Resumo: O presente artigo tem como objeto o estudo do instituto da Alienação Fiduciária, em especial nos casos de bem imóveis. É notório que a criação da supracitada forma de garantia contratual trouxe grandes mudanças na dinâmica negocial, principalmente devido à sua execução célere, dada em sua maior parte por via cartorária. Adiante, realizam-se breves apontamentos acerca da Lei 9.514/97 que disciplina a alienação fiduciária, levantamento de decisões jurisprudenciais, bem como anotações acerca do tema.
Palavras-chave: alienação fiduciária, contratos, garantia.
Abstract: The present article aims to study the Brazilian institute known as Alienação Fiduciária, especially in cases of property. It is known that the origin of the legislation about this type of guarantee made important changes to the Brazilian jurisdictional and economical systems, making it prompter and more reliable. In this paper brief comments were made in relation to this institute and its respective legislation (Law 9.514/97), taking into consideration jurisprudence and other annotations on the matter.
Keywords: contracts, warranty, guarantee.
Sumário: Introdução. 1. Conceito. 2. Da notificação extrajudicial para pagamento de parcela vencida. 3. Da purgação da mora. 4. Da inadimplência e consequente resolução da propriedade em favor do credor fiduciária. 5. Do leilão extrajudicial. 5.1. Da discussão acerca da constitucionalidade do leilão extrajudicial de bem imóvel objeto de alienação fiduciária 6. Da possibilidade de cobrança de taxa de ocupação. 7. Implicações judiciais. 7.1. Do Cabimento da Ação de Reintegração de Posse. 7.2 Do registro e da validade contra terceiros. 7.3. Da Revisão Contratual. Conclusão. Referências.
INTRODUÇÃO
O instituto da Alienação Fiduciária surge no ordenamento jurídico brasileiro como resposta à necessidade indiscutível de tornar mais eficaz a recuperação de capital investido, quando da inadimplência do devedor.
Se fez necessário que um processo mais célere e de menos custos fosse elaborado, para que a cobrança e execução da dívida se tornassem mais ágeis e menos onerosas ao credor. Com esse intuito foi elaborada a Lei do Sistema Financeiro Imobiliário (lei 9514/97), que conseguiu viabilizar uma forma mais eficaz e rápida de execução, feita quase toda por meio extrajudicial.
Adiante, estudaremos de forma mais detalhada o fenômeno da Alienação Fiduciária, especificamente quando o objeto do contrato se tratar de bem imóvel, e suas principais características.
1. CONCEITO
Explica-se, inicialmente, que o conceito de Alienação Fiduciária de bem imóvel pode ser extraído com facilidade da Lei 9.514/1997, que consigna em seu artigo 22 a seguinte redação:
“Art. 22. A alienação fiduciária regulada por esta Lei é o negócio jurídico pelo qual o devedor, ou fiduciante, com o escopo de garantia, contrata a transferência ao credor, ou fiduciário, da propriedade resolúvel de coisa imóvel.”
Destarte, portanto, tem-se que a alienação fiduciária regulada por esta Lei é o negócio jurídico pelo qual o devedor, ou fiduciante, com o escopo de garantia, contrata a transferência ao credor, ou fiduciário, da propriedade que passa a ter caráter resolúvel.
Assim dispõe o Art. 25., in verbis: “Com o pagamento da dívida e seus encargos, resolve-se, nos termos deste artigo, a propriedade fiduciária do imóvel.”
A característica resolúvel se dá pelo fato de ficar a titularidade da propriedade vinculada ao adimplemento da dívida, resolvendo a propriedade com o pagamento em sua integralidade (resolvendo-se a propriedade em favor do devedor fiduciante) ou com o seu total inadimplemento (momento em que a propriedade se resolve em favor do credor fiduciário). É correto afirmar, portanto, que durante o curso do contrato o devedor é titular direto da propriedade, e o credor titular indireto.
2. DA NOTIFICAÇÃO EXTRAJUDICIAL PARA PAGAMENTO DE PARCELA VENCIDA
O Art 26 da Lei 9514/97 dispõe sobre o procedimento da notificação extrajudicial, que deverá ser realizado em caso de inadimplência do devedor. In verbis:
“Art. 26. Vencida e não paga, no todo ou em parte, a dívida e constituído em mora o fiduciante, consolidar-se-á, nos termos deste artigo, a propriedade do imóvel em nome do fiduciário. § 1º Para os fins do disposto neste artigo, o fiduciante, ou seu representante legal ou procurador regularmente constituído, será intimado, a requerimento do fiduciário, pelo oficial do competente Registro de Imóveis, a satisfazer, no prazo de quinze dias, a prestação vencida e as que se vencerem até a data do pagamento, os juros convencionais, as penalidades e os demais encargos contratuais, os encargos legais, inclusive tributos, as contribuições condominiais imputáveis ao imóvel, além das despesas de cobrança e de intimação.”
