Resumo: É cediço que a Legislação Consumerista inaugurou uma nova realidade, conjugando, por meio das flâmulas desfraldadas pela Constituição Federal, um sistema normativo pautado na proteção e defesa do consumidor. Ao lado disso, gize-se, por carecido, que o Direito do Consumidor passou a gozar de irrecusável e sólida importância que influencia as órbitas jurídica, econômica e política, detendo aspecto robusto de inovação. No mais, insta sublinhar, com grossos traços, que a Legislação Consumerista elevou a defesa do consumidor ao degrau de direito fundamental, sendo-lhe conferido o status de axioma estruturador e conformador da própria ordem econômica, sendo, inclusive, um dos pilares estruturante da ordem econômica, conforme se infere da redação do inciso V do artigo 170 da Carta de Outubro. Nesta toada, o presente se debruça em analisar as hipóteses consagradas na Legislação Consumerista, em seu artigo 51 e respectivos incisos, de cláusulas abusivas, tal como os instrumentos empregados para coibir tal prática.
Palavras-chaves: Cláusulas Abusivas. Boa-fé Objetiva. Nulidade Absoluta.
Sumário: 1 A Proteção do Consumidor como Direito Fundamental: Lições Inaugurais; 2 Cláusulas Abusivas: Acepção Conceitual; 3 Cláusulas Abusivas no Código de Defesa do Consumidor e no Código Civil; 4 Cláusula Abusiva de Limitação de Responsabilidade do Fornecedor; 5 Cláusula Abusiva de Impedimento de Reembolso; 6 Cláusula Abusiva de Transferência de Responsabilidade pelo Fornecedor a Terceiro; 7 Cláusula Geral de Abusividade; 8 Cláusulas-Surpresa; 9 Cláusula Abusiva de Inversão Prejudicial do Ônus da Prova; 10 Cláusula Abusiva de Arbitragem Compulsória; 11 Cláusula Abusiva de Representante Imposto; 12 Cláusula Abusiva de Opção de Conclusão do Negócio; 13 Cláusula Abusiva de Variação Unilateral do Preço; 14 Cláusula Abusiva de Cancelamento Unilateral do Contrato; 15 Cláusula Abusiva de Ressarcimento de Custos; 16 Cláusula Abusiva de Modificação Unilateral do Contrato; 17 Cláusula Abusiva de Violação de Normas Ambientais; 18 Cláusula em Desacordo com o Sistema de Proteção ao Consumidor; 19 Cláusula Abusiva de Renúncia à Indenização por Benfeitorias Necessárias
1 A Proteção do Consumidor como Direito Fundamental: Lições Inaugurais
In primo loco, releva-se imperioso salientar que, em decorrência dos feixes albergados na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988[1], verifica-se que o consumidor passou a ser revestido de grande relevo no Ordenamento Pátrio, culminando, ulteriormente, na elaboração e promulgação do Código de Defesa do Consumidor[2], compêndio de dispositivos que sagram em suas linhas, como fito maior, a proteção daquele. Ao lado disso, gize-se, por carecido, que o Direito do Consumidor passou a gozar de irrecusável e sólida importância que influencia as órbitas jurídica, econômica e política, detendo aspecto robusto de inovação. No mais, insta sublinhar, com grossos traços que a Legislação Consumerista elevou a defesa do consumidor ao degrau de direito fundamental, sendo-lhe conferido o status de axioma estruturador e conformador da própria ordem econômica, sendo, inclusive, um dos pilares estruturante da ordem econômica, conforme se infere do inciso V do artigo 170 da Carta de Outubro[3].
Denota-se, desta sorte, que, em razão do manancial de inovações trazido à baila pela Constituição Cidadã, os consumidores foram erigidos à condição de detentores de direitos constitucionais enumerados como fundamentais, conjugando, de sobremaneira, com o maciço fito de legitimar todas as medidas de intervenção estatal carecidas, a fim de salvaguardar tal escopo. À luz do expendido, em um contato primitivo com o tema, salta aos olhos que o Código de Defesa do Consumidor, enquanto diploma legislativo impregnado de essência constitucional clama por uma interpretação sustentada pela tábua principiológica consagrada, de modo expresso, na Carta da República. Nesta senda de raciocínio, impõe ao Arquiteto do Direito, de maneira cogente, atentar-se para os corolários, desfraldados como flâmula orientadora, para conferir amoldagem as normas que versam acerca das relações de consumo a situações concretas, revestidas de nuances e particularidades singulares que oscilam de maneira saliente.
Além disso, com destaque, a proteção conferida pelo Ente Estatal ao consumidor, quer seja enquanto figura dotada de direito fundamental que foi positivada no próprio texto da Lei Maior, quer seja como mola propulsora da formulação e execução de políticas públicas, como também do exercício das atividades econômicas em geral. Plus ultra, acrescer se faz mister que ao se conferir tratamento robusto ao consumidor, ambicionou o Constituinte atribuir essência de meio instrumental, com vista a neutralizar o abuso do poder econômico praticado em detrimento de pessoas e de seu direito ao desenvolvimento, sem olvidar de uma existência considerada como digna e justa. Neste sentido, há que se trazer a lume o entendimento jurisprudencial do Superior Tribunal de Justiça:
“Ementa: Processo Civil e Consumidor. Agravo de Instrumento. Concessão de Efeito Suspensivo. Mandado de Segurança. (…) Relação de Consumo. Caracterização. Destinação Final Fática e Econômica do Produto ou Serviço. Atividade Empresarial. Mitigação da Regra. Vulnerabilidade da Pessoa Jurídica. Presunção Relativa. […] Uma interpretação sistemática e teleológica do CDC aponta para a existência de uma vulnerabilidade presumida do consumidor, inclusive pessoas jurídicas, visto que a imposição de limites à presunção de vulnerabilidade implicaria restrição excessiva, incompatível com o próprio espírito de facilitação da defesa do consumidor e do reconhecimento de sua hipossuficiência, circunstância que não se coaduna com o princípio constitucional de defesa do consumidor, previsto nos arts. 5º, XXXII, e 170, V, da CF. […] (Superior Tribunal de Justiça – Terceira Turma/ RMS 27512/BA/ Relatora Ministra Nancy Andrighi/ Julgado em 20.08.2009/ Publicado no DJe em 23.09.2009)” (destacou-se).
Saliente-se, com ênfase, que a proteção do consumidor e o desenvolvimento de instrumentos rotundos aptos a fomentar tal fito se revelam como característicos de assegurar a concretude e significado as proclamações contidas na Carta de 1988. Nesta esteira, evidencia-se, ainda, que a Lex Fundamentallis estabeleceu um estado de comunhão solidária entre as diversas órbitas políticas, que constituem a estrutura institucional da Federação Brasileira, agrupando-as ao redor de um escopo comum, detendo o mais elevado sentido social. Afora isso, os direitos do consumidor, conquanto despidos de caráter absoluto, qualificam-se, porém, como valores essenciais e condicionantes de qualquer processo decisório.
Além disso, os corolários de proteção ao consumidor, hasteados como flâmulas orientadoras, buscam neutralizar situações de antagonismos oriundos das relações de consumo que se processam, na esfera da vida social, de modo tão desigual, caracterizado corriqueiramente pela conflituosidade, opondo, por extensão, fornecedores e produtores, de um lado, a consumidores, do outro. No mais, o reconhecimento da proteção constitucional da figura como consumidor traduz em verdadeira prerrogativa fundamental do cidadão, estando inerente à própria acepção do Estado Democrático e Social de Direito, motivo pelo qual cabe a toda coletividade extrair, dos direitos assegurados ao consumidor, a sua máxima eficácia. Nesta esteira, a fim de compreender a incidência da legislação consumerista, mister se faz analisar o substrato jurídico-doutrinário que sustenta as cláusulas abusivas, notadamente os instrumentos empregados para coibir tal prática na relação entre o consumidor e o fornecedor.
