Resumo: O presente artigo tem como finalidade discutir as características do empresário individual, iniciando o estudo pela análise da teoria da empresa adotada pelo Código Civil de 2002, como forma de se chegar ao conceito de empresa e diferenciá-lo dos demais conceitos envolvidos. Realizado este exame, serão examinadas as principais características da figura do empresário individual.
Palavras Chaves: Teoria da empresa. Empresa. Empresário individual.
Abstract: This article aims to discuss the characteristics of the individual businessman, initiating the study by analyzing the theory of the firm adopted by the Civil Code of 2002, as a way to get to the concept of firm and differentiate it from other concepts involved. This test will examine the main features of the figure of the individual entrepreneur.
Keywords: Theory of the firm. Company. Individual businessman.
Sumário: 1. Teoria da empresa. 2. Natureza jurídica do empresário individual. 3. Pessoas excluídas do conceito de empresário. 4. Empresário rural. 5. Obrigatoriedade do Registro. 6. Capacidade para ser empresário. 7. Empresário individual incapaz. 8. Pessoas impedidas. 9. Empresário individual casado. Considerações Finais. Referências bibliográficas.
1. Teoria da empresa
O Segundo Livro do Código Civil Brasileiro, artigos 966 ao 1.195, é dedicado ao Direito de Empresa, onde se encontram as disposições relativas aos empresários, as sociedades simples e empresárias, ao estabelecimento empresarial e institutos complementares.
O Código Civil promulgado em 2002 adotou a chamada teoria da empresa em substituição a ultrapassada teoria dos atos de comércio de origem francesa, que adotava como forma de distinção entre as sociedades civis e comerciais unicamente a natureza da atividade desenvolvida pelo empreendedor.
Na antiga teoria dos atos do comércio, base do Código Comercial Brasileiro de 1850, era necessário verificar se a atividade explorada pelo comerciante era um ato comercial ou um ato civil para, assim, defini-lo. Como exemplo, uma sociedade agrícola, mesmo possuindo organização dos fatores de produção, não era considerada sociedade comercial por ser, a agricultura, uma atividade civil. Eram considerados atos de comércio as operações de câmbio, banco, corretagem, os seguros, fretamentos, espetáculos públicos, entre outras.
Já a teoria da empresa, de origem italiana, adota como critério de identificação do empresário a forma de organização dos fatores de produção (capital, trabalho, insumos e tecnologia) para o exercício da atividade econômica com a finalidade de produção ou circulação de bens ou serviços. Na teoria da empresa a discussão sobre a natureza da atividade está na forma[1], ou melhor, na existência ou não de estrutura empresarial[2], em que o empreendedor exerce a atividade econômica.
O Código Civil Brasileiro de 2002, assim como o Código Civil Italiano, também não estabeleceu o conceito de empresa[3], mas conceituou, em seu artigo 966, o empresário como sendo aquele que exerce profissionalmente atividade econômica organizada para a produção ou circulação de bens ou de serviços. Definiu também, no artigo 1.142, que estabelecimento empresarial é o complexo de bens organizados, para o exercício da empresa, por empresário ou sociedade empresária.
Portanto, verifica-se que, cabe ao jurista, a partir dos elementos contidos no conceito de empresário estabelecido no artigo 966 do Código Civil, extrair o conceito de empresa.
Diante do dilema sobre a formação do conceito de empresa, o jurista italiano, Alberto Asquini[4], apresentou empresa como sendo um “fenômeno econômico poliédrico” composto de ao menos quatro perfis: (i) perfil subjetivo, correspondente ao empresário ou sociedade empresária; (ii) perfil funcional, como a atividade organizada para produção e circulação de mercadorias ou serviços; (iii) perfil objetivo, ou patrimonial como o estabelecimento; (iv) perfil corporativo, a empresa como instituição.
Erasmo Valladão[5] adverte que considerando empresa como um fenômeno poliédrico, apresentando-se ao Direito por diversos perfis, a palavra empresa é usualmente empregada de forma ambígua, pois, ora é utilizada no sentido de sujeito de direito, ora no sentido de estabelecimento e ora no seu sentido técnico de atividade.
