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Por: Roberto Ribeiro
Embora não pretenda advogar, o bacharel em Direito que participa da 22ª edição do Big Brother Brasil, o BBB, precisa estar atento ao que o estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) impõe – de zelar por sua vida pessoal e profissional.
A avaliação é do doutor em Filosofia pela Sorbonne (Paris), Gérson Neves Pinto.
O brother em questão é Marcus Vinícius Fernandes de Souza, o Vinícius, 24 anos, natural do Crato (CE). Além dele, outros 20 operadores do Direito, entre advogados, bacharéis e estudantes, já participaram das 21 edições anteriores do BBB.
Alguns inclusive levaram para casa a pequena fortuna, hoje de R$ 1,5 milhão, reservada ao vencedor. Caso de Juliete Feitosa, ganhadora do BBB 21. Até então, tinha planos de ganhar a vida como delegada. Interrompeu a preparação para um concurso quando foi selecionada para participar do reality da rede Globo.
Juliete não foi a única representante da área a ganhar a causa e trocar o Direito pela vida de celebridade.
Além dela, a advogada Fernanda Kuella Vilaça, em 2013, o estudante Cézar de Lima Martins, em 2015, e a bacharel Paula Von Sperling, em 2019, convenceram o público (a escolha é feita pelo voto popular) de que mereciam o prêmio. Levaram.
Algum problema? Para Gérson, nenhum. De acordo com ele, a mera participação de um operador do Direito no Big Brother Brasil ou em outro programa congênere não implica objeção.
“A não ser que ocorresse um crime, uma agressão, e se o operador é o agressor, ele não deixa de ser um advogado que está inserido em uma corporação [OAB] que tem estatutos claros quanto à necessidade do zelar pela vida profissional e pessoal”, diz Gérson, que é professor de Ética e Filosofia do Direito da Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos). Por isso, recomenda: “Tem que pensar bem antes de ser advogado.”
Ele cita alguns exemplos do que chama de “comportamentos incontinentes” que devem ser evitados, que vão desde beber em excesso publicamente e não respeitar regras do trânsito, a crimes hediondos, tipificados no Brasil como latrocínio, homicídio qualificado, estupro, pedofilia, entre outros.
Condutas que se comprovadas junto ao Tribunal de Ética e Disciplina (TED) da OAB de cada Estado da federação podem implicar suspensão ou até a exclusão do operador do Direito.
No caso do BBB, assistido por dezenas de milhões de pessoas diariamente, Gérson Neves Pinto recomenda moderação em relação a casos que não raro aparecem em realities, tais como assédio e comentários de caráter misógino, racista e sexista.
Ele entende que o cuidado que a OAB preconiza em seu regulamento em relação à vida profissional e privada dos seus inscritos não constitui excesso.
São preocupações que ressaltam a relevância pública da profissão e o papel que cumpre de pleitear e propor direitos aos seus clientes e, por extensão, à coletividade. “Por isso a necessidade desse cuidado na vida profissional e pessoal”, reforça.
Não pense que “não dá nada”, como se diz. A não observância desses cuidados a que o professor se refere não é letra morta e é capaz de provocar dissabores a profissionais da área.
Ano passado, o Conselho Seccional da Ordem em Goiás (OAB-GO) afastou um advogado por 90 dias por conduta incompatível com a advocacia.
Em uma petição que tramitava no Tribunal de Justiça de Goiás (TJGO), ele ofendeu magistrados e servidores na tentativa de reaver um cargo público que exercia em Goiânia, capital do Estado.
“Escrotíssimo senhor juiz de direito (corrupto, sociopata e desgraçado) da 4ª Vara da Fazenda Pública Estadual […] Venho desrespeitosamente (porque corrupto não merece respeito) perante vossa excelência, um juiz corrupto, sociopata e sem vergonha na cara, apresentar recurso de apelação”, escreveu.
Em outubro de 2019, também na Seccional da Ordem em Goiás, quatro advogados foram excluídos por infrações previstas no Estatuto da Advocacia e da OAB (Lei 8.906/94 – EAOAB).
Em três casos eles foram afastados definitivamente por acumularem mais de três penas disciplinares, conforme previsto no artigo 38 do EAOAB. Numa quarta situação, na mesma Seccional, uma advogada acabou excluída por inidoneidade. Ela foi condenada em 16 processos pelo crime de estelionato (artigo 171 do Código Penal).
