Arbitragem e custos de transação

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Resumo: Jurisdição é uma função, podendo ser desempenhada por atores públicos ou privados. A Lei viabiliza a escolha por mais de uma maneira de resolver litígios. Dessa forma, a arbitragem, prática jurídica regulada pela Lei nº 9.307, de 1996, surge como alternativa ao Poder Judiciário. Mas, o que leva uma pessoa ou empresa a buscá-lo? O presente artigo, na temática dos custos de transação, examina os fatores econômicos e concorrenciais que operam na definição de um caminho apto a solucionar conflitos.

Palavras-chave: Arbitragem. Custos de Transação. Escolha.

Abstract: Jurisdiction is a function that can be performed by public or private actors. The Act enables the choice for more than a way to resolve disputes. Thus, arbitration, legal practice regulated by Law No. 9,307, 1996, is an alternative to the courts. But what leads a person or company to pick you up? This article, on the topic of transaction costs, examines economic and competitive factors operating in defining a path able to resolve conflicts.

Keywords: Arbitration. Transaction costs. Choose.

Sumário: 1) Introdução; 2) Conceito de arbitragem; 3) Custos de transação; 4) Competitividade; 5) Arbitragem versus Judiciário: rivalidade como requisito de sobrevivência; 6) Considerações finais; 7) Referências.

1 – Introdução

 “O último passo da razão é reconhecer que existe uma infinidade de coisas que a ultrapassam”

Blaise Pascal [1]

Consoante o Dicionário Houaiss, “escolha” é uma preferência que se dá a alguma coisa que está entre outras. É uma espécie de predileção ou opção que realizamos[2]. De posse desse enunciado, o artigo visa investigar e analisar os motivos empregados, na modernidade legal, para definição de um meio de solucionar litígios, haja vista as exigências econômicas por celeridade e eficiência, reverberadas no seio dos sistemas jurídicos nacionais, e cobradas nas reformas legislativas sob tal enfoque.

Dessa forma, a arbitragem contrapõe-se à Justiça sob domínio estatal, dado o ferramental que apresenta, potencializando benefícios que interessam diretamente ao desenvolvimento do país. Na melhor acepção apresentada pela teoria dos jogos, a racionalidade impera e tende a reescrever os preceitos empregados desde sempre. Não é que se está a atribuir inéditos movimentos às peças no tabuleiro, mas sim é o próprio sistema de regras que está para ser mudado. E eis o desafio científico aqui proposto, qual seja a averiguação do que é sopesado quando se assume certa preferência, em especial no tratamento das discórdias nascidas do árido convívio civil.

2 – Conceito de arbitragem

A arbitragem um oportuno processo de solução de conflitos por intermédio da atuação de um terceiro, ou de terceiros, estranho(s) a contenda e à jurisdição pública, indicado(s), em comum acordo, pelas partes, em decorrência de documento obrigacional de nome convenção arbitral, nos termos prescritos em lei. Método extrajudicial de solução de conflitos, de imponente relevância nos cenários nacional e internacional, está colocada a disposição dos jurisdicionados, de qualquer nível social, para o debate de questões de maior ou menor complexidade, sendo disciplinado pela Lei nº. 9.307/1996 (MORAIS, 1999; SCAVONE JÚNIOR, 2010; MARINONI, 2007; DOLINGER; TIBURCIO, 2003; MOURA, 2007; GARCEZ, 2004, 2007).

3 – Custos de transação

Para muitos, a temática das fórmulas extrajudiciais de solução de conflitos, em especial o da arbitragem, é algo incômodo. O sentimento é de estranheza ou de repulsa, na maioria das vezes por puro desconhecimento do assunto, pois persistimos presos aos grilhões do formalismo judicial, sem o mínimo entendimento do que realmente seja ou para qual finalidade o juízo arbitral se designa. Dessa forma, duas perguntas, reiteradamente, tendem a ser feitas: “Por que ingressar no Judiciário não seria interessante?” e “Porque optar pela arbitragem?”. As respostas à primeira questão são múltiplas, mas, no tocante a outra é preciso trabalhar com a noção do que venham a ser ou representar os “custos”, e qual seu peso no processo de escolha por um caminho jurisdicional privada na efetivação de certo acordo ou para que se solucione um litígio.

O que se denomina por “custos de transação” significa o quanto custa, ou, com outras palavras, qual o peso valorativo da realização de intercâmbios econômicos. Dizendo melhor, é o que deve ser ponderado, pelos indivíduos, em decorrência dos relacionamentos que estes mantêm com os demais integrantes de um sistema produtivo (PUGLIESE; SALAMA, 2008). Na trilha dessa definição, a escolha pelo deslinde de certa disputa na Justiça pública dependerá do grau de complexidade da interação derivada de um negócio, e se o “preço” (monetário, temporal, convivencial, mercadológico) a ser contingenciado, na utilização desse aparato, compensará. Portanto, aventaremos a existência de um “custo judicial”, que pode ou não interessar às partes envolvidas.