A moderna doutrina comercial, diante dos ensinamentos de Asquini, entende que o conceito de empresa, em seu sentido técnico, encontra-se apenas no perfil funcional, visto que a empresa é tida como “a atividade econômica organizada pelo empresário com a finalidade de produção ou circulação de bens e serviços", apresentando-se os demais perfis como conceitos relativos a outros institutos jurídicos próprios, tais como o empresário, descrito no perfil subjetivo e o estabelecimento empresarial como sendo o perfil objetivo. Assim, pode se dizer que empresa, empresário e estabelecimento são conceitos que não se confundem.
O perfil corporativo, observa a empresa como uma instituição, não deriva exatamente de um conceito jurídico próprio, mas de ideologias, segundo as quais a empresa é unidade geradora de riquezas ao empresário e, ao mesmo tempo, ultrapassa os interesses próprios do empresário, pois o seu exercício atinge outros interesses conexos, tais como dos empregados, da comunidade que em que se localiza, entre outros.
Nas palavras de Sergio Campinho[6], a empresa “manifesta-se como uma organização técnico-econômica, ordenando o emprego de capital e trabalho para a exploração, com fins lucrativos, de uma atividade produtiva”. No mesmo passo, Fábio Ulhoa Coelho[7] também conceitua empresa como atividade econômica organizada de produção ou circulação de bens ou serviços e, sendo uma atividade, a empresa não tem natureza jurídica de sujeito de direito nem de coisa. Arnoldo Wald[8] acrescenta que a empresa “configura-se como atividade econômica e envolve uma gama muito maior de interesses, tais como dos empregados, dos consumidores, do Fisco, etc”.
Conclui-se, portanto, que na moderna visão do direito comercial, a empresa é vista como a atividade exercida pelo empresário, este sim, sujeito de direito[9] e obrigações, que organiza, de forma profissional, os fatores de produção (capital, trabalho, insumos e tecnologia) com a finalidade de produção ou circulação de bens ou serviços. A empresa, como atividade, não possui personalidade jurídica própria, ela é apenas a atividade exercida pelo empresário ou sociedade empresária.
O artigo 966 do Código Civil, em que está positivado o conceito de empresário, traz em sua redação as características essenciais da atividade empresarial e do empresário. In verbis:
Art. 966. Considera-se empresário quem exerce profissionalmente atividade econômica organizada para a produção ou a circulação de bens ou de serviços.
Como se vê, o empresário deve exercer a sua atividade, a empresa, de forma organizada e profissional. Ou seja, ele deve organizar o caixa da empresa, o trabalho dos seus colaboradores, a utilização da matéria prima, entre outras necessidades da empresa para o regular exercício e, assim, produzir e circular bens ou serviços.
Importante destacar a lição de Túlio Ascarelli[10] que, ao analisar o conceito de atividade, deixou claro que a atividade não significa um ato isolado, mas sim uma série de atos coordenáveis entre si, em função de uma finalidade comum. Neste mesmo sentido, Asquini[11] diz que a atividade empresarial reduz-se, portanto, em uma série de operações (fatos materiais e atos jurídicos) que se sucedem no tempo, ligadas entre si por um fim comum.
O artigo 966, supra, permite enumerar quatro elementos característicos do empresário: (i) profissionalismo; (ii) atividade de produção ou circulação de bens ou serviços; (iii) organização dos fatores de produção; (v) economicidade.
O profissionalismo consiste na pessoalidade e organização no exercício da atividade, bem como o domínio das informações sobre o produto ou serviço oferecido ao mercado. Engloba, também, a habitualidade, pois é necessário que a atividade seja realizada de forma habitual, já que não se considera atividade empresária a prática de atos isolados, mas sim a prática habitual e organizada dos atos necessários para o exercício da atividade econômica escolhida.
