Análise Histórica do Dissídio Coletivo do Trabalho Frente às Mudanças Constitucionais.

Resumo: Este ensaio trata da evolução da ferramenta processual do dissídio coletivo de trabalho como forma de desenvolvimento de direitos fundamentais do empregado. Para tanto, serão apontadas as principais mudanças e o posicionamento dos estudiosos modernos e tradicionais quanto à sua importância na seara trabalhista através de uma pesquisa qualitativa e utilizando como método a análise crítica e comparativa entre textos doutrinários e jurisprudenciais. Somado a toda a reforma positiva, ainda será analisada a exigência do comum acordo como limitação do direito do trabalhador pela EC 45. Assim, visa-se trazer à baila não apenas um apanhado da evolução brasileira quanto ao trato dos direitos dos trabalhadores, bem como apresentar e incentivar novas posições contrárias com vistas à declaração de inconstitucionalidade de parte da reforma, limitativa de direitos fundamentais.

Palavras-chave: Dissídio coletivo. Direito Fundamental. Evolução.

Abstract: This essay deals with the evolution of procedural tool of collective labor bargaining as a means of employee’s fundamental rights development. For this, they identified the main changes and positioning of traditional and modern scholars as to its importance in the labor harvest through a qualitative research method and using as a critical and comparative analysis between doctrinal and jurisprudential texts. Added to all the positive reform will further analyzed the requirement of the agreement as limiting the worker’s right by the EC 45. Thus , the aim is to bring up not only an overview of Brazil’s evolution regarding workers’ rights tract and present and encourage new positions contrary with a view to part of unconstitutionality on the reform, limiting fundamental rights .

Keywords: Collective bargaining. Fundamental right. Evolution.

Sumário: Introdução. 1. As lides coletivas como meio de fortalecimento do trabalhador. 2. O surgimento da ação coletiva no âmbito do direito do trabalho.3. Constituições anteriores à CF/88: criação e desenvolvimento do dissídio coletivo. 4. O advento da Constituição de 1988: ampliação e delimitação do Poder Normativo. 5. Emenda Constitucional nº 45/2004: mitigação do Poder Normativo. Conclusão.

 

Introdução

Este trabalho tem como objetivo demonstrar os meandres do surgimento, bem como da importância alcançada pelo dissídio coletivo para a classe trabalhadora.

Para tanto, de início, será apresentada a posição de ilustres doutrinadores quanto ao fundamento da demanda coletiva de trabalho como instrumento de concretização dos direitos do trabalhador de forma mais eficaz.

Em um segundo momento, far-se-á uma digressão histórica para o surgimento da ferramenta de solução judicial do dissídio coletivo de trabalho no universo mundial e brasileiro.

Posteriormente, será analisada a evolução da ferramenta processual ao longo das constituições brasileiras, de modo a demonstrar com maior clareza o desenvolvimento da proteção ao trabalhador.

Nesse contexto, também se fará um estudo da contribuição trazida pela atual constituição na ampliação dos poderes da justiça do trabalho quando da solução das lides coletivas, bem como sua tentativa de incentivar o acordo entre as partes, tornando a via do dissídio instrumento subsidiário a ser buscado pelos litigantes.

Por fim, será detalhada a reforma constitucional decorrente da emenda nº 45, levantando as modificações positivas e as limitativas ao direito do trabalhador, dentre as mais polêmicas: a exigência do comum acordo entre patrão e empregados como requisito de procedibilidade do dissídio coletivo de cunho econômico, de questionável constitucionalidade.

1.As lides coletivas como meio de fortalecimento do trabalhador

Devido à necessidade histórica do trabalhador de descobrir meios para alcançar a equidade na relação de emprego, encontra como resposta a forma coletiva de solução de lides.  Na medida em que o empregador é, por definição, ser coletivo, dispondo sempre de uma posição vantajosa, em consequência de deter o capital e o poder diretivo (potestativo), nasce, então, o anseio do trabalhador em se associar para fortalecer a busca de seus direitos. Pois como leciona, Martinez (2011), o associacionismo soluciona demandas que o indivíduo não resolveria em atuação solitária.

Delgado (2009, p.181) ao se referir à diferenciação social, econômica e política, existentes entre os sujeitos da relação jurídica de trabalho, enfatiza a força que o empregador detém: “Em tal relação o empregador age naturalmente como ser coletivo, isto é, um agente socioeconômico e político cujas ações – ainda que intraempresariais – têm a natural aptidão de produzir impacto na comunidade mais ampla”.

