucionalmente ade­quada, em razão do princípio da unidade da Constituição, que nega a existên­cia de hierarquia jurídica entre normas constitucionais.

Como conseqüência, a interpretação constitucional viu-se na contingência de desenvolver técnicas capazes de produzir uma solução dotada de racionali­dade e de controlabilidade diante de normas que entrem em rota de colisão.

O raciocínio a ser desenvolvido nessas situações haverá de ter uma estrutura di­versa, que seja capaz de operar multidirecionalmente, em busca da regra con­creta, ou do princípio aplicado, que vai reger a espécie.

 Os inúmeros elementos em jogo serão considera­dos na medida de sua importância e pertinência para o caso concreto.

De acordo com ilustração de Luís Roberto Barroso:

 “a subsunção é um quadro geométrico, com três cores distintas e nítidas. A ponderação é uma pintura moderna, com inúmeras cores sobrepostas, algumas se destacan­do mais do que outras, mas formando uma unidade estética. Ah, sim: a ponde­ração malfeita pode ser tão ruim quanto algumas peças de arte moderna”.[22]

A ilustração acima expressa, de maneira figurativa, o que se convencionou denominar ponderação.

 Esta consiste em uma técnica de decisão jurí­dica, aplicável a casos difíceis, em relação aos quais a subsunção se mostrou insuficiente.

A Teoria da Argumentação Jurídica, vai se utilizar desta técnica, para a solução dos casos difíceis, principalmente quanto houve choques de princípios fundamentais, acima estudados.

 A insuficiência se deve ao fato de existirem normas de mesma hierarquia indicando soluções diferenciadas, como no caso de princípios e regras constitucionais.

 Nos últimos tempos, a jurispru­dência do Supremo Tribunal Federal, incorporou essa técnica à roti­na de seus pronunciamentos.

De maneira singela, é possível descrever a ponderação como um processo com três fases, adotando-se a lição de Luís Roberto Barroso[23]:

Na primeira fase, cabe ao intérprete detectar no sistema as normas rele­vantes para a solução do caso, identificando eventuais conflitos entre elas. Como se viu, a existência dessa espécie de conflito – insuperável pela subsunção – é o ambiente próprio de trabalho da ponderação.

Ainda neste estágio, os diversos fundamentos normativos – isto é, as diversas premissas maiores pertinentes – são agrupados em função da solução que es­tejam sugerindo. Ou seja: aqueles que indicam a mesma solução devem formar um conjunto de argumentos.

O propósito desse agrupamento é facilitar o tra­balho posterior de comparação entre os elementos normativos em jogo.

Na segunda fase, cabe examinar os fatos, as circunstâncias concretas do caso e sua interação com os elementos normativos.

 Embora os princípios e regras tenham uma existência autôno­ma, em tese, no mundo abstrato dos enunciados normativos, é no momento em que entram em contato com as situações concretas que seu conteúdo se preencherá de real sentido.

 Assim, o exame dos fatos e os reflexos sobre eles das normas identificadas na primeira fase poderão apontar com maior clareza o papel de cada uma delas e a extensão de sua influência.

Até aqui, na verdade, nada foi solucionado . Identificação das normas aplicáveis e compreensão dos fatos relevantes fazem parte de todo e qualquer processo interpretativo, sejam os casos fáceis, sejam difíceis.

É na terceira fase que a ponderação irá singularizar-se, em oposição à subsunção.

Os princípios, por sua estrutura e natureza, e observados determinados limites, podem ser aplicados com maior ou menor intensidade, à vista de circunstâncias jurídicas ou fáticas, sem que isso afete sua validade.

Assim, nessa fase dedicada à decisão, os diferentes grupos de normas e a repercussão dos fatos do caso concreto estarão sendo examinados de forma conjunta, de modo a apurar os pesos que devem ser atribuídos aos diversos elementos em disputa e, portanto, o grupo de normas que deve preponderar no caso. Em seguida, será preciso ainda decidir quão intensamente esse grupo de normas – e a solução por ele indicada – deve preva­lecer em detrimento dos demais, isto é: sendo possível graduar a intensidade da solução escolhida, cabe ainda decidir qual deve ser o grau apropriado em que a solução deve ser aplicada. Todo esse processo intelectual tem como fio condutor o princípio da proporcionalidade ou razoabilidade.

A ponderação, como estabelecido acima, socorre-se do princípio da razoabilidade-proporcionalidade para promover a máxima concordância prática entre os direitos em conflito.

Idealmente, o intérprete deverá fazer concessões recíprocas entre os valores e interesses em disputa, preservando o máximo pos­sível de cada um deles. Situações haverá, no entanto, em que será impossível a compatibilização. Nesses casos, o intérprete precisará fazer escolhas, determi­nando, in concreto, o princípio ou direito que irá prevalecer.