Como atividade, nos termos do art. 966, temos: (i) a produção/fabricação de produtos ou mercadorias; (ii) produção de serviços é a prestação de serviços (bancários, hospitalares, etc); (iii) a circulação de bens corresponde: (a) a distribuição e comercialização de bens e (b) circulação de serviços é a intermediação da prestação de serviços como, por exemplo, agência de turismo.
A atividade de produção ou circulação de bens ou serviços deve ser atividade econômica consistente na geração de receitas ao empresário, haja vista que a atividade de produzir ou circular bens ou serviços é passível de valoração econômica junto ao mercado consumidor e apta a geral lucro ao empresário.
Além de ser uma atividade econômica, a empresa é uma atividade organizada fundada na organização dos fatores de produção (capital, mão-de-obra, matérias primas e tecnologia) que possibilitam a produção ou circulação de bens ou serviços e, por consequência, gerar riqueza ao empresário. Vale dizer, a atividade exercida pelo empresário deve ter caráter econômico.
Diante dos conceitos acima tratados, pode-se concluir que empresa é a atividade econômica organizada profissionalmente pelo empresário com a finalidade de produção ou circulação de bens e serviços.
2. Natureza jurídica do empresário
Tendo em mente que empresa é a atividade exercida pelo empresário, este sim sujeito de direito, titular das relações jurídicas, cabe, agora, discorrer sobre a natureza jurídica do empresário.
O exercício da empresa, como atividade, pode ser exercida de forma individual ou coletiva, sendo o primeiro caso exercido pelo empresário individual e, o segundo, pela sociedade empresária, em que duas ou mais pessoas se associam formando uma pessoa jurídica, que poderá ter personalidade e patrimônio próprio para ao exercício da empresa.
Segundo a legislação civil brasileira somente os sujeitos de direito, pessoa natural ou pessoa jurídica, possuem personalidade jurídica, o que significa dizer ter atribuição de ser titular de direitos e contrair obrigações.
Destaca-se que, muito embora o empresário individual seja equiparado, para fins fiscais[12], às pessoas jurídicas, ao contrário das sociedades empresárias e da empresa individual de responsabilidade limitada que são pessoas jurídicas por determinação legal esculpida no artigo 44, inciso II e VI, do Código Civil, o empresário individual tem natureza jurídica de pessoa natural, pois o empresário individual é a própria pessoa natural, respondendo os seus próprios bens pelas obrigações que assumiu, quer sejam civis ou comerciais[13].
O Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do Recurso Especial nº. 487.995-AP[14], DJ 22/05/2006, de relatoria da E. Ministra Nancy Andrighi, já se pronunciou no sentido de que o empresário individual tem natureza jurídica de pessoa natural. Neste julgamento, a Ministra apresenta a esclarecedora lição de Carvalho de Mendonça:
“para quem a firma individual é uma mera ficção jurídica, com fito de habilitar a pessoa física a praticar atos de comércio, concedendo-lhe algumas vantagens de natureza fiscal. Por isso, não há bipartição entre a pessoa natural e a firma por ele constituída. Uma e outra fundem-se, para todos os fins de direito, em um todo único e indivisível. Uma está compreendida pela outra. Logo, quem contratar com uma está contratando com a outra e vice versa… A firma do comerciante singular gira em círculo mais estreito que o nome civil, pois designa simplesmente o sujeito que exerce a profissão mercantil. Existe essa separação abstrata, embora aos dois se aplique a mesma individualidade. Se em sentido particular uma é o desenvolvimento da outra, é, porém, o mesmo homem que vive ao mesmo tempo a vida civil e a vida comercial”.
O empresário individual no exercício da empresa utiliza-se de seu patrimônio pessoal e, como leciona o Manoel de Queiroz Pereira Calças[15], “os bens do que o empresário individual emprega no exercício de sua atividade profissional não formam um patrimônio da empresa, mas integram, com os demais bens, o patrimônio individual do empresário e configuram a garantia de todos os credores de empresário”.
