Resumo: O presente artigo discute a definição da metodologia de pesquisa e intervenção em direitos humanos conhecida como Abordagem Baseada em Direitos RBA como estratégia para implantação de programas e projetos de pesquisa extensão e ensino que tenham como lastro os direitos humanos.
1. Introdução
O presente artigo intitulado Abordagem Baseada em Direitos (Right-Based Aprooach – RBA) tem como objetivo relatar a experiência do Grupo de Pesquisa Gestão, Educação e Direitos Humanos (GEDH) com essa metodologia, na realização de projetos e programas de pesquisa e extensão em Direitos Humanos na Universidade do Estado da Bahia (UNEB), Salvador, Bahia, Brasil. Desde 2007 quando foi certifica pela UNEB junto ao CNPQ o GEDH vem discutindo e construindo uma metodologia que coloque os Direitos Humanos como eixo articulador das atividades de ensino, pesquisa e extensão.
2. Abordagens Baseadas em Direitos (RBA)
A RBA é uma metodologia recomendada pela Organização das Nações Unidas (ONU) para projetos de cooperação técnica nacional e internacional para o desenvolvimento em setores como educação, saúde, governança, água, nutrição, saneamento básico, HIV/AIDS, emprego, relações de trabalho, relações sociais e desenvolvimento econômico sustentável entre outros. Essa metodologia vem sendo utilizada por agências do sistema ONU, organizações não governamentais (ONGs), institutos de pesquisa, universidades ou, ainda, por qualquer pessoa ou grupo interessado em trabalhar e pesquisar sobre direitos humanos (CARE, 2005).
Normalmente as referências a essa metodologia são encontradas na rede mundial de computadores de diversas formas. As mais comuns são: no singular, Abordagem Baseada em Direitos (Right-Based Approach), no plural, Abordagens Baseadas em Direitos (Right-Based Approaches), ou com referência aos direitos humanos, Abordagens Baseadas em Direitos Humanos ou (Human Right-based Approach). Os especialistas concordam, no entanto, que não existe uma única forma de utilização dessa metodologia, cada grupo, considerando sua situação particular, constrói sua metodologia com base em sua realidade a partir de um conjunto de princípios e valores comuns. Nesse sentido, concordamos que não existe uma única abordagem baseada em direito, mas várias formas de trabalhar com essa metodologia a partir de princípios comuns.
A RBA parte da concepção de que os Direitos Humanos são devidos em todos os regimes e culturas e estão inseridos em normas universais. São direitos humanos:
“[…] aqueles direitos considerados indispensáveis a todos os seres humanos, sem quaisquer distinções de sexo, nacionalidade, etnia, cor da pele, faixa etária, classe social, profissão, condição de saúde física e mental, opinião política, religião, nível de instrução e julgamento moral” (Benevides, 2000).
Os Direitos Humanos são considerados pela RBA como universais, inalienáveis, indivisíveis, imprescritíveis, interdependentes e inter-relacionados e devido a todas as pessoas independente de raça, cor, sexo ou condição social. Contudo, como o seu foco está nas pessoas e grupos que são mais vulneráveis, excluídas ou discriminadas, o enfoque de gênero, etnia e classe social também está na base dessa metodologia. A RBA tem como referência a noção de desenvolvimento humano, normativamente orientados pelos princípios de Direitos Humanos presentes nas declarações, pactos, convenções e tratados internacionais, a exemplo da Carta Internacional dos Direitos Humanos, constituída pela Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH), pelo Pacto Internacional sobre os Direitos Econômicos Sociais e Culturais (PIDHESC) e pelo Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos e seu protocolo facultativo.
Outros documentos importantes para a RBA são: a Declaração sobre Direito ao Desenvolvimento (1986); Declaração de Direitos Humanos e Programa de Ação de Viena (1993); e da Declaração e objetivos internacionais do Milênio da ONU. O conjunto desses documentos internacionalmente aceitos, que protegem os direitos humanos, fornece padrões reconhecidos globalmente do que significa viver com dignidade, mostrando-se também, como sistema jurídico de considerável força e legitimidade social no plano internacional e nacional, desde o fim da segunda guerra mundial.