A relação de emprego traz conflitos latentes que decorrem dos interesses divergentes dos trabalhadores e empregadores, sendo, a união em sindicatos um grande passo para soluções dos conflitos do trabalho, fortalecendo a classe operária, a qual pode, assim, “negociar” com a classe econômica através das negociações coletivas (autocomposição) ou pela instituição da greve (autotutela). Todavia estes meios nem sempre são suficientes para que haja solução dos conflitos coletivos trabalhistas, pois quando o diálogo cessa, surgem às pretensões resistidas, tornando-se necessária a intervenção de terceiros na lide (heterocomposição), e a resposta eficaz encontrada pelo Estado foi o dissídio coletivo.

Visto a importância dos dissídios coletivos para a classe operária e a sociedade como um todo, devido seu papel de pacificação e resolução de conflitos, parte-se agora a discorrer sobre sua criação.

2.O surgimento da ação coletiva no âmbito do direito do trabalho.

A origem do dissídio coletivo se confunde com a do seu Poder Normativo e até mesmo com a criação da Justiça do Trabalho brasileira, todos inspirados na Carta Del Lavoro da Itália fascista de Mussolini, na qual foi outorgado poder aos Magistrados para ditarem normas na solução dos litígios coletivos trabalhistas. Baseados então no Corporativismo italiano que tem como fundamento a colaboração e não a luta de classes para o desenvolvimento do Estado, veio este modelo a se adaptar ao contexto brasileiro da época, conforme observa Martins Filho (1994, p.20): “A adoção de tal padrão para as relações de trabalho não conflitava com a realidade sócio-econômica brasileira, tendo em vista que o Brasil, por não ter vivenciado a revolução industrial e, consequentemente, visto eclodir um movimento sindical espontâneo, veio a se antecipar ao problema social, ofertando ao operariado, desde os primórdios da industrialização brasileira, uma estrutura sindical e a proteção de leis trabalhistas.”

No Brasil, a instituição de forma jurisdicional efetiva de solução de conflitos coletivos deu-se com o Golpe do Estado Novo e a promulgação da Constituição Federal de 1937 que manteve a Justiça do Trabalho, criada pela Carta de 1934[1], também influenciada pelo Corporativismo italiano. As Comissões Mistas de Conciliação anteriores à CF/37, criadas pelo Decreto-Lei 21.396/32, já dispunham de forma de solução destes conflitos coletivos, porém de forma ineficaz, tendo estas comissões como papel principal a conciliação, podendo até impor soluções, mas não executá-las, como bem observa Saraiva (2010, p. 24) sobre a inoperância destas Comissões: “Já na era Vargas, em 1932, foram criadas as Juntas de Conciliação e Julgamento e as Comissões Mistas de Conciliação, que atuavam como órgãos administrativos, julgando, respectivamente, os dissídios individuais e coletivos do trabalho. […] as Comissões Mistas de Conciliação, que tinham como função primeira julgar os dissídios coletivos, funcionaram de forma precária e esporádica.”

O dissídio coletivo em sua forma inicial, o qual se vislumbrava como via de controle Estatal, teve perfeita conexão ao contexto do sindicalismo atrelado ao Estado, em que a greve era considerada meio nocivo e antissocial, desfavorável ao capital e ao trabalho, forma esta que veio a se modificar ao longo do tempo, como será observado a seguir.

3. Constituições anteriores à CF/88: criação e desenvolvimento do dissídio coletivo.

A partir da Constituição Federal de 1937 se desenvolveu no Brasil uma Justiça do Trabalho, mesmo que ainda ligada ao poder Executivo. Vinculação esta que não veio a perdurar, pois com o advento do Decreto-Lei nº. 1237, de 02 de maio de 1939, regulamentado pelo Decreto 6.596/40 transforma-se a Justiça do Trabalho em órgão autônomo, mas sem pertencer, ainda, ao Poder Judiciário. No mesmo passo este Decreto implementa o dissídio coletivo como meio de solução de conflitos, com a atribuição de seu Poder Normativo, conferindo competência aos sindicatos para sua proposição, conforme arts. 30 e 56 da legislação supracitada, in verbis:

“Art. 30. Os conflitos, individuais ou coletivos, levados à apreciação da Justiça do Trabalho, serão submetidos, preliminarmente, a conciliação. […]

Art. 56. Nos dissídios coletivos, são competentes para provocar a conciliação os empregadores ou seus sindicatos, os sindicatos de empregarias e, ex-officio, sempre que ocorrer suspensão ao trabalho, o presidente do tribunal ou a Procuradoria do Trabalho” (BRASIL,1939).