E, como adverte Barbosa Filho[16], “a empresa, em si mesma, não tem personalidade jurídica, de maneira que uma pessoa, o empresário, manifesta a sua vontade e comanda toda a atividade empresarial, assumindo obrigações e auferindo créditos. Esse sujeito de direito ostenta como características primordiais a iniciativa e o risco. É ele quem cria e gerencia toda a atividade empresarial, ditando, conforme suas decisões, seu desenvolvimento e o sucesso ou insucesso resultante, com o qual arcará, suportando os ônus dos prejuízos e nas benesses derivadas dos lucros”.
Por essas razões, não existe a alienação de firma individual, pois, por se tratar de mera ficção jurídica, é impossível separar a pessoa natural do empresário individual, e, portanto, impossível que ocorra a alienação, em separado, da empresa individual.
A Câmara Especializa em Direito Empresarial do E. Tribunal de Justiça de São Paulo, diante de um caso de alienação de quotas de empresário individual decidiu pela impossibilidade de formalização de contrato de cessão de empresa individual, já que, como referido, ela se confunde com a pessoa natural.
“Ação de rescisão contratual cumulada com perdas e danos. Compra e venda de 50% de firma individual. Improcedência na origem, tido na sentença o objeto do contrato como perfeitamente lícito e determinável, não vedado por lei. Inadmissibilidade. Impossibilidade jurídica de transferência de quotas de firma individual. Nulidade dos ajustes destinados à cessão e transferência de quotas de firma mercantil se, no caso de empresário individual, inexiste a figura de cotas representativas que possam ser transferidas a outrem, como ocorre no caso das pessoas jurídicas, que têm personalidade jurídica diversa dos sócios que as constituíram. Ação julgada parcialmente procedente, com condenação à restituição do que foi pago, mas sem acolhimento do pedido de indenização por danos morais. Apelação provida em parte. Apelação n. 0004051-62.2007.8.26.0114 – Romeu Ricupero – Câmara Reservada de Direito Empresarial – j. 07/02/2012)”
No entanto, importante ressalvar que na hipótese de continuação da empresa por incapaz, existe a possibilidade de cisão do patrimônio do empresário individual e da sociedade na data da interdição desde que autorizado judicialmente, como será tratado mais adiante.
Embora não seja objeto deste trabalho, imprescindível destacar a figura da empresa individual de responsabilidade limitada, introduzida em nosso ordenamento jurídico pela Lei 12.470, de 11 de setembro de 2011, que inseriu um novo tipo de pessoa jurídica[17] no ordenamento jurídico, adicionando o inciso VI no artigo 44 do Código Civil. Ao contrário do empresário individual, na empresa individual de responsabilidade limitada – ERELI existe a responsabilidade limitada do titular até o montante do capital subscrito, que deverá ser, no mínimo, de cem vezes o salário mínimo vigente em sua constituição, ou seja, na ERELI ocorre o surgimento de um novo sujeito de direito, a pessoa jurídica, com a constituição de patrimônio autônomo em relação ao seu titular, a pessoa natural.
3. Pessoas excluídas do conceito de empresário
O artigo 966 do Código Civil, como acima tratado, apresenta o conceito de empresário, mas, ao mesmo tempo, em seu parágrafo único, apresenta um rol de pessoas que não serão empresárias, ao dispor que “não se considera empresário quem exerce profissão intelectual, de natureza cientifica, literária ou artística, ainda que com concurso de auxiliares ou colaboradores,…”.
Exemplificando, as pessoas, em especial profissionais liberais, como advogados, médicos, dentistas, engenheiros, artistas, etc, mesmo que exerçam a atividade econômica de produção de circulação de bens ou serviços não são considerados empresários, visto que ausente uma organização empresarial nestas atividades.
Sylvio Marcondes[18], na exposição de motivos do Código Civil, justifica tal exclusão do conceito de empresário pelo fato de que quem exerce profissão intelectual, mesmo que com auxílio de colaboradores, não obstante produzir serviços, o esforço realizado por estes profissionais resulta exclusivamente e diretamente da mente do autor, de onde advém aquele bem ou serviço sem interferência exterior de fatores de produção, cuja ocorrência é, dada a natureza do objeto alcançado, meramente acidental. Ou seja, a pessoa do profissional prevalece sobre a organização da atividade exercida.
