Afinal, bigamia é crime no Brasil?

A bigamia, em linhas gerais, consiste na atitude de contrair matrimônio quando já se está comprometido na instituição do casamento com outra pessoa. 

A bigamia, inclusive, já foi crime punido com pena capital, pena de morte, em certos ordenamentos jurídicos. 

Antes do advento da Constituição Federal de 1988 e da nova concepção de família adotada pelo ordenamento jurídico moderno do Brasil, a bigamia era considerada crime. 

No entanto, com tantas transformações sociais e, inclusive, com o novo conceito de família, em tempos atuais, onde discussões como o poliamor cada vez mais crescem, surge a dúvida: 

A bigamia ainda é considerada crime no Brasil? 

Neste artigo, em pontos estratégicos, será respondida essa questão e abordado tudo mais o que você precisa saber sobre bigamia. 

Então, acompanhe a seguir tudo o que você precisa saber sobre bigamia! 

 

O que é bigamia? 

Antes de tudo, embora já tenha sido abordado de forma breve o significado de bigamia, importantíssimo tratar do que de fato é bigamia. 

E, para poder compreender o significado de bigamia, antes de mais nada, é necessário saber qual é o significado de monogamia. 

A monogamia se caracteriza por uma relação que é estabelecida e é desenvolvida com somente um parceiro. 

A bigamia é considerada, nos países que praticam a monogamia conjugal, como o ato de se casar com alguém quando ainda é legalmente casada com outra pessoa. 

A punição na esfera penal à prática de bigamia é antiga. 

Na Roma Antiga se adotava a cultura do casamento monogâmico e, por este motivo, era considerada crime a celebração de um novo casamento enquanto outro ainda era vigente. 

Também na Idade Média se punia criminalmente e igualmente a prática de bigamia e adultério. 

Inicialmente era aplicada a pena capital, ou seja, a pena de morte. Contudo, gradualmente a pena foi diminuída à perda de metade dos bens, desterro ou marcas a ferro, ante a desproporcionalidade da sanção inicial. 

Contudo, na Idade Média, era excluída a punição daqueles que se casassem, de boa-fé, com alguém já casado. 

O Código francês de 1791 previa pena de prisão a ferros por 12 anos, e o seu sucessor. 

Já o Código que lhe sucedeu, o Código de Napoleão de 1810, estipulou uma pena de trabalhos forçados. Pena, esta, estendida ao oficial que celebrasse o casamento. 

E no Brasil? 

Bem, no Brasil, já nas Ordenações Filipinas, a bigamia era considerada um crime e tinha prevista a sanção de pena de morte para o delito. 

O motivo da criminalização, bem como da punição tão severa no Direito das Ordenações, reside na concepção que se tinha, à época, do matrimônio. 

Se entendia que o matrimônio era um sacramento e a bigamia, portanto, um pecado muito grave. 

Posteriormente, no Código Criminal do Império do Brasil, de 1830, a sanção prevista era de prisão com trabalho, por um a seis anos, além de multa correspondente à metade do tempo. 

No Código Penal de 1890, o crime de bigamia ocorria quando o casamento ocorria sem o anterior ter sido dissolvido por sentença de nulidade ou por morte do outro cônjuge. 

A pena era de prisão cautelar, de um a seis anos. 

Ademais, incorreria nas penas de cumplicidade aquele que sabia previamente que aquele com quem contraiu casamento já era casado. 

Mas e atualmente, como o ordenamento jurídico brasileiro trata a prática de bigamia? 

Antes de adentrar na criminalização ou não na conduta pela legislação brasileira atual, importante fazer mais um apontamento quanto ao termo bigamia. 

Antes de prosseguir, necessário compreender a diferença entre bigamia e poligamia. 

 

Bigamia x Poligamia 

A poligamia é um termo de origem grega, que faz referência a muitos casamentos. 

Assim, é possível notar que poligamia, como a bigamia, representa o oposto de monogamia, consistindo no casamento com mais de uma pessoa. 

Assim como no caso da bigamia, o termo poligamia também denota um significado amplo. 

Isso ocorre porque pode ser configurada tanto uma situação em que um homem possua mais de uma esposa, quanto uma mulher que possua mais de um marido. 

Aliás, essas duas variações também possuem terminologias. 

O termo poliginia importa em quando o homem possui duas ou mais mulheres, situação que é mais comumente vista. 

E o termo poliandria implica na situação em que a mulher têm dois ou mais maridos, situação que é mais incomum. 

