*Daniela Martelli
A sociedade não pode ser tão dependente do Estado para resolver seus conflitos é preciso haver mecanismos próprios para solucionar as disputas, acabando com a ideia de que tudo precisa ser resolvido nos tribunais. É o que defende o advogado e desembargador aposentado do Tribunal de Justiça de São Paulo, Kazuo Watanabe.
O Brasil é um dos países líderes no ranking de ajuizamento de ações no mundo. São Paulo é, disparado, o tribunal com a maior quantidade de ações no Brasil. O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) estima que quase 30% dos processos, em geral, passem por tribunais paulistas. E tratando-se do excesso de demanda há, também, a sobrecarga da magistratura nacional brasileira, mesmo considerando que o seu desempenho esteja acima dos padrões internacionais. Segundo relatório do Conselho Nacional de Justiça, o índice de produtividade dos juízes brasileiros é um dos maiores do mundo, acima até mesmo dos juízes europeus.
A justiça brasileira apresenta também o dobro da demanda em relação aos países europeus. Enquanto cada um de nossos juízes recebem em média 1.375 novos casos por ano, em Portugal os juízes recebem 379 casos novos ao ano, na Itália 667 casos e na Espanha 673 novos casos. Há ainda grande receio por parte do Poder Judiciário, que após as reformas da previdência, administrativa e tributária esses números se mostrem insustentáveis.
Neste cenário, influentes juristas propõe uma verdadeira mudança cultural, a fim de desestimular a sociedade e profissionais do direito à judicialização imediata dos conflitos. O advogado deverá ainda estimular e favorecer o comportamento cooperativo das partes no processo. Propõe aos escritórios de advocacia e departamentos jurídicos, o surgimento de um Contencioso Estratégico Preventivo, através de uma gestão eficiente da carteira de processos, com a finalidade de prevenir conflitos, gerenciar riscos e evitar surpresas. É certo que o cliente não quer saber sobre a técnica processual ele apenas quer rapidez, organização, sistema atualizado, frequência definida para análise de cada um desses processos, previsão e posicionamento correto.
O que se mostra fundamental para este Contencioso Estratégico Preventivo e Inteligente é o verdadeiro controle de informações, através de sistemas e políticas para gestão de processos, documentos, arquivos de histórico, mapeamento de casos inferiores e êxitos remotos, cuja manutenção do custo seja superior à quantia gasta com o próprio escritório. E ainda é importante que este gestor tenha conhecimento dos precedentes, controle interno do portfólio do contencioso e do histórico dos casos (uma vez que a perda do histórico influencia na derrota da causa).
É Fundamental que haja também uma rotina de aproximação do advogado com a área do business, a criação de comitês para feedback ao cliente e abertura para um debate prático e escolha de tese para que determinado assunto relevante não seja levado e reconhecido nos tribunais como precedente, criando e disseminando novas políticas, evitando-se a frequência e a contaminação de velhos erros.
O gestor 4.0 de um contencioso inteligente deve ter domínio das técnicas e saber escolher entre a arbitragem, a mediação e o contencioso judicial. Deve ser capaz de refletir sobre os custos e reais retornos de uma arbitragem, uma vez que esta pode ser tão litigante quanto um contencioso judicial, esses devem ser reservados aos casos de grande complexidade, alta monta e densidade probatória. Ele ainda precisa reconhecer e entender que mundialmente a mediação é o método mais barato e eficiente para solução de conflitos.
O Advogado 4.0 deve ter ferramentas de pesquisa e controle de jurisprudência, precedentes e súmulas para referência na tomada de decisões empresariais, mapeando a jurisprudência pacífica dos Tribunais, analisando o risco e traçando a estratégia – sempre buscando desestimular a litigância quando se verifique a ausência de segurança jurídica, a ambiguidade normativa e latente divergência jurisprudencial.
O escritório 4.0 será aquele que entende o negócio do cliente e proteja as teses do setor, aquele que proponha uma linha diferencial de atuação, que tenha organização dos precedentes nos Tribunais para acompanhar as teses do cliente. É o escritório que apresente união e sinergia entre as áreas internas consultiva e contenciosa, que dê espaço aos negócios jurídicos processuais e a possibilidade de diálogo.
Este mesmo escritório deve ter profissionais abertos e com boas práticas de negociação e relacionamento, que apresente planos preventivos e organização de acordos, que tenha capacidade de prever os riscos e evitar surpresas, através do controle e estudo dos precedentes, leitura da tendência do Magistrado, da Comarca ou de determinado Tribunal e a possibilidade de aceleração das provisões, com impacto importante para a rotina das empresas.
Acreditamos ainda que o advogado do futuro deverá ser um verdadeiro arquiteto de soluções, assim como o ambiente jurídico como um todo deverá sempre se comprometer a tentar a solução amigável dos conflitos antes de enviar o problema ao Poder Judiciário, em um verdadeiro “Pacto da Mediação”, como defende Watanabe.
Por fim, há de se observar que este novo conceito de Contencioso e Advocacia 4.0 ainda esbarra no sucateamento da infraestrutura do judiciário brasileiro que se arrasta há décadas e encontra inúmeras dificuldades, como falta de condições e material básico de trabalho. Necessário, portanto, aparelhar o Judiciário com ferramentas e tecnologia que o auxiliem na eficiência e na agilidade dos julgamentos, em todos os seus níveis.
Por essa razão é que o movimento de mediação e de desmaterialização da justiça e do Estado é extremamente importante para que a sociedade se organize e forme uma nova mentalidade. Nos Estados Unidos, mais de 4 mil empresas e 1,5 mil escritórios de advocacia já assinaram o “Pacto de Mediação”.
*Daniela Justino Dantas Martelli, Advogada Sênior da área de Contencioso Cível Estratégico no escritório Finocchio & Ustra Sociedade de Advogados.