Alteridade e relação de emprego

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Em síntese, alteridade na relação de emprego significa que todos os riscos da atividade econômica pertencem exclusivamente ao empregador, jamais ao trabalhador. A doutrina extrai esse princípio do artigo 2º da Consolidação das Leis do Trabalho, que atribui ao empregador a assunção dos “riscos do negócio”, ao passo que o empregado oferece apenas sua força de trabalho. A partir dessa premissa, construiu-se uma série de consequências jurídicas que protegem o salário, limitam descontos, impõem indenizações e vedam pactos contratuais que transfiram, direta ou indiretamente, ônus empresariais ao empregado. Nos próximos tópicos, você encontrará uma análise completa do tema, com exemplos práticos, evolução jurisprudencial e reflexões sobre os novos modelos de trabalho.

Conceito de alteridade no direito do trabalho

Alteridade decorre do latim alter, que significa “outro”. No contexto juslaboral, indica a separação entre quem explora a atividade econômica (empregador) e quem presta serviços (empregado). Essa distinção impede que eventos negativos — flutuações de mercado, inadimplência de clientes, perdas de estoque ou acidentes operacionais — sejam repassados ao trabalhador. A violação do princípio compromete a função social do contrato de trabalho, prevista no artigo 421 do Código Civil, uma vez que subverte o equilíbrio da relação, colocando o hipossuficiente em posição de bancar as incertezas do empreendimento.

Fundamento normativo no artigo 2º da CLT

O caput do artigo 2º estabelece que “considera-se empregador a empresa […] que, assumindo os riscos da atividade econômica, admite, assalaria e dirige a prestação pessoal de serviço”. O dispositivo ainda é reforçado pelo artigo 7º, VI, da Constituição Federal, que protege o salário contra descontos indevidos. Dessa combinação normativa emerge a obrigação de sustentar perdas e pagar salários pontualmente, mesmo quando a empresa opere no vermelho.

Alteridade e os riscos da atividade econômica

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Riscos da atividade abrangem: variação de custos de insumos, sazonalidade de vendas, obsolescência tecnológica, multas administrativas, processos judiciais, acidentes de trabalho, furtos, deterioração de mercadorias e falhas de gestão. Todos esses eventos devem ser previstos no planejamento empresarial, sob pena de responsabilização do empregador. Ao empregado não se pode exigir ressarcimento de caixa negativo, devolução de mercadorias danificadas pelo desgaste próprio do serviço ou acréscimo de cota extra de produção para compensar queda de faturamento.

Proteção ao empregado contra descontos salariais

A CLT, em seus artigos 462 e 477, admite desconto apenas quando houver dolo comprovado ou previsão em acordo coletivo. Culpa leve ou evento fortuito não autorizam abatimento. Por exemplo, motoristas rodoviários não podem ter salário reduzido por avarias comuns de circulação, e caixas de supermercado não respondem por diferenças de troco se não agiram com intenção de prejudicar. A Súmula 342 do Tribunal Superior do Trabalho consolida o entendimento: cláusulas de responsabilidade devem estar em convenção coletiva e especificar percentuais máximos.

Extensão da responsabilidade civil do empregador

Alteridade repercute na responsabilidade objetiva por dano decorrente de coisa ou atividade de risco (artigo 927, parágrafo único, do Código Civil). Assim, se um operador de máquina sofre lesão causada por defeito técnico, a empresa responde, mesmo sem culpa direta, porque optou por explorá-la em benefício próprio. Na esfera ambiental, a responsabilidade é ainda mais ampla, não admitindo cláusula de excludente contratual que imponha ao empregado assumir passivos de contaminação.

Alteridade e terceirização

Ao contratar empresa terceirizada, o tomador de serviços continua proprietário dos riscos. Pelo artigo 5-A, §5º, da CLT, a contratante responde subsidiariamente pelas obrigações trabalhistas não adimplidas pela terceirizada. A lógica de alteridade impede que o tomador argumente desconhecimento das obrigações, pois ele se beneficia diretamente da força de trabalho alheia.

Interpretação jurisprudencial

O TST firmou tese de que descontos por “vale-quebra” (compensação de perdas em estabelecimentos comerciais) são inválidos. Já as Turmas do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região repetidamente condenam empresas que descontam valores de couriers por extravio de encomendas, reconhecendo que insegurança pública e falhas logísticas integram o risco empresarial. Em contrapartida, decisões isoladas admitem pactos compensatórios para motoristas profissionais cobrirem multas de trânsito não inerentes à atividade, pois configuram conduta pessoal reprovável, não risco do empregador.

Alteridade em tempos de teletrabalho

A Lei 13.467/2017 inseriu o artigo 75-B na CLT, permitindo regime de trabalho remoto. Embora o empregado labore em casa, despesas de energia elétrica, internet, mobiliário ergonômico e softwares necessários à produção continuam sob responsabilidade do empregador, conforme §3º do mesmo artigo. A pandemia de COVID-19 realçou o tema: muitos empregadores tentaram transferir custos de equipamentos ao trabalhador, prática rechaçada pela fiscalização do trabalho e por decisões judiciárias que reiteram a alteridade.

Diferença entre alteridade e subordinação

Subordinação é o poder de direção do empregador, enquanto alteridade é a imposição de risco. Apesar de autônomos não sofrerem subordinação jurídica, podem ser submetidos a contratos onde, de forma dissimulada, assumem riscos típicos do empregador. A jurisprudência reconhece vínculo de emprego quando o suposto prestador autônomo fica economicamente dependente, sem liberdade de preço ou clientela, pois, na prática, ele suporta riscos alheios à sua condição.