Um processo judicial é dispendioso. Eis um fato. Pode seu custo ser alto ou baixo, dependendo de certos fatores. Na esfera do Estado, estes são arcados pela própria sociedade. O Poder Judiciário, detentor da atribuição de aplicar a lei ao caso concreto, pacificando os conflitos de interesses e contribuindo à manutenção da ordem, é um gigante adormecido, a depender somente da provocação de quem dele precise para que “acorde” e venha a agir. Para tanto, segue toda uma ritualização específica, imposta pelas normas que direcionam seu funcionamento, impulsionando a “cavalgada” judicante. O processo comum tem vida própria, bastante longa, diga-se de passagem, prendendo-se a prazos, papéis, documentos, oitivas testemunhais, perícias, recursos, cartórios, instâncias, tudo isso por força legal, em decorrência direta de princípios constitucionais e jurídicos que apontam o livre acesso, o duplo grau de jurisdição, a ampla defesa e o contraditório, como valores imutáveis e garantidores do direito em seu aspecto mais amplo.

A teoria é uma, a prática é outra. A “eficiência” do serviço público, constante dos princípios administrativos, soa mais como um texto de boas intenções, uma recordação passada do que deveria ser a Justiça, não encontrando guarida na realidade. Do ponto de vista do usuário final desse rígido sistema de regras, o prognóstico é diverso, e os valores desprendidos, bem como o tempo a esperar, podem ou não compensar, dependendo dos envolvidos na discussão e do objeto da contenda. Logo, para que uma tratativa comercial seja correta e oportunamente realizada, muitas pessoas, quer físicas ou jurídicas, tem que levar em conta eventuais “perdas” econômicas e temporais, de modo que, resolver a situação litigiosa não poderá ocasionar despesas, ou, por que não dizer, danos, além de determinados patamares. Parafraseando Ihering (2000, p.37), ninguém que tenha deixado cair à água uma moeda gastará duas para recuperá-la, já que, nesse caso específico, o problema não será outro senão de matemática.

“Assim, a questão não é saber se eficiência pode ser igualada à justiça; não pode. A questão é saber como a construção da justiça pode se beneficiar da discussão de prós e contras, custos e benefícios e incentivos postos pelo sistema jurídico. A análise dos incentivos postos pela legislação é onde pode começar a discussão do justo; não onde ela deve acabar. Grandes dilemas morais se prestam à determinação política e devem ser decididos por meio dos sistemas políticos adotados pela sociedade. Contudo, noções de justiça – e construções jurídicas – que não levem em conta as prováveis consequências de suas articulações práticas são incompletas. O desafio é, portanto, enriquecer o debate jurídico integrando a discussão da eficiência na discussão do justo (PUGLIESE; SALAMA, 2008, p.18).

 Não devemos concluir daí que tudo depende de ondas de psicologia irracional. Pelo contrário, o estado de expectativa a longo prazo é, no mais das vezes, estável e, mesmo quando não o seja, os outros fatores exercem seus efeitos compensatórios. O que apenas desejamos lembrar é que as decisões humanas que envolvem o futuro, sejam elas pessoais, políticas ou econômicas, não podem depender da estrita expectativa matemática, uma vez que as bases para realizar semelhantes cálculos não existem e que o nosso impulso inato para a atividade é que faz girar as engrenagens, sendo que a nossa inteligência faz o melhor possível para escolher o melhor que pode haver entre as diversas alternativas, calculando sempre que se pode, mas retraindo-se, muitas vezes, diante do capricho, do sentimento ou do azar” (KEYNES, 1996, p.170-171).

Antonio Celso Fonseca Pugliese e Bruno Meyerhof Salama (2008), remetendo à “análise econômica do direito”, listam cinco premissas centrais do processo de seleção e de determinação do rumo a ser seguido, a saber: a) “escassez”, onde as pessoas, ao constatarem que vivem em um mundo concorrencial e de recursos escassos, são levadas a fazerem escolhas; b) “maximização racional”, que dita que as opções realizadas atendem a interesses nitidamente particulares, de modo que os cálculos de custo e benefício são, e muito, levados em conta; c) “equilíbrio”, que é um padrão comportamental universal, atingido no momento os interesses estão sendo maximizados; d) “incentivos”, que são preços implícitos, a serem “pagos” mediante a realização das escolhas e as consequências delas advindas; e e) “eficiência”, que, para o fim aqui preconizado, refere-se à maximização de ganhos e minimização de custos, e, sob esta óptica, um processo será considerado eficiente se não for possível aumentar os benefícios sem também aumentar os custos.

