Resumo: A democracia teve sua importância reconhecida em vários tratados e declarações de Direitos, como um direito fundamental do cidadão e dever dos Estados, o que revela um consenso universal sobre a sua imprescindibilidade para um governo pautado no respeito aos Direitos Humanos e Direitos Fundamentais. Mas, em um caráter muito mais amplo e efetivo tal qual proposto pelo filósofo e sociólogo da segunda geração da Escola de Frankfurt, Jürgen Habermas, em que a democracia se relaciona diretamente com a proteção efetiva dos direitos fundamentais. A efetivação destes direitos se torna fator imprescindível para se obter as condições adequadas para realização do discurso, no âmbito da esfera pública e se alcançar o consenso, e consequentemente a política deliberativa originada num procedimento verdadeiramente democrático. O sucesso deste conceito parte do reconhecimento dos direitos fundamentais como condição imprescindível para a realização do processo democrático, razão pela qual foi adotado pela Organização das Nações Unidas e pela União das Nações Sul-Americanas (UNASUL).
Palavras-chave: Filosofia do Direito; Democracia substancial; Direitos fundamentais; Habermas.
Abstract: Democracy had recognized its importance in various treaties and declarations of rights, as a citizen's fundamental right and duty of states, which reveals a universal consensus about its indispensability to one based on respect for Human Rights and Fundamental Rights Government. But in a much broader and more effective character as is proposed by the philosopher and sociologist of the second generation of the Frankfurt School, Jürgen Habermas, in which democracy is directly related to the effective protection of fundamental rights. The realization of these rights becomes essential factor to give the right conditions for the realization of discourse within the public sphere and reaching consensus, and hence deliberative politics originated in a truly democratic procedure. The success of this concept stems from the recognition of fundamental rights as essential condition for the realization of the democratic process which is why it was adopted by the United Nations and the Union of South American Nations (UNASUR).
Keywords: Philosophy of law; Substantial democracy; Fundamental rights; Habermas.
Sumário: Introdução. 1. A importância dos conceitos de esfera pública e política deliberativa. 2. O sentido substancial do conceito de democracia. 3. As contribuições de Habermas para o conceito substancial de democracia. Conclusão. Referências.
Introdução
O autor, Jürgen Habermas, filósofo e sociólogo, nascido na Alemanha, em Düsseldorf, em 18 de junho de 1929, membro da Escola de Frankfurt, dedicou sua vida ao estudo da democracia, especialmente através de suas teorias do agir comunicativo, da política deliberativa e da esfera pública.
O presente artigo visa discutir a contribuição de Habermas para o atual conceito de democracia material ou substancial tão presente nos novos manuais de Direito Constitucional. Para tanto no primeiro capítulo são apresentados os conceitos de esfera pública e política deliberativa, a fim de possibilitar o entendimento do conceito de democracia deliberativa ou discursiva proposto por Habermas.
No segundo capítulo, visto as premissas do conceito habermasiano de democracia, buscou-se verificar o atual conceito de democracia substancial o qual se constrói a partir da necessidade de proteção de direitos fundamentais, gerando um aprimoramento qualitativo da democracia formal, que se sustenta apenas num sentido quantitativo.
No terceiro capítulo, foram apresentadas as contribuições dos principais conceitos de Habermas para a construção e consolidação do conceito substancial ou material de democracia, o qual pauta-se no respeito efetivo aos direitos fundamentais, como forma de garantir as condições adequadas para realização do discurso, pilar da política deliberativa e do processo democrático.
Por fim, apresentam-se as conclusões, no intuito de contribuir para a compreensão dos conceitos de democracia substancial a partir das premissas conceituais de Habermas, tais como condições do discurso, política deliberativa, esfera pública e a relação intrínseca entre democracia e direitos fundamentais. A pertinência e adequação deste conceito como forma ideal de organização social que privilegia o desenvolvimento das pessoas enquanto ser humano e enquanto cidadãos se evidencia na sua adoção pela Organização das Nações Unidas e pela União das Nações Sul-Americanas (Unasul), importante foro de integração da América do Sul, entre os povos deste continente.
1. A importância dos conceitos de esfera pública e política deliberativa
De fundamental importância para a compreensão do pensamento de Habermas é o conceito de esfera pública, a qual se apresenta como o palco onde se exerce o agir comunicativo e o local onde o debate e a deliberação acontecem.
