Resumo: O presente estudo tem por objeto estudar os aspectos gerais da União Estável, essa entidade familiar reconhecida pela Constituição Federal de 1988 em seu art. 226, § 3º, bem como as Leis que primeiramente regulamentaram os direitos referentes aos companheiros e conviventes, quais sejam, as Leis Especiais n. 8.971 de 29 de dezembro de 1994 e 9.276 de 10 de maio de 1996, e posteriormente pela Lei 10.406, de 10 de janeiro de 2002, o atual Código Civil, onde foi dado um enfoque especial ao direito sucessório dos companheiros, tendo em vista as inovações introduzidas pelo art. 1.790, mas que ainda permanecem lacunas sobre o tema, Para a elaboração do trabalho utilizou-se de fundamentos em doutrinas, artigos científicos, publicações pertinentes ao tema, legislações e jurisprudências. Para tanto, foi necessária a abordagem do assunto desde sua origem, evolução histórica da União Estável no Brasil, aceitação social, bem como as inovações trazidas com o advento do novo código, colocando o companheiro em situação de total desprestigio e de inferioridade, se comparado ao direito sucessório dos cônjuges, regulamentado pelo art. 1.829 do Código Civil. Foi abordado também sobre as Parcerias Homoafetivas, que teve seu reconhecimento pelo Supremo Tribunal Federal em maio do ano passado, passando a reconhecer as Uniões Estáveis de homossexuais no País. Por fim, como objetivos principais do trabalho foram abordados os efeitos jurídicos patrimoniais gerados por essa união, merecendo destaque a concorrência do companheiro na sucessão, que ficou limitada aos bens adquiridos onerosamente na vigência da União Estável, devendo ser observada a ordem da vocação hereditária, que pela nova regra o companheiro concorrerá com descendentes, ascendentes e até mesmo com colaterais até o quarto grau, bem como o direito total na herança na ausência de parentes sucessíveis, e o direito Real de Habitação.
Palavras chave: Família. União Estável. A sucessão do Companheiro.
Abstract: This paper purpose is to study the general aspects of Stable Union, this family entity recognized by the Constitution of the 1988 in the article 226, § 3º, and the laws that regulated the law that relating to cohabiting and companions, wich are the Special Laws n. 8971 of December 29, 1994 and 9276 of May 10, 1996, and subsequently by Law 10.406, of January 10, 2002, the current Civil Code, where special emphasis was given to the law of succession of his companions, considering the innovations introduced by art. 1790, but are still gaps on the subject. For the preparation of this paper used to the grounds on doctrines, scientific articles, publications pertinent to the subject, laws and jurisprudence. Therefore, it was necessary to approach the subject from its origin, historical evolution of the Union Stable in Brazil, social acceptance, as well as the innovations with the advent of the new code, placing the companion in a situation of total debasement and inferiority compared the inheritance law of the spouses, regulated by art.1829 of the Civil Code. It was also addressed on homoafetivas Partners, which had its recognition by the Supreme Court in May last year, coming to recognize the unions of homosexuals in the country Stable Finally, main objectives of the study were discussed the legal property generated by this union, with emphasis on competitionof the partner in the succession, which was limited to the assets acquired against payment in the presence of Stable Union, should be observed order of the vocation inherited by the new rule that will compete with partner descendants, ascendants and even side up the fourth degree, as well as the full right to the inheritance in the absence of kin successors, and the right Real Habitation.
Keywords: Family. Stable Union. The succession of the Partner
Sumário: Introdução; 1. União estável como entidade familiar; 1.1. Evolução histórica da família e da união estável no Brasil; 1.2. União estável como entidade familiar protegida pelo estado; 1.3. Prova do estado de companheiro; 2. União estável – características e a legislação vigente; 2.1. Análise das leis 8.971/94 e 9.278/96; 2.1.1. Ultratividade; 2.2. Código Civil vigente; 2.3. Parcerias homoafetivas; 3concorrência do companheiro na sucessão e direito a totalidade da herança; 3.1. Concorrência do companheiro com filhos comuns; 3.2. Concorrência do companheiro com descendentes só do autor da herança; 3.3. Concorrência do companheiro com outros parentes sucessíveis; 3.3.1. Concorrência com ascendente; 3.3.2. Concorrência com colaterais até 4º grau; 3.4. Direito à totalidade da herança. Considerações finais. Referências.
INTRODUÇÃO
O presente trabalho tem como objeto o estudo sobre o instituto da União Estável no direito Brasileiro e como objetivo: Institucional, produzir uma monografia para obtenção do grau de bacharel em direito, pela União de Ensino Superior de Campina Grande-UNESC; Geral, Analisar acerca da partilha de bens na dissolução e na herança na União Estável, bem como as alterações trazidas pelo atual Código Civil; Específicos, a) Demonstrar os aspectos e fundamentos sobre a origem e evolução histórica da família e da União Estável; b) Apontar os efeitos na sociedade no tocante a União Estável; c) Descrever a situação atual da União Homoafetiva depois do reconhecimento por parte do Supremo Tribunal Federal.
Para o presente trabalho monográfico foi considerado o seguinte problema de pesquisa: Quais os efeitos patrimoniais da União Estável na dissolução na morte de um dos companheiros, na partilha e na herança?
Diante do problema acima mencionado, é relevante ressaltar que inúmeras são as dúvidas acerca desse instituto, portanto há de se dar um enfoque histórico e atual das leis que tratam do assunto, com o intuito de dirimir conflitos, esclarecendo alguns pontos divergentes em nosso ordenamento jurídico, mostrando que o objetivo primordial do estatuto das famílias é proteger juridicamente todas as formas familiares hoje existentes. Nesse sentido, consideramos o tema de grande relevância jurídica, pois se trata de uma fonte de atualização sobre esse tema, já que mostra que a União Estável é constitucionalmente prevista como umas das entidades familiares, e os companheiros adquirem direito, diante disso, a sucessão e a meação dos bens comuns adquiridos onerosamente no decorrer deste relacionamento representam os efeitos patrimoniais da União Estável.
Para a confecção e conclusão do trabalho respectivo, utilizaremos todos os recursos que estiverem ao nosso alcance, além de pesquisa bibliográfica em jurisprudência, julgados, livros, revistas e artigos especializados, bem como a Legislação aplicável para uma melhor compreensão do tema proposto.
Para atingir os objetivos elencados, o trabalho será dividido em três capítulos, quais sejam: Capítulo 1- União Estável como entidade familiar; Capítulo 2- União Estável-característica e a Legislação Vigente; Capítulo 3- Concorrência do companheiro na sucessão e direito à totalidade da herança.
No capítulo primeiro, tratar-se-á, da evolução histórica da família e da União Estável no Brasil, fez-se uma análise da família, haja vista as importantes alterações em seu conceito, decorrentes das constantes transformações sociais e morais. Em seguida, demonstraram-se as inovações trazidas pelo texto Constitucional, ao reconhecer a União Estável como entidade familiar, determinando que o Estado lhe desse proteção. Por fim, mostra os requisitos essenciais para sua caracterização.
No segundo capítulo, será feita uma análise das primeiras leis que regulamentaram os direitos referentes aos companheiros e conviventes, quais sejam, as Leis Ordinárias Federais n. 8.971/94 e 9.278/96, foi feita também um breve comentário sobre a Ultratividade, chegando ao Código Civil vigente, que trouxe as relações entre companheiros e companheiras o status de União Estável, com direitos e obrigações assegurados. O capitulo aborda ainda sobre as Parcerias Homoafetivas, que teve seu reconhecimento como entidade familiar e, portanto, regida, pelas mesmas regras que se aplicam à União Estável dos casais heterossexuais.
No terceiro e último capítulo, apresentar-se-á a temática principal da presente monografia, qual seja os efeitos patrimoniais da União Estável na dissolução na morte de um dos companheiros, no tocante a partilha e a divisão da herança. Faz menção a concorrência do companheiro com filhos comuns, com os descendentes só do autor da herança, com outros parentes sucessíveis, com ascendentes e com colaterais até o quarto grau, e finaliza com o direito à totalidade da herança, no caso da não existência de parentes sucessíveis.
Após as exposições dos capítulos, passa-se as considerações finais, onde serão expostas as conclusões e análises gerais do contexto apresentados na monografia.
1 UNIÃO ESTÁVEL COMO ENTIDADE FAMILIAR
Antes de iniciar, propriamente, a exposição sobre o instituto da união estável, é importante ressaltar os conceitos, a origem e a evolução histórica da família no Brasil.
1.1 EVOLUÇÃO HISTÓRICA DA FAMILIA E DA UNIÃO ESTÁVEL NO BRASIL
Os conceitos podem ser diversos, podem possuir vários significados e opiniões, já que a legislação brasileira não possui uma concepção definida da família.
Segundo Maria Helena Diniz, existem três acepções do vocábulo família, que são o sentido amplíssimo, o sentido lato e a acepção restrita[1].
“Família no sentido amplíssimo seria aquela em que indivíduos estão ligados pelo vinculo da consangüinidade ou da afinidade. Já a acepção lato sensu, refere-se aquela formada alem dos cônjuges ou companheiros, e de seus filhos, abrange os parentes da linha reta ou colateral, bem como os afins (os parentes do outro cônjuge ou companheiro). O sentido restrito, restringe a família à comunidade formada pelos pais (matrimônio ou união estável) e a da filiação.”
De acordo com Beviláqua[2]:
“Os fatos da constituição da família são: em primeiro lugar, o instinto genesíaco, o amor que se aproxima os dois sexos. Em segundo, os cuidados exigidos para a conservação da prole, que tornam mais duradoura a associação do homem e da mulher, e que determinam o surto de emoções novas, a filoprogênie e o amor filial, entre procriadores e procriados, emoções essas que tendem, todas, a consolidar a associação familiar”.
Assim preleciona Silvio Venosa[3]:
“[…] Importa considerar a família em um conceito amplo, como parentesco, ou seja, o conjunto de pessoas unidas por vinculo jurídico de natureza familiar. Nesse sentido, compreendem os ascendentes, descendentes e colaterais do cônjuge, que se denominam parentes por afinidade ou afins. Nessa compreensão, inclusive o cônjuge, que não é considerado parente. Em conceito restrito, família compreende somente o núcleo formado por pais e filhos que vivem sob o pátrio poder”.
Ressalta Orlando Gomes[4]: “O grupo fechado de pessoas, composto por genitores e filhos, e para limitados efeitos, outros parentes, unificados pela convivência e comunhão de afetos em uma só e mesma economia, sob a mesma direção”.
A idéia de que se tem da família é de que ela se constitui de pais e filhos unidos a partir de um casamento regulado pelo estado.