De acordo com a redação do supracitado artigo, no caso de inadimplência, deverá o credor proceder com o requerimento ao oficial de cartório competente para que esse providencia a notificação do devedor fiduciante que deverá realizar o pagamento da parcela vencida acrescida de correção monetária, juros devidos, e impostos que recaírem sobre o imóvel, bem como prestações condominiais.
Caso seja efetuado o pagamento no prazo de 15 dias, o contrato voltará a seguir seu curso normal, com o devedor fiduciante prosseguindo no pagamento das parcelas restantes, até a resolução de suas obrigações e a concretização da propriedade em seu favor.
Ressalta-se que para que a notificação seja válida é prescindível que esta seja realizada pessoalmente, em contrário da interpretação do disposto no §3º do art. 26 da lei 9.514/97. Faz-se suficiente, então, que a mesma seja realizada no domicílio do devedor, conforme entendimento do STJ, vide emenda a seguir:
“AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO (ART. 544, DO CPC) – AÇÃO DE REINTEGRAÇÃO DE POSSE COM PEDIDO LIMINAR – NOTIFICAÇÃO EXTRAJUDICIAL – DECISÃO MONOCRÁTICA QUE NEGOU PROVIMENTO AO RECLAMO. INCONFORMISMO DA MUTUÁRIA. 1. Em caso de alienação fiduciária, a mora deve ser comprovada por meio de notificação extrajudicial realizada por intermédio do cartório de títulos e documentos a ser entregue no domicílio do devedor, sendo dispensada a notificação pessoal. Precedentes do STJ. 2. Agravo regimental desprovido. (AgRg no AREsp 676508 / MS AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL
2015/0053544-9 relator Ministro MARCO BUZZI 4ª Turma)”
3. DA PURGAÇÃO DA MORA
Como já explicado anteriormente, em caso de inadimplemento das parcelas, será o devedor notificado para que proceda com a purgação da mora. Nos termos do art. 26, §5º da lei 9517/97, caso seja efetuada a purgação da mora, deve o credor dar quitação ao devedor, seguindo o contrato seu curso normal até o adimplemento total das parcelas restantes. In verbis:
“Art. 26 § 5º Purgada a mora no Registro de Imóveis, convalescerá o contrato de alienação fiduciária. § 6º O oficial do Registro de Imóveis, nos três dias seguintes à purgação da mora, entregará ao fiduciário as importâncias recebidas, deduzidas as despesas de cobrança e de intimação.”
Ressalta-se também que a purgação da mora pode ser realizada a qualquer momento, contando que a propriedade do imóvel ainda não tenha sido transferida para o credor fiduciante. Isso pois, considera-se que principal objetivo do contrato estudado é o adimplemento da dívida e não a transferência de titularidade da propriedade do objeto do contrato. Seguindo esse entendimento, destaca-se a jurisprudência a seguir:
“AGRAVO LEGAL. DECISÃO MONOCRÁTICA. CPC, ART. 557. ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA DE IMÓVEL. LEI Nº 9514/97. PURGAÇÃO DA MORA. PRAZO. DIREITO À MORADIA. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. – Considerando que o credor fiduciário, nos termos do art. 27, da Lei nº 9.514/97, não incorpora o bem alienado em seu patrimônio, que a principal finalidade da alienação fiduciária é o adimplemento da dívida, a purgação da mora até a arrematação não encontra qualquer entrave procedimental, desde que cumpridas todas as exigências previstas no art. 34, do Decreto Lei nº 70/66. – Admitida a purgação da mora até a data da arrematação do imóvel e não se vislumbrando qualquer irregularidade no procedimento de consolidação da propriedade, deve a autora arcar com as despesas decorrentes da consolidação da propriedade em favor do fiduciário, inclusive os débitos relativos ao ITBI. – Não obstante a parte autora tenha obtido o provimento jurisdicional almejado o certo é que a inadimplência contratual por ela deflagrada é que deu causa ao ajuizamento da ação, logo a ela cumpre arcar com os ônus da sucumbência. – Agravo legal parcialmente provido.