Habermas define esfera pública: “Esfera ou espaço público é um fenômeno social elementar do mesmo modo que a ação, o ator, o grupo ou a coletividade; porém, ele não é arrolado entre os conceitos tradicionais elaborados para descrever a ordem social. […] A esfera pública pode ser descrita como uma rede adequada para a comunicação de conteúdos, tomadas de posição e opiniões; nela os fluxos comunicacionais são filtrados e sintetizados, a ponto de se condensarem em opiniões públicas enfeixadas em temas específicos” (HABERMAS, 2003, p. 92).
Assim, a esfera pública é onde se exercem as condições do discurso e consequentemente exsurge a democracia e os seus resultados, tais como, o controle da Administração, a participação dos cidadãos e um direito legítimo, por ser pautado no consenso.
Importante registrar a relação entre esfera pública e política deliberativa: “O jogo que envolve uma esfera pública, baseada na sociedade civil e a formação da opinião e da vontade institucionalizada no complexo parlamentar (e na prática de decisão dos tribunais), forma um excelente ponto de partida para a tradução sociológica do conceito de política deliberativa” (HABERMAS, 2003, p. 104).
O entrelaçamento dos conceitos de política deliberativa e esfera pública indicam a opção do autor pela soberania do povo em oposição a um modelo de gerenciamento centralizado na figura do Estado. Portanto, estes conceitos possibilitam uma valorização do povo, dos canais de comunicação e no respeito aos direitos fundamentais.
Na visão de Habermas, a política deliberativa: “[…] consiste precisamente numa rede de discursos e de negociações, a qual deve possibilitar a solução racional de questões pragmáticas, morais e éticas – que são precisamente os problemas acumulados de uma fracassada integração funcional, moral e ética da sociedade” (HABERMAS, 2003, p. 47).
Destarte, estão formadas as bases para o conceito habermasiano de democracia deliberativa ou discursiva, à medida que “o poder político só pode desenvolver-se através de um código jurídico institucionalizado na forma de direitos fundamentais” (HABERMAS, 2003, p. 171).
Os direitos fundamentais são condições para o processo político democrático, de forma que a democracia nasce da observância aos direitos fundamentais, como também sua manifestação deve ser para a defesa de direitos fundamentais, fechando um ciclo (HABERMAS, 2003, p. 158).
Tal conceito exerce importante influência sobre vários autores na construção de um conceito de democracia substancial ou material, conforme é possível notar na definição de democracia substancial proposta por Lênio Luis Streck: “Se as normas formais da Constituição – aquelas que disciplinam a organização dos poderes públicos – garantem a dimensão formal da democracia política, que tem relação com o “quem” e o “como” das decisões, suas normas substantivas – as que estabelecem os princípios e os direitos fundamentais – garantem o que se pode chamar de dimensão material da “democracia substancial”, uma vez que se refere ao conteúdo que não pode ser decidido e ao que deve ser decidido por qualquer maioria, obrigando a legislação sob pena de invalidade a respeitar os direitos fundamentais e aos demais princípios axiológicos por ela estabelecidos”. (STRECK, 2009 apud NOVELINO, 2011, p. 365).
O conceito material de democracia proposto e desenvolvido pelos doutrinadores contemporâneos partem da visão habermasiana de democracia deliberativa, buscando uma democracia efetiva, que vá além do simples voto nas eleições, mas que acolha um sentido substancial de proteção de direitos fundamentais.
Neste sentido, Habermas explica: “A ideia básica é a seguinte: o princípio da democracia resulta da interligação que existe entre o princípio do discurso e a forma jurídica. Eu vejo esse entrelaçamento como uma gênese lógica de direitos, a qual pode ser reconstruída passo a passo” (HABERMAS, 2003, p. 158).
Desta forma, um sistema que se autointitula democrático somente se constituirá em uma democracia se pautar sobre um procedimento discursivo construído sobre o respeito aos direitos fundamentais, de modo que todas as pessoas possam participar do debate, em condições de igualdade.
Assim, Habermas esclarece: “O princípio kantiano, que estatui um direito às liberdades subjetivas de ação, pode ser entendido da seguinte maneira: deve ser constituído um código jurídico na figura de direitos subjetivos, os quais imunizam os sujeitos jurídicos contra a imputação da liberdade comunicativa. Entretanto, o princípio jurídico não exige apenas o direito a liberdades subjetivas em geral, mas também iguais liberdades subjetivas. A liberdade de cada um deve poder conviver com a igual (gleiche) liberdade de todos, segundo uma lei geral” (HABERMAS, 2003, p. 156).