Mas a partir do advento da Constituição Federal de 1998 (art. 226)[5] ampliou-se esse conceito, reconhecendo como entidade familiar a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes, bem como a união estável entre homens e mulheres, significando uma grande evolução no Ordenamento Jurídico brasileiro em relação ao conceito de família.
A família é, indiscutivelmente, a base da sociedade. No direito brasileiro ela é posta sob especial proteção do estado, como conceitua o art. 226, caput, da Constituição Federal “A família, base da sociedade, tem especial proteção do estado”[6].
É considerada a unidade social mais antiga do ser humano, que segundo expressa Fustel de Coulanges, não se encontrava unicamente na geração ou no vinculo de sangue, mas sim a razão de culto. A família como grupo era essencial para a perpetuação do culto familiar sendo irrelevante a existência de parentesco entre as pessoas.
A Família antiga se ligava a seus membros por um vínculo mais poderoso que o nascimento: a religião doméstica e o culto aos antepassados. Embora o afeto natural pudesse existir, este não servia como ligação entre os membros da família. A família era, assim, uma associação religiosa antes de ser associação natural[7].
Vamos encontrar nos romanos a referência de organização familiar, espelhando-se na família romana como padrão de organização institucional, onde o Ordenamento Jurídico Brasileiro busca sua fonte[8].
Na época todos os membros da família assumiam obrigações morais entre si, claro que sob o comando de “patriarca”, que era normalmente da linhagem masculina, símbolo da unidade da entidade social, reunindo-se em uma mesma comunidade todos seus descendentes, os quais compartilhavam de uma identidade cultural e patrimonial
Essas primeiras entidades familiares, unidas por laços sanguíneos de parentesco, receberam o nome de clãs. Com o crescimento territorial e populacional desses clãs, que chegavam a possuir milhares de membros, essas entidades familiares passaram a se unir, formando as primeiras tribos, grupos sociais, compostos de corporações de grupos de descendentes.
Assim, a organização primitiva das famílias, fundadas basicamente apenas das relações de parentesco sanguíneo, deu origem às primeiras sociedades humanas organizadas. “A expressão família surge a partir dessas organizações sociais”[9].
Diante do que anteriormente elencado, a família romana influenciou diretamente na constituição da família aqui no Brasil.
Hoje com a metamorfose histórica, cultural e social é que o direito de família passou a caminhar com suas próprias pernas, a seguir seus próprios rumos, trazendo com isso as adaptações à nossa realidade, fato que trouxe a perda daquele caráter canonista e dogmático intocável.
Com as alterações legislativas e constitucionais, desde a promulgação do Código civil de 1916, até o advento da Constituição Federal de 1988, a única instituição reconhecida como familiar era o casamento, enquanto a união estável e o concubinato eram ignorados pelo legislador.
A partir de 1988, é que o Ordenamento Jurídico Brasileiro, inovou ao reconhecer como entidade familiar, além do casamento, a união estável entre o homem e a mulher, e só em maio de 2011, o Supremo Tribunal Federal passa a reconhecer também as uniões estáveis de homossexuais no País, mas adiante estaremos abordando, com maior profundidade.
1.2 UNIÃO ESTÁVEL COMO ENTIDADE FAMILIAR PROTEGIDA PELO ESTADO
Art. 226, Constituição Federal de 1988 elenca: “A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado”[10].
Todavia, existem discórdias entre doutrinadores a respeito da equiparação da união estável em casamento.
Conforme Aldemiro Rezende Dantas:
“Não é demais recordar que as normas referentes à sucessão pelo companheiro só podem ser interpretadas conforme a Constituição Federal e dessa se extrai o objetivo maior que é a proteção a família, quer seja ela formada entre os companheiros.
E nessa busca de proteção a família, que obrigatoriamente se impõe ao legislador infraconstitucional, o casamento deverá ter sempre alguma vantagem em relação à união estável (por isso que o texto determina que seja facilitada a conversão em casamento), mas não ao ponto de configurar a proteção significante maior a família formada pelo casamento, pois o contraste pode levar à conclusão de que restou desprotegida a família que se esteia na união estável”[11].
Já a Desembargadora Letícia Sardas, vê de forma diferente: “A união estável está equiparada por lei ao matrimônio e o bom senso indica que o bem de família ou qualquer outro deve e pode ser defendido, por qualquer dos conviventes”[12].
Luiz Sérgio do Carmo se posiciona desta forma[13]:
“A Constituição de 1988, ao ter criado um neologismo jurídico, instituindo a união estável como entidade familiar, constituída por um homem e uma mulher. Não obstante, antes da Carta Magna de 05/10/1988, já existiam as palavras união e estável, cada qual com o seu significado. O que houve foi apenas a reunião, a substantivação composta, para definir a condição jurídica dos companheiros em situação peculiar, em comando normativo.
Fê-lo, pois, para dar proteção e segurança jurídica à sociedade e, especialmente para as pessoas que conviviam sem ter se sujeitado previamente às formalidades do casamento, ainda que não houvesse nenhum impedimento ou ainda que lhes faltasse apenas o acionamento da vontade para tanto.
Antes da promulgação da Carta de 1988, alcunhava-se de concubinos, genericamente, aqueles que coabitavam sem que casados fossem, independentemente do estado civil, isto é, de ser apenas um, ou ambos, solteiros, casados, divorciados ou viúvos.”
Respeitadas as opiniões dos doutrinadores, o fato é que após o advento da Constituição Federal de 1988, a união estável goza de especial proteção do Estado e a família não mais se vincula com exclusividade ao casamento. Convém esclarecer que a Constituição, ao sinalizar que a lei deve facilitar a conversão da união estável em casamento, não está estabelecendo hierarquia, precedência ou preferência entre essas duas formas de constituição de família.
Uma conclusão neste sentido não tem base histórica ou sociológica e se choca com os fundamentos, o todo orgânico, o próprio ideário, liberal, igualitário, solidário e democrático da Carta Magna. O que ela quer, simplesmente, é que, se os conviventes resolverem casar, que esse objetivo seja facilitado, dispensando-se os que já vivem juntos, em união estável, como entidade familiar, de algumas exigências que são prescritas para os que não exibem tal condição.
1.3 PROVA DO ESTADO DE COMPANHEIRO
A união estável, apesar de dispensar os formalismos necessários ao casamento, começa a se caracterizar pela vontade de vida em comum, tornado-se necessário apenas o mútuo consenso dos companheiros, podendo este surgir devagar, conforme evolução da vida amorosa. Entretanto, tal aprimoramento difere do simples “ficar”, ou seja, exige requisitos para a configuração da união estável como entidade familiar[14].
Conforme o art. 1.723 e parágrafos, do Código civil de 2002, a união estável é conceituada desta forma[15]:
“é reconhecida como entidade familiar a união estável entre o homem e a mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família.
§1º. A união estável não se constituirá se ocorrerem os impedimentos do art. 1521; não se aplicando a incidência do inciso VI no caso de a pessoa casada se achar separada de fato ou judicialmente.
§2º. As causas suspensivas do art. 1523 não impedirão a caracterização da união estável.”
Sendo a união estável reconhecida como entidade familiar e que tem especial proteção do Estado, para a sua comprovação é necessário alguns requisitos para a sua validade e uma justificativa adequada. Desta forma alguns doutrinadores assim posicionam-se:
Fazendo um paralelo entre União Estável e Casamento a cerca do Código Civil de 2002, ver da seguinte forma:
O casamento é formalizado por meio de uma celebração feita por um juiz de direito, depois, o casamento vai para o registro civil e sai uma certidão de casamento. "É um ato formalíssimo que forma o casamento. Já a união estável se forma "no plano dos fatos". "Duas pessoas que passam a viver juntas, formando uma entidade familiar, isso é suficiente para que exista a união estável. De lei não exige formalidade nenhuma, agora para sua comprovação é necessário alguns requisitos.
Segundo Maria Helena Diniz[16]:
“1. Continuidade das relações sexuais, desde que presentes, entre outros aspectos a estabilidade, ligação permanente para fins essenciais à vida social, ou seja, aparência de casamento;
2. Ausência de matrimônio civil válido entre parceiros;
3. Notoriedade das afeições recíprocas, afirmando não se ter concubinato se os encontros forem furtivos ou secretos, embora haja prática reiterada de relações sexuais;
4. Honorabilidade, reclamando uma união estável respeitável entre os parceiros;
5. Fidelidade da mulher ao amásio, que revela a intenção de vida em comum;
6. Coabitação, uma vez que a união estável deve ter a aparência de casamento.”
De acordo com Pizzolante, são elementos essenciais para configuração da união estável[17].
Partindo-se da premissa de que jamais poderá forma-se validamente sem a presença de consentimentos convergentes de vontade, induvidoso ser a união estável negócio jurídico bilateral, com tal sujeito, para sua validade, a existência de elementos essenciais, bem como capaz, ainda, de abarcar elementos naturais e acidentais que lhe podem, ocasionalmente, reger, situações em seus desdobramentos verificadas.
Sendo os elementos essenciais aqueles sem os quais o negocio jurídico inexiste, ou se constitui em negócio diverso do apreciado, a voluntariedade manifestada pela intenção de conviver maritalmente, bem como de respeitar os ditames socialmente concebidos para a concepção de família, tornam-se prescindível a configuração da união estável.
São os elementos denominados affectio marilatis more usória, essenciais a perfectibilização do fenômeno da união estável, em seu reconhecimento pelo direito.
Assim dispõe Gama[18]:
“A união formada entre o casal, com o objetivo de constituir família, deve ser contínua, ou seja, ininterrupta, protraindo-se no tempo sem lapsos. Em síntese deve ser permanente, no sentido de verificação da solidez do vínculo não sujeito, portanto a deslizes decorrentes da vida conflitiva a dois. Adotando a continuidade como característica do companheirismo, deve-se compreender que a eventual caracterização de ruptura da união, a marcar término da relação mantida, provoca a dissolução da sociedade entre os companheiros e, caso ocorra à reconciliação, deve ser novamente conquistada à continuidade, ao lado de outras características, para o fim de novamente se reconhecer o companheirismo”.
A relação por fim, caracteriza-se pela “informalidade, ou seja, inexiste qualquer obrigatoriedade aos partícipes da relação de observarem normas relativas ao casamento ou a qualquer outro ato solene para a formação do companheirismo”.
Importante ressaltar que essa característica é própria e de exclusividade das uniões extras matrimoniais quando postas em confronto com aquelas pertinentes ao matrimônio. O companheirismo é revestido de informalidade visto a ausência de solenidade.
Segundo o entendimento de Rodrigues[19]:
Dentre os vários elementos capazes de configurar a união estável, o que, realmente, parece fundamental para esse fim é a presumida fidelidade da mulher ao homem.