O art. 94 do mesmo Decreto-Lei veio legalizar a possibilidade da utilização do Poder Normativo, mesmo que de forma embrionária, na falta de lei ou de contrato, para resolução destes dissídios, sendo sua primeira referência na lei trabalhista: “Art. 94. Na falta de disposição expressa de lei ou de contrato, de decisões da Justiça do trabalho deverão fundar-se nos princípios gerais do direito, especialmente do direito social, e na equidade harmonizando os interesses dos litigantes com os da coletividade, de modo que nenhum interesse de classe ou particular prevaleça sobre o interesse público” (BRASIL,1939).

Já Martinez (2011, p.704) refere-se como marco do surgimento do Poder Normativo da Justiça do Trabalho a aprovação da Consolidação das Leis Trabalhistas em 1943: “Foi assim que surgiu o chamado poder normativo da Justiça do Trabalho, de modo não muito explícito no corpo da própria CLT de 1943, em seus arts. 868 a 871”.

Mas, só com o advento da Constituição Federal de 1946 é que a Justiça do Trabalho veio a pertencer ao Poder Judiciário, instituindo como uma de suas competências o julgamento dos dissídios individuais e coletivos. A partir desta o Poder Normativo passou a ser constitucionalmente defendido, como se observa na transcrição de seu art. 123, § 2º:

“Art. 123. Compete à Justiça do Trabalho conciliar e julgar os dissídios individuais e coletivos entre empregados e empregadores, e as demais controvérsias oriundas de relações do trabalho regidas pela legislação especial.[…] § 2º A lei especificará os casos em que as decisões, nos dissídios coletivos, poderão estabelecer normas e condições de trabalho” (BRASIL,1946).

A Constituição de 1967 não traz modificações relevantes no tocante aos dissídios coletivos, disposto no seu art. 142, § 1º, o qual praticamente repete o texto da Constituição anterior. Porém, é de se destacar que ambas as Constituições delegavam à lei ordinária o papel de dispor sobre os dissídios coletivos, o que não veio a acontecer. Como consequência, muitas decisões de dissídios coletivos foram frustradas devido à castração do dispositivo constitucional por ser este traduzido como norma de eficácia limitada, ou seja, dependente de complementação de lei ordinária para ser eficaz.

“Nesse sentido, tanto a Constituição de 1946 quanto a de 1967/1969 albergaram o princípio básico de que a lei estabeleceria os limites do exercício do poder normativo da Justiça do Trabalho, jungindo a discricionariedade dos magistrados trabalhistas nos processos coletivos. […]

Assim, muitas cláusulas de dissídio coletivo eram rejeitadas pela Suprema Corte, com base na ausência de fundamento legal para sua concessão. Ora, tal entendimento esvaziava de conteúdo o Poder Normativo da Justiça do Trabalho, uma vez que a normatividade viria, não da sentença coletiva, mas da lei que embasou” (MARTINS FILHO, 1994, p. 41).

Só há, então, como será observado, alteração e evolução significativa no tocante aos dissídios coletivos do trabalho e seu Poder Normativo com a promulgação da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.

4.  O advento da Constituição de 1988 : ampliação e delimitação do Poder Normativo.

A redação original da Constituição Federal de 1988 versava sobre a possibilidade, através dos sindicatos, da proposição de dissídios coletivos, quando qualquer das partes recusa-se a negociação ou a arbitragem, competindo à Justiça do Trabalho utilizar-se do Poder Normativo ao decidir o conflito, desde que respeitadas às disposições mínimas legais e as convencionais anteriormente fixadas, disposição esta contida no art. 114, § 2º da CF/88, ab initio: “§ 2º – Recusando-se qualquer das partes à negociação ou à arbitragem, é facultado aos respectivos sindicatos ajuizar dissídio coletivo, podendo a Justiça do Trabalho estabelecer normas e condições, respeitadas as disposições convencionais e legais mínimas de proteção ao trabalho”. (BRASIL, 1988).

