Análise da aplicabilidade do art. 475-J do CPC ao processo trabalhista

A Lei nº 11.232/2005, entre tantas alterações ao Código de Processo Civil, incluiu o art. 475-J no aludido Codex.

A especial inovação do aludido artigo é a aplicação de multa no percentual de 10% (dez por cento) àquele devedor, condenado ao pagamento de quantia de certa ou já fixada em liquidação, não efetue a quitação, no prazo de 15 (quinze) dias, senão vejamos:

Art. 475-J. Caso o devedor, condenado ao pagamento de quantia certa ou já fixada em liquidação, não o efetue no prazo de 15 (quinze) dias, o montante da condenação será acrescido de multa percentual de 10% e, a requerimento do credor e observador o disposto no art. 614, inciso II, desta Lei, expedir-se-á mandado de penhora e avaliação.

§1º Do auto de penhora e de avaliação será de imediato intimado o executado, na pessoa de seu advogado (arts. 236 e 237), ou, na falta deste, o seu representante legal, ou pessoalmente, por mandado ou pelo correio, podendo oferecer impugnação, querendo, no prazo de 15 (quinze) dias.

§2º Caso o oficial de justiça não possa proceder à avaliação, por depender de conhecimentos especializados, o juiz, de imediato, nomeará avaliador, assinando-lhe breve prazo para a entrega do laudo.

§3º O exeqüente poderá, em seu requerimento, indicar desde logo os bens a serem penhorados.

§4º Efetuado o pagamento parcial no prazo previsto no caput deste artigo, a multa de 10% (dez por cento) incidirá sobre o restante.

§5º Não sendo requerida a execução no prazo de 6 (seis) meses, o juiz mandará arquivar os autos, sem prejuízo de seu desarquivamento a pedido da parte.” (Código de Processo Civil – grifei)

No meio jurídico, o dispositivo legal em estudo foi, de certa forma, elogiado pelos estudiosos e operadores jurídicos, especialmente porque trouxe, entre outras vantagens, a de agilidade e efetividade na prestação jurisdicional.

A sua aplicação no processo civil é indiscutível, por conta da inovação legislativa já vigente entre nós.

A mesma certeza não reside na aplicação do art. 475-J do Código de Processo Civil ao processo trabalhista, conforme explicaremos.

Antes, imperioso esclarecer que a aplicação das disposições aplicáveis ao processo civil ao processo trabalho fica reservada às hipóteses em que haja omissão da norma processual trabalhista e compatibilidade da norma processual civil com o direito processual trabalhista. É o que orienta o art. 769 da Consolidação das Leis do Trabalho:

“Art. 769. Nos casos omissos, o direito processual comum será fonte subsidiária do direito processual do trabalho, exceto naquilo em for incompatível com as normas deste Título.” (Consolidação das Leis do Trabalho).

A tarefa indispensável para dissipar a dúvida é saber, então, se o direito processual trabalhista é omisso a ponto de permitir a aplicação dos mandamentos do art. 475-J do Código de Processo Civil, especialmente quanto à multa de 10%, em caso de inexistência de pagamento. Em seguida, imperiosa a verificação da compatibilidade entre as normas.

A questão, apesar de aparente simplicidade, já gerou diversas controvérsias, inclusive na jurisprudência.

O Tribunal Regional do Trabalho da 13ª Região, verbi gratia, vinha se posicionando no sentido de ser aplicável o art. 475-J do CPC (sempre se destacando aqui a multa de 10%) ao processo trabalhista, por considerar ser o direito processual do trabalho omisso e aquele compatível com este.

Foi justamente, no julgamento, pelo Tribunal Superior do Trabalho, de Recurso de Revista (668/2006-005-13-40-6) de decisão proferida por aquele Tribunal Regional do Trabalho, que a Corta Superior Trabalhista se posicionou pela inaplicabilidade do art. 475-J do CPC. A ementa foi a seguinte:

“RECURSO DE REVISTA. MULTA DO ART. 475-J DO CPC. INCOMPATIBILIDADE COM O PROCESSO DO TRABALHO. REGRA PRÓPRIA COM PRAZO REDUZIDO. MEDIDA COERCITIVA NO PROCESSO TRABALHO DIFERENCIADA DO PROCESSO CIVIL. O art. 475-J do CPC determina que o devedor que, no prazo de quinze dias, não tiver efetuado o pagamento da dívida, tenha acrescido multa de 10% sobre o valor da execução e, a requerimento do credor, mandado de penhora e avaliação. A decisão que determina a incidência de multa do art. 475-J do CPC, em processo trabalhista, viola o art. 889 da CLT, na medida em que a aplicação do processo civil, subsidiariamente, apenas é possível quando houver omissão da CLT, seguindo, primeiramente, a linha traçada pela Lei de Execução fiscal, para apenas após fazer incidir o CPC. Ainda assim, deve ser compatível a regra contida no processo civil com a norma trabalhista, nos termos do art. 769 da CLT, o que não ocorre no caso de cominação de multa no prazo de quinze dias, quando o art. 880 da CLT determina a execução em 48 horas, sob pena de penhora, não de multa. Recurso de revista conhecido e provido para afastar a multa do art. 475-J do CPC.” (grifei)

Como se observa, não há que se falar em omissão da Consolidação das Leis do Trabalho, porque o seu art. 889 determina expressamente que, aos processos de excussão trabalhista, são aplicáveis os dispositivos dos executivos fiscais para cobrança judicial de dívida ativa da Fazenda Pública Federal, senão vejamos:

“Art. 889. Aos trâmites e incidentes do processo de execução são aplicáveis, naquilo em que não se contravierem ao presente Título, os preceitos que regem o processo dos executivos fiscais para a cobrança judicial da dívida ativa da Fazenda Pública Federal.”