“Para ilustrar o conceito, suponha que cada acidente aéreo cause, no total, custos de $100 milhões (referimo-nos aqui à soma de todos os custos relevantes que englobam tanto as perdas da companhia aérea quanto as das vítimas dos acidentes). Uma empresa de transporte aéreo se depara com a decisão de investir ou não $2 milhões em uma nova tecnologia de segurança aérea que causará uma diminuição de 1% na probabilidade de ocorrência de acidentes. Será que esse investimento é eficiente? A resposta é negativa. Afinal, a empresa investirá $2 milhões para evitar custos de $1 milhão (1% x $100 milhões = $1 milhão). O investimento nessa tecnologia diminui as chances de acidentes, mas torna a sociedade mais pobre e, por isso, não é eficiente (PUGLIESE; SALAMA, 2008, p.17).

 Um exemplo clássico de custos de transação diz respeito aos custos relacionados à solução de eventuais conflitos decorrentes de uma relação contratual. Quando analisa a conveniência e a oportunidade de celebração de um contrato, o indivíduo leva em consideração, entre outros fatores, os custos (a) de monitoramento do cumprimento do contrato pela outra parte (e.g., confirmação de pagamento das parcelas ou aferição da qualidade do produto prometido) e (b) a eficácia dos remédios oferecidos pela lei e pelo contrato para o caso de inadimplemento das obrigações assumidas. Quanto maiores os custos, menor o interesse do indivíduo em tomar parte no negócio jurídico” (PUGLIESE; SALAMA, 2008, p.19).

Por que falar a esse respeito é importante? Simples. Uma empresa, para mover determinada ação judicial, haverá de sopesar os custos do processo e a possibilidade de eventual ganho da causa, numa perspectiva de adequação à efêmera modernidade, segundo frisado acima. É uma simbiose de interesses o que mantém o sistema capitalista pungente, e o Judiciário, aos olhos dos operadores produtivos e financeiros, parece mais com uma enfermidade do que com o remédio para alguma coisa, uma amarra à liberdade esperada pelo ambiente empresarial, a emperrar o desenvolvimento e o crescimento de todo o país.

“Inicialmente, pode-se dizer que os custos de transação têm relevante impacto na eficiência econômica das nações (North, 1990) e/ou das firmas (Williamson, 1991). Estimativas sugerem que tais custos possam representar tanto quanto 35% a 40% dos custos associados à atividade econômica mundial (North, 1990)” (ANDRADE; REZENDE; SALVATO; BERNARDES, 2011, p.611). Daí insurgem as pesquisas acerca dos “custos de transação”, onde o maior expoente é o norte-americano Ronald Coase, prêmio Nobel de economia, que, na década de 1960, foi o pioneiro nesse tópico com o livro “The problem of social cost”. O que certos autores, adeptos de um movimento intitulado “Law & Economics”, dizem é que existe sim uma forte aproximação entre direito e economia, e que tal relação afeta e muito os mercados (ZYLBERSTAJN; SZTAJN, 2005).

“O teorema de Coase pode ser resumido da seguinte maneira: “Os agentes privados podem solucionar o problemas das externalidades entre si, desde que os custos de transação não sejam excessivos. Qualquer que seja a distribuição inicial dos direitos, as partes interessadas sempre podem chegar a um acordo pelo o qual todos ficam numa situação melhor” (MANKIW, N. Gregory. Introdução à economia. São Paulo: Thomson Learning, 2006, p. 210-211, Capítulo 10, apud GONÇALVES, 2013, p.37).

Celso Furtado assegurava que “só um economista imagina que um problema de economia é estritamente econômico” [3]. E a literatura referente a isso permissiona um olhar inovador sobre os problemas da Justiça, retendo o foco na compreensão da racionalidade dos atores e agentes que utilizam e operam dentro de tal sistema. É a partir da dinâmica dos intercâmbios jurídicos que a ciência econômica apresenta-nos as estratégias presentes na tomada de decisão dos players sociais, levando em conta os resultados possíveis de serem atingidos, a partir do comportamento de cada um dos diretamente envolvidos. Dominada esta faceta, haveria como fomentar incentivos corretos ao previsto comportamento das partes em um dado litígio, maximando resultados positivos. Eis a proeminência dos “custos de transação”.

“Por que, então, não associar eficácia à eficiência na produção de normas jurídicas? Eficácia como aptidão para produzir efeitos e eficiência como aptidão para atingir o melhor resultado com o mínimo de erros ou perdas, obter o visar ao melhor rendimento, alcançar a função prevista de maneira a mais produtiva. Elas deveriam ser metas de qualquer sistema jurídico. A perda de recursos/esforços representa custo social, indesejável sob qualquer perspectiva que se empregue para avaliar os efeitos (ZYLBERSZTAJN; SZTAJN, 2005, p.81).