Ao se referir à redação trazida pela CF/88 no tocante aos dissídios coletivos, afirma Martins Filho (1994, p. 42): “[…] pela nova redação dada ao art. 114 e § 2º da nova Carta Política, o Poder Normativo da Justiça do Trabalho saiu fortalecido e, de certa forma ampliado, uma vez que não sujeito quer à limitação da lei ordinária ao seu exercício, quer à interpretação castrativa levada a cabo pelo Pretório Excelso”.

Mas se observa que o texto original da Carta Magna, mesmo ampliando o Poder Normativo da Justiça do Trabalho, trazia limites para este, na medida em que a decisão do Magistrado respeitaria a convenção e a lei, tendo-os como parâmetros mínimos, não podendo impor condições menos favoráveis à classe operária do que as anteriormente fixadas. É de se destacar também que a propositura do dissídio coletivo só seria possível se frustrada a negociação e ou a arbitragem, ou seja, de forma subsidiária.

Dá-se, então, maior destaque à negociação coletiva, rompendo com o vínculo do extremo corporativismo. Visa o ajuizamento do dissídio coletivo quando não mais houver possibilidade de diálogo entre as partes, mandamento este também encontrado na CLT, como ressalta Martinez (2011, p.703): “Quando se fala em conflito coletivo trabalhista e em insucesso da negociação coletiva ou da arbitragem para a solução do litígio, exsurge a figura do dissídio coletivo, mencionado na CLT como último recurso para acomodar a conflituosidade entre o capital e o trabalho”.

Então, com a promulgação da CF/88 não só amplia, mas cria também limitações ao dissídio coletivo, com intuito de incentivar as negociações entre sindicatos laborais e patronais, para que se torne o modo jurisdicional via subsidiária de solução de conflitos. O que vem a trazer grande desenvolvimento ao Direito Coletivo do Trabalho em especial ao sindicalismo, pois nada mais correto que antes de haver a procura a via jurisdicional de solução de contendas, tente-se à resolução de forma negocial. É o que se pode depreender do próprio conceito de lide trazida pelo processualista Carnelutti (1936, apud ALVIM, 2009, p.10), qual seja, “o conflito de interesses, qualificado pela pretensão de um dos interessados e pela resistência do outro”.

A redação do art. 114, § 2º da CF/88 gerou muita polêmica, provocando discussões entre os doutrinadores: de um lado os que apoiavam o Poder Normativo como forma eficaz de solução de conflitos, de outro os que acreditavam que este poder impediria o natural desenvolvimento dos sindicatos brasileiros, pelo seu viés corporativista.

O que depois de diversos embates pelos doutrinadores e legisladores culminou na alteração do art. 114, da CF/88 trazida pela Emenda Constitucional n.º 45/2004.

5.  Emenda Constitucional nº 45/2004: mitigação do Poder Normativo.

O advento da EC nº 45/2004 trouxe várias inovações ao ordenamento jurídico brasileiro visando à melhoria da prestação jurisdicional, o que culminou na Reforma do Poder Judiciário. No tocante à Justiça do Trabalho alterou diversos aspectos de sua competência, tratou da composição do TST entre outras modificações que valorizaram tal ramo do Direito.

Advieram através desta emenda grandes alterações no que versa aos dissídios coletivos, ficando a nova redação do art. 114 §§ 2º e 3º, da CF da seguinte forma:

§ 2º Recusando-se qualquer das partes à negociação coletiva ou à arbitragem, é facultado às mesmas, de comum acordo, ajuizar dissídio coletivo de natureza econômica, podendo a Justiça do  Trabalho decidir o conflito, respeitadas as disposições mínimas legais de proteção ao trabalho, bem como as convencionadas anteriormente.

§ 3º Em caso de greve em atividade essencial, com possibilidade de lesão do interesse público, o Ministério Público do Trabalho poderá ajuizar dissídio coletivo, competindo à Justiça do Trabalho decidir o conflito” (BRASIL, 1988, grifo nosso).