E, após a explicação do termo bigamia e também de poligamia, pode vir a surgir uma dúvida. 

 

Bigamia e/ou poligamia são a mesma coisa que traição? 

Apesar de algumas pessoas acabarem confundindo os termos, traição não significa bigamia e nem poligamia. 

Se trata de situações distintas! 

Quando alguém possui um ou mais amantes, não estará praticando bigamia e nem poligamia. 

A situação que se configura é a de adultério. 

Adultério ocorre quando um sujeito mantém ocultamente um relacionamento paralelo, sem o outro parceiro ter conhecimento. 

Neste caso, esse relacionamento paralelo não é um outro casamento. 

Na bigamia, existe mais de um matrimônio. Da mesma forma, na poligamia, há mais de um casamento firmado e todos os envolvidos estão cientes sobre o sistema. 

Assim, portanto, não se pode confundir traição com bigamia ou poligamia. 

Importante pontuar, inclusive, que em algumas religiões, a bigamia e a poligamia são permitidas e, em alguns casos, até mesmo incentivadas. 

 

Bigamia é crime? 

Mas então, após compreender o que é bigamia, surge a dúvida: afinal, atualmente, bigamia é crime no Brasil? 

A verdade é que, apesar das transformações que o direito brasileiro sofreu nas últimas décadas, a prática de bigamia continua sendo considerada crime. 

Atualmente, o crime está previsto no Título VII – Dos crimes contra a família, do Capítulo I – Dos crimes contra o casamento, da Parte Especial do Código Penal. 

Conforme disciplinado no art. 235, no referido dispositivo supracitado, o crime é previsto da seguinte forma: 

Art. 235 – Contrair alguém, sendo casado, novo casamento: Pena – reclusão, de dois a seis anos. 

  • 1º – Aquele que, não sendo casado, contrai casamento com pessoa casada, conhecendo essa circunstância, é punido com reclusão ou detenção, de um a três anos. 
  • 2º – Anulado por qualquer motivo o primeiro casamento, ou o outro por motivo que não a bigamia, considera-se inexistente o crime.

 

A previsão do crime tem por base a proteção constitucional especial que o Estado deve proporcionar à família enquanto base da sociedade. 

Ademais, a Convenção Americana de Direitos Humanos preconiza a família como núcleo natural e fundamental da sociedade, devendo ser protegida pela sociedade e pelo Estado. 

O bem jurídico tutelado, neste caso, é a ordem jurídica matrimonial, que tem base no casamento monogâmico. 

E o objeto material é o casamento, contra o qual atenta o sujeito que contrai novo matrimônio ainda em vigência de outro. 

 

Bigamia admite modalidade culposa? 

Neste caso de bigamia, o elemento subjetivo do tipo é o dolo. 

Assim, portanto, conforme a previsão do caput, o dolo pode ser direto ou eventual. 

Dolo direto ocorre quando o sujeito contrai novo casamento estando ciente de que não desfez seu antigo matrimônio. 

Dolo eventual, por outro lado, ocorre, por exemplo, quando um sujeito contrai novo casamento, mesmo tendo dúvidas sobre a extinção do antigo casamento. 

Contudo, na situação prevista no § 1º, exige-se o dolo direto, devendo o agente saber que estava se casando com uma pessoa que já era casada com outra. 

Esse entendimento advém da própria compreensão que se faz do texto do dispositivo: 

  • 1º – Aquele que, não sendo casado, contrai casamento com pessoa casada, conhecendo essa circunstância, é punido com reclusão ou detenção, de um a três anos. 

 

E, havendo erro, referentemente à dissolução do vínculo matrimonial, é excluído o dolo, afastando o crime, uma vez que a bigamia não é punida na modalidade culposa. 

 

É possível a incidência de agravante de crime praticado contra cônjuge em caso de Bigamia? 

No tocante à incidência de agravante, importante analisar a agravante de crime praticado contra o cônjuge. 

Isso porque a situação é, de fato, um crime que afeta o cônjuge do primeiro casamento. 

Contudo, imprescindível destacar que o crime de bigamia não é compatível com essa agravante. 

A agravante de crime praticado contra cônjuge possui previsão no art. 61, II, e, última parte, do Código Penal, conforme segue: 

Art. 61 – São circunstâncias que sempre agravam a pena, quando não constituem ou qualificam o crime: 

II – ter o agente cometido o crime: 

  1. e) contra ascendente, descendente, irmão ou cônjuge.