2 Cláusulas Abusivas: Acepção Conceitual
Em sede de ponderações introdutórias, ao se esmiuçar o tema em testilha, cuida realçar que o artigo 51 do Código de Defesa do Consumidor[4] elenca em sua redação, de maneira exemplificativa (numerus apertus) as cláusulas consideradas como abusivas e que, uma vez presentes nos contratos firmados entre consumidor e fornecedor, serão consideradas como nulas de pleno direito, mesmo que haja expressa anuência daquele. Por carecido, há que se destacar que a locução cláusulas abusivas é um termo mais contemporâneo, como bem ponderam Tartuce e Neves[5], para o antigo termo cláusulas leoninas, empregado largamente no Direito Romano. Cláudia Lima Marques[6], primorosamente, destaca que o legislador infraconstitucional não se inspirou na técnica da escola alemã, a qual estruturou em sua legislação consumerista duas listas de cláusulas abusivas e uma norma geral. Ao contrário, o legislador nacional preferiu elencar tão somente uma relação, constante do dispositivo legal supramencionado.
Com o escopo de traçar o liame conceitual de abusividade da cláusula contratual, é possível utilizar duas sendas distintas. A primeira encontra-se atrelada a uma aproximação subjetiva, que viabiliza a conexão da abusividade e a figura do abuso do direito, sobrelevando, como característica principal, o uso malicioso ou mesmo desviado de seu fito social de um poder-direito concedido a um agente. Nesta esteira de raciocínio, perfilhando-se a corrente em tela, pode-se pontuar que serão abusivas as cláusulas que extrapolam os limites e, arrimando-se nos corolários da plena liberdade contratual, tais pontos, no que concerne à fixação de cláusulas contratuais são praticamente inexistentes.
Estar-se-ia, portanto, diante de situação em que há verdadeira relativização do pacta sunt servanda, na qual é possível afastar a incidência de cláusulas abusivas. Em mesmo sentido, inclusive, Leonardo de Medeiros Garcia assentou que “no intuito de proteger essa categoria vulnerável, denominada consumidor, o legislador privilegiou valores superiores ao dogma da autonomia da vontade (pacta sunt servanda), como a boa-fé objetiva e a justiça contratual”[7]. Tal entendimento, inclusive, foi manifestado pelo Ministro Luís Felipe Salomão: “no pertinente à revisão das cláusulas contratuais, a legislação consumerista, aplicável à espécie, permite a manifestação acerca da existência de eventuais cláusulas abusivas, o que acaba por relativizar o princípio do pacta sunt servanda”[8]. Colhem-se, oportunamente, os seguintes entendimentos jurisprudenciais:
“Ementa: Apelação Cível. Busca e apreensão. Revisão Contratual. Aplicação CDC. Comissão de permanência. Serviço de Terceiros. Outros serviços. Repetição de indébito. Inexiste óbice em rever o contexto do instrumento contratual em exame, por representar o pacto em tese uma natureza típica de contrato de adesão em que à obviedade não foram as cláusulas compreendidas e discutidas pelos aderentes, eivando de vícios a manifestação válida ou livre consentimento e consequentemente, tornando relativa a autenticidade de suas condições e reduzindo demasiadamente a incidência do princípio da autonomia da vontade e do pressuposto básica da norma pacta sunt servanda. […] (Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais – Décima Quarta Câmara Cível/ Apelação Cível Nº. 1.0040.11.004974-5/001/ Relator: Desembargador Rogério Medeiros/ Julgado em 14.11.2012/ Publicado em 23.11.2012)” (destacou-se).
“Ementa: Apelação Cível. Ação revisional de contrato de mútuo garantido com cláusula de alienação fiduciária. Incidência do Código de Defesa do Consumidor. O crédito fornecido ao consumidor/pessoa física para utilização na aquisição de bens no mercado como destinatário final se caracteriza como produto, importando no reconhecimento da instituição bancária/financeira como fornecedora para fins de aplicação do CDC, nos termos do art. 3º, parágrafo 2º, da Lei nº 8.078/90. Entendimento referendado pela Súmula 297 do STJ. Direito do consumidor à revisão contratual. O art. 6º, inciso V, da Lei nº 8.078/90 instituiu o princípio da função social dos contratos, relativizando o rigor do "Pacta Sunt Servanda" e permitindo ao consumidor a revisão do contrato, especialmente, quando o fornecedor insere unilateralmente nas cláusulas gerais do contrato de adesão obrigações claramente excessivas, suportadas exclusivamente pelo consumidor, como no caso concreto. […] Apelação provida em parte. (Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul – Décima Terceira Câmara Cível/ Apelação Cível Nº 70051717221/ Relator: Desembargador Vanderlei Teresinha Tremeia Kubiak/ Julgado em 08.11.2012)” (grifou-se).
Noutro passo, é possível empregar uma aproximação objetiva que permita a vinculação da abusividade, escorada em paradigmas modernos, com a boa-fé objetiva ou a antiga figura da lesão enorme, como se seu elemento fundamental decorre do resultado objetivo que provoca a conduta do indivíduo. Trata-se do prejuízo grave experimentado, de maneira objetiva, pelo consumidor, decorrente do desequilíbrio produzido pela cláusula estabelecida, a ausência de razoabilidade ou mesmo a falta de comutatividade reclamada na avença. “O ato ilícito é aquele desconforme ao direito, que provoca uma reação negativa do ordenamento jurídico, que viola direito ou causa prejuízo a terceiro (dano), fazendo nascer a correspondente obrigação de reparar (responsabilidade)”[9]. O abuso, por consequência, pressupõe a existência do direito, logo, a atividade inicial é lícita, já que aquele que usa seu direito não prejudica, inicialmente, aos outros.
É crucial destacar que o ordenamento pátrio consagrou no Código Civil[10], em seu artigo 187, que o abuso de direito é considerado como ato ilícito, quedando-se silente, porém, se a sanção seria a mesma aplicada aos demais atos ilícitos. No mais, é imperioso ressaltar que o aludido diploma legal, ao erigir os fitos sociais e econômicos de um direito, bem como a boa-fé na conduta social , contribuiu, de maneira determinante, para a proteção almejada na Legislação Consumerista. Desta feita, o abuso de direito consistiria na falta perpetrada pelo titular de um direito específico ou mesmo que deturpa a finalidade do direito que lhe foi concedido. Destarte, mesmo estando presente o prejuízo causado a outrem pela atividade do titular do direito, considerada, neste ponto, como um ato antijurídico, a sua hipótese de incidência é diferenciada. A ofensa descansa, saliente-se, no modo como foi substancializado um direito, acarretando um resultado considerado ilícito.
A nulidade de pleno direito determinada no artigo 51 do Código de Defesa do Consumidor deve ser declarada não em favor de uma das partes, mas em nome da sociedade, traduzindo-se como um dever do Julgador, decorrente do mesmo espírito que embasa o artigo 187 do Código Civil Brasileiro, norma que também reconhece que pratica um ilícito aquele que excede manifestamente os limites impostos pelo fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes.
3 Cláusulas Abusivas no Código de Defesa do Consumidor e no Código Civil
A tábua adotada pela Legislação Consumerista de regência para harmonizar e conferir maior transparência às relações de consumo se materializa em dois momentos dessemelhantes. A Lei Nº. 8.078/1990[11] estatui, em um primeiro momento, novos dogmas e princípios para os consumidores e novos deveres para os fornecedores de bens, objetivando assegurar a sua proteção na fase pré-contratual e no momento da formação do vínculo. Em um segundo momento, a Legislação Consumerista cria normas proibindo expressamente as cláusulas abusivas nestes contratos, assegurando, deste modo, uma proteção ao consumidor, por meio de um efetivo controle judicial do conteúdo do contrato de consumo.