Bacharéis na mira
Mas atenção, brother Vinícius e demais bacharéis em Direito: a OAB desde 2019 estende sua régua de conduta ética e comportamento inidôneo a recém formados que não estão inseridos na corporação.
Atos de violência contra mulher têm sido conduta cada vez menos tolerada na Ordem. Tanto que se aplica a quem concluiu curso de Direito mas ainda não está inscrito.
Súmula aprovada pelo plenário do Conselho Federal da OAB em março de 2019 impede a inscrição de bacharéis em Direito imputados nesse tipo de crime.
Diz a redação da súmula: “Requisitos para a inscrição nos quadros da Ordem dos Advogados do Brasil. Inidoneidade moral. A prática violência contra a mulher, assim definida na “Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher – ‘Convenção de Belém do Pará’ (1994)”, constitui fator apto a demonstrar a ausência de idoneidade moral para a inscrição de bacharel de Direito nos quadros da OAB, independente da instância criminal, assegurado ao Conselho Seccional a análise de cada caso concreto.”
A iniciativa surgiu da Comissão Nacional da Mulher Advogada que tratava especificamente sobre a violência contra a mulher.
No entanto, a decisão encontra ressalvas. Para o advogado Osny Brito da Costa Júnior, em artigo no site Ciências Criminais, a decisão vislumbra “aparente inconstitucionalidade por criar hipótese de pena perpétua”.
Ele sugere, ainda, que a medida seja cumprida com “parcimônia”, observando princípios constitucionais.
Midiatização
Em tempos de mídias sociais, os tais “15 minutos de fama” profetizados nos já longínquos anos 1960 por ninguém menos que o pai da chamada pop arte, Andy Warhol, nunca foram tão viáveis.
Obviamente que operadores do Direito bem como de qualquer outra área não estão à margem deste fenômeno. Tanto que o Conselho Federal da OAB, por meio do Provimento 205/2021, dispõe sobre o tema.
O texto é considerado basilar sobre marketing jurídico no âmbito da internet via redes sociais – espécie de marco regulatório da publicidade da advocacia no ambiente digital.
Nele, o Conselho Federal da Ordem estabelece normas e diretrizes bem como permissões e condutas vedadas de acordo com o Código de Ética e Disciplina da corporação.
Atenção especial ao artigo 5º, que versa sobre a publicidade profissional.
Vale a consulta: seus três parágrafos delimitam anúncios, pagos ou não, a proibição quanto ao pagamento, patrocínio ou efetivação de qualquer outra despesa para “viabilizar a aparição em rankings, prêmios (…) honrarias em eventos ou publicações, em qualquer mídia, que visa eleger ou destacar profissionais como detentores de destaque.”
O artigo dispõe também sobre identidade visual dos advogados e do escritório e ainda quanto à participação em vídeos gravados ou ao vivo, assim como debates e palestras virtuais.
“Eu tenho visto muitos operadores do Direito usando canais de mídia social para explicar conceitos e questões jurídica”, opina a doutora em Comunicação e Informação pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Raquel Recuero.
Atualmente professora do Centro de Letras e Comunicação da Universidade Federal de Pelotas (UFPel), Recuero é uma entusiasta desta prática: “É interessante porque aumenta a compreensão do cidadão sobre direitos e deveres. Claro, aí tem também uma questão de reputação que é igualmente importante, é uma troca. Enquanto compartilham dicas e informações, os advogados também negociam reputação com sua audiência e possíveis clientes.”
A exposição midiática também não é vista com suspeição pelo professor da Unisinos. Pelo contrário, mas agora para além do Big Brother e mídias sociais.
Para Gérson, ao longo do tempo, juristas perderam espaço para economistas e políticos na opinião pública. Vê, portanto, com bons olhos o retorno, embora “tímido”, de advogados ao debate público em veículos da grande mídia.
“O advogado é indispensável na administração da Justiça, uma importância que é reconhecida no artigo 133 da Constituição Federal, são peças necessárias na consolidação do Estado Democrático de Direito”, afirma.
Nas mídias sociais ele lembra que esta presença é maior. Cita a existência de grupos como o Prerrogativas, formado por juristas, magistrados e professores, para promover debates e discussões sobre questões como Estado Democrático de Direito, fake news, eleições, entre outros temas.
“É um espaço importante que está sendo bem ocupado para fomentar uma discussão necessária no atual contexto político e social do País”, disse.