A liberdade comunicativa deve ser exercida por todos em condições de igualdade, ampliando a esfera pública e os participantes do discurso, em busca de uma política deliberativa que reflita verdadeiramente a essência da democracia.
2. O sentido substancial do conceito de democracia
A democracia é um dado cultural, construída pelo homem, de modo que se caracteriza como um complexo fenômeno social que busca consenso entre as pessoas, em relação aos rumos de um governo. A complexidade de tal fenômeno não pode ser reduzida a um simples critério matemático de maioria de vontades individuais para se determinar o rumo de uma nação.
A própria História já mostrou inúmeros casos do fracasso da vontade majoritária, ao se permitir a perpetração de horrores como o nazismo e o holocausto. E ainda hoje se vivencia uma realidade de exclusão pela vontade majoritária, grupos “diferentes” do padrão seguido por uma maioria são excluídos da participação social e vítimas de preconceito social e discriminação, o que não condiz com o princípio democrático de participação de todos na esfera pública.
A vontade de uma maioria não pode ser critério para se definir uma política democrática, pois esta vontade pode estar viciada por uma manipulação ideológica da vontade da classe dominante, o que acarreta em uma política segregacionista com apoio popular.
Neste sentido, esclarece Marilena Chaui: “Assim a função primordial da ideologia é ocultar a origem da sociedade (relações de produção como relações entre meios de produção e forças produtivas sob a divisão social do trabalho), dissimular a presença da luta de classes (domínio e exploração dos não proprietários pelos proprietários privados dos meios de produção), negar as desigualdades sociais (são imaginadas como se fossem consequência de talentos diferentes, da preguiça ou da disciplina laboriosa) e oferecer a imagem ilusória da comunidade (o Estado) originada do contrato social entre homens livres e iguais. A ideologia é a lógica da dominação social e política” (CHAUI, 2006, p. 389).
Para se combater a manipulação ideológica faz-se necessária a implementação dos direitos fundamentais, pois tais direitos possuem um caráter emancipatório e civilizatório, tendo em vista que abre possibilidades para o completo desenvolvimento da pessoa enquanto ser e enquanto cidadão, através de acesso efetivo a saúde, educação, cultura, informação, entre outros direitos indispensáveis para que a pessoa possa ter reais condições de ser o sujeito ativo de sua própria existência.
Neste sentido, explica Joaquim José Gomes Canotilho: “Tal como são um elemento constitutivo do estado de direito, os direitos fundamentais são um elemento básico para a realização do princípio democrático. Mais concretamente: os direitos fundamentais têm uma função democrática, […]” (CANOTILHO, 2003, p. 290).
O sentido substancial de democracia busca a materialização de direitos fundamentais a todas pessoas, sem quaisquer distinções ou segregações, pois, somente através da implementação efetiva dos direitos fundamentais é que se propicia a base para um verdadeiro processo democrático em que seja garantida a participação de todos, com iguais possibilidades de atuação.
Assim, a moderna doutrina constitucionalista apresenta a dimensão substancial da democracia, consistente no respeito e implementação de direitos fundamentais, como uma característica do Estado Democrático de Direito ou Estado Constitucional Democrático (NOVELINO, 2013, p. 355).
3. As contribuições de Habermas para o conceito substancial de democracia
É possível hoje entender a democracia não apenas como um governo pautado em eleições ou na malsinada expressão “governo da maioria”, os quais são representativos apenas de uma democracia meramente formal, a qual não atende aos anseios de justiça e participação política efetiva, razão pela qual muitos pensadores começaram a rediscutir as bases da democracia.
Entre estes se destaca Jürgen Habermas, que levou a sua teoria do agir comunicativo para o âmbito democrático através do conceito de política deliberativa e de esfera pública, afirmando a necessidade de uma democracia pautada sob a teoria do discurso, ou seja, na visão habermasiana “o princípio da democracia resulta da interligação que existe entre o princípio do discurso e a forma jurídica” (HABERMAS, 2010, p. 159).
Habermas defende um terceiro modelo de democracia, que aglutina características dos demais (liberal e republicano ou comunitarista), sob o primado da teoria do discurso e da política deliberativa.
