Ação Civil Pública Como Instrumento de Controle de Constitucionalidade

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Resumo: Veremos nesse breve estudo que na ação civil pública como meio de controle de constitucionalidade, não poderá se operar a (in)constitucionalidade de lei ou ato normativo como pedido principal. Tal vedação se justifica para que a função do Supremo Tribunal Federal não seja usurpada. Todavia, incidentalmente, como instrumento de controle difuso e concreto, a ação civil pública poderá acarretar a declaração de (in)constitucionalidade de lei ou ato normativo, com efeito inter partes, desde que referida declaração seja a causa de pedir e não propriamente o pedido.


Palavras chave: Ação civil pública; Controle de constitucionalidade; Usurpação da função do Supremo Tribunal Federal.


Abstract: We will see in this brief study in civil action as a means of judicial review, can not operate the (un)constitutionality of laws or regulatory acts as the main application. This fence is justified for the function of the Supreme Court is not misused. However, incidentally, as a tool to control diffuse and concrete, class actions may result in the statement of (un)constitutionality of the law or normative act, in effect inter parties, provided that such declaration is the cause of action and not specifically request .


Keywords: Public Civil Action, Control of constitutionality; usurpation of the function of the Supreme Court.


Embora alguns doutrinadores entendam ao contrário[1], a Ação Civil Pública (ACP), de acordo com manifestações recentes da Corte Suprema, pode ser utilizada como instrumento de controle incidental de constitucionalidade, porém, importante frisar que, especificamente e, tão somente, na modalidade de controle difuso concreto de constitucionalidade.


Sendo assim, não há que se falar em utilização da ACP como forma de controle concentrado abstrato de constitucionalidade. Isso porque se utilizada dessa forma, estar-se-ia empregando-a como sucedâneo da ação direta de inconstitucionalidade (ADI), o que, aí sim, é vedado pelo Supremo.


Se, contudo, o ajuizamento da ação civil pública visar, não à apreciação da validade constitucional de lei em tese, mas objetivar o julgamento de uma específica e concreta relação jurídica, se tornará lícito e possível promover, incidenter tantum, o controle difuso de constitucionalidade de qualquer ato emanado do Poder Público.


Nesse sentido, a lição de Hugo Nigro Mazzilli:


“[…] nada impede que, por meio de ação civil pública da Lei n. 7.347/85, se faça, não o controle concentrado e abstrato de constitucionalidade das leis, mas sim, seu controle difuso ou incidental. […] assim como ocorre nas ações populares e mandados de segurança, nada impede que a inconstitucionalidade de um ato normativo seja objetada em ações individuais ou coletivas (não em ações diretas de inconstitucionalidade, apenas), como causa de pedir (não o próprio pedido) dessas ações individuais ou dessas ações civis públicas ou coletivas[2]


Com efeito, nota-se que, caberá controle difuso, em sede de ACP tão somente “[…] como instrumento idôneo de fiscalização incidental de constitucionalidade, pela via difusa, de quaisquer leis ou atos do Poder Público, mesmo quando contestados em face da Constituição da República, desde que, nesse processo coletivo, a controvérsia constitucional, longe de identificar-se como objeto único da demanda, qualifica-se como simples questão prejudicial, indispensável à resolução do litígio principal.”[3]


Ressalte-se que nos dois anteprojetos do Código Brasileiro de Processo Coletivo – CBPC-IBPC, parágrafo único do artigo 3º, e CBPC-UERJ-UNESA, parágrafo único do artigo 2º – existe previsão expressa no sentido de “não se admitir ação coletiva que tenha como pedido a declaração de inconstitucionalidade, mas esta poderá ser objeto de questão prejudicial, pela via do controle difuso”.


Outro ponto importante a ser ressaltado é que a inconstitucionalidade na ACP não pode ser objeto principal do pedido, ou seja, o ajuizamento da ACP deve preceder pedido outro, que não a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, sendo que referida inconstitucionalidade só poderá ser considerada causa de pedir.


Assim, referida inconstitucionalidade argüida em ACP é mera questão incidental, não sendo, portanto, objeto principal da ação.


Ademais, a inconstitucionalidade pela ACP não tem o condão de produzir efeitos erga omnes, vez que, analisando sob o prisma comparativo, se o juiz declarar uma lei inconstitucional com efeito erga omnes, terá ele o mesmo poder que somente foi atribuído ao STF, ou seja, estará ele, usurpando, como já fora dito, a competência do STF.


Todavia, o efeito erga omnes poderá ocorrer na ACP com relação ao pedido, desde que seja um pedido de efeitos concretos e não um pedido de declaração de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo.