O Código Civil, reverberando a influência da tábua principiológica contida na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988[12], superou o individualismo caracterizador das relações particulares que regia o revogado o Código de 1916, privilegiando os corolários da função social dos contratos, da boa-fé e da probidade e, por via de consequência, estabelecendo um controle pontual das cláusulas abusivas presentes nos contratos de adesão civis e comerciais. Leonardo de Medeiros Garcia anota, com bastante propriedade e pertinência, que “o novo Código Civil, preocupado com o equilíbrio contratual, também estipula meios para que se controle os contratos abusivos, ao determinar que a liberdade de contratar seja exercida em razão e nos limites da função social”[13], bem como que os contratantes sejam obrigados a guardar, durante o lapso temporal carecido para a conclusão do contrato e sua execução, a probidade e a boa-fé.
“Se este controle ocorrerá nos contratos intercivis e interempresariais, quanto mais nos contratos de consumo, nestes com base expressa no CDC”[14]. Nesta trilha, por carecido, mister se faz salientar que a Legislação Consumerista foi arquitetada objetivando a identificação do sujeito beneficiado, qual seja: o consumido, buscando, a todo o momento, proteger aquele por meio da sistematização de normas. Trata-se de uma codificação especial para os desiguais, diferentes em relações mistas, entre o consumidor e o fornecedor, visando reequilibrar a relação que, por si só, é desigual.
4 Cláusula Abusiva de Limitação de Responsabilidade do Fornecedor
Inicialmente, quadra anotar que o artigo 51, inciso I, do Código Consumerista[15] desfralda que são consideradas como cláusulas abusivas aquelas que impossibilitem, exonerem ou atenuem a responsabilidade do fornecedor por vícios de qualquer natureza dos produtos e serviços ou impliquem renúncia ou disposição de direitos. Infere-se que, consoante Tartuce e Neves[16] salientam, a norma reproduz a vedação abarcada na cláusula de não indenizar ou cláusula de irresponsabilidade para os contratos de consumo, compreendida, inclusive, na redação do artigo 25 do aludido diploma[17]. Desta feita, além da cláusula de exclusão total da responsabilidade do fornecedor ou prestador, não goza de validade a disposição contratual que amaina o dever de reparar dos fornecedores ou prestadores em detrimento do consumidor. Gize-se que a atenuação só é possível em situações de fato ou culpa concorrente do consumidor, o que deriva das circunstâncias fáticas e não do avençado.
O clássico exemplo a ser esmiuçado está atrelado às placas apresentadas pelos prestadores de serviços que diccionam acerca da ausência de responsabilidade em caso de furto de objetos contidos nos interiores dos veículos. “A responsabilidade dos fornecedores de serviços é fixada pela lei, não podendo ser afastada por cláusula de não indenizar unilateralmente estabelecida”[18]. O artigo 51, inciso I, do Código do Consumidor reputa abusiva essa cláusula, pelo que nula de pleno direito, sendo que a responsabilidade só poderá ser afastada nas hipóteses agasalhadas no §3º do artigo 14 do mencionado diploma legal[19]. Cuida trazer à colação, ainda, o verbete da Súmula Nº. 130 do Superior Tribunal de Justiça, segundo a qual “a empresa responde, perante o cliente, pela reparação do dano ou furto de veículo ocorridos em seu estacionamento”[20]. Nesta toada, colhem-se os paradigmáticos entendimentos jurisprudenciais:
“Ementa: Agravo Regimental no Recurso Especial. Ressarcimento de valores despendidos pela seguradora. Furto de veículo. Estacionamento de Universidade privada. 1.- O entendimento firmado por esta Corte, inclusive sumulado (Súmula 130/STJ), é no sentido que "a empresa responde, perante o cliente, pela reparação de dano ou furto de veiculo ocorridos em seu estacionamento". Os precedentes que culminaram na edição da referida Súmula destacam a irrelevância da gratuidade, falta de vigilância ou de controle de entrada e saída de veículos do estacionamento para caracterizar a responsabilidade da empresa, uma vez que caracterizado o contrato de depósito para guarda do veículo e, inclusive, em razão do interesse da empresa em angariar clientela. 2.- Agravo Regimental improvido. (Superior Tribunal de Justiça – Terceira Turma/ AgRg no REsp 1.249.104/SC/ Relator: Ministro Sidnei Beneti julgado em 16/06/2011/ Publicado no DJe em 27.06.2011)” (destacou-se).
“Ementa: Direito do Consumidor. Furto de veículo. Instituição privada de ensino. Apropriação de área pública tida como estacionamento da faculdade. Oferecimento de serviço de segurança. Responsabilidade. 1. Responde a instituição privada de ensino por furto de veículo ocorrido em área pública, mas que dela se apropriou como estacionamento privado, oferecendo-a como serviço diferenciado e aparelhando-a, inclusive, com guarita e vigilância própria. 2. Agravo regimental improvido. (Superior Tribunal de Justiça – Quarta Turma/ AgRg no REsp 1.108.029/DF/ Relator: Ministro Luís Felipe Salomão/ Julgado em 19.08.2010/ Publicado no DJe em 31.08.2010)” (sublinhou-se).
Em mesmo sentido, com o escopo de ilustrar a materialização da hipótese contida no artigo 51, inciso I, do Código de Defesa do Consumidor, pode-se citar o verbete contido na Súmula Nº. 302 do Superior Tribunal de Justiça, que estabeleceu a nulidade da cláusula contratual de plano de saúde que estabelece o limite do lapso temporal de internação de paciente/segurado. Trata-se, com efeito, de disposição que combate o cunho antissocial, em razão de tal conteúdo violar a própria concepção que estrutura o negócio jurídico. “É inválida a cláusula do plano de saúde que limita o tempo de internação hospitalar e exclui os exames que nesse tempo se fizeram necessários ao tratamento do paciente”[21]. Com o escopo de fortalecer as ponderações ventiladas até o momento, coligem-se os seguintes arestos:
“Ementa: Plano de saúde. Cláusula limitativa do tempo de internação. Código de Defesa do Consumidor. Abusividade. – "É abusiva a cláusula contratual de plano de saúde que limita no tempo a internação hospitalar do segurado." (Súmula n. 302-STJ) Recurso especial conhecido e provido parcialmente. (Superior Tribunal de Justiça – Quarta Turma/ REsp 345.848/RJ/ Relator: Ministro Barros Monteiro/ Julgado em 04.11.2004/ Publicado no DJ em 04.04.2005, p. 314)” (destacou-se).
“Ementa: Seguro-Saúde. Limite temporal de internação. Cláusula limitativa. Redação com destaque. – A Segunda Seção decidiu ser nula a cláusula limitativa do período de internação hospitalar do segurado (Art. 51 do CDC). – Vulnera a lei a decisão que considera válida cláusula limitativa de obrigação da estipulante, inserida no contrato sem destaque (art. 54, par. 4º, do CDC). Recurso conhecido e provido.” (Superior Tribunal de Justiça – Quarta Turma/ REsp 214.237/RJ/ Relator: Ministro Ruy Rosado de Aguiar/ Julgado em 02.08.2001/ Publicado no DJ em 27.08.2001, p. 341).
Para que se possa aceitar a limitação da responsabilidade, o consumidor pessoa jurídica deverá participar da negociação prévia da cláusula limitadora (geralmente uma pessoa jurídica de porte que tenha um corpo jurídico que possa analisar os riscos), já que nenhuma limitação é aceita se não existir uma contrapartida, a exemplo de preços mais atrativos, lapso de garantia maior ou mesmo maior prazo para a efetuação do pagamento. “Assim, deverá o juiz ter muita cautela no momento de analisar o que sejam 'situações justificáveis', devendo, sobretudo, observar se não foi rompido o equilíbrio contratual”[22].