Aliás, em muitos casos, poder-se mesmo dizer que o elemento básico caracterizador da relação é a presumida fidelidade recíproca entre os companheiros, pois ela não só revela o propósito de vida em comum e o de investirem-se eles na posse de estado de casados, como cria uma presunção júris tantum de que o filho havido pela mulher foi engendrado por seu companheiro.
Venosa, enumera em cinco os elementos constitutivos da união estável[20]:
“1. Se levarmos em consideração o texto constitucional, nele esta presente o requisito da estabilidade na união entre o homem e a mulher. Não é qualquer relacionamento fugaz e transitório que constitui a união protegida, não podem ser definidas como concubinato simples relações sexuais, ainda que reiteradas.
2. A continuidade da relação também é outro elemento citado pela lei. Trata-se também de complemento da estabilidade […] Nem sempre uma interrupção no relacionamento afastara o conceito do concubinato.
3. A constituição, assim como o art. 1.723, também se refere expressamente à diversidade de sexos, a união do homem e da mulher. […] O relacionamento homossexual, modernamente denominado homoafetivo, por mais estável e duradouro que seja não recebera a proteção constitucional e, conseqüentemente, não se amolda aos direitos da índole familiar criados pelo legislador ordinário.
4. A publicidade é outro elemento da conceituação legal […] a relação, velada, à socapa, não merece proteção da lei.
5. O objetivo da constituição de família é corolário de todos os elementos legais antecedentes. Não é necessário que o casal tenha prole em comum, o que se constituiria elemento mais profundo para caracterizar a entidade familiar.”
Como foi mostrado, a união estável pode ser provada por todos os meios de prova admitidos em direito, e o companheiro, para assegurar sua condição de herdeiro e auferir os direitos sucessórios previstos em lei, deverá habilitar-se e evidenciar, previamente, a existência da entidade familiar, com a demonstração de que estão atendidos os requisitos objetivos e subjetivos necessários para sua caracterização.
Tudo fica facilitado e se ganha tempo e energia se os demais herdeiros são maiores, capazes, e aceitam a habilitação do companheiro no inventário, ficando dispensada a ação, que é autônoma para demonstrar a existência da união estável.
2 UNIÃO ESTÁVEL – CARACTERÍSTICAS E A LEGISLAÇÃO VIGENTE
No escalão infraconstitucional, regulando e explicitando o estatuído na Carta Magna, vigoraram no País duas leis: Lei n. 8.971 de dezembro de 1994, e Lei n. 9.278 de 10 de maio de 1996. A primeira tratou da sucessão entre companheiros, a segunda, em complemento, previu o Direito Real de Habitação.
2.1 ANALISE DAS LEIS N. 8.971/1994 E 9.278/1996
É preciso observar, preliminarmente, que o legislador definiu o direito sucessório entre companheiros à imagem e semelhança do direito sucessório dos cônjuges, consoante estava regulado no Código Civil de 1916, então em vigor. A aproximação é notória.
Baseado nisso, comenta Orlando Gomes[21]:
“É bom notar que a lei n. 9.278/96 não substituiu a lei. 8.971/94, mas apenas a revogou em parte, naquilo que instituiu alguma norma diferente e incompatível com que antes fora disciplinado pela última lei. O certo, porém, é que a lei n. 9.278/96 não regulou inteiramente a matéria tratada pela lei n. 8.971/94 e somente em um ou outro ponto tratou de objeto que já havia sido cogitado por esta última. Nesses pontos de conflito e incompatibilidade é que terá ocorrido a parcial revogação da lei n. 8.971/94.
Lei. N. 8.971/94
Foi a primeira lei que tratou da União Estável no Brasil, surgiu com o fim de regulamentar esse instituto. É mister expor os artigos, para uma melhor elucidação.
Art. 1º A companheira comprovada de um homem solteiro, separado judicialmente, divorciado ou viúvo, que com ele viva há mais de cinco anos, ou dele tenha prole, poderá valer-se do disposto na Lei nº 5.478, de 25 de julho de 1968, enquanto não constituir nova união e desde que prove a necessidade”[22].
Parágrafo único. Igual direito e nas mesmas condições é reconhecido ao companheiro de mulher solteira, separada judicialmente, divorciada ou viúva.
O art. 1º da lei supracitada mostra que o legislador teve como idéia central a exigência que a convivência existisse por tempo superior a cinco anos, ou que houvesse prole, e, também que tanto o companheiro quanto a companheira fossem solteiros, separados judicialmente, divorciados ou viúvos, nunca casados. Preferiu também a utilização da nomenclatura “companheiro/companheira”, e proibiu no seu parágrafo único, qualquer desigualdade de direitos entre o homem e a mulher, ou seja, prestigiou a igualdade de direitos e deveres, previstos na Constituição Federal de 1988.
Segundo João Roberto Parizatto[23]:
“Em vista da igualdade de direitos e obrigações entre homens e mulheres, prevista no art. 5º, inciso I, da Constituição Federal, estabeleceu-se no parágrafo único do art. 1º da lei n. 8.971/94, que: Igual direito e nas mesmas condições é reconhecido ao companheiro da mulher solteira, separada judicialmente, divorciada ou viúva, prevendo-se que não somente à concubina, mas também ao concubino, sendo o caso e provados os requisitos previstos no mencionado art. 1º, poderá valer-se da ação de alimentos prevista na lei n. 5.478/ 68. Sendo assim, o homem pleiteará alimentos contra a mulher, provando suas necessidades e as condições desta de lhe outorgar tais alimentos, pressupondo-se, neste caso, que a mulher estar em melhores condições do que o homem. Tal situação embora de fácil ocorrência, evidentemente poderá se apresentar em determinados casos específicos.”
O art. 2º da referida lei, tem a seguinte redação[24]:
“As pessoas referidas no artigo anterior participarão da sucessão do(a) companheiro(a) nas seguintes condições:
I – o(a) companheiro(a) sobrevivente terá direito enquanto não constituir nova união, ao usufruto de quarta parte dos bens do de cujos, se houver filhos ou comuns;
II – o(a) companheiro(a) sobrevivente terá direito, enquanto não constituir nova união, ao usufruto da metade dos bens do de cujos, se não houver filhos, embora sobrevivam ascendentes;
III – na falta de descendentes e de ascendentes, o(a) companheiro(a) sobrevivente terá direito à totalidade da herança.”
Ao companheiro sobrevivente, comprovada a existência de União Estável por ocasião do falecimento do parceiro, e havendo descendentes ou ascendentes, é concedido o direito de usufruir de ¼ ou de ½ dos bens deixado pelo de cujus, respectivamente, ou então, na falta deles, teria direito à propriedade total dos bens por ele deixados. Fica claro nos incisos Ie II, que o usufruto legal em favor do companheiro sobrevivente é temporário, ou seja, dura enquanto o convivente sobrevivo não constituir nova união, seja ela através do casamento ou da União Estável, não havendo nova união, o usufruto é no máximo vitalício. O Inciso III, o companheiro herda a totalidade da herança nos casos em que o de cujus não deixar descendentes ou ascendentes, mas o companheiro poderia dispor da totalidade do seu patrimônio depois de ser descontada a meação do sobrevivente quanto aos bens adquiridos onerosamente na vigência da União Estável.
O art. 3º, dispões que[25]: “Quando os bens deixados pelo(a) autor(a) da herança resultarem de atividade em que haja colaboração do(a) companheiro, terá o sobrevivente direito à metade dos bens”.
Para fins de meação, o companheiro terá de comprovar concorrência de esforço comum na aquisição do patrimônio, ou seja, não comprovando a participação na aquisição onerosa, ou vai ser impossível realizar a partilha.
Lei n. 9.278/96
Importante ressaltar, que a lei n. 9.278/96 não regulou inteiramente o assunto tratado na lei n. 8.971/94, em alguns aspectos a revoga e em outros a complementa, como serão mostrados em seus artigos logo adiante.
Assim dispõe o art. 1º da lei n. 9.278/96[26]: “É reconhecida como entidade familiar a convivência duradoura, pública e contínua, de um homem e uma mulher, estabelecida com objetivo de constituição de família”.
Enquanto a lei anterior, no seu art. 1º exigia que a convivência existisse por tempo superior a cinco anos, ou que houvesse prole, além da exigência para o companheiro e/ou companheira fossem solteiros, separados judicialmente, divorciados ou viúvos, esta exige apenas uma convivência pública e continua e que tenha como objetivo a constituição da família, ela não determina prazo para a caracterização da União Estável. De igual modo, afasta a formação entre casais do mesmo sexo como sendo União Estável, exige a legislação que a relação seja entre um homem e uma mulher.
Art. 2º tem a seguinte redação[27]:
“São direitos e deveres iguais dos conviventes:
I – respeito e consideração mútuos;
II – assistência moral e material recíproca;
III – guarda, sustento e educação dos filhos comuns.”
A base desse artigo 2º é a tentativa de equiparação das uniões estáveis ao casamento. Prevê que os conviventes, convivam em plano de igualdade com respeito e consideração mútua.
Marco Aurélio Viana, assim posiciona-se[28]:
“O art. 2º da lei n. 9.278/96 estabelece um complexo de direito e deveres entre os conviventes, alçado no art. 231 do Código Civil, deixando claro que se pretende uma equiparação entre União Estável e o casamento. Deixou apenas de estabelecer o dever de fidelidade recíproca de forma objetiva, embora ele possa ser depreendido do texto legal em sua essência, estando presente no dever de respeito e consideração mútuos que a lei especial impõe.”
No mesmo diploma legal, o art. 5º, trata da questão patrimonial dos companheiros, e assim dispõe[29]:
Art. 5º Os bens móveis e imóveis adquiridos por um ou por ambos os conviventes, na constância da união estável e a título oneroso, são considerados fruto do trabalho e da colaboração comum, passando a pertencer a ambos, em condomínio e em partes iguais, salvo estipulação contrária em contrato escrito.
§1° Cessa a presunção do caput deste artigo se a aquisição patrimonial ocorrer com o produto de bens adquiridos anteriormente ao início da união.
§ 2° A administração do patrimônio comum dos conviventes compete a ambos, salvo estipulação contrária em contrato escrito.
O autor Dimitre Soares de Carvalho, assim se posiciona com relação ao artigo[30]:
“O art. 5º da lei n. 9.278/96 trouxe as regras do regime da comunhão parcial de bens para a União Estável, sem que, entretanto, fosse utilizada essa denominação específica, por razões injustificadas e que revelam fraca técnica legislativa. De toda sorte, a aplicação do regime de comunhão parcial deve ser idêntica ao casamento, de modo que o patrimônio adquirido ao longo do casamento seja amealhado, desde que a aquisição seja onerosa. Nessa modalidade de divisão do patrimônio, importa lembrar que mesmo que o patrimônio tenha sido adquirido por apenas um dos conviventes, será considerado aquisição de ambos. Os bens adquiridos a título gratuito (sem contribuição econômica de um dos conviventes) não serão partilhados, constituindo a esfera patrimonial particular de cada um, como as doações individuais recebidas por cada um deles, bem como os bens recebidos por herança, que também não são partilhados.”