(TRF-3 – AC: 43 MS 0000043-79.2013.4.03.6007, Relator: DESEMBARGADOR FEDERAL JOSÉ LUNARDELLI, Data de Julgamento: 18/02/2014, PRIMEIRA TURMA)”
4. DA INADIMPLÊNCIA E CONSEQUENTE RESOLUÇÃO DA PROPRIEDADE EM FAVOR DO CREDOR FIDUCIÁRIO
Caso o devedor inadimplente permaneça inerte em face a notificação extrajudicial, não realizando portanto o pagamento no prazo determinado, deverá o oficial do cartório competente certificar a falta de pagamento e proceder com a averbação na matrícula do imóvel, com a consequente transferência da propriedade do imóvel para o credor fiduciário. Nesse sentido, dispõe o art. 26, caput e §§1º e 7º :
“Art. 26. Vencida e não paga, no todo ou em parte, a dívida e constituído em mora o fiduciante, consolidar-se-á, nos termos deste artigo, a propriedade do imóvel em nome do fiduciário. § 1º Para os fins do disposto neste artigo, o fiduciante, ou seu representante legal ou procurador regularmente constituído, será intimado, a requerimento do fiduciário, pelo oficial do competente Registro de Imóveis, a satisfazer, no prazo de quinze dias, a prestação vencida e as que se vencerem até a data do pagamento, os juros convencionais, as penalidades e os demais encargos contratuais, os encargos legais, inclusive tributos, as contribuições condominiais imputáveis ao imóvel, além das despesas de cobrança e de intimação.§ 7o Decorrido o prazo de que trata o § 1o sem a purgação da mora, o oficial do competente Registro de Imóveis, certificando esse fato, promoverá a averbação, na matrícula do imóvel, da consolidação da propriedade em nome do fiduciário, à vista da prova do pagamento por este, do imposto de transmissão inter vivos e, se for o caso, do laudêmio.”
A expedição da Certidão de Decurso de Prazo por parte do cartório competente é necessária para que seja possível o pagamento do Imposto de Transmissão Inter Vivos – ITBI, imposto este indispensável para que seja a propriedade consolidada em favor do credor, nos termos da lei.
5. DO LEILÃO EXTRAJUDICIAL
Ademais, ainda na lei 9.514/07 encontra-se previsto o procedimento extrajudicial de alienação de bem imóvel objeto de alienação fiduciária, em caso de inadimplemento da obrigação principal. Leia-se, no art. 27 da lei supracitada, in verbis:
“Art. 27. Uma vez consolidada a propriedade em seu nome, o fiduciário, no prazo de trinta dias, contados da data do registro de que trata o § 7º do artigo anterior, promoverá público leilão para a alienação do imóvel.”
Dessa forma, entende-se ser legalmente possível e autorizado que sejam realizados leilões extrajudiciais promovidos pelo próprio credor sem que haja qualquer processo judicial. Nesse leilão, o bem imóvel objeto do contrato de alienação fiduciária deverá ir a praça para que seja vendido pelo preço de avaliação de mercado.
Entretanto, ressalta-se a necessidade de ser realizada a notificação do devedor informando-lhe a data do leilão, conforme entendimento do STJ. Nesse sentido, segue a emenda: “RECURSO ESPECIAL. AÇÃO ANULATÓRIA DE ARREMATAÇÃO. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. ART. 535 DO CPC. NÃO OCORRÊNCIA. LEI Nº 9.514/97. ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA DE COISA IMÓVEL. LEILÃO EXTRAJUDICIAL. NOTIFICAÇÃO PESSOAL DO DEVEDOR FIDUCIANTE. NECESSIDADE. 1. Não há falar em negativa de prestação jurisdicional se o tribunal de origem motiva adequadamente sua decisão, solucionando a controvérsia com a aplicação do direito que entende cabível à hipótese, apenas não no sentido pretendido pela parte. 2. A teor do que dispõe o artigo 39 da Lei nº 9.514/97, aplicam-se as disposições dos artigos 29 a 41 do Decreto-Lei nº 70/66 às operações de financiamento imobiliário em geral a que se refere a Lei nº 9.514/97. 3. No âmbito do Decreto-Lei nº 70/66, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça há muito se encontra consolidada no sentido da necessidade de intimação pessoal do devedor acerca da data da realização do leilão extrajudicial, entendimento que se aplica aos contratos regidos pela Lei nº 9.514/97. 4. Recurso especial provido. (REsp 1447687 / DF
RECURSO ESPECIAL
2014/0080873-8; ministro Ricardo Villas Bôas Cueva)”
Por fim, ressalta-se que, assim como disposto na lei, caso não seja realização a alienação extrajudicial no primeiro leilão, proceder-se-á para um segundo leilão, no qual o bem imóvel deverá ser vendido pelo valor da dívida devidamente atualizado, não cabendo ao devedor receber o saldo excedente do valor arrecadado.
