Sim, acidente de trajeto é considerado acidente de trabalho pela legislação previdenciária brasileira. Isso significa que, se um trabalhador sofre um acidente no caminho entre sua residência e o local de trabalho — ou no percurso inverso —, ele tem direito aos mesmos benefícios e garantias legais de quem sofre um acidente típico no ambiente de trabalho. Essa equiparação é prevista no artigo 21, inciso IV, alínea “d”, da Lei nº 8.213/1991, que trata dos planos de benefícios da Previdência Social.
Apesar de algumas mudanças legislativas e tentativas de exclusão dessa equiparação, especialmente por meio da Medida Provisória nº 905/2019 (que perdeu vigência), o entendimento atual e oficial é de que o acidente de trajeto continua sendo reconhecido como acidente de trabalho, com todos os seus efeitos jurídicos, previdenciários e trabalhistas.
Neste artigo, você vai entender em detalhes o que é acidente de trajeto, quando ele é reconhecido, quais os direitos do trabalhador acidentado, como se comprova o acidente, quais documentos devem ser emitidos, o papel do INSS e da empresa, jurisprudência aplicável, diferenças com acidentes comuns, e o que fazer caso o acidente não seja reconhecido. Também apresentamos perguntas e respostas e uma conclusão para esclarecer dúvidas recorrentes sobre o tema.
O que é acidente de trajeto
Acidente de trajeto é aquele que ocorre no percurso entre a residência do trabalhador e o local de trabalho ou entre o local de trabalho e sua casa. Também se considera acidente de trajeto aquele ocorrido no percurso entre um local de trabalho e outro, no caso de trabalhadores que atuam em diferentes unidades da empresa ou que precisam se deslocar a serviço.
Para que seja reconhecido como tal, é necessário que o acidente:
Ocorra em horário razoável com relação à jornada de trabalho
Ocorra em trajeto habitual ou razoável entre os pontos de deslocamento
Não envolva desvios injustificados de rota
Tenha sido provocado por evento externo e involuntário (como colisão de veículos, atropelamento, queda etc.)
O conceito foi incluído na Lei nº 8.213/91 como um dos acidentes equiparados a acidente de trabalho, o que garante ao trabalhador proteção legal ampliada.
Acidente de trajeto está previsto em lei?
Sim. A Lei nº 8.213/91, no artigo 21, inciso IV, alínea “d”, estabelece que é equiparado a acidente de trabalho:
“o acidente sofrido pelo segurado ainda que fora do local e horário de trabalho:
(…)
d) no percurso da residência para o local de trabalho ou deste para aquela, qualquer que seja o meio de locomoção, inclusive veículo de propriedade do segurado.”
Isso significa que não importa se o trabalhador está a pé, de bicicleta, de ônibus ou dirigindo seu próprio carro — se o acidente ocorreu no percurso entre casa e trabalho ou vice-versa, ele será considerado acidente de trajeto, com os mesmos efeitos de um acidente típico de trabalho.
Vale ressaltar que a Medida Provisória nº 905/2019 tentou excluir o acidente de trajeto dessa equiparação. Contudo, como essa MP perdeu vigência e não foi convertida em lei, o dispositivo legal permanece válido.
Diferença entre acidente de trabalho e acidente de trajeto
Embora o acidente de trajeto seja equiparado ao acidente de trabalho, existem diferenças práticas e legais entre eles:
Acidente de trabalho (típico):
Acontece dentro do ambiente de trabalho ou durante a execução das atividades profissionais.
Pode envolver máquinas, ferramentas, quedas no local de trabalho, exposição a agentes nocivos etc.
Normalmente é mais fácil de comprovar, pois há testemunhas e registros internos da empresa.
Acidente de trajeto:
Acontece fora do ambiente de trabalho, no deslocamento entre casa e trabalho.
Envolve geralmente o trânsito (acidente de carro, ônibus, bicicleta, etc.).
Pode ser mais difícil de comprovar, exigindo boletim de ocorrência, laudos e testemunhos externos.