Rodrigo da Cunha Pereira assim fundamenta[31]:
“O art. 5º dispõe sobre o patrimônio a exemplo das regras do regime da comunhão parcial de bens, como, aliás, veio fazer expressamente, mais tarde, no novo Código Civil. Presume-se que os bens adquiridos na constância da União, a titulo oneroso, pertencem a ambos, porque se deduz que tenham sido adquiridos pelo esforço comum. Entretanto, é importante ressaltar que esse esforço comum é tão somente uma presunção. Sendo assim, pode se demonstrar o contrário, ou seja, provar que determinados bens não foram frutos do trabalho e/ou da contribuição de ambos. Essas é uma das diferenças básicas entre o casamento e a União Estável: nesta é imprescindível o esforço comum (direto ou indireto); naquele não se discute isso.”
Por sua vez o artigo 7º da referida lei dispõe que[32]:
Art. 7° Dissolvida a união estável por rescisão, a assistência material prevista nesta Lei será prestada por um dos conviventes ao que dela necessitar, a título de alimentos.
Parágrafo único. Dissolvida a união estável por morte de um dos conviventes, o sobrevivente terá direito real de habitação, enquanto viver ou não constituir nova união ou casamento, relativamente ao imóvel destinado à residência da família.
O artigo em questão estabelece a continuidade da prestação de assistência material ao convivente que dela necessita. Refere-se também ao Direito Real de Habitação, e faz exigências, para que o imóvel objeto do Direito Real de Habitação seja “destinado à residência da família”, ou seja, esse direito, somente incidirá sobre o imóvel destinado à residência da família. Neste caso, na utilização gratuita de imóvel alheio, e o titular desse direito deverá residir, com sua família, sendo vetado, alugá-lo ou emprestá-lo.
O artigo 8º trata a respeito da conversão da União Estável em casamento[33].
Art. 8° Os conviventes poderão, de comum acordo e a qualquer tempo, requerer a conversão da união estável em casamento, por requerimento ao Oficial do Registro Civil da Circunscrição de seu domicílio.
Essa conversão é requerida perante o oficial de Registro Civil das pessoas naturais, estas submetem-se no processo de habilitação, que, salvo se dispensado, passa por vista do Ministério Público e é homologado pelo Juiz.
O art. 9º versa sobre a competência relativa à União Estável, como mostra a leitura abaixo[34]:
Art. 9° Toda a matéria relativa à união estável é de competência do juízo da Vara de Família, assegurado o segredo de justiça.
Dimitre Braga Soares de Carvalho pronunciou sobre a matéria[35]:
“Todas as matérias relativas aos direito do convivente passaram a ser disciplinados pelo Direito de Família. Assim como a discussão deverá ocorrer nas varas especializadas para a matéria familiarista, com a participação obrigatória do Ministério Público, e com a proteção processual do segredo de justiça para resguardar a intimidade e a dignidade dos conviventes.”
2.1.1 Ultratividade
As duas leis que disciplinavam a sucessão hereditária dos protagonistas da União Estável continuam sendo aplicadas se o óbito do companheiro ocorreu até 11 de janeiro de 2003, ou seja, antes do começo da vigência do atual Código Civil, isso por força do art. 1.577 do Código Civil de 1916, cuja norma correspondente aparece no art. 1.787 do Código Civil vigente.
“Art.1.787, CC/2002- Regula a sucessão e a legitimação para suceder a lei vigente ao tempo da abertura daquela”.
A lei revogada não é mais obrigatória, não tem mais poder ou força vinculante, não incide mais sobre as relações humanas, cessou a sua eficácia, que foi substituída pela da lei revogadora. A revogação tem efeito ex nunc, daí para frente, não retroagindo para desfazer o que no passado foi construído. Assim, a lei revogada continua vinculante, obrigatória, tendo vigor para os casos ocorridos em época anterior à sua retirada do ordenamento jurídico positivo. Dá-se, pois, a sobrevivência da lei velha, o que e chama de Ultratividade, uma eficácia residual da lei revogada, exigência da segurança jurídica. É a lei revogada e não a lei nova que se aplica àquelas relações iniciadas e concluídas ao tempo em que vigorava a lei anterior.
2.2 CÓDIGO CIVIL VIGENTE
No tocante ao instituto da União Estável o código civil atual trouxe significativas mudanças, trouxe novas regras para regular essa forma de convivência, dentre as quais podemos destacar como sendo a inclusão do titulo referente à União Estável no Livro de Família e incorporando em cinco artigos (1.723 a 1.727), os princípios básicos das aludidas leis, bem como introduzindo disposições esparsas em outros capítulos, tratou ainda o novo Código dos aspectos pessoais e patrimoniais, deixando para o direito das sucessões o efeito patrimonial sucessório.
O novo diploma reafirmou o conceito de União Estável disposto na Lei n. 9.278/96. Importante citar o artigo correspondente:
“Art. 1.723. É reconhecida como entidade familiar a união entre o homem e a mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família”[36].
Na mesma linha do art. 1º da Lei n. 9.278/96, não foi estabelecido período mínimo de convivência pelo art. 1.723 do novo diploma, cabendo ao julgador os critérios para o reconhecimento da relação, é lógico que essa questão não foi totalmente afastada, já que a durabilidade é um dos elementos essenciais para a configuração da União Estável. Impede observar, ainda, que as expressões referentes aos impedimentos para constituição da União Estável é utilizada da mesma forma que os impedimentos válidos para o casamento, haja vista a possibilidade da conversão da União Estável em casamento. Portanto, só serão consideradas uniões estáveis àquelas que não possuírem impedimentos matrimoniais. Entretanto, “a ressalva é feita pelo próprio texto, ao excluir a incidência do inciso VI em relações as uniões estáveis, o que permite aos separados- de fato ou judicialmente- serem incluídos nesta classe familiar”[37].
No campo pessoal, o novo código aproveitou a redação do art. 2º, da Lei n. 9.278/96 e reiterou os deveres de “lealdade, respeito e assistência, e de guarda, sustento e educação dos filhos”, como obrigação recíproca dos conviventes.
Art. 1.724. As relações pessoais entre os companheiros obedecerão aos deveres de lealdade, respeito e assistência, e de guarda, sustento e educação dos filhos[38].
Segundo Andréa Rodrigues Amim[39]: “O direito anterior já estabelecia deveres recíprocos, numa similitude com o art. 231 do Código Civil, excepcionada a coabitação. Mutatis Mutandis, os deveres forem mantidos, ressaltando-se a lealdade e o respeito como substitutos da fidelidade conjugal”.
No tocante aos efeitos patrimoniais, o Código Civil de 2002 determina a aplicação, no que couber, do regime da comunhão parcial de bens, pelo qual haverá comunhão dos aquestos, isto é, dos bens adquiridos na constância da convivência, como se casados fossem.
Dispõe o art. 1.725 do Código Civil[40]: “Art. 1.725– Na união estável, salvo contrato escrito entre os companheiros, aplica-se às relações patrimoniais, no que couber, o regime da comunhão parcial de bens”.
Esses efeitos patrimoniais se parecem com os efeitos do casamento, prevalecendo basicamente à comunhão parcial de bens. Mas como elenca o art. 1.725, nada impede que os companheiros através de contrato escrito, disponham livremente de seus bens.
Prevê ainda o art. 1.726 do Código Civil que [41]: “Art. 1.726. A união estável poderá converter-se em casamento, mediante pedido dos companheiros ao juiz e assento no Registro Civil”.
Assevera Rui Ribeiro Magalhães[42]:
“Entende-se, portanto, que basta aos conviventes endereçar petição ao Juiz solicitando a conversão da União Estável em casamento. E por ordem judicial, depois de verificada a inexistência de impedimentos matrimoniais, seja lavrado assento pelo Oficial de Cartório de Registro Civil de Pessoas Naturais.”
Afirma Francisco José Cahali, na atualização da obra de Silvio Rodrigues[43]:
“O legislador, falha e muito, em não estabelecer os critérios, os requisitos, as formalidades e os efeitos desse pedido, tornando, assim, inócua a previsão, ao fazer subsistir, nesse contexto, o conturbado ambiente normativo sobre o assunto, desenvolvido pelos Tribunais mediante portarias e provimentos, no exercício da Corregedoria dos Cartórios de Registro Civil, e às vezes conflitantes entre si.”
Ademais o CC/2002, faz a distinção entre concubinato e União Estável no art. 1.727[44]: “Art. 1.727. As relações não eventuais entre o homem e a mulher, impedidos de casar, constituem concubinato”.
Posiciona-se sobre o tema Rodrigo da Cunha Pereira[45]:
“Vê-se que o artigo é bem intencionado e parece que seu intuito foi mesmo o de fazer essa distinção. Entretanto, em vez de usar a palavra “adulterino” ou outra melhor, acabou utilizando “impedidos de casar”. Tal expressão não traduz o espírito e o sentido desse artigo que quis, exatamente diferenciar União Estável e concubinato.”
Comenta ainda o autor:
“O concubinato, assim considerado aquele adulterino ou paralelo ao casamento ou a outra União Estável, para manter-se a coerência no ordenamento jurídico brasileiro- já que o Estado não pode dar proteção a mais de uma família ao mesmo tempo-, poderá valer-se da teoria das sociedades de fato e, portanto, no campo obrigacional.”
O CC/2002 deixa claro, a diferença entre os termos, ou seja, o concubino não adulterino é a União Estável, ao contrario do que o concubino adulterino continua sendo o concubinato propriamente dito, não merecendo, portanto o segundo, a proteção do Estado.
O que colocou os companheiros em pé de igualdade quanto a muitos fatores com relação aos cônjuges. Dessa forma, imaginava-se com isso que finalmente os companheiros teriam respeitados os seus direitos patrimoniais, na medida em que contavam com a proteção constitucional como qualquer outra família.
Entretanto, o Novo Código Civil decepcionou-os neste sentido. Em suas disposições apresenta o direito à meação e alimentos aos contraentes da união estável. Mas, no que concerne ao direito à sucessão hereditária, o Código Civil de 2002 apresenta um retrocesso à situação trazida pelas leis anteriores, eis que em caso de o falecido estar separado de fato ou judicialmente, o companheiro sobrevivente só faria jus ao direito à sucessão em caso de esta separação ter acontecido há mais de cinco anos.
E isso, nos dias de hoje parece injusto, pois como pode a união estável não ter mais como requisito de constituição o tempo de duração, e um de seus efeitos patrimoniais somente ser reconhecido aos companheiros levando-se em conta o tempo para tal?