5.1. DA DISCUSSÃO ACERCA DA CONSTITUCIONALIDADE DO LEILÃO EXTRAJUDICIAL DE BEM IMÓVEL OBJETO DE ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA
Destarte, é correto afirmar que a mora é ex re (imposta, já que o contrato tem termo). Isso, pois, o contrato estipula termo certo para cumprimento da obrigação de pagar as prestações. Por isso mesmo, o não pagamento de alguma das prestações configura de pleno direito a mora, não sendo necessária a notificação nos termos do art. 397 do Código Civil. Ressalta-se que a notificação é prescindível para configurar mora já que serve apenas como documento de prova para o credor, pois comprova que o devedor praticou inequívoco ato de inadimplência.
Para que se caracterize a mora basta que haja o não pagamento da dívida no vencimento estipulado contratualmente. A notificação do devedor estaria, na realidade, oportunizando o momento adequado para que esse realize a purgação. Para cumprir o papel assessório, é fundamental que a notificação leve consigo o demonstrativo dos valores em cobrança, a exemplo da regra do art. 614, II, do Código de Processo Civil.
Além disso, vale lembrar que o ordenamento jurídico atual, prevê a possibilidade de antecipação parcial ou total dos efeitos da tutela, conforme autoriza o do art. 273 do Código de Processo Civil. A partir de tais mecanismos jurídicos abre-se caminho para o acesso ao Judiciário, garantido constitucionalmente a todos, dependendo apenas da iniciativa do interessado.
Portanto, os autores que defendem a constitucionalidade do leilão extrajudicial se baseiam no fato de que o acesso à justiça é irrestrito e que a legislação dá respaldo a aqueles que sofreram dano.
Pode-se afirmar também que não existe necessidade de contraditório quando se trata de leilão extrajudicial. Isso pois, o contrato de alienação fiduciária firma compromisso de transferência do bem em caso de inadimplência da obrigação principal. Dessa forma, já que houve concordância mútua quanto ao contrato, não há necessidade de defesa da parte inadimplente, sendo pleno direito do credor se estabelecer como possuidor proprietário do bem objeto do contrato de alienação.
Diz-se, por fim, que o objetivo do legislador em autorizar a execução, por meio extrajudicial, remonta-se a uma tentativa de atingir um efetivo equilíbrio entre a atuação do Estado e a do indivíduo, além de prezar pela segurança do investidor com o escopo de garantir facilidades e rapidez no que se refere ao retorno do crédito. Dessa forma, é precisamente a execução extrajudicial que torna efetivo o funcionamento da instituição da alienação fiduciária em garantia para os bens imóveis.
Seguindo esse entendimento, ressaltam-se as jurisprudências a seguir:
“APELAÇÃO – AÇÃO ANULATÓRIA DE ATO JURÍDICO – ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA DE BEM IMÓVEL – EXECUÇÃO EXTRAJUDICIAL – SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA. 1. ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA – Bem imóvel – Execução e leilão extrajudiciais – Pretensão ao reconhecimento de inconstitucionalidade da Lei 9.514/1997 por violação aos princípios da inafastabilidade da jurisdição, ampla defesa e contraditório – Inocorrência – Procedimento extrajudicial que seguiu estritamente os requisitos legais, jamais sendo vedado o socorro da parte ao Poder Judiciário. SENTENÇA MANTIDA – RECURSO DESPROVIDO. (TJ-SP – APL: 40017565920138260506 SP 4001756-59.2013.8.26.0506, Relator: Sergio Gomes, Data de Julgamento: 12/05/2015, 37ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 14/05/2015).