Apesar dessas diferenças, os direitos do trabalhador são os mesmos em ambos os casos, quando comprovado o acidente de trajeto.
Quais são os direitos do trabalhador vítima de acidente de trajeto
Quando o acidente de trajeto é reconhecido como acidente de trabalho, o trabalhador tem direito a uma série de benefícios e garantias legais. Veja os principais:
Afastamento remunerado pela empresa nos primeiros 15 dias
Nos primeiros 15 dias de afastamento, o trabalhador tem direito a receber o salário normalmente, pago pela empresa. A partir do 16º dia, o pagamento passa a ser feito pelo INSS, mediante concessão do auxílio-doença acidentário.
Auxílio-doença acidentário (espécie B91)
Se o acidente provocar afastamento superior a 15 dias, o trabalhador terá direito ao auxílio-doença acidentário, sem exigência de carência. Esse benefício possui vantagens em relação ao auxílio-doença comum, como:
Recolhimento de FGTS durante todo o afastamento
Garantia de estabilidade no emprego após o retorno
Possibilidade de reabilitação profissional gratuita
Valor calculado com base na média dos salários de contribuição
Estabilidade no emprego por 12 meses
Após o retorno ao trabalho, o empregado que recebeu o auxílio-doença acidentário tem direito a estabilidade provisória no emprego por 12 meses, conforme o artigo 118 da Lei nº 8.213/91.
Durante esse período, ele não pode ser demitido sem justa causa. Se a empresa fizer isso, será obrigada a reintegrá-lo ao trabalho ou pagar indenização substitutiva, equivalente ao tempo restante da estabilidade.
Emissão da CAT (Comunicação de Acidente de Trabalho)
A CAT deve ser emitida até o primeiro dia útil após o acidente, preferencialmente pela empresa. No entanto, se a empresa se recusar, o próprio trabalhador, sindicato, médico ou autoridade pública pode fazer a emissão.
A CAT é fundamental para o reconhecimento do acidente de trabalho perante o INSS. Ela deve conter:
Data, hora e local do acidente
Relato do ocorrido
CID da lesão ou enfermidade
Informações da empresa e do trabalhador
Reabilitação profissional
Se o trabalhador não puder mais exercer a função anterior por conta das sequelas do acidente, ele pode ser encaminhado pelo INSS para um programa de reabilitação profissional, com cursos, treinamentos e orientação técnica.
Após a reabilitação, ele poderá retornar ao trabalho em nova função compatível, sem perder o direito à estabilidade.
Indenizações por culpa da empresa (em alguns casos)
Apesar de o acidente de trajeto normalmente ocorrer fora do controle da empresa, há casos em que ela pode ser responsabilizada:
Se a empresa oferece transporte e o acidente ocorre por má conservação ou imprudência do motorista
Se força o trabalhador a realizar o trajeto em tempo irreal ou sob pressão
Se impõe rotas perigosas ou horários inadequados
Nesses casos, é possível pleitear judicialmente indenização por danos morais, materiais ou estéticos.
Como comprovar o acidente de trajeto
Como o acidente de trajeto ocorre fora da empresa, a prova é essencial para o reconhecimento legal. O trabalhador deve reunir:
Boletim de ocorrência policial ou de trânsito
Atestado médico com CID compatível com o acidente
Relatório de atendimento hospitalar ou do SAMU
Testemunhas, se houver
Registros de câmeras de segurança ou vídeos do local
Comprovante de jornada de trabalho (espelho de ponto, por exemplo)
Horário do acidente, compatível com o percurso
Essas provas serão analisadas pelo INSS para fins de concessão de benefício, e também podem ser utilizadas em processos judiciais, se necessário.