Porém, a parte final do parágrafo único do artigo 966, dispõe sobre uma exceção a regra legal, ao dizer que, no caso do exercício da profissão de natureza intelectual ou artística constitua elemento de empresa (“… salvo se o exercício da profissão constitua elemento de empresa”.), aquelas pessoas excluídas do conceito de empresário poderão tornar-se empresárias, pois, nesta hipótese, a organização da atividade ultrapassou a pessoa do profissional, o qual passa, apenas, a integrar a própria organização como um de sues elementos.
Mas o que constitui o “elemento de empresa”?
Como pondera Alfredo de Assis Gonçalves Neto[19] “ser elemento de atividade organizada em empresa ou, simplesmente elemento de empresa significa ser parcela dessa atividade e não a atividade em si, isoladamente considerada. Evidencia-se, assim, que a única possibilidade de enquadrar a atividade intelectual no regime jurídico empresarial será considerando-a como parte de um todo mais amplo, apto a identificar como empresa – ou, mais, mais precisamente, como um dos vários elementos em que se decompõe determinada atividade.”
A verificação da existência do elemento de empresa previsto no parágrafo único do artigo 966 tem característica casuística, uma vez que a sua verificação depende da análise do caso concreto. Por exemplo, um médico que possui um consultório com apenas uma secretária para agendamento de consultas não é empresário por força legal. No entanto, se este médico, individualmente ou se associando a outros médicos, amplie o seu consultório, transformando em uma clínica de especialidades com diversos médicos, com laboratório de análises clínicas, estacionamento, entre outros elementos de organização empresarial, pode-se dizer que ele transformou aquela atividade inicial em uma atividade empresarial.
Destaca-se o enunciado 194 da III Jornada de Direito Civil promovida pelo Conselho da Justiça Federal, onde definiu-se que os profissionais liberais não são considerados empresários, salvo se a organização dos fatores de produção for mais importante que a atividade pessoal desenvolvida.
Em resumo, pode-se dizer que o elemento de empresa consiste na organização dos fatores de produção para o exercício da atividade e, quando o profissional de atividade intelectual ou artística, organiza a sua atividade de forma empresarial e, essa organização empresarial ultrapassa a sua pessoa individual, este passa apenas a integrar um dos elementos da organização empresarial da atividade.
4. O empresário rural
Por força de disposição legal, art. 971 do Código Civil, aquele que exerce uma atividade de natureza rural possui a opção de se sujeitar ou não ao regime empresarial, mas caso deseje, basta que proceda com o seu registro na Junta Comercial de sua sede, tornando, a partir do registro um empresário, devendo cumprir com as obrigações decorrentes do regime jurídico empresarial, tal como a manutenção de escrituração contábil e realização de balanços.
Esta faculdade decorre do disposto no artigo 970 que preceitua que a lei assegurará tratamento favorecido, diferenciado e simplificado ao empresário rural e ao pequeno empresário, quanto à inscrição e os efeitos daí decorrentes.
Assim, o produtor rural, aquele que exerce atividade agrícola, pecuária, extrativa entre outras atividades conexas será considerado empresário rural somente quando esteja devidamente inscrito no registro de comércio, sujeitando-se ao regime falimentar e de recuperação judicial.
5. Obrigatoriedade de registro
Antes do início de suas atividades, o empresário deve promover a sua inscrição no Registro Público de Empresas Mercantis da respectiva sede, cuja função é das Juntas Comerciais sob fiscalização e supervisão do Departamento Nacional de Registro do Comércio – DNRC.
Como bem assinala Pereira Calças[20], não é a inscrição do empresário na Junta Comercial que determina se ele é ou não empresário, mas, como acima tratado, a qualidade de empresário decorre da situação fática consistente na organização dos fatores de produção (capital, trabalho, insumo e tecnologia) com a finalidade de produção ou circulação de bens ou serviços.