ARRENDAMENTO MERCANTIL. Alienação fiduciária de bem imóvel. Alegação de inconstitucionalidade da Lei n. 9.514/1997. Inocorrência. Procedimentos extrajudiciais de consolidação da propriedade e leilão que são compatíveis com a cláusula do devido processo legal. Acesso ao Poder Judiciário que continua garantido ao devedor que se sentir lesado. Precedentes. Aplicabilidade da Lei n. 9.514/1997 ao contrato de alienação fiduciária celebrado como garantia de empréstimo bancário (capital de giro). Inteligência do art. 22, § 1º, da referida lei. Seguimento negado na forma do art. 557, "caput", do CPC. (TJ-SP – APL: 00064901920118260595 SP 0006490-19.2011.8.26.0595, Relator: Gilson Delgado Miranda, Data de Julgamento: 29/07/2014, 28ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 30/07/2014)”
Em contra partida, existe o entendimento que tal prática seria inconstitucional. Como já explicado, a Lei n° 9514/97 foi responsável pela criação do “SFI – Sistema Financeiro Imobiliário”. Tal diploma legal prevê a possibilidade de o credor em sede de alienação fiduciária aplicar livremente os procedimentos extrajudiciais de retomada do imóvel com a aplicação dos artigos 31 a 38.
Tal prática é tida como inconstitucional por diversos operadores do direito que defendem que a dispensa da interferência judicial na expropriação do bem configura de imediato uma ofensa à Constituição Federal por ferir vários princípios nela elencados.
Aponta-se que em caso de inadimplência do devedor seria indispensável que este podesse se defender, produzir prova e até questionar o procedimento de expropriação do bem dado em garantia. A venda extrajudicial tira do devedor o direito ao contraditório e ampla defesa, além de ferir o direito à propriedade, todos constantes do artigo 5° da Constituição Federal, em seus incisos XXII, XXIII, XXXII e XXXVII.
Ademais, o procedimento extrajudicial também fere outros princípios, como o do acesso à Justiça, da plenitude da defesa e do juiz natural. Conclui-se então que a inconstitucionalidade se configura antes de mais nada porque o processo extrajudicial de venda do bem não assegura o direito ao devido processo legal. É inegável que para que qualquer pessoa seja privada de seus bens é indispensável a ocorrência de um processo judicial que garanta de forma efetiva a ampla defesa e o contraditório.
Diante do exposto, afirma-se ainda que o procedimento extrajudicial deixa todo o poder nas mãos do credor, ficando o devedor refém deste, sem que possa defender-se de maneira alguma durante esse procedimento extrajudicial. Resta ao devedor a ação judicial após a concretização da venda extrajudicial.
Nesse sentido, destaca-se a seguinte jurisprudência:
“AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE ANULAÇÃO DA ESCRITURA PÚBLICA DE MÚTUO COM GARANTIA DE ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA DE IMÓVEL, BEM AINDA DE REVISÃO DE TODOS OS CONTRATOS FIRMADOS DESDE 2000 E REPETIÇÃO DO INDÉBITO. DEMANDA FUNDADA NA EXISTÊNCIA DE FLAGRANTES VÍCIOS NAQUELE INSTRUMENTO, AUSÊNCIA DE EFETIVO MÚTUO, INCONSTITUCIONALIDADE DA LEI N. 9.514, DE 20.11.1997, E COBRANÇA DE ENCARGOS ILEGAIS. PLEITO DE ANTECIPAÇÃO DOS EFEITOS DA TUTELA FORMULADO COM O OBJETIVO DE SUSPENDER O LEILÃO EXTRAJUDICIAL DO IMÓVEL. INDEFERIMENTO. PROVA INEQUÍVOCA DA VEROSSIMILHANÇA DO DIREITO INVOCADO QUE DECORRE DO PRÉVIO RECONHECIMENTO DA ILEGALIDADE DO PROCEDIMENTO PELA CÂMARA, A DESPEITO DA CONTROVÉRSIA EXISTENTE. FUNDADO RECEIO DE DANO IRREPARÁVEL OU DE DIFÍCIL REPARAÇÃO CONSUBSTANCIADO NA IMINÊNCIA DA VENDA EXTRAJUDICIAL DO BEM. PRESENÇA DOS REQUISITOS DO ARTIGO 273 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. RECURSO PROVIDO. A antecipação dos efeitos da tutela pressupõe, além da presença do fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação, a prova inequívoca da verossimilhança do direito invocado, consubstanciada nos presentes autos pelo prévio reconhecimento da ilegalidade do procedimento extrajudicial de alienação do imóvel. (TJ-SC – AI: 609929 SC 2008.060992-9, Relator: Jânio Machado, Data de Julgamento: 09/08/2010, Terceira Câmara de Direito Comercial, Data de Publicação: Agravo de instrumento n. , de Santo Amaro da Imperatriz).”
