Por Rubens de Souza, especialista em litígios fiscais do WFaria Advogados
O debate sobre a reforma tributária está em alta e tem como pontos centrais a simplificação e a resoluções de distorções. Entre os projetos com maior impacto político-econômico tem-se o que cria o Imposto sobre Bens e Serviços (“IBS”), que busca substituir diversos tributos, entre eles o ICMS. A necessidade de se afetar o ICMS na reforma hoje é premente porque esse tributo representa, em muitos casos, uma maior carga tributária para empresas comerciais e conta com diversas distorções que inviabilizam muitas atividades.
Uma dessas distorções, sem dúvida, é a cobrança do diferencial de alíquotas de ICMS (“DIFAL”) nas entradas de bens em operações interestaduais. Tal incidência é exigida de forma antecipada à ocorrência do fato gerador, que seria a saída da mercadoria do estabelecimento, subtraindo-se o percentual aplicado nas saídas pelo percentual da alíquota interestadual.
Com tal sistemática, os Estados buscam antecipar a receita que entraria nos cofres públicos apenas nas saídas dentro do próprio Estado. Essa prática dificulta consideravelmente o fluxo de caixa das empresas, já que são obrigadas a antecipar o valor do tributo da futura venda, sem o correspondente ingresso de receita em conta, e sem a certeza de que a mercadoria efetivamente será vendida.
Para agravar a situação, alguns Estados, principalmente do Nordeste, costumam exigir esse DIFAL com a aplicação de um índice “MVA”, que busca atribuir uma margem de valor agregado presumida à mercadoria, que corresponderia ao valor do bem na saída final aos consumidores, de forma que a base de cálculo do tributo não corresponde ao valor desse bem quando da entrada no Estado, mas sim ao suposto valor agregado ao final da cadeia.
Em muitos cenários, principalmente no caso de indústrias que vendem seus próprios produtos aos consumidores finais – têxtil, por exemplo – o valor pago de DIFAL não supera o ICMS devido nas saídas, o que resulta no acúmulo de saldo credor que não tem qualquer vazão dentro da operação normal da empresa.
Infelizmente, o cenário jurisprudencial da discussão acerca da incidência do MVA no DIFAL não é favorável às empresas, muito menos a tentativa de afastar o próprio DIFAL. No entanto, enquanto não promulgada alguma reforma tributária que modifique a tributação do ICMS, em muitos casos específicos é possível se afastar sim essa perniciosa forma de tributação.
Esses casos são os que a transferência interestadual se dá entre estabelecimentos da própria empresa. Tal incidência é refutada veementemente pela jurisprudência pátria, contando com precedentes reiterados do STJ e um específico do STF (RE nº 1.039.439), bem como com diversos precedentes do Tribunais de Justiça dos Estados praticantes do DIFAL.
Nesses casos, como a transferência se dá entre estabelecimentos do próprio contribuinte, não é possível se falar em ato de mercancia na circulação da mercadoria, de forma que não deve haver qualquer incidência de ICMS nessa entrada de bens, ainda que de forma antecipada. A tese possui o respaldo da Súmula nº 166 do STJ, e a adoção desse entendimento vem sendo mantida mesmo após a Lei Complementar nº 87/96, que previu a incidência do tributo “ainda que para outro estabelecimento do mesmo titular” (artigo 12, I, LC nº 87/96).
Ao se conseguir decisão favorável na via Judicial, o contribuinte pode passar a abater do ICMS devido nas saídas do estoque de saldo credor acumulado por conta do DIFAL, sem necessariamente acumular mais crédito por conta da exigência.