A ausência de registro nas Juntas Comerciais caracteriza o empresário como empresário irregular ou de fato e, mesmo nesta situação, nos termos da Lei de Falências e Recuperação de empresas estará sujeito a falência, mas não lhe será permitido requerer a benesse da recuperação judicial e tampouco requerer a falência de seus devedores.
Daí decorre a distinção entre empresário regular e empresário irregular, sendo que, este último deixa de cumprir com o determinado no artigo 967 do Código Civil e tem como consequência a perda de determinados benefícios que um empresário devidamente inscrito na Junta Comercial possui, como a possibilidade de requerimento de falência ou entrar com pedido de recuperação judicial e limitação de responsabilidade dos sócios nos casos das sociedades limitadas e, agora, no caso do empresário individual de responsabilidade limitada.
O empresário regular é aquele que, nos termos dos artigos 967 do Código Civil, procede com a sua inscrição na Junta Comercial competente, cujo requerimento deverá conter a qualificação do empresário, a firma, o capital, o objeto e a sede a empresa.
O registro mercantil tem como finalidade dar publicidade aos atos nele registrados, por este motivo tem apenas característica de ato declaratório e não constitutivo[21], uma vez que não consta no artigo 966 do Código Civil a expressão “devidamente inscrito no registro de comércio”, mas apenas que empresário é aquele que exerce profissionalmente atividade econômica organizada com a finalidade de produção ou circulação de bens e serviços.
Como alhures tratado, o registro do empresário no registro mercantil tem, em regra, natureza declaratória, mas no caso do empresário rural a natureza do registro é constitutiva.
Assim, o empresário, mesmo não estando registrado no Registro Público de Empresas Mercantis, estará sujeito à falência e, por estar irregular, haverá indícios de crime falimentar, como ausência de escrituração. Segundo o Conselho da Justiça Federal, enunciado 199, da III Jornada de Direito Civil, o registro do empresário na Junta comercial não é requisito de sua caracterização, mas apenas requisito de sua regularidade.
O empresário individual que pretender abrir sucursal, filial e agência em local sujeito à jurisdição de outro Registro Público de Empresas Mercantis, deverá nele realizar a sua inscrição com prova do registro originário, sendo também obrigatório o registro de estabelecimento secundário no registro da respectiva sede.
6. Capacidade para ser empresário
Segundo o disposto no artigo 972 do Código Civil podem exercer a atividade empresária quem estiver em pleno gozo de sua capacidade civil e não for legalmente impedido. Este artigo, contido no livro especial do Direito de Empresa, dever ser interpretado em consonância com os artigos iniciais do Código Civil, que tratam da capacidade do sujeito de direito.
Pelo artigo 1º do Código Civil, toda pessoa é capaz de direitos e deveres na ordem civil, mas esta capacidade só é absoluta quando atingida a maioridade civil aos dezoito anos de vida ou nos casos de emancipação e, desde que, não se verifique nenhuma hipótese de incapacidade absoluta (menores de 16 anos; os que por enfermidade ou deficiência mental não tiverem o necessário discernimento para a prática de atos da vida civil; por causa transitório não puderem exprimir a sua vontade) ou relativa (maiores de dezesseis anos e menores de dezoito anos; ébrios habituais; viciados em tóxicos; por deficiência mental tenha o discernimento reduzido; os excepcionais sem desenvolvimento mental completo; os pródigos), conforme artigos 3º e 4º do Código Civil.
Como referido, além dos maiores de dezoito anos, os emancipados também poderão exercer todos os atos da vida civil, inclusive a atividade empresarial desde que, por força de disposição legal (CC, art. 976), averbado no Registro Público de Empresas Mercantis a prova da emancipação, que pode ocorrer nas seguintes hipóteses: (i) pela concessão dos pais, ou de um deles na falta de outro, mediante instrumento público, independente de homologação judicial, ou por sentença do juiz, ouvido o tutor, se o menor tiver dezesseis anos completos; (ii) pelo exercício de emprego público efetivo; (iii) pela colação em ensino superior; (iv) pelo casamento; (v) pelo estabelecimento civil ou comercial, ou pela existência de relação de emprego, desde que, em função deles, o menor com dezesseis anos completos tenha economia própria.