 O Direito é um sistema aberto que influi e é influenciado pelas instituições sociais existentes na comunidade em que se aplica. Por isso, cultores da teoria evolucionista das sociedades admitem que o conjunto de regras socialmente predispostas serve à organização das relações intersubjetivas e, em dado momento, se consagra como Direito posto. Se isso já foi verdade, fatores econômicos estarão envolvidos no processo de criação de normas” (ZYLBERSZTAJN; SZTAJN, 2005, p.81).

 4 – Competitividade

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Avançando ainda mais no estudo, competitividade pode ser definida como a capacidade de um agente econômico, privado ou público, de atuar com sucesso em um dado contexto de negócios. E esse desempenho pode ser influenciado por fatores sistêmicos, estruturais e internos àquela organização.

Os “sistêmicos” são os externos ao ambiente da empresa, fora de seu controle e que podem afetá-la diretamente, a exemplo da taxa de câmbio, da oferta de crédito, da taxa de juros, das políticas tributárias, da defesa da concorrência, do custo da energia, dentre outros; os “estruturais” dizem respeito ao setor em que a empresa opera, e estão parcialmente sob influência dela, como faixas de renda, acesso ao mercado externo, qualidade dos insumos empregados, relacionamento com fornecedores e consumidores, valor e imagem dos produtos etc.; por fim, os “internos”, compreendem traços ou condições que dependem de decisões dos executivos e diretores do empreendimento, como o domínio de certa tecnologia, a capacidade de aumentar a produção, a competência mercadológica, o emprego de tecnologias, o atendimento das demandas e expectativas dos clientes (WOOD JÚNIOR; CALDAS, 2003).

Dessa maneira, qualquer empresa ou indústria tem que levar em consideração no que esses fatores, quer independente ou conjuntamente, incidem e podem vir a influenciar na sua sobrevida concorrencial. Pois, como certa vez disse Max Ghunter, “até começar a parecer ordem, o caos não é perigoso” [4].

Querendo ou não, a competitividade interfere no desenvolvimento do nosso país, e os mais variados dados facilmente desnudam a situação em voga:

“O índice de competitividade global posiciona o Brasil na 44ª posição. Este índice compreende 259 critérios, incluindo a abertura da economia, o papel do governo, o desenvolvimento do mercado financeiro, a qualidade da infraestrutura, tecnologia, a qualidade da gestão empresarial, instituições políticas e judiciais, e a flexibilidade do mercado de trabalho (The Economist, 2005, p. 58). No ranking de crescimento da competitividade de 2005, do World Economic Forum, o Brasil ocupa o 65º lugar entre 117 países. […] Observando-se os componentes individuais do índice, constata-se que o Brasil é o 32º país em sofisticação das práticas operacionais e estratégias empresariais (um resultado relativamente bom), porém coloca-se em 50º lugar em tecnologia, 70º lugar em instituições públicas e 79º lugar em ambiente macroeconômico. Suas piores colocações referem-se a tópicos relacionados a governo: o Brasil é o 111º em termos de uso efetivo de gastos públicos, 115º pelo critério de spreads bancários praticados e o último colocado em extensão e efeitos da tributação e em eficiência do sistema tributário. Um índice similar, denominado índice de competitividade das nações, foi criado pela Fiesp. Em sua última edição, que tomou como base o ano de 2003, o Brasil ficou em 39º lugar entre 43 países (Coelho, 2005). Toma-se competitividade como a capacidade de um país de criar condições para que as empresas produzam o maior bem-estar possível para seus cidadãos e para que o façam crescer ao longo do tempo em relação ao bem-estar dos cidadãos de outros países. […] No índice do ambiente de negócios, o Brasil encontra-se somente na 36º posição (The Economist, 2005, p. 58). O país é o 29º em percentual de gastos de pesquisa e desenvolvimento sobre o PIB, e um gerador incipiente de patentes, até mesmo em relação aos seus gastos de pesquisa e desenvolvimento (veja Brito Cruz, 2003). Por sua vez, o índice de capacidade de inovação da Unctad – United Nations Conference on Trade and Development – posiciona o Brasil em 64º lugar entre 117 países. O índice reflete essencialmente o nível de escolaridade e o grau de desenvolvimento de conhecimento no país (Unctad, 2005, p. 113-114). Tomados em conjunto, tais índices situam o país em um grupo intermediário de nações, a uma distância considerável dos países desenvolvidos e também com uma lacuna importante em relação aos países em desenvolvimento mais bem-sucedidos. […] (WOOD JÚNIOR; CALDAS, 2003, p.71-72).