Dessa forma, constata-se que os Tribunais Superiores tem consolidado seu entendimento com frequência se baseando na constitucionalidade da Lei 9.514/97, entretanto tal entendimento ainda não foi de fato pacificado.
6. DA POSSIBILIDADE DE COBRANÇA DE TAXA DE OCUPAÇÃO
Ademais, foi estabelecido no art. 37-A da Lei 9514/97 a faculdade ao credor fiduciário de, uma vez figurando como proprietário direto do bem imóvel objeto de alienação fiduciária, cobrar taxa de ocupação do devedor fiduciante, nos casos em que essa se fizer necessária. In verbis:
“Art. 37-A. O fiduciante pagará ao fiduciário, ou a quem vier a sucedê-lo, a título de taxa de ocupação do imóvel, por mês ou fração, valor correspondente a um por cento do valor a que se refere o inciso VI do art. 24, computado e exigível desde a data da alienação em leilão até a data em que o fiduciário, ou seus sucessores, vier a ser imitido na posse do imóvel.”
Nesse sentido, tem-se o seguinte jurisprudência:
“RECURSO ESPECIAL (ART. 105, III, "A" E "C", DA CF) – AÇÃO DE REINTEGRAÇÃO DE POSSE – ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA DE IMÓVEL – RETOMADA DO BEM POR INICIATIVA DO CREDOR FIDUCIÁRIO APÓS FRUSTRADOS LEILÕES EXTRAJUDICIAIS – HIPÓTESE QUE AUTORIZA A FIXAÇÃO DE TAXA DE OCUPAÇÃO DO IMÓVEL ENQUANTO MANTIDO EM PODER DO DEVEDOR FIDUCIANTE – ART. 37-A DA LEI N. 9.514/1997 – VEDAÇÃO AO ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA RECURSO PROVIDO.1. O art. 37-A da Lei n. 9.514/1997, nela introduzido por força da Lei n. 10.931/2004, dispõe que: "O fiduciante pagará ao fiduciário, ou a quem vier a sucedê-lo, a título de taxa de ocupação do imóvel, por mês ou fração, valor correspondente a um por cento do valor a que se refere o inciso VI do art. 24, computado e exigível desde a data da alienação em leilão até a data em que o fiduciário, ou seus sucessores, vier a ser imitido na posse do imóvel''. 2. A mens legis, ao determinar e disciplinar a fixação da taxa de ocupação, tem por objetivo compensar o novo proprietário em razão do tempo em que se vê privado da posse do bem adquirido, cabendo ao antigo devedor fiduciante, sob pena de evidente enriquecimento sem causa, desembolsar o valor correspondente ao período no qual, mesmo sem título legítimo, ainda usufrui do imóvel. 3. Nesse quadro, embora o dispositivo subordine o arbitramento da taxa de ocupação à "alienação em leilão", seu texto reclama interpretação extensiva, abarcando também a hipótese em que a propriedade se resolve a bem do credor fiduciário por terem sido frustradas as tentativas de venda extrajudicial. Conquanto, em rigor técnico-jurídico, não se cuide, aqui, de uma verdadeira alienação, importa reconhecer que a consolidação equivale a uma operação de transferência jurídica patrimonial, já que o credor deixa de ter a propriedade meramente resolúvel, incorporando-a em seu sentido pleno, fazendo jus, portanto, a ser compensado pela posse injusta exercida desde a aquisição do novo título até desocupação do imóvel. 4. Recurso especial provido. (REsp 1328656 / GO RECURSO ESPECIAL 2012/0120893-0 relator MARCO BUZZI T4 – QUARTA TURMA)”
Por fim, vale ressaltar que a cobrança de taxa de ocupação não obsta a propositura de Ação de Reintegração de Posse por parte do credor fiduciante. Ademais, conforme o entendimento jurisprudencial, a interpretação extensiva do supracitado dispositivo legal deve ser feita no sentido de que a taxa de ocupação independe do efetivo leilão extrajudicial.