Quando o acidente de trajeto não é reconhecido
Nem todo acidente no caminho entre casa e trabalho será automaticamente reconhecido como acidente de trabalho. O INSS e a Justiça podem negar a equiparação nos seguintes casos:
Desvio de rota injustificado ou sem motivo plausível
Acidente ocorrido fora de horário habitual (sem justificativa)
Percurso feito para interesses pessoais (paradas longas para lazer, por exemplo)
Acidente intencional ou causado por imprudência grave do trabalhador
É importante entender que o trajeto precisa ser habitual, razoável e coerente com o vínculo de trabalho.
Em caso de negativa, o trabalhador pode apresentar recurso administrativo no INSS ou buscar a Justiça Federal para reverter a decisão, apresentando documentos que demonstrem a relação com o trabalho.
Jurisprudência sobre acidente de trajeto
A jurisprudência brasileira tem reconhecido, com frequência, o direito do trabalhador que sofre acidente de trajeto, inclusive com decisões favoráveis à estabilidade e à indenização.
Exemplo:
TRT da 2ª Região – Processo 1001080-20.2021.5.02.0461
O tribunal reconheceu o direito à estabilidade de 12 meses a uma trabalhadora que sofreu acidente de motocicleta no trajeto para o trabalho, mesmo após a empresa alegar que o percurso não era habitual. A prova documental e a compatibilidade de horário foram consideradas suficientes.
TST – RR-1002005-64.2020.5.02.0609
O Tribunal Superior do Trabalho confirmou a equiparação de acidente de trajeto a acidente de trabalho e manteve a condenação da empresa ao pagamento de indenização por ter negligenciado o transporte oferecido aos funcionários.
Perguntas e respostas sobre acidente de trajeto
Acidente de trajeto ainda é considerado acidente de trabalho em 2025?
Sim. A legislação vigente reconhece o acidente de trajeto como acidente de trabalho. A tentativa de mudança pela MP 905/2019 foi revogada.
Qual o benefício do INSS nesses casos?
O trabalhador recebe o auxílio-doença acidentário (B91), com recolhimento de FGTS e garantia de estabilidade.
Preciso emitir a CAT para acidente de trajeto?
Sim. A emissão da Comunicação de Acidente de Trabalho (CAT) é essencial para comprovar o acidente e acessar os benefícios.
Posso ser demitido após um acidente de trajeto?
Se você recebeu auxílio-doença acidentário, tem direito a estabilidade de 12 meses após o retorno. A demissão nesse período é ilegal.
Acidente de bicicleta ou a pé é válido?
Sim. O meio de transporte não importa. O que vale é o trajeto entre casa e trabalho, independentemente se for a pé, de ônibus, bicicleta ou veículo próprio.
Posso processar a empresa se o acidente foi culpa dela?
Sim. Se a empresa contribuiu para o acidente (como transporte precário, jornada abusiva, pressões indevidas), é possível pleitear indenização por danos.
E se eu estiver indo a um curso obrigatório da empresa?
Se o curso for parte das suas obrigações funcionais, o trajeto até ele também é considerado percurso de trabalho, e o acidente pode ser reconhecido.
Conclusão
O acidente de trajeto é, sim, equiparado ao acidente de trabalho, conforme estabelece a legislação brasileira vigente. Apesar de tentativas pontuais de restringir esse direito, o entendimento jurídico atual reconhece o trabalhador como segurado protegido, mesmo fora da empresa, desde que o acidente ocorra durante o deslocamento habitual entre casa e trabalho.
Essa equiparação garante uma série de direitos importantes: auxílio-doença acidentário, estabilidade no emprego, emissão da CAT, recolhimento de FGTS, reabilitação profissional e, em certos casos, direito à indenização. O trabalhador precisa estar atento à comprovação do acidente, reunindo documentos, laudos médicos e testemunhos.
Conhecer seus direitos é essencial para evitar prejuízos e assegurar uma recuperação justa e digna. Em caso de negativa do INSS ou da empresa, procure um advogado trabalhista ou previdenciário, que poderá orientá-lo sobre os melhores caminhos para garantir o reconhecimento do acidente de trajeto como acidente de trabalho e preservar seus direitos.