 Apesar de configurar um crime contra o cônjuge, não se aplica a agravante tendo em vista que, em verdade, o elemento do dispositivo já integra o próprio delito. 

Em outras palavras, considerar o elemento do crime duas vezes, para configurar o crime e para agravar a pena também, acabaria configurando uma dupla punição pelo mesmo fato (bis in idem). 

 

Bigamia admite modalidade tentada? 

Antes de adentrar na questão da tentativa, importante definir quando o delito de consuma. 

A consumação do crime de bigamia ocorre quando do exato momento da realização do casamento. 

Em outras palavras, se configura o crime de bigamia quando o juiz declara casados os cônjuges. 

O crime de bigamia é um crime instantâneo, de efeitos permanentes. 

Isso significa dizer que a consumação ocorre com a realização do segundo casamento, contudo, cria-se um rastro que se protrai no tempo, como num crime permanente. 

Considera-se que os atos executórios do crime de bigamia são iniciados com a celebração do casamento, de modo que a habilitação é apenas um ato preparatório. 

Com relação à tentativa, ela é admitida? 

Assim, é admissível a tentativa no caso de crime de bigamia, contudo sua ocorrência é difícil de ocorrer. 

Por exemplo: uma bigamia tentada ocorreria quando um sujeito, ao tentar se casar novamente, acaba sendo impedido, frustrando seu objetivo. 

Segundo entendimento doutrinário majoritário, a tentativa ocorre quando são iniciados os atos de celebração do casamento, que é interrompido por circunstâncias alheias à vontade do sujeito. 

Existe, ainda um entendimento mais restritivo, porém não majoritário, de que a tentativa só ocorre quando o sujeito manifesta a vontade de casar perante o juiz, mas algum acontecimento posterior, alheio à sua vontade, impede a autoridade de declará-los casados. 

 

Qual é o termo inicial de prescrição do crime de Bigamia? 

Conforme a regra geral prevista no art. 111, inciso I, do Código Penal, o termo inicial do prazo prescricional é a data de consumação do crime, conforme segue: 

Art. 111 – A prescrição, antes de transitar em julgado a sentença final, começa a correr: 

I – do dia em que o crime se consumou. 

No entanto, para toda regra há uma exceção. 

E o crime de bigamia, assim como crime de falsificação ou de alteração de assentamento do registro civil, constitui uma exceção. 

Conforme o art. 111, IV, do Código Penal, a prescrição, antes de transitar em julgado a sentença final, ou seja, a prescrição da pretensão punitiva, só começa a contar da data em que o fato se tornou conhecido: 

Art. 111 – A prescrição, antes de transitar em julgado a sentença final, começa a correr: 

IV – nos de bigamia e nos de falsificação ou alteração de assentamento do registro civil, da data em que o fato se tornou conhecido. 

Tem-se entendido que o fato se torna conhecido com a ciência pela autoridade pública, ou seja, por conhecimento formal. 

No entanto, existe entendimento que compreende o conhecimento presumido que ocorre, por exemplo, quando se usa ostensivamente o documento. 

Ademais, no âmbito cível, se observa que a ação proposta com a finalidade de declarar a nulidade absoluta de um casamento, por bigamia, é imprescritível. 

 

Atipicidade da conduta 

No caso de o primeiro casamento ser declarado como nulo ou se for anulado por qualquer motivo que seja, não sendo a bigamia, afasta-se o crime de bigamia por atipicidade da conduta. 

Assim, portanto, uma eventual discussão que surja no âmbito civil acerca da validade do primeiro casamento, configura a denominada questão prejudicial.  

De ver que o divórcio ou falecimento do outro cônjuge posterior à consumação não elide o crime. 

 

Conclusão 

Conforme visto, apesar das modificações que o direito brasileiro sofreu a partir da Constituição Federal de 1988, a bigamia ainda é uma prática considerada crime no Brasil. 

A respeito disso, muitos questionam a natureza subsidiária do Direito Penal, que só deve agir como a ultima ratio do ordenamento jurídico. 

Neste sentido, vêm se levantando discussões a respeito do fato de que, onde bastam os meios do direito civil ou do direito público, o direito penal deveria retirar-se. 

Contudo, apesar destas discussões, atualmente o que se encontra é a criminalização da conduta. 

Assim, portanto, após compreender o conceito, o significado, as diferenças com relação à traição, adultério e poligamia. 

E, após compreender o texto legal e sua aplicação, fica claro que este é um tema que deve ser compreendido e estudado, vez que faz parte da compreensão do direito penal e, portanto, do direito brasileiro. 

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