Resta claro, enfim, que em que pese todos os avanços legislativos no sentido de proteger os contraentes da união estável, ainda há detalhes a serem modificados, para que somente assim, se faça jus ao caráter de entidade familiar o qual é revestido constitucionalmente tal modalidade de relacionamento.
2.3 PARCERIAS HOMOAFETIVAS
Analisei, até aqui, a sucessão dos companheiros, ou seja, dos integrantes da União Estável, e não poderia encerrar tal assunto, sem mencionar as parcerias homoafetivas, as entidades familiares formadas e construídas por pessoas do mesmo sexo.
Parceria Homoafetiva nada mais é do que a união de duas pessoas com a mesma orientação sexual, e que tem por características os mesmo objetivos de uma União Estável, que seria um relacionamento com convívio público e duradouro.
Em maio do ano passado, o Supremo Tribunal Federal decidiu por unanimidade reconhecer as uniões estáveis de homossexuais no Brasil. Na ocasião os ministros entenderam que os casais do mesmo sexo devem desfrutar dos mesmos direitos do pares heterossexuais, como por exemplo: pensões, aposentadorias e inclusão em planos de saúde. Essa decisão faz com que o a união homoafetiva seja reconhecida como entidade familiar, e regida pelas mesmas regras que se aplicam a União Estável, que tem previsão no Código Civil[46]. As mudanças trazidas após essa decisão do STF foram[47]:
“1. Comunhão parcial ou total de bens: Conforme o Código Civil, os parceiros em união homoafetiva, assim como aqueles de união estável, declaram-se em regime de comunhão parcial ou total de bens.
2. Pensão alimentícia: Assim como nos casos previstos para união estável no Código Civil, os companheiros ganham direito a pedir pensão em caso de separação judicial.
3. Pensões do INSS: Hoje, o INSS já concede pensão por morte para os companheiros de pessoas falecidas, mas a atitude ganha maior respaldo jurídico com a decisão.
4. Planos de saúde: As empresas de saúde em geral já aceitavam parceiros como dependentes ou em planos familiares, mas a partir de agora, se houver negação, a Justiça pode ter posição mais rápida;
5. Sucessão: Em caso de falecimento, os parceiros ganham os direitos de parceiros heterossexuais em união estável, mas podem incrementar previsões por contrato civil;
6. Licença-gala: Alguns órgãos públicos já concediam licença de até 9 dias após a união de parceiros, mas a ação deve ser estendida para outros e até para algumas empresas privadas;
7. Adoção: A lei atual não impedia os homossexuais de adotarem, mas dava preferência a casais heterossexuais, logo, com o entendimento, a adoção para os casais homossexuais deve ser facilitada;”
Assim fica claro que as uniões heterossexuais se assemelham com as uniões homoafetivas, diferenciando-se principalmente pelo fato de se constituírem por pessoas do mesmo sexo ou por sexo oposto, essa diferença não pode ser causa de motivação de exclusão que as Uniões homoafetivas vêm sofrendo ao longo dos anos.
Segundo Luiz Edson Fachim[48]:
“humanismo e solidariedade constituem, quando menos, duas ferramentas para compreender esse desafio que bate ás portas do terceiro milênio com mais intensidade. Reaprender o significado de projeto de vida em comum é uma tarefa que incumbe a todos, num processo sacudido pelos fatos e pela velocidade das transformações. Em momento algum pode o Direito fechar-se feito fortaleza para repudiar ou discriminar. O medievo jurídico deve sucumbir à visão mais abrangente da realidade, examinando e debatendo os diversos aspectos jurídicos que emergem das parcerias de convívio e de afeto. Esse é um ponto de partida para desatar alguns ‘nós’ que ignoram os fatos e desconhecem o sentido de refúgio qualificado prioritariamente pelo compromisso socioafetivo.” (FACHIN, 1996, p. 52-53).
Ana Carla Harmatiuk Matos, assim posiciona-se[49]:
“Em verdade, mesmo em face da gradativa aceitação das relações familiares que não se baseiam na união formal e heterossexual homem-mulher, e mesmo diante da decisão do Supremo Tribunal Federal de reconhecer as uniões estáveis entre pessoas do mesmo sexo, ainda há um veemente preconceito em torno das pessoas que adotam este tipo de relação.”
Segundo Marco Aurélio Mello[50]:
“Números tão significativos envolvem os casais formados por pessoas do mesmo sexo, mas acabam ignorados porque a sociedade brasileira não reconhecem tais relações como geradoras de direitos. Existe, certamente, omissão do Poder Público, que faz prevalecer rígidos e fortes padrões tradicionais, a reboque do que concretamente se desenvolve no corpo social.”
3 CONCORRÊNCIA DO COMPANHEIRO NA SUCESSÃO E DIREITO A TOTALIDADE DA HERANÇA
Inicialmente, cabe destacar, que os companheiros, que não tinham, em principio, qualquer direito reconhecido, e isso foi se perdurando até a promulgação da Constituição Federal de 1988, que passou a reconhecer além do casamento, a União Estável, como entidade familiar, a partir daí, houve uma franca evolução jurisprudencial e legislativa, passando, em conseqüência, a ser-lhes deferido direito sucessório pelas Leis n. 8.971/94 e 9.278/96. Com o advento do Código Civil de 2002, é dado um enfoque especial ao direito sucessório dos companheiros, tendo em vista as inovações introduzidas pelo art. 1.790 CC/02, colocando o companheiro em situação de total desprestígio, se comparado ao direito sucessório do cônjuge, ou seja, a norma ao invés de ampliar as previsões sobre a União Estável prejudicou o direito dos companheiros.
Rizzardo aborda o tema da seguinte forma:
O direito sucessório veio com a lei n. 8.971/94. Ao ordenar, em seu ar. 2º, que as pessoas referidas no art. 1º participariam da sucessão do(a) companheiro(a), queria significar aquelas que convivessem durante cinco ou mais anos, ou de cuja união tivesse resultado prole, com alguém solteiro, ou separado judicialmente, ou divorciado, ou viúvo. O Código Civil/02, que passou a disciplinar a matéria, modificou os conteúdos que vinham da lei n. 8.971/94 e na lei 9.278/96. O direito sucessório esta no art. 1.790 e incisos, com o seguinte texto: “A companheira ou o companheiro participará da sucessão do outro, quanto aos bens adquiridos onerosamente na vigência da União Estável”[51].
Pereira assim se posiciona:
É evidente que, o código civil de 2002, acabou por frustrar os companheiros, visto que, caso estes não cheguem a forma onerosamente patrimônio em comum, ficam excluídos da sucessão; Portanto, não terão direitos à meação, e nem ao menos direito à concorrer com descendentes, ascendentes ou outros parentes sucessíveis[52].
Wald teceu o seguinte comentário:
Com a entrada em vigor da atual Constituição, a União Estável entre o homem e a mulher recebeu a qualificação de entidade familiar, merecedora de proteção do Estado. Competia, pois, ao legislador elaborar uma lei que regulamentasse as vidas dessas pessoas, o que foi feito primeiramente em 29 de dezembro de 1994, quando entrou em vigor a lei n. 8.971, que disciplina sobre o direito dos companheiros a alimentos e a sucessão. Em relação aos alimentos consolidou-se a jurisprudência dos Tribunais; Em relação ao direito sucessório da companheira, ou do companheiro, passou-se a uma nova etapa do direito Brasileiro[53].
Continua o autor:
Além dessa lei, o parágrafo único do art. 7º da Lei n. 9.278/96, que disciplina o §3º do art. 226 da Constituição Federal de 1988, dispõe igualmente sobre o direito sucessório dos companheiros[54].
É evidente, que o legislador restringiu o direito sucessório do companheiro sobrevivente aos bens adquiridos onerosamente na constância da união, impondo ainda uma concorrência com os descendentes do falecido, ascendentes e, com colaterais sucessíveis (até o quarto grau), demonstrando dessa forma um tremendo retrocesso, como mostra claramente o art. 1.790, CC/02[55].
“Art. 1.790. A companheira ou o companheiro participará da sucessão do outro, quanto aos bens adquiridos onerosamente na vigência da união estável, nas condições seguintes:
I – se concorrer com filhos comuns, Terá direito a uma quota equivalente à que por lei for atribuída ao filho;
II – se concorrer com descendentes só do autor da herança, tocar-lhe-á a metade do que couber a cada um daqueles;
III – se concorrer com outros parentes sucessíveis, terá direito a um terço da herança;
IV – não havendo parentes sucessíveis, terá direito à totalidade da herança.”
Pela redação dada ao caput do artigo, os companheiros somente terão direito sucessório com relação aos bens adquiridos onerosamente na vigência da União Estável.
Dessa forma comenta Leite:
O caput do artigo 1.790 sublinha a diferença, desejada pelo Constituinte de 1988, existente entre casamento e União Estável, reafirmando que o (a) participará da sucessão do outro, quanto aos bens adquiridos onerosamente na vigência da União Estável, ou seja, excluída a meação do falecido que incide o direito sucessório. Em regra, ele não herdará bens particulares nem os adquiridos na constância da união a título gratuito. Independente de qualquer consideração de caráter axiológico sobre o teor da disposição e da intenção do legislador de estabelecer limites entre as duas realidade, o fato é que o mesmo deixou suficientemente claro que a pretensão ao direito sucessório decorre exclusivamente do patrimônio adquirido onerosamente pelos companheiros[56].
Ainda sobre esta disposição, comenta Rodrigues:
Sendo assim, se durante a União Estável, dos companheiros não houver aquisição, a título oneroso, de nenhum bem, não haverá possibilidade de o sobrevivente herdar coisa alguma, ainda que o de cujus tenha deixado valioso patrimônio, que foi formado antes de constituir União Estável[57].
Em minha opinião, no tocante ao caput do art. 1.790, CC/02, o legislador, ao invés de regular o direito sucessório entre companheiros, ou seja, deveria trazer e fazer novas adaptações, novos consertos e novas melhorias, para elevar uma posição mais vantajosa para casais que vivem em União Estável, ao contrário trouxe-os para uma posição menos vantajosa, de extrema inferioridade, se comparada ao direito sucessório dos cônjuges.
3.1 CONCORRÊNCIA DO COMPANHEIRO COM FILHOS COMUNS
O inciso I do artigo 1.790 do Código Civil estabelece que o companheiro sobrevivente ao concorrer com filhos comuns, terá direito a uma quota equivalente à que por lei for atribuída ao filho, sobre os bens adquiridos onerosamente na constância da união[58].
