Por Luiz Filipe Duarte e Jonas Wentz, respectivamente, Mestre em Direito pela PUC-RS e advogado na Franco Advogados, e Mestrando em Direito pela Unisinos e sócio na Franco Advogados
O plenário do Supremo Tribunal Federal (STF), por maioria e em sessão virtual realizada no último dia 14 de abril, julgou constitucional a lei 11.442/07, que dispõe sobre transporte rodoviário de cargas. O teor dos votos, na íntegra, foi disponibilizado por ocasião da publicação do acórdão, no dia 19 de maio[1].
Eram duas as ações envolvendo o tema, que acabaram sendo julgadas conjuntamente. A ADC 48, movida pela Confederação Nacional do Transporte, e a ADIn 3.961, ajuizada pela Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho – ANAMATRA e pela Associação Nacional dos Procuradores do Trabalho – ANPT.
O Supremo, quando do julgamento, fixou tese no seguinte sentido: a Constituição Federal (CF) não veda terceirização de atividade meio ou fim; o prazo prescricional fixado na lei é válido; e a atividade configura relação comercial de natureza civil, sem vínculo trabalhista, desde que preenchidos os requisitos dispostos na lei. Essa última questão, em especial, merece destaque.
Na ADIn 3.961, procuradores e juízes do Trabalho impugnaram a constitucionalidade do art. 18 da Lei, que estabelece o prazo prescricional de um ano para os danos relativos aos contratos de transporte, bem como do art. 5º, caput e p. único, que estabelece ser competência da Justiça Comum o julgamento das ações oriundas dos contratos de transporte de cargas, ante a natureza da relação.
O STF, nesse contexto, fixou posição sobre a competência para o julgamento das ações que envolvem a relação entre os agentes do setor, definindo, pois, ante o reconhecimento da constitucionalidade da lei, a competência da Justiça Comum para a análise de questões ligadas à aplicação da Lei 11.442/07, inclusive quanto aos requisitos estabelecidos como indispensáveis à validade da contratação.
Importante destacar que a possibilidade de se estabelecer em tese essa competência, fundamento das ações propostas, foi questão constitucional enfrentada no julgamento, suscitada expressamente pelos Ministros Fachin e Rosa Weber, cujos votos restaram vencidos.
Assim, como esclarecido pelo Ministro Barroso, em comentário ao voto divergente do Ministro Fachin, sempre que se estiver a tratar de um transportador autônomo de carga, definido como dono do seu negócio – proprietário do caminhão ou coproprietário, ou, na pior das hipóteses, arrendatário que presta serviço por conta própria, como ressaltado pelo Ministro – incidirá o quanto disposto na Lei, em especial o que diz respeito à competência para julgamento das ações correlatas.
A repercussão em processos que tramitam perante a Justiça do Trabalho e que versem sobre o disposto na Lei 11.442/07, em princípio suspensos em face da decisão liminar deferida nos autos da ADC, impacta significativamente na relação processual das partes, ante a definição da competência material estabelecida.
Para melhor elucidar, os processos ainda pendentes de julgamento na Justiça do Trabalho, ante o quanto decidido pelo STF, deverão ser remetidos ao juízo competente para a análise do feito, da forma como previsto no art. 64, p. 3º, do Código de Processo Civil, ou, ante a impossibilidade de remessa, considerada as peculiaridades do Processo Judicial Eletrônico, deverão ser extintos, sem resolução do seu mérito, por ausência de pressuposto de constituição e desenvolvimento válido e regular do processo, nos exatos moldes do artigo 485, inciso IV, também do Código de Processo Civil.
Importante destacar que há embargos de declaração opostos por terceiros junto ao STF, com pedido de esclarecimentos se a decisão tomada na ADC produz a automática desconstituição das relações anteriores, requerendo, ao final, a modulação dos seus efeitos vinculantes.
A questão é, sem dúvida, polêmica, haja vista a atribuição constitucional da Justiça do Trabalho, estabelecida no art. 114 da Constituição Federal (com a redação dada pela Emenda Constitucional 45/04) para a apreciação da matéria, que, ao fim e ao cabo, versa sobre uma relação de trabalho, ainda que não necessariamente de emprego.
Sob a ótica das empresas contratantes, é certo que a decisão do Supremo representa segurança jurídica, tão necessária para o desenvolvimento da atividade empresarial. Reforça o quanto já decidido em outra ação no Supremo (ADPF 524), também com efeito vinculante, sobre a licitude da terceirização das atividades-fim das empresas, como uma das formas de estruturação da produção. Naquela ocasião, como destacado na ementa, a proteção constitucional ao trabalho não impõe que toda a prestação remunerada de serviços configure relação de emprego (CF/88, art. 7º).
Importante contextualizar, ainda, a negativa sistemática de aplicação da Lei 11.442/07 pela Justiça do Trabalho, não obstante a observância dos seus requisitos legais, por entender inválida a terceirização, em clara violação à livre iniciativa e à liberdade do exercício profissional. Isso sem o reconhecimento expresso da inconstitucionalidade da Lei, o que motivou a oposição da ADC 48.
Há de se observar, agora, não só os eventuais esclarecimentos que serão prestados pelo Supremo, em face dos embargos de declaração opostos, mas também a posição da Justiça do Trabalho ante a força vinculante da referida decisão, com impacto direto nas ações envolvendo a aplicação da Lei 11.442/07.