Assim, não há que se falar em aplicabilidade do art. 475-J do Código de Processo Civil ao processo trabalhista, porque, antes de tudo, é aplicável as normas do processo de execução fiscal, conforme reza expressamente o art. 889 da Consolidação das Leis do Trabalho (o que faz desaparecer o argumento da omissão).

No mais, também se verifica a incompatibilidade entre as normas, pois, como o art. 475-J do Código de Processo Civil determina o pagamento no prazo de 15 (quinze) dias, ao passo que a Consolidação das Leis do Trabalho, em seu art. 880, determina o pagamento em 48 (quarenta e oito) horas. Observemos:

Art. 880. Requerida a execução, o juiz ou presidente do tribunal mandará expedir mandado de citação do executado, a fim de que cumpra a decisão ou o acordo no prazo, pelo modo e sob as cominações estabelecidas ou, quando se tratar de pagamento em dinheiro, inclusive de contribuições sociais devidas à União, para que o faça em 48 (quarenta e oito) horas ou garanta a execução, sob pena de penhora.

§1º O mandado de citação deverá conter a decisão exeqüenda ou o termo de acordo não cumprido.

§2º A citação será feita pelos oficiais de justiça.

§3º Se o executado, procurado por 2 (duas) vezes no espaço de 48 horas, não for encontrado, far-se-á citação por edital, publicado no jornal oficial ou, na falta deste, afixado em sede da Junta ou Juízo, durante 5 (cinco) dias.” (Consolidação das Leis do Trabalho – grifei)

Observa-se, pois, a nítida incompatibilidade entre as normas aqui examinadas.

Nesse sentido, também tem trilhado as decisões do Tribunal Regional da 14ª Região, em decisão relatada pela Juiz Mário Sérgio Lapunka:

Primeiramente cumpre esclarecer que a recorrente, em suas razões recursais, pugnou pela não aplicação do disposto no art. 475-J do CPC, a seara trabalhista, contudo, não vislumbro a solução da presente controvérsia sob esta ótica, como se verá em linhas seguintes.

No processo de conhecimento, o que o reclamante postula não é, ainda, a satisfação de seu direito, visto que essa satisfação será dada no processo de execução. O que se pede no processo de conhecimento é que o Estado-Juiz diga quem das partes possui razão em relação ao direito material invocado, objeto do litígio.

Da análise dos autos, observa-se que o juiz na sentença de primeiro grau ordenou a aplicação do art. 475-J do CPC, determinando-se que caso a reclamada não efetuasse voluntariamente o pagamento da quantia imposta na decisão, no prazo de quinze dias, estaria sujeita a multa de 10% (art. 475-J, CPC).

Sem maiores discussões, é sabido que as regras do Código de Processo Civil somente são aplicáveis ao Processo Trabalhista quando houver omissão e se forem compatíveis com as normas nele estabelecidas, mas o que se tem que analisar dos autos é a aplicação do dispositivo legal no presente momento processual.

Vejamos o que dispõe o art.475-J do CPC:

Caso o devedor, condenado ao pagamento de quantia certa ou já fixada em liquidação, não o efetue no prazo de quinze dias, o montante da condenação será acrescido de multa no percentual de dez por cento e, a requerimento do credor e observado o disposto no art. 614, inciso II, desta Lei, expedir-se-á mandado de penhora e avaliação. (Incluído pela Lei nº 11.232, de 2005)

A multa estabelecida no artigo 475-J do CPC é aplicável quando o devedor for condenado ao pagamento de quantia certa ou já fixada em liquidação.

Diga-se, a título de arremate, que qualquer discussão, neste instante, acerca do cabimento do art. 475-J do CPC ao processo trabalhista (especialmente no que diz respeito ao seu procedimento) seria, no mínimo, prematura e despropositada. Por ora, inexiste substrato fático e concreto a evidenciar a necessidade de debate aprofundado sobre o assunto no âmbito deste apelo ordinário.

Desse modo, chega-se à conclusão que a matéria posta em discussão pela recorrente (imposição de multa de 10% ao devedor que não cumpre espontaneamente a sentença judicial, nos moldes do art. 475-J do CPC) não guarda a necessária pertinência com o processo de conhecimento, visto que regras meramente procedimentais da fase executiva não devem fazer parte do dispositivo da sentença

Provejo, para afastar a multa aplicada neste momento processual.”  (Tribunal Regional do Trabalho – RORS nº. 00777.2006.404.14.00-0 – Rel. Juiz Mário Sérgio Lapunka)

Conclui-se, pois, que o art. 475-J do CPC não é aplicável ao processo trabalhista, porque o direito processual do trabalho não é omisso (art. 889 da CLT) e também em razão da nítida incompatibilidade daquela norma com o mesmo (art. 880 da CLT).

 


 

Informações Sobre o Autor

 

Carlos Eduardo Silva e Souza

 

Doutor em Direito pela Faculdade Autnoma de Direito de São Paulo; Mestre em Direito pela Universidade Federal de Mato Grosso; Professor da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Mato Grosso; Líder do Grupo de Pesquisa Direito Civil Contemporneo da FD/UFMT; Sócio-Diretor do Escritório Silva Neto e Souza Advogados

 


 

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