Maria Helena Diniz ao abordar o tema:
“Com a abertura da sucessão legítima os descendentes do de cujus são herdeiros por excelência, pois são chamados em primeiro lugar, adquirindo os bens por direito próprio. E, além disso, são herdeiros necessários, de forma que o autor da herança não poderá dispor, em testamento ou doação, de mais da metade de seus bens, sob pena de se reduzirem as disposições de última vontade e de se obrigar o donatário a trazer à colação dos bens doados”[59].
Maria Berenice Dias ensina:
“Desse modo, se todos os herdeiros forem filhos do casal, a fração que recebe o companheiro é igual a de seus filhos, uma vez que a herança é dividida por cabeça entre todos. Conta-se como se fosse mais um filho. Portanto, se há um só filho, a herança é dividida por dois. Sendo dois filhos, eles recebem dois terços da herança, e o companheiro um terço. O mesmo ocorre se forem três os filhos: cada um recebe uma quarta parte, e assim por diante. A divisão é sempre igual entre os filhos e o seu genitor”[60].
A respeito do inciso I, Hironaka entende que:
No inciso I, a lei determina que o companheiro sobrevivente que concorrer com filhos comuns entre ele e o falecido amealhará uma quota parte do acervo hereditário igual à que, por lei, for atribuído a cada um dos filhos. Se comparar essa regra com a norma atinente à concorrência do cônjuge com os descendentes comuns, verificar-se-á que não houve a reserva da quarta parte da herança ao companheiro sobrevivente[61].
Venosa completa:
“De acordo com o inciso I, se o convivente concorrer com filhos comuns, deverá receber a mesma porção hereditária cabente a seus filhos. Divide-se a herança em partes iguais, incluindo o convivente sobrevivente. Inexplicável que o dispositivo diga que essa quota será igual à que cabe “por lei” aos filhos. Não há herança que possa ser atribuída sem lei que o permita. Como, no entanto, não deve ser vista palavra inútil na lei, poder-se-ia elocubrar que o legislador estaria garantido a mesma quota dos filhos na sucessão legítima ao companheiro, ainda que estes recebessem diversamente por testamento. Essa conclusão levaria o sobrevivente à condição de herdeiro necessário. A nosso ver, parece que essa interpretação nunca esteve na intenção do legislador e constitui uma premissa falsa”[62].
Para melhor exemplificar: um casal, João e Maria, adquiriram onerosamente na vigência da União Estável um patrimônio de R$ 360.000,00. O casal tinha 2 (dois) filhos, Antônio e Francisca. João sofreu um acidente e morreu. Maria irá concorrer com os filhos comuns. Maria receberá como meeira R$ 180.000,00. Os outros R$ 180.000,00 será dividido em 3 (três) partes iguais (Maria, Antônio e Francisca). Então cada filho herdará a importância de R$ 60.000,00 e Maria ficará com um total de R$ 240.000,00 (sendo R$ 180.000,00 como meeira + R$ 60.000,00 como herdeira).
Por fim, diante do exposto, inexplicavelmente, o legislador limitou mais uma vez no inciso I, a concorrência somente aos filhos comuns, em vez de estendê-la a toda a classe dos descendentes, o que faz quando a concorrência se dê com descendentes somente do autor da herança, que veremos adiante no inciso II.
3.2 CONCORRÊNCIA DO COMPANHEIRO COM DESCENDENTES SÓ DO AUTOR DA HERANÇA
O inciso II do art. 1.790 prevê a hipótese de concorrência do companheiro com descendente só do autor da herança, tocando-lhe a metade do que couber a cada um dos descendentes[63].
Ao abordar o tema Venosa, esclarece:
“Na forma do inciso II do art. 1.790, se o convivente concorrer com descendentes só do autor da herança, tocar-lhe-á metade do que couber a cada um deles. Atribui-se, portanto, peso 1 à porção do convivente e peso 2 à do filho do falecido ou falecida para ser efetuada a divisão da partilha”[64].
Continua:
“No entanto, se houver filhos em comuns com o de cujus e filhos somente deste concorrendo à herança, a solução é dividi-la igualmente, incluindo o companheiro ou companheira. Essa conclusão defluiu da junção dos dois incisos, pois não há de se admitir outra solução, uma vez que os filhos, não importando a origem, possuem todos os mesmos direitos hereditários. Trata-se, porém de mais um ponto obscuro entre tanto na lei”[65].
Silvo Rodrigues explica como será essa concorrência:
“O inciso II prevê o caso do companheiro sobrevivente concorrer com descendentes só do autor da herança, resolvendo que tocara ao dito companheiro metade do que couber a cada um daqueles descendentes. Entenda-se: metade do que couber ao descendente nos bens adquiridos onerosamente durante a União Estável, como prevê o caput do art. 1.790”[66].
Maria Berenice Dias explica:
“Quando os herdeiros são filhos somente do autor da herança, eles recebem o dobro do companheiro sobrevivente, ou seja, ele faz jus à metade do que recebe cada um dos enteados. Para proceder à partilha, o jeito é multiplicar por dois o numero de filhos e somar mais um, que é a fração do parceiro”[67].
Explica Gomes:
“Que concorrendo somente com descendentes do autor da herança, cabe ao companheiro sobrevivente à metade do que couber a cada um daqueles. Utilizou o legislador a mesma regra de participação da herança entre os irmãos unilaterais e bilaterais”[68].
Para melhor exemplificar: Maria e João adquiriram onerosamente na vigência da União Estável, um patrimônio de R$ 360.000,00. João tem dois filhos de outra união, Antônio e Francisca. Maria e João não têm filhos juntos. João sofreu um acidente e morreu. Maria irá receber como meeira o valor de R$ 180.000,00. Os outros R$ 180.000,00 vão para o inventário de João. Como Maria concorre com descendentes só do autor da herança, ela terá metade do que couber a cada um deles. Então Maria tem “X”. Antônio tem “2X” e Francisca tem “2X”. Fazendo a soma ficará X + 2X+2X= 180.000,00. Então 5X= 180.000,00. X= 36.000,00. Assim, Antônio ficará com um patrimônio de R$ 72.000,00 (2X, ou seja, 2 x 48.000,00). Francisca também ficará com R$ 72.000,00. Já a companheira Maria ficará com um total de R$ 216.000,00 (R$ 180.000,00 como meeira + R$ 36.000,00 como herdeira).
Conclui-se que, temos de estar atentos para o caput do art. 1.790. A herança possível do companheiro é representada pelos bens adquiridos onerosamente durante a convivência. Os bens particulares do de cujus, os que já possuíam antes de constituir a União Estável, e os que lhe sobrevieram, na constância da mesma, por doação ou sucessão, e os sub-rogados em seu lugar, não integram a herança quanto ao companheiro sobrevivente, alertando-se, de novo, que, em regra, a União Estável segue o regime da comunhão parcial. Assim na concorrência com os descendentes do falecido, a quota do companheiro incide apenas sobre os descendentes receberem nos bens comuns, vale dizer, nos bens que tenham sido adquiridos onerosamente na vigência da União Estável. Os bens particulares do falecido caberão, exclusivamente, aos descendentes.
3.3 CONCORRÊNCIA DO COMPANHEIRO COM OUTROS PARENTES SUCESSÍVEIS
O inciso III do artigo 1.790 trata da concorrência do companheiro com outros parentes sucessíveis, quando terá direito a um terço da herança. Por outros parentes sucessíveis, entendem-se os ascendentes e os colaterais até o quarto grau[69].
Sobre a ordem de vocação hereditária, Giselda Hironaka se posiciona:
“Depois, porque o inciso III do artigo 1.790 do CC afirma, genericamente, que o convivente sobrevivo terá direito à terça parte do acervo hereditário sempre que concorrer com outros parentes sucessíveis, sem fazer distinção de quem se trata. O inciso é complementado, porém, valendo-se do auxílio prestado pelo artigo 1.829 do CC, que traça a ordem de vocação hereditária. Neste artigo, os parentes sucessíveis são, pela ordem, os descendentes, os ascendentes e os colaterais até o quarto grau.
Ora, entre os ascendentes e os colaterais há uma verdadeira hierarquia traçada pela lei, segundo a qual a existência daqueles afasta da sucessão qualquer destes. Por isso, o inciso III do artigo 1.790 do CC aborda duas classes de vocação hereditária: a segunda, composta pelos ascendentes em concorrência com o convivente sobrevivo e a terceira, composta pelos colaterais até o quarto grau e o convivente sobrevivo. Se esta foi a escolha do legislador – e por menos que se concorde com ela –, quando o convivente concorrer com o pai e a mãe do falecido, amealhará a terça parte do acervo sobre o qual incidir a sua concorrência. Mas, por outro lado, se concorrer apenas com um dos genitores ou com os ascendentes de parentesco mais distante, como avós ou bisavós, continuará herdando simplesmente um terço do monte partível, ao passo que ao cônjuge, em igual posição, seria deferida a metade do acervo hereditário. Os outros dois terços seriam, então, percebidos pelo pai ou pela mãe que participassem da chamada sucessória, ou seriam repartidos entre os avós ou bisavós do falecido, segundo a linha e o grau de parentesco”[70].
Sobre essa concorrência, afirma Oliveira:
“Mas pior está na situação de que o companheiro fique sujeito a concorrer também com os demais parentes sucessíveis, quais sejam os colaterais até o quarto grau. Trata-se de evidente retrocesso no critério do sistema protetivo da União Estável. Note-se que, para acentuar ainda mais o rebaixamento no trato sucessório do companheiro, sua concorrência na herança restringe-se aos bens havidos onerosamente durante a convivência”[71].
Rodrigues mostra seu inconformismo:
“O inciso III afirma que o companheiro sobrevivente concorrer com outros parentes sucessíveis, terá direito a um terço da herança. Como os descendentes do falecido já foram mencionados nos incisos I e II, “outros parentes sucessíveis”, de que cogita o inciso III, são os ascendentes e os colaterais até o quarto grau (irmãos, sobrinhos, tios, primos, tios-avós e sobrinhos-netos do de cujus). A lei não distinguiu, de forma que na concorrência com esses outros parentes sucessíveis, seja um ascendente do de cujus, seja um primo ou um tio-avô do falecido, o companheiro receberá a mesma quota: um terço da herança”[72].
Na mesma linha segue Venosa:
“Se a norma é aceitável no tocante à concorrência com os ascendentes, é insuportável com relação aos colaterais. Imagine-se a hipótese de o convivente sobrevivo concorrer com um colateral, este receberá dois terços da herança e o sobrevivente apenas um terço”[73].
Semelhante opinião tem Veloso:
“Sem dúvida, nesse ponto, o Código Civil não foi feliz. A lei não está imitando a vida, nem está em consonância com a realidade social, quando decide que uma pessoa que manteve a mais íntima e completa relação com o falecido, que sustentou com ele uma convivência séria, sólida, qualificada pelo animus de constituição de família, que com o autor da herança protagonizou, até a morte deste, um grande projeto de vida, fique atrás de parentes colaterais dele, na vocação hereditária. O próprio tempo se incube de destruir a obra legislativa que não segue os ditames do seu tempo, que não obedece às indicações da história e da civilização”[74].