Desta forma, ensina Habermas: “A teoria do discurso, que associa ao processo democrático conotações normativas mais fortes do que o modelo liberal, porém, mais fracas do que o modelo republicano, toma elementos de ambos e os articula de uma forma nova e distinta. Coincidindo com o modelo republicano, ela concede um lugar central ao processo político de formação da opinião e da vontade comum, mas sem entender como algo secundário a estruturação em termo de Estado de Direito. Em vez disso, a teoria do discurso entende os direitos fundamentais e os princípios do Estado de Direito como uma resposta conseqüente à questão de como institucionalizar os exigentes pressupostos comunicativos do processo democrático” (HABERMAS, 1995. p. 5).
Deste modo, Habermas se distingue dos demais filósofos procedimentalistas, por trazer para o procedimento um núcleo ético, que consiste na observância dos direitos fundamentais nas condições do discurso, de modo que para que o discurso seja válido deve observar os pressupostos de igualdade e dignidade, haja vista que “o poder político só pode desenvolver-se através de um código jurídico institucionalizado na forma de direitos fundamentais” (HABERMAS, 2010, p. 171).
Ou seja, “o princípio da democracia só pode aparecer como núcleo de um sistema de direitos” (HABERMAS, 2010, p. 158), desta forma, a democracia só é possível em um local em que os direitos fundamentais estejam efetivados, seja através das condições básicas de saúde, educação, trabalho, lazer e cultura, seja através do respeito as diferenças e ao multiculturalismo, a fim de se permitir a participação real de todos.
Para se entender o motivo da opção universal pelo modelo democrático, vale mencionar o ensinamento de Educar Bittar, para quem “a dissolução do espírito autoritário está diretamente ligada ao exercício democrático e social de construção de uma visão de mundo no qual predomina o pluralismo” (BITTAR, 2011, p. 145).
Destarte, um sistema que exclui determinadas classes sociais do acesso a direitos fundamentais como educação, cultura, trabalho, saúde e lazer, retira destas pessoas atributos de dignidade, maculando, assim, o processo democrático, à medida que deixa de se observar as condições adequadas do discurso para deliberação em prol de uma política democrática que beneficie a toda coletividade.
A democracia que nasceu sob a base do pensamento individualista, passa a ser apenas uma face de um conceito maior, pois ela passa a contar com uma dimensão material de respeito a direitos fundamentais e não apenas aquela inicial majoritária, ou seja, a democracia passa a ter ao lado do critério quantitativo (democracia formal) um critério qualitativo (democracia substancial), abrindo-se para um pensamento pautado na sociabilidade e na solidariedade.
Assim, através da contribuição de Habermas para uma nova concepção de democracia deliberativa esta ganha novos adeptos, inclusive da sociedade internacional ao ser prevista em vários tratados e declarações de direitos, tais como, a Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948), a Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem (1948), a Carta da Organização dos Estados Americanos (1967) e a Carta Democrática Interamericana (2001), reconhecem a importância da democracia para o desenvolvimento humano individual e coletivo.
Nesta esteira, o Protocolo Adicional ao Tratado Constitutivo da UNASUL sobre Compromisso com a Democracia estabelece que: “Art. 4º. O Conselho de Chefes de Estado e de Governo, ou na falta deste, o Conselho de Ministros das Relações Exteriores, poderá estabelecer, em caso de ruptura ou ameaça de ruptura da ordem democrática, entre outras, as medidas detalhadas abaixo, destinadas a restabelecer o processo político institucional democrático. Estas medidas entrarão em vigor na data de adoção da respectiva decisão. a. – Suspensão do direito de participar nos diferentes órgãos e instâncias da UNASUL, bem como do gozo dos direitos e prerrogativas decorrentes do Tratado Constitutivo da UNASUL. b. – Fechamento parcial ou total das fronteiras terrestres, incluindo a suspensão e/ou limitação do comércio, transporte aéreo e marítimo, comunicações, fornecimento de energia, serviços e abastecimento. c. – Promover a suspensão do Estado afetado no âmbito de outras organizações regionais e internacionais. d. – Promover, ante terceiros países e/ou blocos regionais, a suspensão dos direitos e/ou prerrogativas do Estado afetado derivados dos acordos de cooperação em que seja parte. e. – Adoção de sanções políticas e diplomáticas adicionais” (UNASUL, 2010).
Embora possa ser alvo de críticas, o artigo acima, atento a história de golpes antidemocráticos na América Latina, busca coibi-los, ameaçando com o isolamento e suspensão do direito de participação na UNASUL, em defesa da manutenção do processo democrático na América, que ainda se encontra em fase pueril.