 Só a título exemplificativo, recentemente, o próprio Banco Mundial, ao traçar o perfil do plano de desenvolvimento brasileiro e abrindo um espaço especial para a análise dos Poderes da República, notou que, se o Brasil obtivesse o mesmo sistema burocrático judiciário do Chile, cresceríamos cerca de 2,2% em nosso PIB. Em seguida, apontou, dentre diversas causas para o baixo reconhecimento e confiabilidade internacional da instituição judiciária brasileira, questões que vão desde a ineficiência das regras para a validade e eficácia da citação até a anacrônica e mambembe diversidade dos conteúdos decisórios de nossas Cortes sobre uma mesma temática.” (GAIO JÚNIOR, 2008, p. 33)

Mas, nos elementos “sistêmicos”, temos que apontar, também, as nuances de ordem político e institucionais, as quais assentam extremos para que investimentos sejam ou não realizados, para que atitudes sejam ou não concretizadas, para que a competitividade seja ou não valorada e para que o Judiciário seja ou não acionado. A engenharia de governança do setor público conduz a essa reflexão (PERES, 2007).

Percebe-se que o abarrotamento e a consequente morosidade do judiciário são consequência de uma amplitude de elementos internos (micro) e externos (macro) ao poder judiciário. É o conjunto de tais elementos, sem solução, que deve tornar real a tragédia da exaustão da prestação judicial. Ou seja, se o quadro diagnosticado acima continuar evoluindo da forma como está, o nível da prestação judicial tende a decair até o ponto em que a satisfação dos direitos passará a não ser mais atendida da forma adequada. Conforme demonstrado por Araújo (2008), cada novo ingresso de agente explorador de recursos (ações judiciais) em um determinado espaço (judiciário) provoca uma redução no rendimento marginal (qualidade da prestação jurisdicional) tendendo a aproximar-se do nível de preços (limite onde a satisfação dos direitos ainda é atendida), quando esse rendimento marginal coincide com o nível de preços ou passa a estar abaixo dele, o que se terá é a dissipação completa do rendimento marginal (fim satisfação dos direitos) de todos os exploradores do recurso e, portanto, diante de um resultado trágic”o (SANTOS FILHO, 2011, p.26).

 Afinal, os “custos judiciais”, a depender de como a Justiça pátria funciona e atende a quem a busca, assim como o tratamento dispensado às demandas que lhe são direcionadas, figuram no rol dos fatores ditos essenciais, e que “estariam” para além do domínio ou do comando do consumidor desse serviço, quer seja o cidadão ou a empresa. Os problemas da Administração Pública refletem no mercado, e a reação, na maioria das vezes, é de evasão diante dessas situações que refogem a qualquer controle.

Como assevera Armando Castelar Pinheiro:

“Tanto no Direito como na Economia, pressupõe-se que o Judiciário está sempre pronto e capacitado a resolver as disputas contratuais rápida, informada, imparcial e previsivelmente, atendendo-se aos termos originais do contrato e ao texto da lei. Essa seria uma das razões que explicariam o uso generalizado dos contratos como instrumento organizador da atividade econômica e, em especial, das transações realizadas através do mercado. Sem a garantia de que o desrespeito aos contratos será punido com rapidez e correção, as relações e trabalho, os negócios entre empresas, as operações financeiras e muitas outras transações econômicas ficariam mais incertas e caras, podendo mesmo se tornar inviáveis ou restritas a pequenos grupos. Como observa Williamson, a Economia e o Direito fazem essa suposição sem se indagar, com a devida profundidade, em que medida ela corresponde aos fatos. […] Para esse autor, o hiato entre o desempenho teórico do Judiciário e aquele observado na prática é uma das razões por que a atividade econômica, por vezes, se organiza de formas não-canônicas, buscando reduzir custos de transação e preservar relações que envolvam investimentos específicos. Em especial, a impossibilidade de elaborar contratos suficientemente completos, a dificuldade de garantir a sua aplicação nos tribunais e o interesse das empresas em proteger relações de longo prazo do inevitável desgaste de uma demorada e imprevisível disputa judicial fazem com que a própria atividade econômica se organize de forma a evitar conflitos e permitir a adaptação dos contratos” (ZYLBERSZTAJN; SZTAJN, 2005, p.244).