Apresenta-se o seguinte caso concreto: João e Maria adquiriram onerosamente durante uma União Estável que durou aproximadamente 25 anos, um patrimônio avaliado em R$ 270.000,00. João e Maria não têm filhos. Maria, que reside em João Pessoa, tem uma única prima, desconhecida que reside em Porto Alegre, chamada de Joana. Maria sofreu um acidente e morreu. João irá receber como meeiro o valor de R$ 135.000,00. Os outros R$ 135.000,00 vão para o inventário de Maria. Como João concorre com parentes sucessíveis (neste caso a prima Joana), ele terá direito a um terço da herança. Então a prima, Joana, terá direito ao valor de R$ 90.000,00. João o companheiro, terá o direito a R$ 45.000,00 (1/3 de R$ 135.000,00). Ficando João com um total de R$ 180.000,00 (sendo R$ 135.000,00 como meeiro + R$ 45.000,00 como herdeiro).
Como visto dois terços da herança caberão a esses outros parentes sucessíveis, e um terço da herança ao companheiro sobrevivente. É mister salientar que esses parentes sucessíveis não podem ser convocados ao mesmo tempo, deve ser observada a ordem de vocação hereditária do art. 1.829 tanto como relação às classes como aos graus. Em minha opinião, fica claro que esse dispositivo é de uma enorme injustiça para com o companheiro sobrevivente, visto que, o legislador coloca o mesmo direito a um parente distante do de cujus, que nada contribuiu para a construção desse patrimônio, com a companheira que viveu parte de sua vida, um do lado do outro, contribuindo de forma direta e indireta para a aquisição desse patrimônio.
“Art. 1.829. A sucessão legítima defere-se na ordem seguinte:
I – aos descendentes, em concorrência com o cônjuge sobrevivente, salvo se casado este com o falecido no regime da comunhão universal, ou no da separação obrigatória de bens (art. 1.640, parágrafo único); ou se, no regime da comunhão parcial, o autor da herança não houver deixado bens particulares;
II – aos ascendentes, em concorrência com o cônjuge;
III – ao cônjuge sobrevivente;
IV – aos colaterais.”
3.3.1 CONCORRÊNCIA COM ASCENDENTE
Se o de cujus não tinha descendente, e deixou ascendente e companheiro, haverá concorrência entre eles.
Ao comentar sobre o tema Cahali explica:
“Seguindo a ordem de vocação hereditária na verificação da preferência sucessória em linha reta, na falta de descendente do autor da herança serão chamados à sucessão os ascendentes, (…), ou seja, seus pais, avós, bisavós, etc., também, pois, sem limitação jurídica à distância de geração”[75].
Acrescenta Pereira:
“Ao considerar que seu direito está restrito às condições do caput, em razão da concorrência com os demais parentes sucessíveis, abrangendo todos os demais herdeiros legítimos (necessários ou não), estes concorrência com o companheiro, segundo a ordem estabelecida no art. 1.790 do ordenamento civil, não podendo haver chamamento simultâneo de ascendentes e de colaterais”[76].
Sobre a concorrência com os ascendentes, Maria Berenice Dias ensina que:
“Quando a concorrência se dá com ambos os genitores do falecido, cada um deles recebe um terço e mais a integralidade de bens particulares do filho falecido. Na concorrência com só um dos pais, este fica com dois terço, e o companheiro permanece somente com a terça parte dos aquestos. Mesmo quando os ascendentes forem de grau mais distante (avós ou bisavós do falecido), permanece igual o direito do companheiro, independente do número de ascendentes”[77].
Expõe Maria Helena Diniz:
“Não havendo herdeiro da classe dos descendentes, chamar-se-ão à sucessão do de cujus os seus ascendentes, sendo que o grau mais próximo exclui o mais remoto, não se devendo atender à distinção de linhas, ou seja, à diversidade entre parentes pelo lado paterno ou pelo lado materno, porque entre os ascendentes não há direito de representação”[78].
Comenta Rodrigues:
“Se o de cujus tiver mãe viva e avós paternos, todo o seu patrimônio será deferido a mãe do sobrevivente, nada cabendo aos ascendentes de seu progenitor. Caso haja igualdade de grau dos ascendentes e diversidade de linhas (avós paternos e maternos), a herança se divide em partes iguais, cabendo a metade aos ascendentes de cada linha”[79].
Para exemplificar:
João e Maria adquiriram onerosamente durante uma União Estável que durou aproximadamente 30 anos, um patrimônio avaliado em R$ 270.000,00. Antes de conhecer Maria, João tinha um patrimônio avaliado em R$ 300.000,00. João e Maria não tiveram filhos. João falece e deixa além de sua companheira Maria, os seus pais, José e Francisca.
Neste caso, Maria, a companheira, irá receber como meeira o valor de R$ 135.000,00. Os outros R$ 135.000,00, vão para o inventário de João. Como Maria concorre com outros parentes sucessíveis, neste caso na classe dos ascendentes, ela terá direito a um terço da herança. Logo, os pais de João, terão direito ao valor de R$ 45.000,00, cada um. Maria, a companheira, terá direito a R$ 45.000,00 (1/3 de R$ 135.000,00). Ficando Maria com um total de R$ 180.000,00 (sendo 135.000,00 como meeira + R$ 45.000,00 como herdeira). Como João antes de conhecer Maria tinha um patrimônio avaliado no valor de R$ 300.000,00, Maria não faz jus a algum valor desse, que será dividida entre os ascendentes de João. Então, José ficaria com R$ 45.000,00 da herança + R$ 150.000,00 equivalente aos bens particulares adquiridos por João, num total de R$ 195.000,00, de modo igual, ficará Francisca, a mãe de João.
Como foi mostrado, a herança do companheiro se restringe aos bens adquiridos onerosamente na vigência da União Estável, os bens particulares o companheiro não terá direito algum, assim sendo, caberão integralmente aos ascendentes.
3.3.2 CONCORRÊNCIA COM COLATERAIS ATÉ 4º GRAU
Na legislação anterior ao Código Civil vigente (Lei n. 8.971/94), e copiando a solução dada ao cônjuge, se o falecido não deixava descendentes nem ascendentes, o companheiro sobrevivente ficava com toda a herança, excluindo os parentes colaterais. Com chegada do novo Código Civil, e o art. 1.790, III[80], determina que o companheiro vá concorrer com os colaterais sucessíveis, ou seja, até o quarto grau.
Sobre a concorrência do companheiro com colaterais expõe Cahali:
“Caso constatado não haver descendentes e ascendentes, seja por inexistência, morte, renúncia ou até exclusão por indignidade e deserdação, ainda assim, o companheiro continuará a concorrer em sua limitada herança com os colaterais, este considerado até o quarto grau de parentesco (irmãos, tios ou até primos do falecido), com a exclusão dos mais remotos pelos mais próximos”[81].
Nesse sentido ressalta Diniz:
“O patrimônio dos conviventes rege-se pelo principio da liberdade, pois se não houver convenção escrita sobre o patrimônio a ser seguida durante a União Estável prevalecerá entre eles o regime de comunhão parcial. Morto um deles, o seu patrimônio será inventariado, dele retirando a meação do convivente, alusiva aos bens adquiridos onerosamente durante a convivência, que não se transmite aos herdeiros”[82].
Continua a autora:
“Em relação à outra metade (herança) daqueles bens deverá concorrer com descendentes, ascendentes e colaterais até o quarto grau (…), e se não houver bens comuns amealhados durante a convivência, o companheiro supértise nada receberá a qualquer título, nem como meeiro, nem como herdeiro, visto que não fará jus a qualquer quinhão hereditário, mesmo que o de cujus não tenha descendente ou ascendente, pois a sua herança será deferida aos colaterais até o quarto grau”[83].
Rodrigues comenta:
“Não vejo razão alguma para que o companheiro sobrevivente concorra (…) com os colaterais, nada justifica colocar-se o companheiro sobrevivente numa posição tão acanhada e bisonha na sucessão da pessoa com quem viveu uma união pública, contínua e duradouramente, constituindo uma família, que merece tanto reconhecimento e apreço, e que tão digna quanto família fundada no casamento”[84].
Completa o autor:
“Entende que o ideal, como já se fazia a lei n. 8.971/94, artigo 2º, III, teria sido colocar o companheiro sobrevivente à frente dos colaterais, na sucessão do de cujus”[85].
O art. 1.840 e 1.841 do Código Civil de 2002, afirmam sobre a ordem da vocação hereditária:
Na classe dos colaterais, os mais próximos excluem os mais remotos, salvo o direito de representação concedido aos filhos de irmãos unilaterais[86], cada um destes herdará metade do que cada um dos bilaterais receber[87].
É importante fazer a distinção entre os irmãos bilaterais e os irmãos unilaterais. Os primeiros têm em comum os genitores (pai e mãe), ou seja, são filhos do mesmo pai e da mesma mãe. Já os irmãos unilaterais têm em comum apenas o pai e nesse caso são chamados de irmãos unilaterais consangüíneos, ou a mãe, que seria chamado de unilaterais uterinos.
Exemplo:
Concorrendo o companheiro, a herança do falecido, com irmãos bilaterais e unilaterais, terá direito a terça parte dos bens adquiridos a título oneroso na constância da União Estável. Os outros dois terços serão divididos entre os irmãos, sendo que os bilaterais terão direito a uma quota duplicada, enquanto os unilaterais terão direito a uma quota simples. Supondo que o de cujus tenha deixado companheiro e dois irmãos, um unilateral e um bilateral, e patrimônio no valor de R$ 360.000,00, adquirido, a título oneroso na constância da União Estável, o companheiro terá direito a R$ 180.000,00, em virtude do regime patrimonial, que é o da comunhão parcial de bens. Entrando agora no direito sucessório, tem-se a aplicação dos artigos 1.790, III e 1.841 do Código Civil: O companheiro terá direito a um terço da herança (33,33%), e os outros dois terços serão divididos entre os irmãos. O unilateral a uma quota simples (22,22%) e o bilateral com uma quota duplicada (44,44%).
Em minha opinião, o que fica claro, e ninguém consegue explicar, é esse recuo, essa involução ocorrida no Código Civil de 2002, fazendo com que o companheiro concorrer com colaterais até o quarto grau do de cujus, e em situação francamente inferior à destes, é sem dúvida uma situação atrasada e regressista. Se a família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado, se a União Estável é reconhecida como entidade familiar se está praticamente equiparadas às famílias matrimonializadas, não deveria ter motivos para retirar direitos e vantagens anteriormente existente em favor dos companheiros.