5 Cláusula Abusiva de Impedimento de Reembolso
Anota o inciso II do artigo 51 do Código de Defesa do Consumidor[23] que é considerada como cláusula abusiva aquela que subtraía do consumidor a opção de reembolso da quantia já paga. Cuida anotar que a Legislação Consumerista em diversos momentos apresenta a previsão da possibilidade do consumidor ser reembolsado, consoante se extrai do inciso II do §1º do artigo 18, o inciso IV do artigo 19 e o inciso II do artigo 20. Outra hipótese consagrada no diploma legal supramencionado está relacionada ao direito de arrependimento exercitado pelo consumidor, cuja previsão legal encontra-se entalhada no artigo 49. O fundamento de tal previsão é a máxima antiga que veda o enriquecimento sem causa, extraída da atual Codificação Civil.
“Especificamente, o art. 53 do mesmo CDC estabelece a nulidade, nos contratos de financiamento em geral, da cláusula de decaimento ou perdimento, que encerra a perda de todas as parcelas pagas, mesmo nas hipóteses de inadimplemento”[24]. Na relação de consumo, prioriza-se o direito de informação do consumidor, dando, sobre tudo, relevância à fase pré-contratual para que, na execução do contrato, o vulnerável não se veja envolto de subterfúgios iníquos, típicos de contratos adesivos, que lhe coloquem em franca posição desfavorável, em benefício daquele que não precisa de tutela, o hipersuficiente. “O passageiro tem direito ao reembolso pela prestação do serviço não usufruída, sendo defeso ao fornecedor subtrair essa legítima pretensão”[25].
6 Cláusula Abusiva de Transferência de Responsabilidade pelo Fornecedor a Terceiros
Em comentários gerais, a responsabilidade do fornecedor é decorrente da lei, estabelecida nos cânones da tábua consumerista, logo, não é possível, por meio da utilização de cláusula abusiva, que aquele busque se eximir, transferindo sua responsabilidade a terceiros. Ora, a relação jurídica de consumo se verifica entre o fornecedor e o consumidor, que dela são sujeitos, devendo, portanto, as partes suportarem os ônus e obrigações decorrentes do contrato de consumo, incluindo-se o dever de indenizar. Ademais, não se pode olvidar que “o consumidor não tem nenhuma relação jurídica com terceiro, eventualmente designado pela cláusula para responder pelos danos causados pelo fornecedor”[26].
Deste modo, o inciso III do artigo 51 do Código de Defesa e Proteção do Consumidor[27] estabelece como abusivas tais cláusulas, sendo consideradas, a partir do expendido algures, nulas de pleno direito. É possível, destaque-se, que o fornecedor realize contrato de seguro com terceiro, objetivando garantir possível prejuízo causado relativamente àquele contrato de consumo. Nesta situação, resta consubstanciado caso de solidariedade legal entre o fornecedor e a seguradora, autorizando, via de consequência, o fornecedor, quando demando, a chamar a seguradora ao processo, com o fito de ambos serem condenados em sentença. “Como a condenação será solidária (art. 80, CPC), o consumidor poderá executar a sentença contra fornecedor e/ou seguradora, indistintamente”[28].
Com efeito, o direito de indenização em regresso, que de ordinário se estabelece entre segurado e seguradora, ensejaria o aforamento de ação de denunciação da lide, no sistema regido pelo Código de Processo Civil. Todavia, no regime norteado pelo Código de Defesa do Consumidor, a hipótese discutida acima permite chamamento ao processo por ficção legal. Garcia anota, com bastante pertinência, que “assim, por exemplo, é vedado às agências de turismo, fornecedoras diretas de pacotes turísticos, transferir a responsabilidade pelos danos causados ao consumidor ao hotel ou às companhias aéreas”[29]. Neste sentido, inclusive, colhe-se jurisprudência que assinala:
“Ementa: Responsabilidade Civil. Agência de viagens. Código de Defesa do Consumidor. Incêndio em embarcação. A operadora de viagens que organiza pacote turístico responde pelo dano decorrente do incêndio que consumiu a embarcação por ela contratada. Passageiros que foram obrigados a se lançar ao mar, sem proteção de coletes salva-vidas, inexistentes no barco. Precedente (REsp 287.849/SP). Dano moral fixado em valor equivalente a 400 salários mínimos. Recurso não conhecido”. (Superior Tribunal de Justiça – Quarta Turma/ REsp 291.384/RJ/ Relator: Ministro Ruy Rosado de Aguiar/ Julgado em 15.05.2001/ Publicado no DJ em 17.09.2001, p. 169) (sublinhou-se).
7 Cláusula Geral de Abusividade
Denota-se a preocupação do legislador infraconstitucional, inicialmente, em manter o equilíbrio contratual, motivo pelo qual o inciso IV do artigo 51 do Código de Defesa do Consumidor[30] traz à baila que são vedadas as obrigações iníquas (injustas, contrárias à equidade), abusivas (que atentem contra valores da sociedade ou coloquem o consumidor em desvantagem exagerada) ou mesmo que ofendam o princípio da boa-fé objetiva, a exemplo da falta de cooperação, de lealdade ou quando frustra a legítima confiança criada no consumidor, e a equidade que se materializa com a justiça do caso concreto. “O CDC, ao coibir a quebra da equivalência contratual e ao considerar abusivas cláusulas que coloquem o consumidor em 'desvantagem exagerada', está a resgatar a figura da lesão enorme e a exigir um dado objetivo do equilíbrio entre as prestações”[31].
Nesta esteira, infere-se que o inciso IV do artigo 51 da Legislação Consumerista[32] abarca verdadeira norma geral proibitória de todas as espécies de abusos contratuais, mesmo aqueles previstos, de maneira exemplificativa, nos demais incisos do mesmo dispositivo. Note-se, ainda, que “a boa-fé objetiva e a equidade são verdadeiras cláusulas gerais a ser observadas em todo e qualquer contrato de consumo”[33]. Desta feita, é imperioso ao intérprete da legislação, ao apreciar a situação concreta, ambicionar o verdadeiro equilíbrio entre as partes pactuantes, de maneira a alcançar a justiça contratual. Nesta toada, o Superior Tribunal de Justiça já se manifestou que:
“Ementa: Agravo Regimental no Recurso Especial. Contrato Bancário. Preliminares não acolhidas. Aplicação de Súmula cancelada. Impossibilidade. Súmulas 126/STJ e 283/STF. Inaplicabilidade. Fundamentos deliberados pela Corte de origem e devidamente atacados nas razões do Recurso Especial. Revisão de cláusula contratual e matéria probatória. Não ocorrência. Circunstâncias fáticas delineadas no Acórdão recorrido. Mérito. Juros remuneratórios não limitados à taxa de 12% A.A. […] é admitida a revisão das taxas de juros remuneratórios em situações excepcionais, desde que caracterizada a relação de consumo e que a cobrança abusiva (capaz de colocar o consumidor em desvantagem exagerada – art. 51, § 1º, do CDC) fique cabalmente demonstrada, ante as peculiaridades do julgamento em concreto. 5. Agravo regimental a que se nega provimento. (Superior Tribunal de Justiça – Quarta Turma/ AgRg no REsp 1.083.238/MS/ Relator: Ministro Raul Araújo/ Julgado em 14.08.2012/ Publicado no DJe em 03.09.2012)” (destacou-se).
