Aplicativo “Dívida Aberta”: cidadania fiscal ou constrangimento do contribuinte inadimplente?

Por Julio Gomes da Rocha, Advogado-sócio do escritório Maricato Advogados Associados

O governo federal lançou na última semana o aplicativo “Dívida Aberta”, disponível para celulares com sistemas Android e iOS, onde qualquer cidadão poderá consultar a situação fiscal de empresas ou pessoas físicas perante a União. Em outras palavras,  será possível verificar se determinada empresa ou pessoa física deixou de recolher tributos junto ao fisco federal ou o FGTS de funcionários.

Esta consulta será muito simples de se fazer. No caso de pessoa jurídica, basta informar o CNPJ ou até mesmo fotografar a nota fiscal do estabelecimento que a forneceu, e dessa forma irá descobrir se o mesmo possui algum débito para com a União. No caso de pessoa física, a consulta também será possível informando o CPF. Outro meio de consulta disponibilizado pelo aplicativo será por meio do GPS do aparelho, pelo qual se localizará os devedores mais próximos ao usuário do aplicativo.

Segundo dados apresentados pela Procuradoria Geral da Fazenda Nacional, os devedores pessoas jurídicas e pessoas físicas inscritos na Dívida Ativa da União (DAU) e que se mantêm inertes sem qualquer providência para regularizar a situação seriam 5,5 milhões, com uma dívida que perfaz a soma total de R$ 1,9 trilhões.

Segundo o governo federal, o lançamento do aplicativo “Dívida Aberta” busca estimular a “cidadania fiscal”, a qual consiste no exercício, pelo cidadão, do direito de ser informado sobre a destinação e origem dos recursos públicos, podendo até mesmo ajudar na fiscalização das empresas que devem à União, pois nas palavras do procurador e coordenador de acompanhamento e controle gerencial da dívida ativa da União, Erivaldo Souza Passos Filho  “quem deve ao governo deve à sociedade”.

O lançamento dessa ferramenta pelo governo federal, indiscutivelmente, está alinhado às várias e recentes medidas adotadas pela PGFN, que vem trazendo diversos meios para celebração de acordos extrajudiciais para que os contribuintes inadimplentes com o fisco possam estar quitando seus débitos de natureza tributária e, assim, regularizando suas situações fiscais, a exemplo, podemos citar, da Medida Provisória n° 899/2019. Denominada MP do contribuinte legal, ela traz uma série de benefícios a determinados contribuintes que tenham interesse em se regularizar perante o fisco federal.

Em contrapartida ao exercício da chamada “cidadania fiscal”, o aplicativo ultrapassa uma simples lista de nomes de contribuintes inadimplentes, na medida em que vem com a desnecessária inclusão, por exemplo, de valores em aberto, bem como indicação do tributo devido.

Desta forma, conclui-se, que ao contrário do que justifica a PGFN, o aplicativo mais parece um meio inapropriado de constranger os contribuintes em público, e de certa forma, uma manobra muito conveniente para força-los a adotar uma das medidas disponibilizadas pelo próprio governo para um acordo extrajudicial, não excluindo sequer em alguns casos débitos que, apesar de inscritos na dívida ativa, tem sua validade sob discussão no Poder Judiciário, alguns até com depósito das pretensas dívidas.

Assim, muitas cidadanias serão injusta e perversamente atingidas e não preservadas, como divulgado.

 

Dr. Júlio Gomes

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