3.4 DIREITO À TOTALIDADE DA HERANÇA
O inciso IV do art. 1.790, CC/02, enuncia que, não havendo parentes sucessíveis, ou seja, não tendo o falecido deixado descendentes, ascendentes, nem colaterais, até o quarto grau, o companheiro terá direito à totalidade da herança[88].
Frisa-se que a totalidade da herança mencionada pela lei, é somente aquela adquirida onerosamente da constância da União Estável.
Afirma Rizzardo:
“Participa o convivente da sucessão do outro restritamente nos bens adquiridos onerosamente, nas proporções assinaladas, se existirem sucessores, filhos comuns, ou sucessores filhos só do autor da herança, ou sucessores outros parentes. Não havendo parentes sucessíveis, o sobrevivente receberá a totalidade da herança, mas restritamente quanto aos bens surgidos, de forma onerosa, durante a União Estável. O patrimônio formado antes da União, e aquele herdado ou doado, não ingressa na herança”[89].
Acrescenta Giselda Hironaka:
“Por fim, na ausência de quaisquer parentes sucessíveis, o companheiro sobrevivente poderá amealhar a totalidade dos bens adquiridos onerosamente durante a vigência da União Estável, segundo o que determinam o inciso IV e o caput do art. 1.790 do CC/02. Assim, quanto aos bens particulares do falecido, inexistindo parentes sucessíveis, serão os mesmos entregues ao Poder Público, em detrimento do companheiro supérstite”[90].
Oliveira destaca:
“O direito à totalidade da herança somente é reconhecida em favor do companheiro sobrevivente se não houver herdeiros sucessíveis. Mesmo nessa hipótese, contudo, a sucessão do companheiro restringe-se aos bens adquiridos onerosamente durante a convivência, por força da disposição do caput do artigo 1.790. Quer isto dizer que, se os bens da herança forem particulares do de cujus, nada será atribuído ao companheiro sobrevivente, pois serão herdeiros apenas os parentes sucessíveis, que vão até os colaterais de quarto grau. Ainda na falta desses parentes, nada poderá reclamar o companheiro quanto aos bens particulares do de cujus, que serão arrecadados como herança jacente, a converter-se em herança vacante, com adjudicação ao Município da localização dos bens”[91].
Como visto, há doutrinadores, que entendem que o art. 1.790, IV, CC/02, não pode ser analisado de forma isolada, o qual deve ser interpretado de em consonância com o art. 1.844 do Código Civil.
Assim dispõe o art. 1.844, CC/02:
Não sobrevivendo cônjuge, ou companheiro, nem parente algum sucessível, ou tendo eles renunciado a herança, esta se devolve ao Município ou ao Distrito Federal, se localizada nas respectivas circunscrições, ou à União, quando situada em território federal[92].
Desta forma, o companheiro teria apenas o direito à totalidade da herança, e em relação aos bens adquiridos na constância da União Estável, estes seriam do Poder Público.
Diferente desses entendimentos se posiciona Maria Helena Diniz:
“(…) não havendo parentes sucessíveis ou tendo havido renúncia destes, o companheiro receberá a totalidade da herança, no que atina aos bens adquiridos onerosa e gratuitamente antes ou durante a união estável, recebendo, portanto todos os bens do de cujus, que não irão ao Município, Distrito Federal ou à União, por força do disposto no art. 1.844 do Código Civil, que é uma norma especial (relativa à herança vacante), sobrepondo-se ao art. 1.790, IV (norma geral sobre sucessão dos companheiros)”[93].
Completa a autora:
“Isso seria mais justo, pois seria inadmissível a exclusão do companheiro sobrevivente, que possuía laços de afetividade com o de cujus, do direito à totalidade da herança dando prevalência à entidade pública. Se assim não fosse, instaurar-se-ia no sistema jurídico uma lacuna axiológica. Aplicando-se o artigo 5º da Lei de Introdução ao Código Civil, procura-se a solução mais justa, amparando o companheiro sobrevivente”[94].
Comenta Gomes:
“Apesar de o inciso aludir ao caput do artigo, que se atém somente aos bens adquiridos a título oneroso durante a União Estável, cabe ao companheiro sobrevivente a totalidade dos bens, havidos a qualquer título, na constância ou não da União Estável, caso não haja parentes com direito a sucessão. Essa interpretação se coaduna com o disposto no artigo 1.844, inserindo no Capitulo da Ordem da Vocação Hereditária, que estatui que a herança somente é devolvida ao Estado se não houver cônjuge, companheiro, nem parente algum sucessível. “Assim, não fazendo parentes sucessíveis receberá a totalidade da herança, referente aos bens adquiridos onerosa e gratuitamente durante a União Estável e, ainda, aos demais bens, inclusive particulares do autor da herança, que irão ao Município, Distrito Federal ou à União, conforme o disposto no art. 1.844 do Código Civil”[95].
Em minha opinião, é inadmissível a exclusão do companheiro sobrevivente com quem manteve uma comunidade de vida com o falecido baseada em afeto e lealdade,
à totalidade da herança em favor do Poder Público. Com toda certeza os nossos políticos não administrariam estes bens com seriedade e honestidade, diferente do que faria o companheiro sobrevivente, sabendo que aquele patrimônio foi obtido com muito esforço, dedicação, uma conquista que vem do fruto da luta de anos do seu ex-companheiro.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
No presente trabalho monográfico, se fez necessário ressaltar os lineamentos históricos e evolutivos da família, para melhor compreensão da União Estável e do direito sucessório do companheiro. Foi dado um enfoque histórico e atual das leis que tratam do assunto, a fim de esclarecer alguns pontos ainda divergentes em nosso ordenamento jurídico.
Como foi mostrado, o Código Civil de 1916 apenas reconhecia como legítimas as famílias formadas pelo casamento, não reconhecia juridicamente outras formações familiares, que eram tidas como ilegítimas conhecidas por concubinato, que derivara de uma união adulterina, considerado na época, um ato pecaminoso. Com a evolução da legislação Brasileira, a Constituição Federal de 1988 passou a reconhecer a União Estável como entidade familiar, determinando que o Estado lhe desse proteção e, que a legislação deverá facilitar sua conversão em casamento.
Depois de reconhecida a União Estável como entidade familiar, algumas leis foram editadas, com o intuito de solucionar algumas questões, sejam elas: A lei n. 8.971/94 e a lei n. 9.278/96, que trouxeram direitos e deveres entre os conviventes, tendo estabelecido em seu contexto que a União Estável e o casamento devem ser tratados por iguais. Mas, o que era previsto em lei ainda era lacunoso e se espera do Código Civil atual, que este suprisse essas lacunas.
Com o advento do Código Civil de 2002 que trata da União Estável em seus artigos 1.723 a 1.727, e no que diz respeito à Sucessão do companheiro sobrevivente prevê em seu artigo 1.790 e incisos, não teve o comportamento que se esperava, e toda aquela evolução conquistada anteriormente, acabou por ser retroagida por tal regulamentação, foi dado um ar de inferioridade, inconformismo, menosprezo, a respeito de como é tratada a matéria de sucessões nesse instituto, ou seja, o que temos é uma legislação por vezes contraditória, que não explícita os direitos dos companheiros quanto à sucessão.
Há ainda a observação em relação as Parcerias Homoafetivas, que teve seu reconhecimento pelo Supremo Tribunal Federal em 2011, e que podem ser consideradas como famílias, com as mesmas regras regidas pela União Estável, ou seja, a mesma lei que é aplicada para os heterossexuais, teve seu entendimento estendido para os homossexuais.
Conclui-se ainda, que muito embora tenha ocorrido o reconhecimento da União Estável como entidade familiar, é importante frisar que ainda hoje há preconceito entre os operadores do direito, e isto fica muito claro, pela distinção trazida entre os companheiros e cônjuges no que diz respeito ao direito sucessório, já que o coloca numa posição de grande inferioridade perante aquele, conforme determina o artigo. 1.790 do Código Civil.
Assim, quando o companheiro concorrer com descendentes, se tiver filhos comuns com o autor da herança, tem direito de suceder o morto, legitimamente para receber uma quota equivalente à que foi atribuída ao filho quanto aos bens que o falecido adquiriu onerosamente na vigência da união, mas se não tem filhos comuns com o autor da herança, o companheiro terá direito de suceder o morto, legitimamente para receber uma quota equivalente à metade da que foi atribuída ao filho quanto aos bens adquiridos onerosamente (art. 1.790, I e II do Código Civil).
Não havendo descendentes, segue-se a ordem de vocação hereditária, aplicando-se o incico III do mencionado dispositivo legal, o qual se refere aos parentes sucessíveis, englobando os ascendentes e os colaterais até o quarto grau. Existindo parentes sucessíveis, terá direito a um terço da herança.
Verificou-se que o companheiro somente terá direito à totalidade da herança quando não houver parente sucessível, na forma do inciso IV do art. 1.790 do Código Civil
Por fim, conclui-se que para que não haja tratamento desigual entre cônjuge e companheiro é preciso que se observe apenas a pessoa do sucessor não existindo discriminação quanto à instituição familiar a que pertença. Só assim, será estabelecido um sistema sucessório em consonância com os princípios constitucionais, em face às inúmeras críticas da doutrina, vista ao longo do trabalho, compreende-se que a referida matéria sucessória tende a passar por vultosas e justas alterações.
Informações Sobre os Autores
Jucian Jad do Amaral Costa
Servidor público e Bacharel em Direito pela UNESC Faculdades
Daniel Ferreira de Lira
Bacharel em Direito pela Universidade Estadual da Paraíba, Especialista em Direito Processual Civil e Direito Tributário pela Universidade do Sul de Santa Catarina (UNISUL), Mestrando em Desenvolvimento pela UEPB/UFCG, professor das disciplinas de Direito Processual Civil e Teoria Geral do Processo do Centro de Ensino Superior Reinaldo Ramos (CESREI), professor da Disciplina de Direito Processual Civil e Juizados Especiais da UNESC Faculdades, professor de cursinhos preparatórios para concursos e para o Exame da OAB . Advogado Militante e Palestrante
Dimitre Braga Soares de Carvalho
possui graduação em Direito pela Universidade Estadual da Paraíba 2003 e mestrado em Ciências Jurídicas pela Universidade Federal da Paraíba 2007. Atualmente é professor do Centro de Ensino Superior Reinaldo Ramos professor da União de Ensino Superior de Campina professor – Lexus – Curso Preparatório para Carreira jurídica advogado – Soares Advocacia e Consultoria Professor Assistente II – dir. privado da Universidade Federal do Rio Grande do Norte e coordenador da União de Ensino Superior de Campina. Tem experiência na área de Direito com ênfase em Direito Civil atuando principalmente nos seguintes temas: dignidade humana direito de família afetividade adoção e direitos humanos