Nota-se que foi introduzido o § 3º ao art. 114, da CF com a figura do dissídio coletivo de greve, possibilitando ao Ministério Público ajuizá-lo. O que de acordo com Silva (2005, p.1045) não traz dúvida devido à clareza do parágrafo mencionado:“Quando se tratar de greve em atividade essencial, com possibilidade de lesão ao interesse público, o Ministério Público do Trabalho poderá ajuizar unilateralmente o Dissídio Coletivo. Nesse aspecto não advém qualquer dúvida, em razão da literalidade do art. 114 § 3º, da CF”.

Outra mudança ocorrida foi o acréscimo do termo “de natureza econômica” o que gerou pra muitos a ideia de que o dissídio coletivo de natureza jurídica teria sido extinto, pensamento este equivocado, pois sua possibilidade encontra-se no art. 114, inciso I, devido ser este utilizado para interpretar norma já existente, o que é competência típica da Justiça do Trabalho.

“Art. 114. Compete à Justiça do Trabalho processar e julgar:

I – as ações oriundas da relação de trabalho, abrangidos os entes de direito público externo e da administração pública direta e indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios” (BRASIL, 1988).

A expressão “decidir o conflito” também foi interpretada erroneamente por alguns doutrinadores, sendo utilizada como argumento para sustentar o fim do Poder Normativo. Porém, ao autorizar a Justiça do Trabalho decidir os conflitos coletivos de trabalho de natureza econômica, a alteração constitucional reconheceu sua competência normativa, uma vez que tal ação coletiva só é decidida mediante a fixação de normas e condições de trabalho, pois é da própria natureza do dissídio coletivo econômico o seu Poder Normativo.

“Ainda que retirado o texto, o poder continua porque é inerente ao dissídio coletivo econômico, daí ser desnecessária a sua presença na lei. Em outras palavras, não há como julgar dissídio coletivo econômico a não ser com o poder normativo” (NASCIMENTO, 2010, p.931).

Um ponto desta emenda se tornou, entre a doutrina, bastante divergente e, de sua promulgação até a atualidade, ainda se encontra sem solução na jurisprudência. É o tocante ao requisito do “comum acordo” para ajuizar dissídio coletivo de natureza econômica. Já que para os dissídios de natureza jurídica não lhe cabe esta exigência.

“Frise-se que em relação aos dissídios coletivos de natureza jurídica, a nova redação constitucional não impôs a concordância mútua dos entes sindicais, apenas exigindo-a nos dissídios de natureza econômica” (SARAIVA, 2010, p. 801).

Observa-se então que a maior mudança no que dispõe aos dissídios coletivos foi a limitação de seu Poder Normativo. Com a imposição deste requisito teve o legislador o objetivo de estimular as negociações entre sindicatos dos trabalhadores e as empresas ou entre aqueles e os sindicatos patronais. Mas, na verdade não será esta a consequência atingida, devido à histórica fragilidade do sindicalismo laboral brasileiro, como será visto.

Com esta emenda mitigou-se, assim, o Poder Normativo da justiça do Trabalho. “A intenção do legislador era, de fato, restringir o Poder Normativo da Justiça do Trabalho.” (BARROS, 2009, p.1280).

A aludida exigência acarretou discussões acerca da natureza jurídica de sua constitucionalidade, defendido por parte da doutrina que a mudança implicará no fim do Poder Normativo da Justiça do Trabalho, o que gera a inconstitucionalidade desta parte da emenda.

“[…] também por se tratar de atividade jurisdicional, a solução dos conflitos coletivos de trabalho, através do julgamento do processo de dissídio coletivo, mostra-se abusiva e inconstitucional a exigência do comum acordo entre as partes em conflito para a instauração do referido dissídio, por colidir esse requisito expressamente com o direito fundamental à tutela jurisdicional, consagrado no art. 5º, XXXV, da CF” (SANTOS JÚNIOR, 2010, p.56).

A inconstitucionalidade é evidente, sem mencionar as consequências que a aceitação desta mudança virá a ocasionar. Como bem discorre Saraiva (2010, p.796) ao apontar um dos malefícios que será gerado pela exigência do comum acordo: Com a mudança constitucional que ora apresentamos, será a greve (direito constitucionalmente assegurado aos trabalhadores – art. 9.º da CF/1988) provavelmente o único instrumento de pressão possível de ser exercido pelos sindicatos obreiros em busca de melhores condições de trabalho, quando o sindicato patronal, por exemplo, recusar-se à negociação coletiva e não autorizar o ingresso do correspondente dissídio coletivo”.