“Ementa: Agravo Regimental em Recurso Especial. Direito do Consumidor. Rescisão de contrato de promessa de compra e venda de bem imóvel. Cláusula que condiciona a restituição das parcelas pagas ao término da obra. Abusividade. Precedentes. Súmula 83/STJ. Arras Confirmatórias. Vendedor que deu causa ao descumprimento contratual. Impossibilidade de Retenção. Devolução do valor do sinal, sob pena de enriquecimento sem causa. 1. Revela-se abusiva, por ofensa ao art. 51, incisos II e IV, do Código de Defesa do Consumidor, a cláusula contratual que determina, em caso de rescisão de promessa de compra e venda de imóvel, a restituição das parcelas pagas somente ao término da obra, haja vista que poderá o promitente vendedor, uma vez mais, revender o imóvel a terceiros e, a um só tempo, auferir vantagem com os valores retidos, além do que a conclusão da obra atrasada, por óbvio, pode não ocorrer. Precedentes. […] (Superior Tribunal de Justiça – Quarta Turma/ AgRg no REsp 997.956/SC/ Relator: Ministro Luís Felipe Salomão/ Julgado em 26.06.2012/ Publicado no DJe em 02.08.2012)” (sublinhou-se).
Denota-se que o Código de Defesa do Consumidor adotou, de maneira implícita, a cláusula geral de boa-fé, que deve considerar-se inserta e existente em todas as relações jurídicas de consumo, mesmo que não se encontre explicitada no instrumento contratual. “O princípio é universal e consta dos mais importantes sistemas legislativos ocidentais, em leis e normas de proteção ao consumidor”[34]. Destarte, incumbe ao magistrado, ao analisar a situação concreta, constatar se as partes envolvidas na avença (consumidor e fornecedor) atuaram fulcrados na boa-fé para a conclusão do negócio jurídico de consumo, a fim de observar se a cláusula colocada sob seu alvitre é ou não válida à luz do preceito legal em comento.
8 Cláusulas-Surpresa
O inciso V do artigo 51 do Código de Defesa do Consumidor[35] que compreendia a proibição das cláusulas-supresa foi vetado pelo Presidente da República, o que não significa, entrementes, que tal modalidade encontra descanso no ordenamento pátrio. “Muito ao contrário, continuam proibidas, porque contrárias à boa-fé, ao dever de informação do fornecedor, ofendem o direito de informação adequada do consumidor e o sistema de proteção do consumidor como um todo”[36]. Trata-se de instrumento empregado com o escopo exclusivo de salvaguardar o consumidor ingênuo e não informado, proteção que se encontra acinzelada no artigo 46 da Legislação Consumerista[37], que afixa ao fornecedor o ônus de informar o consumidor acerca do conteúdo efetivo do contrato, inclusive promovendo os esclarecimentos sobre exequíveis dúvidas, sob pena das disposições contidas na avença não terem o condão de obrigar o consumidor.
Com efeito, há que se sublinhar que a surpresa sobre determinada circunstância contratual pode ter sua gênese não apenas na má-fé do fornecedor na conclusão do contrato e da ausência de esclarecimento adequado sobre o conteúdo do contrato. Ao contrário, pode se originar da redação obscura, dúbia ou contraditória de uma ou mais cláusulas. “A redação clara e de fácil compreensão também é princípio que deve ser observado para que o contrato de consumo tenha eficácia relativamente ao consumidor”[38]. Garcia[39] obtempera que as cláusulas-surpresa são aquelas que surpreendem o consumidor, eis que inviabilizam a correta informação sobre as suas consequências, não permitindo, deste modo, que o consumidor celebre um contrato de maneira consciente.
Insta realçar que a vedação ao emprego de cláusula-surpresa guarda consonância com a cláusula geral de boa-fé, consagrada no inciso IV do artigo 51 do Diploma Consumerista. Em ambos os casos, é plenamente possível verificar uma técnica de interpretação da relação jurídica de consumo, bem como se revelam como verdadeiros e abrangentes corolários negativos da validade e eficácia do contrato de consumo. Isto é, as cláusulas contratuais, imperiosamente, devem observar, como flâmula norteadora, os preceitos de boa-fé e equidade, não devem provocar surpresas ao consumidor após a conclusão do negócio, porquanto este realizou a pactuação sob determinadas circunstâncias, em decorrência da aparência global ostentada pelo contrato.
É curial anotar que para a estipulação ser considerada como cláusula-surpresa vedada pelo sistema consumerista regente, não basta apenas que a avença apresente conteúdo complexo ou complicado; ao reverso, mister se faz que ejete um efeito de surpresa ou burl. “Importará aqui, sobremodo, a experiência negocial e o estágio de conhecimento do consumidor, bem como o contexto da economia e os tipos de contrato”[40]. Hodiernamente, o ônus de provar a ausência da surpresa recai sobre o fornecedor, já que ele detém o dever de informação e esclarecimento sobre o conteúdo da pactuação. Ademais, o consumidor usufrui da inversão do ônus da prova, contida no artigo 6º, inciso VIII, do Código de Defesa e Proteção do Consumidor.
9 Cláusula Abusiva de Inversão Prejudicial do Ônus da Prova
A Legislação Consumerista consagra um robusto instrumento de proteção ao consumidor, consistente na inversão do ônus da prova nas demandas assentadas em produtos ou serviços. “Diante dessa natureza, obviamente, é nula por abusividade a cláusula que estabeleça a citada arma [a inversão do ônus da prova] em prejuízo ou contra o próprio consumidor”[41]. Ora, por motivos que saltam aos olhos, a inversão do ônus da prova é empregada como o fito exclusivo de equilibrar a relação, porquanto se fosse possível a inversão do ônus da prova em desfavor do consumidor, restaria consubstanciada uma maciça disparidade.
De igual maneira, são proibidas as cláusulas de inversão do ônus da prova que projetem a certeza ou refutabilidade da existência ou inexistência de um específico fato, à custa de declaração do consumidor, como bem estatui o inciso VI do artigo 51 do Código de Defesa do Consumidor. “Manifestação dessa proibição se encontra na cláusula que transfira para o consumidor o ônus de provar que não foi adequadamente esclarecido pelo fornecedor sobre o conteúdo e consequência do contrato”[42]. No mais, não se pode olvidar que, em razão da consagração da responsabilidade objetiva do fornecedor/prestador, tornou-se despicienda a necessidade do consumidor provar a culpa daqueles. Assim sendo, a cláusula que estabeleça o ônus da prova da culpa ao consumidor se revela como algo manifestamente excessivo, configurando maciço vilipêndio ao sistema consumerista.
10 Cláusula Abusiva de Arbitragem Compulsória
A escolha pelas partes de um árbitro com o escopo de solucionar as lides existentes entre elas não materializa renúncia ao direito de ação nem mesmo ofende o princípio constitucional do juiz-natural. Ao revés, com a celebração do compromisso arbitral, as partes tão somente estão promovendo a deslocação da jurisdição, que, via de regra, é exercida pelo órgão estatal, para um destinatário privado. Nesta toada, o compromisso arbitral se apresenta como o negócio jurídico por meio do qual os pactuantes se obrigam a instituir juízo arbitral fora da jurisdição estatal e a colocar-se à decisão do(s) árbitro(s) por eles nomeado(s), podendo ser judicial ou extrajudicial. Deste modo, pelo compromisso estabelecido não são criados, modificados ou conservados direitos, atuando tão apenas como causa extintiva de obrigação tão logo seja proferida a sentença arbitral.