Deste modo, o processo judicial pode, simplesmente, não compensar, para quem quer que seja, pois além da problemática sobre o custo que uma ação pode representar, ter-se-á que levar em consideração as ausências de dinâmica e de efetividade, além da sua baixa celeridade. De forma que causas que versam acerca de alta tecnologia, que envolvam somas vultosas, da ordem de bilhões de reais, ou que digam respeito a investimentos estrangeiros, só para citar alguns exemplos, não se coadunam com esse ambiente jurídico oneroso, letárgico e potencialmente inseguro. Nesse contexto, sopesa-se ainda a imensa pressão internacional, onde conglomerados multinacionais impõe soluções advindas da via arbitral, requerendo, e só buscando, portanto, essa forma de lidar com conflitos de cunho comercial. “Ou talvez pudéssemos passar desta propedêutica simplificada aos problemas do mundo real, no qual as nossas expectativas anteriores podem trazer-nos desapontamentos, e as nossas esperanças no futuro afetar nossos atos presentes” (KEYNES, 1996, p.278).

5 – Arbitragem versus Judiciário: rivalidade como requisito de sobrevivência

Volveremos, agora, para a arbitragem. Dentre as vantagens desse instrumento jurídico que podem ser elencadas, citamos: a) a “especialização”, visto que nesse método paraestatal é possível a escolha de árbitros com conhecimento técnico-científico na área litigiosa, verdadeiros e notários especialistas na matéria controvertida ou no objeto do contrato, além da experiência profissional e reputação no mercado de que venham a gozar, o que reduz os custos com perícias, a possibilidade de erros e o tempo total da demanda; b) “rapidez”, uma vez que a própria Lei nº 9.307/1996 traz em seu corpo que o resultado haverá de ser proferido no prazo máximo de seis meses, isso se outro prazo, que pode ser inclusive menor, não for estipulado pelas partes; c) “irrecorribilidade”, pois o laudo tem idêntico valor de uma sentença originada da justiça pública, não sendo passível de recurso; d) “informalidade”, já que o direito material e processual a ser aplicado, e até mesmo o procedimento a ser seguido, desde que não vá de encontro ao prescrito em lei, estará sob o manto do elemento vontade, podendo as partes convencionar o que bem entenderem a esse respeito, ou seja, o processo arbitral é mais simples e flexível; e) “limitação e previsão de gastos”, face ao processo comum, o que interessa diretamente ao círculo empresarial; f) “imparcialidade”, premissa que é ressaltada em contratos internacionais, pelo temor de que cortes estatais possam vir a favorecer a parte nacional em detrimento da estrangeira, podendo-se determinar que a arbitragem ocorra em jurisdição estranha, optando até mesmo pelo lugar e pela legislação a ser empregada, reduzindo sobremaneira os riscos de litigar em um ambiente jurídico desfavorável; g) “segurança jurídica”, exigida pelas empresas para que sejam assegurados o repeito e as garantias para seus investimentos, no momento em que certos quesitos são decididos por arbitragem; e h) “confidencialidade”, em oposição à publicidade inerente ao Poder Judiciário, o que decorre da Lei de Arbitragem, ao impor-se ao árbitro o dever de sigilo, episódio que se revela muito atraente ao meio empresarial, sobretudo com as latentes preocupações corporativas quanto a segredos industriais e a preservação de relacionamentos e contratos comerciais (SCAVONE JÚNIOR, 2010; GARCEZ, 2007).

Podemos salientar, como acima descrito, que a vantagem estratégica da arbitragem se encontra na junção de três coisas: “um passado estável, a previsibilidade de regras a regerem o futuro e a efetiva exigibilidade de direitos”. Em matiz assecuratório de um presente dinâmico, esses fatores são determinantes para tomada de decisões empresariais sobre aquisições, compras, vendas etc.

“Mas os requisitos informativos e institucionais necessários para alcançar tais mercados eficientes são rigorosos. Os jogadores não devem ter apenas objetivos, mas devem saber a maneira correta de alcançá-los. Mas como é que os jogadores sabem a maneira correta de atingir os seus objetivos? A resposta da racionalidade instrumental é que mesmo quando os atores tenham, inicialmente, modelos errôneos e distintos, o processo de realimentação de informação e os agentes de arbitragem corrigirão os modelos que inicialmente eram incorretos, punirão os comportamentos desviantes e levarão os jogadores sobreviventes a corrigir os modelos. Um requisito implícito ainda mais rigoroso do modelo de mercado competitivo é que quando existem custos de transação significativos, as instituições consequentes do mercado serão projetadas para induzir os agentes a adquirir a informação essencial que irá levá-los a corrigir seus modelos. A implicação não é apenas que as instituições são projetadas para alcançar resultados eficientes, mas que elas podem ser ignoradas na análise econômica porque as mesmas não têm um papel independente no desempenho econômico” (NORTH, 2010, p.16-17).

Com efeito, ao se comparar a prestação jurisdicional sob os mandamentos estatais com a arbitragem privada, a depender exclusivamente do elemento volitivo, chega-se facilmente à conclusão de que esta pode reduzir os custos de transação inerentes àquela, quando da necessidade de solucionar um conflito ou de firmar um negócio.