7. Empresário Individual Incapaz
Com base no princípio da preservação da empresa, em que a empresa constitui-se como atividade produtiva de geração de empregos e riquezas ao empresário e a coletividade como um todo, o Código Civil, em seu artigo 974, permite que o empresário individual declarado incapaz, por meio de seu representante ou devidamente assistido, continue com a empresa antes exercida por ele enquanto capaz, por seus pais ou pelo autor da herança. Observa-se que referido artigo engloba tanto pessoa declarada incapaz judicialmente quanto o menor incapaz que herda a empresa individual.
Para que isso ocorra é necessário a obtenção de autorização judicial concedida por alvará judicial, que deverá ser devidamente arquivado na Junta Comercial, em que conterá o responsável pela prática de atos em nome do empresário declarado incapaz, como forma de dar publicidade ao ato.
O magistrado ao analisar o pedido de autorização levará em conta, além das circunstâncias e os riscos da empresa, a conveniência de sua continuação, sendo lhe permitida a cassação da autorização a qualquer tempo (CC, §1º, art. 973), ante a natureza precária da autorização.
Ademais, o alvará que contiver a autorização de continuação da empresa de pessoa declarada incapaz terá, obrigatoriamente, a descrição dos bens da empresa ao tempo da declaração de interdição que responderão pelas dívidas empresariais, pois os bens do interdito adquiridos antes da interdição não responderão pelas dívidas da empresa. Pereira Calças[22] adverte que o legislador promoveu uma cisão do patrimônio do incapaz judicialmente autorizado a continuar a empresa, blindando os bens anteriormente possuídos por aquele em relação aos resultados da empresa autorizada. E como esclarece Sergio Campinho[23], os bens protegidos são aqueles estranhos ao acervo utilizado para o exercício da atividade econômica.
Vale destacar que caso o representante ou assistente do incapaz esteja impedido legalmente de exercer atividade empresária, poderá o juiz nomear um ou mais gerentes para o exercício da atividade, contudo, tal nomeação não retira do representante ou assistente do interdito a responsabilidade pelos atos dos gerentes.
8. Pessoas impedidas
Como acima referido, podem ser empresários aqueles que estiverem no pleno gozo de sua capacidade civil excluídos os que, em razão do cargo que ocupam, estejam legalmente impedidos de exercerem atividade empresária, isso em virtude das incompatibilidades com o exercício da atividade.
A indicação das pessoas impedidas do exercício da empresa não está prevista no Código Civil, mas em disposições esparsas, que conforme destaca Requião, vão desde a Constituição até estatutos do funcionalismo civil e militar.