Segundo Tartuce e Neves[43], a arbitragem encontra-se restrita aos direitos patrimoniais disponíveis, não alcançando, por conseguinte, os direitos da personalidade ou inerentes à dignidade da pessoa humana. “Com efeito, normalmente, no momento da contratação, faltam informações suficientes ao consumidor para que possa optar, de forma livre e consciente, pela adoção da arbitragem como meio de solucionar futuro conflito de consumo”[44]. Denota-se, desta sorte, que vedação à cláusula compulsória de arbitragem encontra sedimento justamente na proteção dos direitos do consumidor, alçado ao status constitucional, os quais se aproximam dessa gama de direitos existenciais atinentes à proteção da pessoa. Vale salientar que, nos contratos de consumo, a instituição de cláusula de arbitragem se revela plenamente possível, desde que observe, de modo efetivo, a bilateralidade na contratação e a forma da manifestação da vontade.
11 Cláusula Abusiva de Representante Imposto
O Diploma Consumerista veda a utilização da cláusula-mandato, por meio da qual o fornecedor estabelece a nomeação de um mandatário impositivo ao consumidor. “A cláusula é considerada abusiva pela presunção absoluta de um desequilíbrio, afastando do vulnerável negocial o exercício efetivo de seus direitos”[45]. Assim, não poderá o fornecedor, valendo-se da fragilidade e da vulnerabilidade apresentadas pelo consumidor, impor representante para firmar negócio jurídico em seu nome. Ressoando tais valores, o Superior Tribunal de Justiça construiu o verbete da Súmula Nº 60 que estabelece: “é nula a obrigação cambial assumida por procurador mandatário vinculado ao mutuante, no exclusivo interesse”[46]. Denota-se, portanto, que o verbete ora mencionado buscou, arrimado nos dogmas influenciadores das normas consumeristas, combater a autocontratação. Ademais, colacionam-se os pertinentes arestos:
“Ementa: Processo Civil. Recurso Especial. Agravo Regimental. Contrato Bancário. Nota Promissória. Cláusula-Mandato. Violação ao art. 51, IV, CDC. Súmula 60/STJ. Nulidade. Desprovimento. 1 – É nula a cláusula contratual em que o devedor autoriza o credor a sacar, para cobrança, título de crédito representativo de qualquer quantia em atraso. Isto porque tal cláusula não se coaduna com o contrato de mandato, que pressupõe a inexistência de conflitos entre mandante e mandatário. Precedentes (REsp 504.036/RS e AgRg Ag 562.705/RS). 2 – Ademais, a orientação desta Corte é no sentido de que a cláusula contratual que permite a emissão da nota promissória em favor do banco/embargado, caracteriza-se como abusiva, porque violadora do princípio da boa-fé, consagrado no art. 51, inciso IV do Código de Defesa do Consumidor. Precedente (REsp 511.450/RS). 3 – Agravo regimental desprovido. (Superior Tribunal de Justiça – Quarta Turma/ AgRg no REsp 808.603/RS/ Relator: Ministro Jorge Scartezzini/ Julgado em 04.05.2006/ Publicado no DJ em 29.05.2006, p. 264).”
“Ementa: Contrato bancário. Julgamento extra petita. Não ocorrência. Taxa de juros. Limitação. Abusividade. Não ocorrência. Capitalização. Cabimento. Comissão de permanência. Cobrança. Admissibilidade. Compensação. Repetição do indébito. Prova de erro no pagamento. Desnecessidade. Depósito judicial de valores. Possibilidade. Cobrança de encargos excessivos. Mora. Descaracterização. Cadastro de inadimplentes. Inscrição. Possibilidade. Cláusula mandato. Súmula 60/STJ. […] IX – É nula a cláusula contratual que prevê a outorga de mandato para criação de título cambial. Inteligência da Súmula 60/STJ. Recurso especial provido em parte. (Superior Tribunal de Justiça – Terceira Turma/ REsp 788.045/RS/ Relator Ministro Castro Filho/ Julgado em 21.02.2006/ Publicado no DJ em 10.04.2006, p. 191).”
12 Cláusula Abusiva de Opção de Conclusão do Negócio
É vedada, segundo o Código de Defesa do Consumidor, a constituição de cláusula que conceda ao fornecedor a opção exclusiva para, a seu bel talante, conclua ou não o contrato e que, concomitantemente, obrigue ao consumidor a aceitar a opção do fornecedor. “Vê-se a preocupação da lei em dirigir o contrato de consumo para o ponto de equilíbrio ideal entre o fornecedor e consumidor”[47]. Denota-se, assim, que a Legislação Consumerista estabelece um importante controle sobre o direito de resilição contratual, encerrando, por mais uma vez, uma cláusula de natureza puramente potestativa. “No conteúdo do inciso [inciso IX do artigo 51 do Código de Defesa do Consumidor] há uma clara vedação da falta da equivalência contratual, em que o fornecedor tem um direito sem a devida correspondência jurídica em relação à outra parte”[48].
Como bem pondera Garcia[49], o fornecedor não poderá inserir cláusula desobrigando-o de cumprir o contrato, porém obrigando apenas o consumidor, eis que restaria ferido o equilíbrio contratual. Insta rememorar que o fornecedor se obriga, seja por qualquer informação prestada, seja por publicidade, a cumprir, nos termos do artigo 30 da Lei Consumerista. No mais, com clareza solar, há que se evidenciar que o vocábulo concluir, empregado pela Legislação Consumerista, tem seu sentido atrelado a formar ou constituir o negócio jurídico, tendo o comando incidência na fase pré-contratual ou da oferta.
13 Cláusula Abusiva de Variação Unilateral do Preço
Em altos alaridos, o Código de Defesa do Consumidor, em seu artigo 51, inciso X[50], estabelece como cláusula abusiva aquela que concede permissão ao fornecedor de alterar, ao seu bel talante, o preço no contrato de consumo. Salta aos olhos que tal disposição desencadearia um robusto desequilíbrio na relação jurídica, eis que privilegiaria o fornecedor em detrimento do consumidor. Desta feita, “são inválidas cláusulas que deixam para o fornecedor, de forma livre, a escolha de índices do reajuste do contrato (pois é claro que sempre escolherá a maior), bem como as que possibilitam a alteração unilateral da taxa de juros”[51].
Saliente-se, oportunamente, que estão incluídas na proibição consagrada no dispositivo legal supramencionado a alteração unilateral das taxas de juros e outros encargos. “Havendo modificação no modelo da economia nacional, as partes devem reavaliar as bases do contrato, com possibilidades de alteração no preço e taxas de juros e outro encargos, de modo bilateral, discutindo de igual para igual as novas situações”[52]. Nesta senda de exposição, cuida trazer à colação o entendimento firmado pelo Desembargador Orlando Heemann, ao relatoriar a Apelação Cível Nº 70016338998, segundo o qual pondera que a “comissão de permanência indevida, porque não provada a contratação relativa à conta-corrente, traduzindo em regra variação unilateral do preço do dinheiro tomado”[53]. Assinale-se que a variação deve ser decorrente do comum acordo dos pactuantes, a fim de preservar o equilíbrio contratual almejado pela legislação consumerista.
14 Cláusula Abusiva de Cancelamento Unilateral do Contrato
Uma vez aperfeiçoada a celebração do contrato, os contratantes têm o dever de cumprir com as obrigações avençadas. Desta sorte, possibilitar a apenas uma das partes, in casu o fornecedor, a opção de cancelar o contrato (resilição), causaria um grave desequilíbrio na relação, porquanto geraria sensação de insegurança e incerteza ao consumidor. “Reside por igual no conteúdo da norma a máxima que veda o comportamento contraditório, relacionado à boa-fé objetiva e às justas expectativas depositadas no negócio jurídico (venire contra factum proprium non potest)”[54]. “É abusiva a cláusula contratual que prevê a possibilidade de cancelamento unilateral do contrato de seguro”[55]. Remansosa é a jurisprudência que abaliza as ponderações expendidas até o momento, consoante se infere:
“Ementa: Apelação Cível. Seguro de Vida. Notificação com proposta de migração para outro plano. Descontinuidade do pacto. Impossibilidade. Abusividade da rescisão unilateral. Apelo improvido. Mostra-se abusiva a rescisão unilateral pretendida pela seguradora, com base em readequação atuarial, impondo-se a manutenção do contrato de seguro de vida em questão, com os reajustes do prêmio e dos capitais segurados, nos moldes iniciais. Desproveram o apelo. Unânime. (Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul – Sexta Câmara Cível/ Apelação Cível Nº 70024650822/ Relator: Desembargador Artur Arnildo Ludwig/ Julgado em 27.05.2010)” (destacou-se).