A RBA é também uma estratégia para efetivar o direito humano ao desenvolvimento. Essa estratégia apaga as distinções entre direitos ao desenvolvimento e direitos humanos e tem como objetivo reduzir a dependência das comunidades de ajuda externa e melhorar a capacidade dos governos de atender as necessidades da população. Com isso queremos dizer que na base da RBA está não só o trabalho de defesa e promoção dos direitos humanos da população, mas a construção de políticas públicas junto ao Estado.
3. Origem da RBA
A RBA surge pela primeira vez como proposta de trabalho em 1994, na Conferência Internacional sobre populações e desenvolvimento (CIPD), Consenso do Cairo, quando algumas agências da ONU pactuaram integrar princípios de Direitos Humanos a noção de desenvolvimento sustentável. Antes disso, as agências do sistema ONU trabalhavam com uma metodologia de atendimento a necessidades básicas, onde as carências das pessoas e grupos beneficiados por programas de ajuda eram identificadas na perspectiva de apoio das agências na busca da melhora da prestação de serviços ou de seu cumprimento.
Para a RBA cada ser humano é reconhecido como titular de direitos individuais e coletivos, essa metodologia busca assegurar a liberdade, o bem-estar e a dignidade humana de todas as pessoas em toda a parte, considerando os princípios, direitos e obrigações[1]. A RBA parte da idéia de que a sociedade, em especial, os movimentos sociais e as populações vulneráveis (sujeitos coletivos do direito) em sua luta cotidiana buscam serviços básicos e essenciais que em última análise são direitos humanos e as dificuldades em atender essas necessidades básicas se dão em virtude de violações a direitos humanos (CARE, 2005).
No ano de 1997, no entanto, o então Secretário Geral da ONU Kofi Annan conclamou as agências do sistema ONU a integrar os Direitos Humanos em seu trabalho como uma prioridade transversal para os programas de cooperação para o desenvolvimento e a adotar uma metodologia chamada de Abordagem Baseada em Direitos. A RBA é fundada também na concepção de participação cidadã em que os Estados democráticos reconhecem o direito e a necessidade de defender a sociedade contra eventuais excessos da máquina pública estatal, através da divisão e funções entre os poderes e de mecanismos recíprocos de controle em nome da sociedade. Nesse caso, a categoria central deixa de ser a comunidade ou o povo e passa a ser a sociedade civil organizada, tendo sua base na universalização dos direitos humanos, econômicos, sociais, culturais e ambientais, na ampliação da dimensão da cidadania e numa nova compreensão do papel do Estado na contemporaneidade.
Deste modo a RBA reforça não só a atuação da sociedade civil, mas o papel do Estado e a capacidade dos detentores de obrigações (em geral os governos) de respeitar, proteger e garantir direitos. A considerar as pessoas como sujeitos de direito, ao Estado corresponde deveres para com essa coletividade que precisam ser buscado pela sociedade. A titularidade de direitos introduz um conceito importante que diz respeito ao dever do Estado de prestar contas a sociedade, movendo o foco do desenvolvimento para o desenvolvimento de pessoas e não para pessoas (KIKERMAN e MARTIN, 2007). Deste ponto de vista, a RBA destaca para o Estado três níveis de obrigações:
a) Respeitar os direitos humanos (prestação negativa do Estado que corresponde em abster-se de interferir no gozo de direitos);
b) Proteger direitos humanos (prestação positiva do Estado). Corresponde à construção de um sistema de leis (legislação) que impeça a violação de direitos humanos pelo Estado ou por atores não estatais. Essa proteção deve ser concedida a todas as pessoas sem discriminação;
c) Cumprir com os Direitos Humanos (prestação positiva do Estado). Consiste em cumprir ou criar medidas ativas como políticas públicas que possam alocar recursos e instituir procedimentos para atender e realizar os direitos humanos.
A RBA parte do princípio de que as pessoas e as instituições no poder devem prestar contas quanto às suas responsabilidades à sociedade como um todo. As abordagens baseadas em direitos são diferentes das “abordagens baseadas nas necessidades” ou no “bem-estar”, porque enquanto a primeira tem como objetivo o empoderamento da sociedade civil, as abordagens nas necessidades ou no bem-estar criam a dependência da comunidade de atores externos como o Estado, agências de cooperação, ONGs ou universidades (RAND e WATSON, 2005).