A opção política pela democracia conta com o consenso universal, especialmente, por estar prevista na Declaração de 1948 e reafirmada em vários outros tratados acima citados, sendo que esta opção faz-se em virtude do reconhecimento de que a origem do poder emana do povo e para o bem estar do povo deve ser guiada.
Através da Resolução 2000/47 a Comissão de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas recomendou uma série de medidas legislativas, institucionais e práticas importantes que visavam consolidar a democracia e, em 2002, a Comissão declarou os elementos essenciais à democracia, sendo os seguintes:
“ Respeito dos direitos humanos e das liberdades fundamentais
Liberdade de associação
Liberdade de expressão e de opinião
Acesso ao poder e ao seu exercício, de acordo com o Estado de direito
Realização de eleições livres, honestas e periódicas por sufrágio universal e voto secreto, reflexo da expressão da vontade do povo
Um sistema pluralista de partidos e organizações políticas
Separação de poderes
Independência da justiça
Transparência e responsabilidade da administração pública
Meios de comunicação social livres, independentes e pluralistas
Remediar/suprir os défices democráticos” (ONU, 2000).
Assim, constata-se a adesão ao conceito substancial de democracia como o reconhecimento da melhor forma política disponível para se promover a dignidade humana, o respeito entre os povos, a convivência pacífica e o respeito aos direitos fundamentais.
Conclusão
A análise do conceito de democracia deliberativa parte da identificação da definição de esfera pública como o local onde se exercem as condições do discurso, isto é, o espaço onde os cidadãos deliberam e exsurge a opinião pública, apta a condenar uma política governamental, exigir outra e assim, efetivamente participar do gerenciamento da coisa pública e nos rumos do Estado.
Através do conceito de esfera pública Habermas registrou que a democracia não é a vontade de todos e sim a deliberação de todos, tendo em vista que a esfera pública não se confunde com o somatório de vontades individuais, permitindo que outros pensadores desenvolvam o conceito de democracia real ou efetiva em oposição a democracia meramente formal, restrita a possibilidade de voto, segundo um critério puramente matemático.
Igualmente importante e umbilicalmente atrelado se encontra o conceito de política deliberativa que traz a teoria do agir comunicativo, através da teoria do discurso, para o âmbito da esfera pública com vistas à formação de uma democracia deliberativa.
A esfera pública é o espaço adequado para a deliberação, ou seja, o processo de formação dos discursos, através de condições adequadas trazidas da teoria do agir comunicativo, tais como, igualdade, dignidade, disposição de argumentar e de ouvir, finalidade de se alcançar uma solução para o bem comum.
De forma que o processo deliberativo propicia a validade do direito, através da participação de todos e da observância dos direitos fundamentais. Assim, resta clara a contribuição primordial de Habermas para a construção de um conceito de democracia material, tão em voga na doutrina contemporânea.
Somente quando atendidas as condições adequadas de um discurso, quais sejam, o respeito aos direitos fundamentais, tais como, saúde, educação, cultura, informação, é que a pessoa adquire a possibilidade de ser sujeito ativo de sua própria existência, formar suas próprias convicções e ter condições de participar da esfera pública em condições de igualdade com os demais membros da comunidade, sem distinções ou segregações.
Assim, ao atrelar o potencial emancipatório e civilizatórios dos direitos fundamentais, com as condições adequadas do discurso, instrumento essencial da política deliberativa, Habermas firma as bases do procedimento democrático, o qual deixa de ser um critério meramente quantitativo, para se pautar em um critério qualitativo para a deliberação dos rumos políticos de uma comunidade.
Assim, por intermédio do pensamento habermasiano foi possível trazer para o conceito de democracia a necessidade de participação efetiva das pessoas, a observância dos direitos fundamentais para a validade do discurso e consequentemente validade do produto deliberado, bases de conceito material ou substancial de democracia, permitindo assim, o reconhecimento universal desta forma de regime político como a mais adequada para o desenvolvimento dos Direitos Humanos e direitos fundamentais, razão pela qual a Organização das Nações Unidas e a própria UNASUL reconhecem o potencial emancipatório e civilizacional deste conceito para a construção de um mundo mais justo, mais social e mais democrático.
Informações Sobre o Autor
Vanessa de Castro Rosa
BacBacharela pela UNESP. Especialista em Direito Ambiental.
Especialista em Direito Processual Civil e Penal. Mestra em Direitos Humanos. Advogada. Profa. da Universidade de Sorocaba.