Impactos fiscais e previdenciários

Salário protegido por alteridade não pode sofrer retenções além das legalmente previstas (IRRF, INSS, pensão alimentícia). Quando o empregador transfere custos de produção para o empregado, reduz a base de cálculo previdenciária e tributária, caracterizando sonegação fiscal. A Receita Federal autua, com multas de até 150 % do valor devido, empresas que disfarçam reembolso obrigatório como “adiantamento salarial”.

Cláusulas contratuais abusivas

Contratos que obrigam o empregado a pagar uniforme, ferramenta ou “taxa de manutenção” violam alteridade. A Oitava Turma do TST julgou nula cláusula que fazia cortadores de cana arcar com facões e equipamentos de proteção. Em bancos, exigências de metas inalcançáveis com cominação de desconto por diferenças de caixa também são consideradas abusivas, pois induzem o trabalhador a financiar a operação bancária.

Caso prático: prejuízo em caixa

Carlos era caixa de loja de eletrodomésticos. Num sábado de grande movimento, seu caixa fechou com déficit de R$ 800,00. O gerente descontou integralmente do salário, alegando responsabilidade. Carlos ajuizou reclamatória. Laudo pericial constatou falha de sistema que registrava dupla leitura de boleto. A sentença julgou procedente o pedido de devolução, fixou danos morais de R$ 5.000,00 e multa do artigo 477 da CLT, evocando o princípio da alteridade para salientar que falhas tecnológicas integram risco empresarial.

Soluções alternativas de alocação de risco

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Empresas podem administrar riscos sem violar alteridade: contratação de seguro específico, provisionamento contábil, implementação de compliance para evitar multas, treinamento de equipes e negociação coletiva para bonificar desempenho em vez de punir falhas. Programas de participação nos lucros e resultados (PLR) invertem a lógica, premiando o empregado por metas coletivas, sem impor perdas salariais individuais.

Alteridade e start-ups

Start-ups operam com alto grau de incerteza financeira. Mesmo assim, não podem condicionar pagamento de salários ao sucesso de rodada de investimento ou faturamento do mês. A prática de oferecer “salário mínimo + participação societária” exige cuidado: se o valor fixo não atinge o piso da categoria, há afronta ao artigo 457 da CLT. O recebimento de stock options não substitui a remuneração, pois risco e retorno societário pertencem aos sócios, não aos empregados.

Tendências legislativas

Projetos de lei sobre trabalho por aplicativo tentam flexibilizar alteridade, permitindo que motoristas ou entregadores arquem com custos de manutenção do veículo. O debate gira em torno do equilíbrio econômico: defensores afirmam que o trabalhador escolhe quando conectar-se ao app; críticos rebatem que a dependência financeira descaracteriza autonomia. Tribunais europeus têm reconhecido vínculo diante de algorítmico poder disciplinar, reforçando a posição de que alteridade persiste, mesmo em plataformas digitais.

Perguntas e respostas

Qual a origem do princípio da alteridade
Ele surge da célula básica do contrato de trabalho, aperfeiçoada pela doutrina italiana de Giuseppe Filippo Rossi, que identificou o empregador como sujeito que assume os riscos e o trabalhador como detentor da força de trabalho.

O empregado pode autorizar descontos em folha para cobrir prejuízos
Somente em caso de dolo ou previsão clara em convenção coletiva, com limites percentuais e análise de proporcionalidade.

Alteridade impede demissão por motivo econômico
Não. O empregador pode dispensar sem justa causa, mas deve pagar todas as verbas rescisórias. O risco empresarial está preservado porque a indenização obrigatória é parte do custo da demissão.

Franquias aplicam alteridade da mesma forma
Sim. O franqueador repassa know-how, mas o franqueado é o empregador direto, assumindo todos os riscos perante seus empregados.

E se o empregado causar dano grave voluntariamente
Haverá culpa ou dolo do trabalhador, quebrando a regra de alteridade. O empregador poderá descontar salários ou ajuizar ação regressiva.

O empregado pode pedir participação nos lucros negativa quando há prejuízo
Não. PLR é benefício adicional, pago apenas quando há lucro ou atingimento de metas, jamais inverso.

Trabalho intermitente transfere riscos ao empregado
Há controvérsia. O STF considerou o regime constitucional, mas a OIT alerta para precarização se resultar em renda insuficiente. Alteridade não é dispensada: períodos sem convocação não podem gerar custos obrigatórios ao trabalhador.

Multas de trânsito recaem no empregador
Se derivam de infração imputável ao veículo mal conservado, sim. Se fruto de conduta pessoal do motorista (excesso de velocidade), não.

Equipamentos de proteção descontados do salário são lícitos
Não. Norma Regulamentadora 6 exige fornecimento gratuito dos EPIs.

Plataformas digitais podem cobrar “taxa de utilização”
Podem, desde que o trabalhador não tenha vínculo de emprego. Se tiver, a cobrança será questionável por violar alteridade.

Conclusão

Alteridade mantém o contrato de trabalho dentro de padrões mínimos de dignidade, impedindo que o empregado arque com intempéries próprias do empreendedorismo. Seu alcance não se limita a proibir descontos salariais, mas permeia responsabilidade civil, tributária, ambiental e até práticas de gestão. A economia contemporânea, marcada por modelos flexíveis e digitalização, testa constantemente os limites desse princípio. Contudo, enquanto perdurar a desigualdade estrutural entre capital e trabalho, a alteridade seguirá como pilar inafastável da tutela trabalhista, garantindo que as regras do jogo permaneçam justas e equilibradas.

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