É dentro dessa óptica que a abordagem dos temas da justiça e do desenvolvimento se entrelaçam. Enaltece-se a posição do indivíduo como promotor direto de um ambiente próspero, atuando este através do seu poder de escolha. A sentença transforma a realidade e o destino das pessoas e deve nascer destas. Distancia-se, assim, do paternalismo ligado ao “Estado-babá”, rezando-se por uma intervenção apenas necessária. Nessa estrada há dois caminhos… E optar por um deles requer somente uma decisão. Consoante isso, a arbitragem é considerada um instrumento de desenvolvimento, pois suas bases se fundam no princípio da autonomia privada, unindo, numa mesma vertente, a liberdade individual e a responsabilidade social, conduzindo as partes à solução que mais se aproxima do que seria a tida como ideal, haja vista que a sentença emanaria de um acordo de vontades. Percebe-se, destarte, que essa fórmula paraestatal é sim meio efetivo de alcance da tutela pretendida por importantes segmentos econômicos, aos quais o Poder Judiciário não tem dado abrigo satisfatório (BARRAL; PIMENTEL, 2006).

Outro ponto ainda a ser abordado é o que envolve a visível “competição” entre o serviço prestado pelo Judiciário e a arbitragem. A prestação jurisdicional é una, mas não exclusiva, podendo ser desempenha por atores públicos como por protagonistas privados. “A arbitragem pode ser entendida, do ponto de vista econômico, como a oferta de modelo de solução de controvérsias que compete com o modelo estatal de jurisdição” (PUGLIESE; SALAMA, 2008, p.21). A teoria da oferta e da procura pode explicar isso, haja vista que a pessoa que litiga tem a opção por escolher uma ou outra forma. E se a Justiça comum, no Brasil, é a mais acionada, deve-se a uma série de variantes, dentre as quais o fato de ser o aparelho mais acessível, abrangente e que agrega maior gama de possibilidades, tudo isso somado à uma “cultura” nacional, que privilegia essa maneira de tratar seus problemas jurídicos, mesmo constatadas algumas graves deficiências.

Todavia, os reclames por eficiência e rapidez levam o Estado a também tentar corrigir ou aperfeiçoar o que predispõe à sociedade, de maneira que, o embate entre esses dois tipos de resolver conflitos, pressiona a realização de reformas legislativas capazes de sobrepujar normas antigas e indesejadas pelas que sejam mais adequadas à contemporaneidade. No pensamento de John Welch, “se o nível de mudança interno de uma organização é menor que o nível de mudança externo, o fim está à vista”[5]. Karl Marx refletia que, “há pessoas que não levam em conta a realidade, mas em compensação a realidade também não as leva em conta” [6]. Logo, constata-se que os movimentos de fortalecimento e de crescimento da arbitragem tem sido acompanhados por reiterados esforços de recuperação do Poder Judiciário[7]. Com efeito, inúmeras leis trouxeram mais agilidade e informalidade aos procedimentos judiciais, com as seguidas “ondas renovatórias” do processo civil.

Amartya Sen está mais do que correto ao indagar:

 “Por que deveria ser unicamente racional empenhar-se pelo auto-interesse excluindo todo o resto? […] Evidentemente, pode não ser de todo absurdo afirmar que a maximização do auto-interesse não é irracional, pelo menos não necessariamente, mas asseverar que tudo o que não for maximização do auto-interesse tem de ser irracional parece absolutamente insólito. […] Tentar fazer todo o possível para obter o que gostaríamos pode ser parte da racionalidade, e isso pode incluir o empenho por objetivos desvinculados do auto-interesse, os quais podemos valorizar e desejar promover. Considerar qualquer afastamento da maximização do auto-interesse uma prova de irracionalidade tem de implicar uma rejeição do papel da ética na real tomada de decisão (que não seja alguma variação ou mais um exemplo daquela exótica concepção moral conhecida como “egoísmo metódico”)” (1999, p.31).

Aliás, integram os objetivos de melhoria da Justiça a valoração da arbitragem, amenizando a sobrecarga de processos pela abertura e facilitação de ingresso a outros métodos extrajudiciais de resolver conflitos. Daí que temos o crescimento da importância, também, dos instrumentos paraestatais. De todo o explanado, “podemos afirmar, assim, que a competição incentiva os sistemas de prestação jurisdicional mais eficientes a inovar e os sistemas menos eficientes a emular” (PUGLIESE; SALAMA, 2008, p.22). Ao longo do tempo, o aumento da competição entre as “jurisdições” pública e privada enseja alinhamento entre as políticas judiciais e as necessidades dos seus cidadãos.