“Ementa: Apelação Cível. Seguro de vida em grupo e acidente pessoais. Sucessivas renovações automáticas. Rescisão unilateral. Impossibilidade. Vínculo de trato sucessivo. CDC. Princípio da confiança. Manutenção do contrato. Sentença mantida. Honorários majorados. Tratando-se de típica relação de consumo, caracterizada pela vulnerabilidade da contratante, implica nulidade da cláusula que ampara o rompimento unilateral do contrato, desprovido de justificativa plausível. Mostra-se arbitrária e descompromissada a conduta da seguradora, ferindo os princípios basilares dos contratos, mormente o da confiança. […] Proveram o recurso adesivo. (Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul – Sexta Câmara Cível/ Apelação Cível Nº 70032628422/ Relator: Desembargador Artur Arnildo Ludwig/ Julgado em 22.04.2010)” (sublinhou-se).
“Ementa: Apelação Cível. Ação Declaratória. Seguro de Vida. Rescisão unilateral do contrato. Afastamento. Manutenção do contrato. É abusiva cláusula que prevê a possibilidade de não renovação de contrato securitário, máxime considerando-se que o pacto está em vigência há muitos anos. O contrato de seguro de vida é de trato sucessivo, a renovação automática da apólice é da natureza do negócio, por isso a intenção de não renovar viola os princípios da boa-fé objetiva e da segurança nas relações jurídicas, com ofensa, ainda, às regras consumeristas. Renovação do contrato nos moldes originalmente contratado pelas partes. Apelo desprovido. (Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul – Sexta Câmara Cível/ Apelação Cível Nº 70026617027/ Relatora: Desembargadora Liege Puricelli Pires/ Julgado em 11.12.2008)” (grifou-se).
Entretanto, não basta a mera previsão de cláusula permitindo a resilição pelo consumidor para legitimar o cancelamento unilateral do contrato pelo fornecedor. Tal fato decorre da premissa que o fornecedor se vale desse artifício para, ao cancelar o contrato com o consumidor, ofertar outro com preço maior. Diante da situação concreta, imperiosamente há que se analisar o direito de resilir o contrato e se este não foi feito em descompasso com o corolário da boa-fé objetivo ou mesmo arrimado em abuso de direito. Como bem anota Garcia, no tocante às relações bancárias, “a jurisprudência já pacificou que o correntista tem o direito de ser informado previamente da extinção do contrato do cheque especial, diante da gravidade dos efeitos que decorrem da emissão de novos cheques pelo cliente, que confia na continuidade de contrato”[56].
Verifica-se que o escopo fundante do inciso XI do artigo 51 do Código de Defesa do Consumidor[57] está assentado em assegurar ao consumidor e ao fornecedor em posição contratual de igualdade e equilíbrio, a fim de combater que esse se utilize da hipossuficiência apresenta por aquele. Essa hipossuficiência garante ao consumidor a interpretação mais favorável das cláusulas contratuais, além da possibilidade de declaração de ofício da nulidade de cláusula contratual abusiva, a fim de proteger-lhe das práticas abusivas decorrentes da massificação dos contratos.
15 Cláusula Abusiva de Ressarcimento de Custos
Ao esmiuçar o tema em debate, quadra destacar que o Código de Defesa do Consumidor não traz qualquer vedação a estipulação que impõe ao consumidor o pagamento das despesas provenientes de cobrança, em razão de inadimplemento, mas afixa que tal determinação seja uma via recíproca. Desta feita, a disposição contratual só será válida se trouxe cláusula que estabeleça a mesma imposição ao fornecedor. “Cláusula que confira somente ao fornecedor o direito de se ressarcir dos gastos com cobrança é considera abusiva e, portanto, nula de pleno direito”[58]. Em mesmo sentido, já se decidiu que “a cláusula estipulando multa para o ressarcimento de eventuais despesas na cobrança da dívida em caso de inadimplemento é abusiva”[59]. Oportunamente, há que se colacionarem os arestos que se harmonizam com as ponderações expendidas:
“Ementa: Apelação Cível. Alienação Fiduciária. Ação de busca e apreensão. Ação revisional. Possibilidade de Revisão e de aplicabilidade do CDC. Afastamento de cláusulas reputadas abusivas sob essa ótica. Juros remuneratórios […] Cobrança de Honorários extrajudiciais. É abusiva a cobrança de honorários advocatícios extrajudiciais, em cumulação com encargos de inadimplemento previstos no contrato. Repetição de Indébito. Viável, na forma simples, por aplicação do CDC. Admissível a compensação. Apelação provida em parte. (Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul – Segunda Câmara Especial Cível/ Apelação Cível Nº 70004693768/ Relatora: Desembargadora Marilene Bonzanini Bernardi/ Julgado em 25.03.2003)” (sublinhou-se).
Em muitas situações concretas, todavia, não basta existir cláusula de ressarcimento de custos de cobrança em favor do consumidor para legitimar a cobrança pelo fornecedor. Nesta esteira, é imprescindível avaliar, substancialmente, se a estipulação existente atenta contra o corolário da boa-fé objetiva ou, ainda, encontra descanso no abuso do direito, por parte do fornecedor. Ademais, há que se destacar que “cláusula que confira somente ao fornecedor o direito de ser ressarcido dos gastos com a cobrança, em razão do inadimplemento do consumidor é considera abusiva. Assim, tal direito deve ser concedido também ao consumidor, de modo a manter o equilíbrio nas relações consumeristas”[60].
16 Cláusula Abusiva de Modificação Unilateral do Contrato
Em razão das justas expectativas depositadas na avença pactuada, é proibido ao fornecedor implementar modificações, de maneira unilateral, sem que haja robusto motivo. “Toda alteração contratual, superveniente à conclusão do contrato de consumo, deve ser discutida gré à gré entre fornecedor e consumidor”[61]. Não é lícita a disposição contratual que conceda ao fornecedor o direito de alterar unilateralmente o conteúdo ou a qualidade do contrato, mediante estipulações como modificação do preço, prazo de entrega do produto ou serviço, prazo ou bases de garantia contratual, taxas de juros e outras espécies de encargos financeiros.
17 Cláusula Abusiva de Violação de Normas Ambientais
Como é cediço, o direito ao meio ambiente é bem jurídico que encontra arrimo no artigo 225 da Constituição Federal[62], sendo elencado como dever de toda a coletividade sua preservação. “Em vista disso, toda cláusula que possibilitar, em tese, a prática de ato ou celebração de negócio jurídico que tenha potencialidade para ofender o meio ambiente é considerada abusiva pelo CDC”[63]. Com efeito, há que se salienta que é despicienda a ofensa real ao meio ambiente, bastando para a caracterização da abusividade que a cláusula possibilite a ofensa ambiental. “Não se admite que cláusulas contratuais possam causar danos ao meio ambiente, ainda que sejam benéficas ao consumidor”[64].