Pensamento pelo qual também é solidário Barros (2009, p.1280): “Concluímos, por isso, que o ajuizamento do dissídio coletivo de natureza econômica depende da comunhão de interesses das partes envolvidas. Ausente esse pressuposto, considera-se que a possibilidade de negociação fica em aberto e é dado à categoria profissional valer-se da greve como recurso para alcançar algum tipo de ajuste”.

Demonstrando a divergência em torno da matéria tramita no Supremo Tribunal Federal cinco Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIn)[2], ao que se refere à imposição do comum acordo para ajuizar dissídios coletivos de natureza econômica, todas pendentes de decisão.

Conclusão.

O dissídio coletivo e seu Poder Normativo, conforme já mencionado, se desenvolveram inspirados em uma visão, inicialmente, corporativista de controle estatal, mas ao mesmo passo surgiu como inovação para solução de conflitos de uma classe laboral que não dispunha de sindicatos de expressão.

No entanto, a Reforma do Judiciário promovida pela Emenda Constitucional n.º 45/2004, ocasionou um retrocesso, pois ao visar novamente o fortalecimento do sindicalismo brasileiro, suprimiu o Poder Normativo do dissídio coletivo.

Diante disso, houve um enfraquecimento da classe trabalhadora, que se viu privada de importante instrumento de resolução de conflitos.

É por essa verdadeira abolição de direito subjetivo do trabalhador que se vê como inconstitucional a mudança impetrada via emenda.

Referência:
ALVIM, José Eduardo Carreira. Teoria geral do processo.12. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2009.
BARROS, Alice Monteiro de. Curso de direito do trabalho.5. ed. São Paulo: Ltr, 2009.
BRASIL, Constituição de 1988.
______.Constituição dos Estados Unidos do Brasil (de 18 de setembro de 1946). Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao46.htm>. Acesso em: 30 mar. 2016.
______.Decreto-lei n. 1.237, de 2 de maio de 1939:Organiza a Justiça do Trabalho. Disponível em: <http://aplicacao.tst.jus.br/dspace/bitstream/handle/1939/8411/1939_dec_lei01237.pdf?sequence=1>. Acesso em: 30 mar. 2016.
______.Decreto-lei n.º 5.452, de 1º de maio de 1943:Aprova a Consolidação das Leis do Trabalho. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del5452.htm>. Acesso em: 04 abr. 2016.
CARNELUTTI, Francesco. Sistema del Diritto Processuale Civile. Padova: Cedam, 1936.
DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de direito do trabalho. 8. ed. São Paulo: Ltr, 2009.
MARTINEZ, Luciano. Curso de direito do trabalho: relações individuais, sindicais e coletivas do trabalho. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2011.
MARTINS FILHO, Ives Gandra. Processo Coletivo do Trabalho. São Paulo: Ltr, 1994.
NASCIMENTO, Amauri Mascaro do. Curso de direito processual do trabalho. 25. ed. São Paulo: Saraiva, 2010.
SANTOS JÚNIOR, Rubens Fernando Clamer Dos. O Poder Normativo da Justiça do Trabalho: considerações após a emenda constitucional nº 45/04. Revista do Tribunal Superior do Trabalho, Brasília, v. 76, n. 02, p.56-71, abr. /jun. 2010.
SARAIVA, Renato.Curso de direito processual do trabalho. 7. ed. Rio de Janeiro: Método, 2010. SILVA, Edson Braz da. Aspectos processuais e materiais do dissídio coletivo frente à emenda constitucional n. 45/2004. Revista LTr Legislação do Trabalho: Publicação Mensal de Legislação, Doutrina e Jurisprudência, São Paulo, v. 69, n. 09, p.1038-1047, set. 2005.

Notas:

[1] Segundo Martinez (2011, p.704, grifo do autor) a Justiça do Trabalho foi constitucionalmente instituída como organismo administrativo pelo art.122 da Carta de 1934.
[2] ADI n° 3392, ADI n° 3423, ADI n° 3431, ADI n° 3432 e ADI n° 3520, todas pendentes de julgamento.

 


 

Informações Sobre o Autor

 

Artur Alves Monteiro Pessoa

 

Especialista em direito penal e processual penal; e com aperfeiçoamento nas áreas de licitação CTPS Relações entre direitos fundamentais e direito do trabalho legislação trabalhista; PIS-PASEP e em direito tributário

 


 

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