“Pinheiro (2006) sustenta que é o Direito, através da imposição de regras e leis que disporá sobre as vantagens e desvantagens de se utilizar um ou outro comportamento. Em outras palavras, o ambiente legal torna-se responsável por deixar a disposição dos jogadores as alternativas mais eficientes. Diz-se, portanto, que a Teoria dos Jogos trata o direito como instituto criador não somente de regras, mas também dos reflexos das escolhas estratégicas feitas pelos indivíduos. É neste contexto que a estrutura do sistema processual civil deve ser visualizado. As partes litigantes constroem suas estratégias de acordo com os incentivos e desincentivos criados pela estrutura processual e jurisprudencial existente. Diante do cenário da morosidade e do abarrotamento de processos que o judiciário brasileiro vive atualmente, é praticamente obrigatório que as regras processuais e a jurisprudência delimitem os incentivos corretos para que as estratégias dos litigantes não impliquem o esgotamento dos recursos do sistema (SANTOS FILHO; TIMM, 2011, p.34).

 Com isso, a própria experiência se dá como processo de escolha e não como fatalidade ou recepção passiva de dados e informações, uma vez que o indivíduo escolhe quais elementos de sentido recebem sua atenção, ou seja, quais dentre os inúmeros elementos envolvidos são tornados relevantes. Se por um lado poder-se-ia dizer que o indivíduo nem sempre escolhe os fatos objetivos da vida com os quais está confrontado, por outro lado, pode estar ao seu alcance realizar escolhas quanto à atenção dedicada aos problemas com os quais se depara. Essas escolhas estão, porém, orientadas pelo estoque de conhecimento acumulado em experiências anteriores, suas próprias e também de terceiros com os quais mantém qualquer tipo de vinculação, mesmo que não seja seu contemporâneo (SCHÜTZ, 2004, p. 69). Nesse sentido, escolhas presentes e futuras são de alguma maneira informadas pelas escolhas já realizadas no passado, sem que isso, porém, se constitua em algo do qual o indivíduo não possa escapar, uma vez que até mesmo as experiências passadas são constantemente submetidas à interpretação e reinterpretação por parte do indivíduo que age. Desta maneira, embora ancorado no estoque de conhecimento à mão, o curso de ação individual permanece em aberto, ainda que constrangido por fenômenos sobre os quais não mantém qualquer controle” (SANTOS FILHO; TIMM, 2011, p.42-43).

6 – Considerações finais

Concluindo, diremos que a verdadeira justiça não tem nada a ver com um “lado”. Simplesmente existe. É fluida e intensa como a água que procura seu nível, subindo e descendo, avançando sem trégua, rompendo com os obstáculos, escavando a própria passagem, apesar dos insignificantes esforços para mudar seu curso, de tentar se edificarem os “diques” a barrar seu progresso (WARFIELD, 1993). Nada é eterno. O direito evolui. Seus componentes são variantes que constantemente se mutacionam, a depender de fatores endógenos e exógenos. A lógica capitalista reclama isso, atuando diretamente para que a paralisia jurisdicional não atrapalhe seus planos.

Os indivíduos tendem a optar pela solução mais eficiente. Essa é a regra do mercado, em quaisquer época e lugar. O desenvolvimento de uma nação dita a inevitável reescrita desse jogo. Evidencia-se, portanto, que a racionalidade da questão guia as pessoas a soluções extrajudiciais que minimizem os custos de transação e maximizem ou impulsionem os lucros de suas relações jurídicas. A sociedade pede respeito ao interesse público, e também exige que as relações comerciais e a produção de riquezas sejam eficientes.

Dessa forma, sem receio de afirmar, o que impulsiona a arbitragem em nosso país, hoje, não é a lei, mas a fatalística junção de dois componentes: as baixas celeridade e efetividade do Poder Judiciário e a precisão de crescer economicamente. Se uma empresa, nacional ou estrangeira, não busca a Justiça é pela certeza de que o prejuízo talvez venha a ser maior que o improvável ganho. Culpado é o Estado, que errou, e muito, podendo não mais ser apto a oferecer uma adequada maneira de tratar os litígios na atualidade. Os custos de se ingressar com um processo, ao serem considerados, remetem-nos a tal conjunto de determinantes, em que a arbitragem substitui o Judiciário. E, aceitemos ou não, esse é um destino que, talvez, não tenha volta.

 Referências
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Notas:
[1] BARELLI; PENNACCHIETTI, 2001, p.507.

[2] Instituto Antônio Houaiss, 2004, p.298.

[3] In: GUARACY, 2001, p.71.

[4] In: GUARACY, 2001, p.25.

[5] In: GUARACY, 2001, p.11.

[6] In: GUARACY, 2001, p.171.


Informações Sobre o Autor

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Thiago Nóbrega Tavares

Advogado Especialista em Direito Tributário e Mestre em Ciências Jurídicas


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