3. RBA: Os Sujeitos da Pesquisa
São dois os sujeitos da pesquisa para a RBA. O primeiro grupo de sujeitos é formado pelos chamados detentores de direitos, ou sujeitos coletivos de direitos, formado pelas comunidades, principalmente, pelas população em situação de risco ou vulnerabilidade social. O outro público são aqueles detentores ou responsáveis por uma obrigação, no caso o Estado e os governos que estão em determinado momento com o poder do Estado, ou seja, as organizações, sejam elas públicas ou privadas que são obrigadas a cumprir ou a atender os direitos dos cidadãos.
A utilização de metodologias participativas que tenham como o objetivo o empoderamento individual e coletivo das pessoas, começando pelo reconhecimento de violações aos direitos humanos, ao invés de se concentrar somente nas necessidades humanas. Em outras palavras, a RBA percebe a comunidade como sujeito do desenvolvimento social e humano de uma nação e não como simples respondente de uma ordem social construída e objeto de políticas e programas sociais de cunho compensatório.
A RBA visa, portanto, de um lado organizar a sociedade para reivindicar seus direitos humanos, civis, políticos, sociais, culturais e ambientais Junto ao Estado e aos governos, e de outro, contribuir na formação de políticas públicas e ações afirmativas que visem atender a estes direitos. Enquanto metodologia de pesquisa social que objetiva a emancipação social, na RBA são empregados uma variedade de métodos – incluindo a análise política, a advocacia e o desenvolvimento da capacidade tanto de detentores de direitos como dos encarregados – a fim de ajudar a facilitar o processo de promover o poder das pessoas e das comunidades pobres e marginalizadas (empowerment).
A RBA parte de uma discussão ética sobre como todas as pessoas têm direito a um conjunto de direitos, a um certo padrão material de bem-estar. Reconhece o direito a igualdade, afastando perspectivas assistencialistas enfatizando os direitos e a responsabilidade dos agentes públicos no atendimento a estes direitos. A RBA trata as pessoas não como simples destinatários de direitos (cidadania passiva), mas como sujeitos ativos, participativos, protagonistas do desenvolvimento social (cidadania ativa).
Pensar global, agir local. Para a RBA o local é sempre o ponto de partida para uma abordagem baseada em direitos que pode assumir diferentes formas em razão do grupo envolvido. Em outras palavras, uma abordagem baseada em direitos assume diferentes formas no Brasil, no Haiti ou na Noruega dependendo das condições materiais e sociais envolvidas, mesmo considerando a idéia de dignidade humana universal. A RBA deve ser abordada com sinceridade, aderindo a princípios fundamentais de direitos humanos, tendo como foco a realização da justiça social.
A RBA é constituída por normas e princípio que objetivam a defesa e promoção dos direitos humanos em sistemas nacionais e internacionais, bem como de planos, projetos, métodos e atividades que visam a efetivação de um ou mais direitos humanos em sistemas nacionais e internacionais. Para Kirkemann e Martins, A RBA é capaz de reconhecer a pobreza com injustiça e causa de marginalização e discriminação, questões centrais da pobreza. Em RBA a pobreza nunca é causa somente do indivíduo, nem sua solução pode ser puramente pessoal. Por outro lado, não se pode colocar a responsabilidade da pobreza em noções abstratas como globalização e sociedade (2007, P.9).
A RBA é vista pela ótica da participação, da reivindicação, da luta pelos direitos. A dinâmica central da RBA é, portanto, como identificar as causas da pobreza, marginalização e discriminação que funcionam como obstáculos ao acesso à justiça e ao direito, motivando os sujeitos coletivamente a reivindicar seus direitos junto às autoridades públicas, permitindo que essas autoridades possam cumprir as suas obrigações.
Desta forma, segundo Kierkmann e Matins (p.11), a RBA chama a atenção para uma série de situações que caracterizam a relação entre pobreza e desenvolvimento.
A participação do cidadão na gestão do Estado enquanto direito (cidadania ativa) e dever (dever cívico da cidadania) é uma questão fundamental nos dias atuais para a governança do Estado e realização do direito ao desenvolvimento de comunidades e pessoas, principalmente, de populações vulneráveis, incluindo aqueles que ainda não estão em condições de reivindicar seus direitos.