Estão impedidos[24]: (i) os Magistrados e membros do Ministério Público; (ii) os empresários falidos, enquanto não forem reabilitados; (iii) os leiloeiros (art.36 do Decreto n° 21.891/32); (iv) os cônsules; (vi) os médicos, para o exercício simultâneo da farmácia, drogaria ou laboratórios farmacêuticos, e os farmacêuticos, para o exercício simultâneo da medicina; (vii) as pessoas condenadas à pena que vede, ainda que temporariamente, o acesso a cargos públicos, ou por crime falimentar, de prevaricação, peita ou suborno, concussão, peculato ou contra a economia popular, contra o sistema financeiro nacional, contra as normas de defesa da concorrência, contra as relações de consumo, a fé pública ou a propriedade, enquanto perdurarem os efeitos da condenação; (vii) os servidores públicos civis da ativa (Lei nº 1.711/52) e servidores federais (Lei nº 8.112/90, art. 117, X, inclusive Ministros de Estado e ocupantes de cargos públicos comissionados em geral); (iX) os servidores militares da ativa das Forças Armadas e das Polícias Militares (Código Penal Militar, arts. 180 e 204, e Decreto-Lei nº 1.029/69; arts. 29 e 35 da Lei nº 6.880/80); (x) os deputados e senadores não poderão ser proprietários, controladores ou diretores de empresa, que goze de favor decorrente de contrato com pessoa jurídica de direito público, nem exercer nela função remunerada ou cargo de confiança, sob pena de perda do mandato – arts. (54 e 55 da Constituição Federal); (xi) estrangeiros sem visto permanente estão impedidos de serem empresários individuais, porém não estarão impedidos de participar de sociedade empresária no país; (xii) estrangeiro com visto permanente, para o exercício das seguintes atividades: pesquisa ou lavra de recursos minerais ou de aproveitamento dos potenciais de energia hidráulica; atividade jornalística e de radiodifusão sonora e de sons e imagens, com recursos oriundos do exterior; atividade ligada, direta ou indiretamente, à assistência à saúde no País, salvo nos casos previstos em lei; serem proprietários ou armadores de embarcação nacional, inclusive nos serviços de navegação fluvial e lacustre, exceto embarcação de pesca; serem proprietários ou exploradores de aeronave brasileira, ressalvado o disposto na legislação específica.
As pessoas legalmente impedidas para exercer atividade própria de empresário, se exercerem, responderão, pessoalmente, pelas obrigações contraídas, isso porque, os atos por elas praticados continuam válidos e eficazes. Além da responsabilidade civil, os impedidos estão sujeitos as penalidades administrativas e criminais relativas ao exercício da atividade empresária.
Importante frisar que algumas pessoas, embora impedidas, podem ser sócios ou acionistas de sociedades, mas não poderão exercer o cargo de administração.
9. Empresário casado
O artigo 978 do Código Civil não exige a outorga uxória para que o empresário individual casado possa alienar ou gravar de ônus real imóveis integrantes do patrimônio da empresa, qualquer que seja o seu regime matrimonial de bens, o que facilita a circulação de bens empresariais permitido uma maior agilidade e racionalidade no desenvolvimento da atividade empresarial.
Considerações finais
Diante do quanto examinado, conclui-se que empresa, empresário singular ou coletivo e estabelecimento são conceito jurídicos próprios que se diferem um do outro, sendo a empresa a atividade econômica organizada profissionalmente pelo sujeito de direito, o empresário ou sociedade empresária, e, o estabelecimento, como sendo o complexo de bens utilizado pelo empresário no exercício da atividade econômica.
Ainda, para que uma pessoa, seja física ela ou jurídica, possa ser considerada empresária, deve a atividade por ela exercida ocorrer de forma organizada, habitual e profissional, com finalidade econômica de produção ou circulação de bens e serviços. Além disso, no caso de profissional da área intelectual ou artística, este somente será considerado empresário quando presente o elemento de empresa.
Quanto ao registro do empresário na Junta Comercial, este ato possui natureza declaratória, pois é o registro[25] não é condição para a caracterização de empresário, que se não estiver devidamente registrado será tido como um empresário irregular. No entanto, no caso dos produtores rurais, o registro na junta comercial é de natureza constitutiva, já que o artigo 971 dá a opção ao produtor rural de escolher se adota ou não o regime empresarial.
Como última consideração, o empresário individual não se confunde com a novel figura da Empresa Limitada de Responsabilidade Limitada – ERELI, pois o empresário individual é pessoa natural que se utiliza de seu patrimônio próprio para o exercício da atividade empresarial e, na EIRELI, por se tratar de uma pessoa jurídica, existe um patrimônio autônomo que responderá pelas obrigações assumidas.
Informações Sobre o Autor
Ricardo Rodrigues Farias
Formado em Direito pela Universidade Mackenzie. Especialista em Direito Comercial pela PUC/SP. Mestrando em Direito Comercial pela PUC/SP. Advogado em São Paulo.