7. IMPLICAÇÕES JUDICIAIS
7.1. DO CABIMENTO DA AÇÃO DE REINTEGRAÇÃO DE POSSE
A lei 9514/97 dispõe em seu art. 30 sobre a possibilidade de ser utilizada a Ação de Reintegração de Posse por parte do fiduciário, cessionário ou sucessores, quando houver legítimo interesse de agir. In verbis:
“Art. 30. É assegurada ao fiduciário, seu cessionário ou sucessores, inclusive o adquirente do imóvel por força do público leilão de que tratam os §§ 1° e 2° do art. 27, a reintegração na posse do imóvel, que será concedida liminarmente, para desocupação em sessenta dias, desde que comprovada, na forma do disposto no art. 26, a consolidação da propriedade em seu nome.”
Aqui, explica-se que o raciocínio a ser seguido de acordo com os preceitos legais da lei 9514/97 é o de que o inadimplemento é flagrante quebra de contrato. Dessa forma, a resolução do contrato em favor do fiduciário configura a perda de direito do fiduciante sobre o imóvel, estando o fiduciário na qualidade de proprietário do imóvel, fazendo jus também à sua posse.
Entende-se portanto que, caso o fiduciante permaneça na posse do imóvel, este estará praticando esbulho. É direito do fiduciário, então, a propositura da Ação de Reintegração, nos termos do arts. 920 à 933 do Código de Processo Civil e arts. 1.210 à 1.222 do Código Civil.
É esse o entendimento do STJ, nos termos da jurisprudência a seguir:
“SFI – SISTEMA FINANCEIRO IMOBILIÁRIO – LEI 9514/97. ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA DE BEM IMÓVEL. INADIMPLEMENTO DO FIDUCIANTE. CONSOLIDAÇÃO DO IMÓVEL NA PROPRIEDADE DO FIDUCIÁRIO. LEILÃO EXTRAJUDICIAL. SUSPENSÃO. IRREGULARIDADE NA INTIMAÇÃO. PRETENSÃO, DO CREDOR, A OBTER A REINTEGRAÇÃO DA POSSE DO IMÓVEL ANTERIORMENTE AO LEILÃO DISCIPLINADO PELO ART. 27 DA LEI 9.514/97. POSSIBILIDADE. INTERPRETAÇÃO SISTEMÁTICA DA LEI. 1. Os dispositivos da Lei 9.514/97, notadamente seus arts. 26, 27, 30 e 37-A, comportam dupla interpretação: é possível dizer, por um lado, que o direito do credor fiduciário à reintegração da posse do imóvel alienado decorre automaticamente da consolidação de sua ropriedade sobre o bem nas hipóteses de inadimplemento; ou é possível afirmar que referido direito possessório somente nasce a partir da realização dos leilões a que se refere o art. 27 da Lei 9.514/97. 2. A interpretação sistemática de uma Lei exige que se busque, não apenas em sua arquitetura interna, mas no sentido jurídico dos institutos que regula, o modelo adequado para sua aplicação. Se a posse do imóvel, pelo devedor fiduciário, é derivada de um contrato firmado com o credor fiduciante, a resolução do contrato no qual ela encontra fundamento torna-a ilegítima, sendo possível qualificar como esbulho sua permanência no imóvel. 3. A consolidação da propriedade do bem no nome do credor fiduciante confere-lhe o direito à posse do imóvel. Negá-lo implicaria autorizar que o devedor fiduciário permaneça em bem que não lhe pertence, sem pagamento de contraprestação, na medida em que a Lei 9.514/97 estabelece, em seu art. 37-A, o pagamento de taxa de ocupação apenas depois da realização dos leilões extrajudiciais. Se os leilões são suspensos, como ocorreu na hipótese dos autos, a lacuna legislativa não pode implicar a imposição, ao credor fiduciante, de um prejuízo a que não deu causa. 4. Recurso especial não provido. REsp 1155716 / DF
RECURSO ESPECIAL
2009/0159820-5 relatora Ministra NANCY ANDRIGHI T3 – TERCEIRA TURMA)”
7.2 DO REGISTRO E DA VALIDADE CONTRA TERCEIROS
Para que o contrato de alienação fiduciária seja oponível a terceiros é imprescindível que este tenha sido devidamente registrado no Cartório de Registro competente.
Explica-se que, de acordo com a legislação o registro é indispensável para caracterizar a relação contratual, de acordo com o disposto na Lei 9.514/97, em seu art. 23, in verbis:
“Art. 23. Constitui-se a propriedade fiduciária de coisa imóvel mediante registro, no competente Registro de Imóveis, do contrato que lhe serve de título. Parágrafo único. Com a constituição da propriedade fiduciária, dá-se o desdobramento da posse, tornando-se o fiduciante possuidor direto e o fiduciário possuidor indireto da coisa imóvel.”