O reconhecimento de que a pobreza em si é uma grave violação aos direitos humanos e que esta é responsável pela violação de uma série de outros direitos humanos.
O reconhecimento de que a omissão do Estado em relação a pobreza extrema de parte da sociedade é uma violação ativa dos direitos humanos deste grupo.
A pobreza não é vista como um problema complexo, percebida dentro de uma estrutura de poder e desigualdade associada a questões locais, regionais e nacionais e, portanto, uma noção de desenvolvimento sustentável deve abordar causas complexas e fundamentais da pobreza como desigualdade, discriminação, exploração e abuso.
A necessidade de superar uma noção de desenvolvimento preocupada simplesmente com o crescimento econômico sem atentar para as causas complexas da pobreza.
Como metodologia a RBA implica em um esforço para envolver as pessoas na discussão sobre as suas necessidades, problemas e potencialidades. Nesse cenário, a RBA é utilizada para discutir direitos como água, moradia, saúde, educação, segurança, liberdade para buscar seus objetivos na vida. No entanto, é central a premissa de que os seres humanos são portadores de direitos humanos inalienáveis, imprescritíveis, insubstituíveis e a privação de algumas necessidades é também a violação de um direito. Deste modo, a privação da água na é só a privação de uma necessidade, mas a sonegação de um direito.
A RBA a parte da luta não pela satisfação de uma necessidade, mas do exercício de um direito. Nesse sentido, é preciso que se faça a distinção entre direito e necessidade. Os DH vão além da noção física de necessidade para incluir uma perspectiva mais holística de seres humanos em termos de seus direitos civis, políticos, econômicos, sociais e culturais. A satisfação de um direito sempre corresponderá uma obrigação, normalmente de um agente público. Na RBA não se espera a gratidão das pessoas porque não se trata de assistência a pessoas necessitadas, mas ao apoio a pessoas marginalizadas pelo sistema que são alçadas a condição de reivindicar seus direitos como previsto na legislação nacional e internacional. A tabela 02 extraída de Boesen e Martins (pg. 12) ilustrar essas diferenças de abordagens.
Figura 01 – Abordagens Baseadas em Direitos Humanos
A RBA reconhece que a pobreza é um fenômeno complexo e multifacetado e que não pode ser resolvida por soluções simples. O combate a pobreza como violação aos direitos humanos deve ser feita a partir de uma abordagem holística do problema, que consiga analisar o problema em toda a sua complexidade. Nesse sentido a RBA é uma importante ferramenta já que permite o trabalho com direitos civis, políticos, sociais e culturais, bem como com as causas econômicas da pobreza.
Na metodologia da RBA a pobreza não é apenas gerada pela ausência de recursos, mas pela negação do acesso a esses recursos quando eles estão disponíveis. O acesso a esses recursos é negado, principalmente, aos pobres em razão de quem eles são, de onde vivem, ou simplesmente por negligencia o falta de ação. A discriminação pode ser conseqüência das normas e valores sociais que causam a marginalização de comunidades ou pode ser resultado de discriminação de políticas de Estado. A RBA é baseada no conceito de que as pessoas pobres devem ser protegidas da injustiça social.
Pensando em uma síntese, podemos afirmar que as Abordagens em Direito encaixam-se perfeitamente no rol da pesquisa-ação, na medida em que privilegia o contato com a comunidade como forma de se fazer pesquisa. Os princípios da RBA consorciados com técnicas de coleta de dados e informações da pesquisa ação dão aos pesquisadores as condições adequadas para o trabalho em pesquisa social que busca compreender com profundidade um fenômeno social em todos os seus aspectos.
Informações Sobre o Autor
Jose Claudio Rocha
Pesquisador permanente do Programa de Pós-Graduação Doutorado Multi-Institucional e Multidisciplinar em Difusão do Conhecimento (DMMC) e do Programa Mestrado Profissional em Gestão e Tecnologia Aplicada à Educação (GESTEC). É professor Adjunto da Universidade do Estado da Bahia (UNEB), coordenador do Centro de Referência em Direitos Humanos (CRDH) e Pró-Reitor de Pesquisa e Ensino de Pós-Graduação da UNEB