Exemplificando:


No Rio de Janeiro, foi ajuizada uma ACP para determinar o fechamento dos bingos. A alegação da questão incidental era de que as normas que permitiam o funcionamento dos bingos eram inconstitucionais.


Com isso, se questionou perante o STF, mediante a Reclamação n.º 2460, se aquela ACP usurpava ou não a competência do STF, oportunidade em que o Supremo se pronunciou dizendo que o pedido da ACP era de efeitos concretos, sendo, portanto, válida a ACP.


Assim, perceba que o pedido se atinha ao fechamento dos bingos, sendo que a inconstitucionalidade das normas que permitiam seu funcionamento era, nesse caso, apenas a causa de pedir, ou seja, era apenas uma questão incidental.


Dessa feita, no caso ora em análise não houve, por parte desta ACP ajuizada no Rio de Janeiro, usurpação da competência do STF.


Note que só haverá usurpação dos poderes do STF quando ocorrer a utilização da ACP como sucedâneo da ADI.


Ademais, Fredie Didier Jr. e Hermes Zaneti Jr., elencam os seguintes requisitos para que a ACP possa versar sobre controle difuso de constitucionalidade:


“a) que não se identifique na controvérsia constitucional o objeto único da demanda;


b) que a questão de constitucionalidade verse e atue como simples questão prejudicial;


c) a existência nos autos de pedido referente a relação jurídica concreta e específica;


d) apresente-se como causa de pedir e não como pedido a matéria constitucional.”[4]


Com isso, os aludidos autores ressaltam duas significativas conclusões: 1ª) que não haverá coisa julgada sobre a questão prejudicial (art. 467, III, do CPC) e; 2ª) a inocorrência de exclusão da norma impugnada incidenter tantum do ordenamento de direito positivo.


Assim, de acordo com a doutrina majoritária e o atual posicionamento dominante no STF[5], resta perfeitamente cabível o controle de constitucionalidade difuso, em abstrato mediante o instrumento da ACP, porém, desde que o pedido de declaração de inconstitucionalidade incidental se constitua verdadeira causa de pedir e não, propriamente o pedido.


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Referências bibliográficas:

ALMEIDA, João Batista de. Aspectos controvertidos da ação civil pública. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001.

BULOS, Uadi Lammêgo. Constituição federal anotada. São Paulo: Saraiva, 2000.

DIDIER JR., Fredie; ZANETI JR., Hermes. Curso de direito processual civil – processo coletivo. 3. ed. Salvador: Podivm, 2008.

LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. 12 ed. São Paulo: Saraiva, 2008.

MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Ação civil pública, em defesa do meio ambiente, patrimônio cultural e dos consumidores (Lei n. 7.347/85 e legislação complementar). 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1996.

MAZZILLI, Hugo Nigro. O inquérito civil. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2000.

MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 18. ed. São Paulo: Atlas, 2005.

PAULO, Vicente; ALEXANDRINO, Marcelo. Controle de constitucionalidade. 5. ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2006.


Notas:

[1] João Batista de Almeida, in Aspectos controvertidos da ação civil pública, São Paulo, RT, 2001, p. 68. O autor elenca alguns doutrinadores que consideram inviável o controle incidental de constitucionalidade por meio da ACP, dentre os quais, se destacam Gilmar Mendes, Hugo de Brito Machado, Arruda Alvim e Arnold Wald

[2] MAZZILLI, Hugo Nigro, O Inquérito Civil, p. 134, item n. 7, 2. Ed., 2000, Saraiva

[3] STF – Rcl. 1.733-SP, Min. Celso de Melo, DJ, 1.º.12.2000 – Inf. 212/STF.

[4] DIDIER JR., Fredie e ZANETI JR., Hermes, Curso de Direito Processual Civil – Processo Coletivo, v. 4, 3ª ed., Editora Podivm, Salvador, p. 315

[5] STF – Rcl. 633-6/SP, Min. Francisco Rezek, DJ, 23.09.1996, p. 34945; RE 424.993, Rel. Min. Joaquim Barbosa, j. 12.09.2007, DJ, 19.10.2007; RDA 206/267, rel. Min. Carlos Velloso – Ag. 189.601-GO (AgRg), rel. Min. Moreira Alves


Informações Sobre o Autor

Wanderley Elenilton Gonçalves Santos

Delegado na Polícia Civil do Estado de São Paulo. Pós-graduado em Direito do Trabalho e Direito Previdenciário. Pós-graduado em Direito Processual Penal. Professor universitário


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