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Ademais, ressalta-se ser com o efetivo registro que se constitui a propriedade resolúvel em favor do credor.
7.3 DA REVISÃO CONTRATUAL
É comum, quando em sede do processo extrajudicial de alienação fiduciária, que o devedor, ao analisar o contrato, encontre cláusulas que entenda como abusivas. Dessa forma, é de praxe que seja instaurada Ação de Revisão de Contrato, muitas vezes combinada com Pedido de Liminar.
Vários são os motivos encontrados para discutir as cláusulas estabelecidas no contrato de alienação fiduciária, mas a cobrança de juros e taxas indevidas durante o curso do mesmo são as mais comuns.
A título de exemplo, destacam-se as seguintes jurisprudências:
“APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO DE REVISÃO CONTRATUAL – ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA – PRELIMINAR – AUSÊNCIA DE DIALETICIDADE – REJEIÇÃO – LIMITE DE JUROS REMUNERATÓRIOS – CAPITALIZAÇÃO MENSAL DE JUROS – COMISSÃO DE PERMANÊNCIA – REPETIÇÃO DO INDÉBITO. À luz do Princípio da Dialeticidade, não basta que o recorrente manifeste a sua inconformidade com o provimento jurisdicional proferido, ele deve impugnar de forma específica e clara os fundamentos desta decisão, invocando razões de fato e de direito que embasam o seu pedido de reforma. Os juros contratados somente serão passíveis de limitação quando excederem a Taxa Média de Mercado, divulgada pelo Banco Central do Brasil, conforme precedente do STJ. Por força do julgamento do Recurso Representativo de Controvérsia (Repetitivo) REsp 973827 / RS, o STJ firmou entendimento no sentido de ser possível a capitalização com periodicidade inferior a 1 (um) ano, nos contratos bancários de crédito após a edição da MP n.º 2.170-36/2001, desde que devidamente pactuada. Consoante entendimento do Superior Tribunal de Justiça é permitida a incidência da comissão de permanência, desde que não cumulada com juros de mora, juros remuneratórios, multa e correção monetária. Inexistindo abusividades na avença, não há que se falar em valores a se restituir. (TJ-MG – AC: 10035120091604001 MG , Relator: Wagner Wilson, Data de Julgamento: 11/03/2015, Câmaras Cíveis / 16ª CÂMARA CÍVEL, Data de Publicação: 20/03/2015).
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE REVISÃO CONTRATUAL. ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA. TARIFA DE REGISTRO DE CONTRATO. ILEGALIDADE. – A exigência de valores a título registro do contrato não é adequada ao que dispõe o artigo 3º da Resolução 3.919/10 do Conselho Monetário Nacional. Apesar de a cobrança ter sido pactuada entre as partes, em contrato de adesão, não é autorizada pelo Banco Central do Brasil ou pelo Conselho Monetário Nacional. V.V. APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE REVISÃO CONTRATUAL. ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA. TARIFA DE REGISTRO DE CONTRATO. Não há qualquer abusividade na cobrança da tarifa de registro de contrato quando descrita no instrumento contratual pactuado, pois serve à remuneração de serviço efetivamente prestado pela instituição financeira. (TJ-MG – AC: 10498140005204001 MG , Relator: Wagner Wilson, Data de Julgamento: 05/02/2015, Câmaras Cíveis / 16ª CÂMARA CÍVEL, Data de Publicação: 20/02/2015).”
CONCLUSÃO
Conclui-se com os breves estudos realizados acerca do tema que o instituto da Alienação Fiduciária foi estabelecido com a finalidade de tornar célere o procedimento de recuperação de investimento por meio de instituições financeiras. Tal instituto tem servido seu propósito graças à possibilidade de solução extrajudicial que se dá por via cartorária.
A eventual judicialização do processo de resolução do contrato de alienação fiduciária, apesar de iminente, não se torna de fato um empecilho à celeridade proposta por lei.
Afirma-se, por fim, que o processo extrajudicial de resolução de propriedade nos contratos de alienação fiduciária cumpre sua finalidade, dando mais segurança jurídica às relações entre particulares e instituições financeiras.
Informações Sobre o Autor
Débora Caetano Dahas
Mestranda em Direito nas Relações Econômicas e Sociais pela Faculdade Milton Campos. Especialista em Direito Empresarial pela Faculdade Milton Campos. Bacharel em Direito pela Universidade de Uberaba – UNIUBE. Advogada