Insta ponderar que a vedação alcança, ainda, as cláusulas que estejam em desalinho com as normas ambientais, legais ou administrativas. Os termos meio ambiente e normas ambientais são empregados em sua acepção ampla, abarcando neles o meio ambiente natural, também denominado de meio ambiente físico, constituído pelo solo, água, ar, flora e fauna; meio ambiente urbanístico, formado pelo conjunto de edificações (espaço urbano) e equipamento públicos (ruas, praças, áreas verdes); meio ambiente cultural, integrado pelo patrimônio histórico, artístico, arqueológico, paisagístico e turístico; e o meio ambiente do trabalho, que abarca a proteção do homem em seu local de trabalho, com atenção às normas de segurança. Está atrelado à saúde, prevenção de acidentes e dignidade da pessoa humana, bem como salubridade e condições de exercício saudável do trabalho.
18 Cláusula em Desacordo com o Sistema de Proteção ao Consumidor
O inciso XV do artigo 51 do Código de Defesa do Consumidor[65] consagra afixa que qualquer cláusula que conflitue com o sistema de proteção ao consumidor, conferindo ao magistrado, ao apreciar a situação concreta, ampla margem de discricionariedade, a fim de amoldar a acepção de disposição em desacordo com o sistema de proteção ao consumidor. “Esse sistema não está contemplado apenas pelo CDC, mas também por qualquer norma que tutele, ainda que indiretamente,o consumidor”[66]. À fim de ilustrar tais ponderações, pode-se assinalar a cláusula de eleição de foro, inserida em contrato de consumo, porquanto, como é cediço, trata de disposição que escolhe o juízo competente para apreciar possível conflito envolvendo os pactuantes.
O legislador infraconstitucional, ao arquitetar a Legislação Consumerista, concedeu ao magistrado o poder-dever de proceder a anulação, ex officio, da cláusula contratual que contenha eleição de foro, inserta em contrato de adesão, quando esta se apresentar como eivada de abusividade. Insta frisar que tal disposição contratual torna dificultoso ao aderente empreender sua defesa em juízo, sem a relação jurídica decorrente de consumo, ou não. Com o escopo de robustecer as ponderações já estruturadas, cuida transcrever paradigmáticos entendimentos do Superior Tribunal de Justiça, os quais guardam robusta pertinência:
“Ementa: Processo Civil e Consumidor. Contrato de compra e venda de máquina de bordar. Fabricante. Adquirente. Vulnerabilidade. Relação de consumo. Nulidade de cláusula eletiva de foro. 1. A Segunda Seção do STJ, ao julgar o REsp 541.867/BA, Rel. Min. Pádua Ribeiro, Rel. p/ Acórdão o Min. Barros Monteiro, DJ de 16/05/2005, optou pela concepção subjetiva ou finalista de consumidor. 2. Todavia, deve-se abrandar a teoria finalista, admitindo a aplicação das normas do CDC a determinados consumidores profissionais, desde que seja demonstrada a vulnerabilidade técnica, jurídica ou econômica. […] 4. Nesta hipótese, está justificada a aplicação das regras de proteção ao consumidor, notadamente a nulidade da cláusula eletiva de foro. 5. Negado provimento ao recurso especial. (Superior Tribunal de Justiça – Terceira Turma/ REsp 1.010.834/GO/ Relatora: Ministra Nancy Andrighi/ Julgado em 03.08.2010/ Publicado no DJe em 13.10.2010)” (destacou-se).
“Ementa: Processual Civil. Contrato de consórcio. Cláusula de eleição de foro. Nulidade. Domicilio do consumidor. Parte hipossuficiente da relação. Foro eleito. 1. A jurisprudência do STJ firmou-se, seguindo os ditames do Código de Defesa do Consumidor, no sentido de que a cláusula de eleição de foro estipulada em contrato de consórcio há que ser tida como nula, devendo ser eleito o foro do domicílio do consumidor a fim de facilitar a defesa da parte hipossuficiente da relação. 2. Agravo regimental desprovido. (Superior Tribunal de Justiça – Quarta Turma/ AgRg no Ag 1.070.671/SC/ Relator: Ministro João Otávio de Noronha/ Julgado em 27.04.2010/ Publicado no DJe em 10.05.2010)” (grifou-se).
Em razão de aludida cláusula colocar o consumidor em situação de desvantagem, bem como arrimado nos princípios protecionistas que agasalham a figura do consumidor, tal disposição é considerada como nula, eis que materializa verdadeira abusividade. Ademais, ao se considerar o caráter impositivo que emolduram as leis de ordem pública, preponderante, inclusive, no âmbito das relações privadas, tem-se que, na hipótese de relação jurídica regida pelo Código de Defesa e Proteção do Consumidor, o magistrado, ao se deparar com a abusividade da cláusula contratual de eleição de foro, esta subentendida como aquela que efetivamente inviabilize ou dificulte a defesa judicial da parte hipossuficiente, deve necessariamente declará-la nula, por se tratar, nessa hipótese, de competência absoluta do Juízo em que reside o consumidor. “Não é o só fato de a relação jurídica ser de índole consumerista que ensejará a nulidade da cláusula de eleição. De tal pacto deve resultar desequilíbrio contratual a ponto de dificultar o acesso de uma das partes ao judiciário”[67].
19 Cláusula Abusiva de Renúncia à Indenização por Benfeitorias Necessárias
Benfeitorias necessárias, inicialmente, são aquelas que apresentam como escopo primitivo conservar a coisa ou mesmo evitar que esta se deteriore, introduzindo melhoramentos a um bem principal. “Diante da relação de essencialidade, com o bem principal, o Código de Defesa do Consumidor deduz como abusiva a cláusula de renúncia às benfeitorias necessárias”[68], eis que não se pode suplantar a presunção de boa-fé que prospera em favor do consumidor, o qual tem o condão de gerar o direito de indenização por tais benfeitorias. Tal previsão usufrui de grande aplicação prática, em situações atinentes a compromissos de compra e venda de imóveis celebrados por incorporadoras ou mesmo por outros profissionais que são inadimplidos pelos consumidores, sendo imperioso o reconhecimento do direito de tais benfeitorias.
Garcia pontua que “os contratos de locação predial urbana não estão submetidos aos dispositivos do CDC. Isso porque o art. 35 da Lei nº 8.245/91 (lei que dispõe sobre as locações prediais urbanas) possibilita que a cláusula contratual exclua o dever de indenização pelas benfeitorias necessárias”[69]. O Ministro Edson Vidigal, ao relatoriar o Recurso Especial Nº. 266.625/GO, decidiu que “não se aplica às locações prediais urbanas reguladas pela lei 8.245/91, o Código do Consumidor”[70]. Em mesmo sentido, colaciona-se:
“Ementa: Locação. Lei 8.245/91. Retenção e indenização por benfeitorias. Código de Defesa do Consumidor. Lei 8.078/90. Inaplicabilidade. Não é nula, nos contratos de locação urbana, a cláusula que estabelece a renúncia ao direito de retenção ou indenização por benfeitorias. Não se aplica às relações regidas pela Lei 8.245/91, porquanto lei específica, o Código do Consumidor." Recurso conhecido e provido. (Superior Tribunal de Justiça – Quinta Turma/ REsp 575.020/RS/ Relator: Ministro José Arnaldo da Fonseca/ Julgado em 05.10.2004/ Publicado no DJ em 08.11.2004, p. 273)” (destacou-se).
Informações Sobre o Autor
Tauã Lima Verdan Rangel
Doutorando vinculado ao Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Direito da Universidade Federal Fluminense (UFF), linha de Pesquisa Conflitos Urbanos, Rurais e Socioambientais. Mestre em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidade Federal Fluminense. Especializando em Práticas Processuais – Processo Civil, Processo Penal e Processo do Trabalho pelo Centro Universitário São Camilo-ES. Bacharel em Direito pelo Centro Universitário São Camilo-ES