5. Conclusões

Para finalizar este opúsculo, concluímos que:

A realização da Constituição, no pós-positivismo, em busca do ideal de Justiça, ocorre a normatização de regras e princípios, e na solução de choque de princípios, da mesma hierarquia, temos um instrumental extremamente útil, que é Teoria da Argumentação Jurídica.

A argumentação jurídica é a grande ferramenta do neoconstitucionalismo.

A nova interpretação constitucional se inspira numa concepção pós-positivista do direito, conforme visto acima. Tem como base e fundamento qualificação das regras, e a distinção com relação aos princípios.

A contribuição de Chaim Perelman para a metodologia do direito é fundamental neste retorno aos estudos da retórica como uma teoria da argumentação: A ideia de que o Direito é uma realidade dinâmica e que consiste não tanto – ou não somente – em uma série de normas ou de enunciados de diversos tipos, quanto – ou também — em uma prática social complexa que inclui, além de normas, procedimentos, valores, ações, agentes etc.

A importância que se concede à interpretação que é vista, mais que como resultado, como um processo racional e formador do Direito

A Teoria da Argumentação Jurídica procura a justeza dos enunciados normativo no discurso jurídico, em face do Estado Democrático de Direito. É um instrumental do neopositivismo, na nova interpretação constitucional, na superação dos mecanismos tradicionais da hermenêutica jurídica, em busca dos ideias máximos de Justiça.

 

Referências Bibliográficas

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MAIA, Antonio Cavalcanti, “Pós-fácio…” in CAMARGO, Margarida, Hermenêu­tica…, p. 284.

 

Notas:

[1] HESSE, Konrad. Elementos de Direito Constitucional da República Federal da Alemanha. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1998, p.48.

[2] MAIA, Antonio Cavalcanti, “Pós-fácio…” in CAMARGO, Margarida, Hermenêu­tica…, p. 284.

[3] GUERRA FILHO, Willlis Santiago, Teoria da Ciência Jurídica, São Paulo, Ed. Saraiva, 2001, p. 115.

[4] CAMARGO, Margarida Maria Lacombe de , “Hermenêutica e Argumentação”, Rio de Janeiro, Editora Renovar, 3ª tiragem, 2011, p.8.

[5] Ibid., p.193

[6] in pos-facio, CAMARGO, 3ª tiragem, 2011, p.284

[7] ATIENZA, Manuel, As razões do direito, trad. Maria Cristina Guimarães Cuper­tino, São Paulo, Landy, 2000, p. 18-19.

[8] ALEXY, Robert. Teoria da Argumentação Jurídica. Tradução Zilda Hutchinson Schikd Silva, Rio de Janeiro. Forense, 3ª edição, 2011, p.284.

[9] Ibid., p.26-27.

[10] Ibid., p.87.

[11] CARVALHO, Paulo de Barros – “Direito Tributário Linguagem e Método”, 2011, Sâo Paulo, Editora Noeses, 4ª edição, pag. 264.

[12] BANDEIRA DE MELLO, Celso Antonio. São Paulo, Malheiros Editores, 29ª edição, 2012, p.54.

[13] CARRAZA, Roque Antonio – “Curso de Direito Constitucional Tributário” , 26ª edição, 2010, São Paulo, Malheiros Editores, p.44-45.

[14] ÁVILA, Humberto “ Teoria dos Princípios”, 2012, 13ª edição, São Paulo , Malheiros Editores, p.203.

[15] CANOTILHO, J.J. Gomes, “Direito Constituição e Teoria da Constituição”, 2003, 7ª edição, Coimbra: Edições Almedina, p. 1160-1161.

[16] FERRAZ JR, Tércio Sampaio – “Sistema Tributário e princípio federativo”, in Direito Constitucional . 2007.São Paulo: Editora Manole Ltda, p.337.

[17] BARCELLOS, Ana Paula. A Eficácia jurídica dos princípios constitucionais. 3ª edição. Rio de Janeiro: Renovar, 2011, p.52.

[18] ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais . 2ª edição – São Paulo: Malheiros, 2012,p.157.

[19] Ibid., p. 173.

[20] ALEXY, Robert. Teoria da Argumentação Jurídica. Tradução Zilda Hutchinson Schikd Silva, Rio de Janeiro. Forense, 3ª edição, 2011, p.292.

[21] ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais . 2ª edição – São Paulo: Malheiros, 2012, p. 284-286.

[22] BARROSO, Luís Roberto. Curso de Direito Constitucional Contemporâneo. 3ª edição- São Paulo: Saraiva, 2011, p. 358.

[23] Ibid., p. 358-359.



Informações Sobre o Autor

Eliane Aparecida Dorico

Advogada Tributária Especialista e Mestranda em Direito Tributário pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo


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