Resumo: O objetivo do trabalho é demonstrar o quanto fragilizado fica o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana no que se refere à famigerada MP 767/2017, a chamada “MP do pente fino”. A referida medida provisória tem o condão de revisar os benefícios por incapacidade, dos segurados que se encontram afastados por mais de 2 anos, impondo o prazo de 120 dias para duração dos benefícios, sem contar que nos casos de perda da qualidade de segurado, para que este seja readquirido, passa a ser de 12 contribuições para efeito de carência.[1]
Palavras chave: Auxílio doença. Princípio da dignidade Humana. MP 767/2017.
Abstract: The objective of the work is to demonstrate how fragile the Principle of Human Dignity is in relation to the notorious MP 767/2017, the so-called "MP of the fine comb". This provisional measure has the effect of reviewing the disability benefits of insured persons who are separated for more than 2 years, imposing a 120-day period for the duration of benefits, not counting that in cases of loss of the insured status, for That it is reacquired, it will be 12 contributions for the purpose of grace.
Keywords: Disease aid. Principle of Human Dignity. MP 767/2017.
Sumário: Introdução; 1.Breve histórico do auxilio doença; 2. Critérios para concessão do auxilio doença; 3. As mudanças apresentadas; 4. Considerações finais; 5. Referências.
Introdução
O presente trabalho tem como escopo analisar o Princípio da dignidade da pessoa humana pela ótica da Medida Provisória 767/2017 no que tange os benefícios por incapacidade em especial, o auxílio doença.
A partir da entrada em vigor da Lei 8.213 de 1991, muitas mudanças ocorreram com relação aos benefícios por incapacidade, tais como auxílio doença e aposentadoria por invalidez.
Atualmente, com a edição da Medida Provisória 767 de 06 de janeiro de 2017, muitos segurados que se encontram em gozo de benefício de auxílio doença ou aposentadorias por invalidez sentem-se prejudicados, tendo em vista que estão sendo chamados mais de 530 mil segurados[2] que estão em gozo de auxilio doença a mais de dois anos, para refazerem a perícia.
A convocação está sendo feita por meio de carta com aviso de recebimento. O beneficiário que não atender à convocação ou não comparecer na data agendada terá o benefício suspenso.
A Assembléia Constituinte de 1988, teve o cuidado, ao elaborar nossa Carta Magna, em oficializar a seguridade social. A finalidade de nossa Constituição é dar proteção a saúde, previdência e assistência social, através de seu vetor axiológico, que é o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana, um dos fundamentos de nossa Carta Magna.
O que vem ocorrendo atualmente é que ao cessar o benefício de auxílio doença, não se está dando direito a uma vida digna. Está violando o direito à vida, em todos os aspectos que o envolvem, vedando ao segurado o mínimo existencial, sem uma análise coerente de cada caso concreto.
Ao receber a carta da Autarquia avisando da perícia, o segurado se abala, sabe que está diante de um vazio, tendo em vista que a perícia médica será realizada por médicos não especialistas nas áreas necessárias e muitas vezes expõem o segurado à humilhação.
Atualmente, com a Medida Provisória 767 de 2017, foi instituído o BESP-PMBI – Bônus Especial de Desempenho Institucional por Perícia Médica em Benefícios por Incapacidade[3], onde são premiados com R$ 60,00 (sessenta reais) o perito que realizar perícia, de forma extraordinária, ou seja, além da jornada de trabalho, em benefícios por incapacidade mantidos pela autarquia há mais de dois anos, sem uma reavaliação, além de modificar a legislação previdenciária para estipular nova contagem de tempo, para efeito de carência para a concessão de auxílio-doença, aposentadoria por invalidez e de salário-maternidade, no caso de nova filiação à Previdência Social. A Medida Provisória faz, ainda, ajustes em relação ao auxílio-doença e à aposentadoria por invalidez[4].
Destarte, o presente estudo irá contribuir para o debate entre o instituto do Princípio da dignidade da pessoa humana e a medida provisória 767 editada em 06 de janeiro de 2017.
1. Breve histórico do Auxilio Doença
A verdadeira proteção social nasceu no seio familiar, onde o cuidado com os mais idosos e incapacitados ficava a cargo dos mais jovens. O Estado, somente no século XVII, com a edição da Lei dos Pobres[5], na Inglaterra, que assumiu a responsabilidade, cujos recursos vinham de contribuições cujas posses ultrapassassem um valor determinado. Daí o Brasil de hoje, com vários programas assistências criados para atender famílias de baixa renda.
A previdência social no Brasil pode ser analisada a partir de suas Constituições Federais que regem o Estado[6] assim como as leis que tratam do assunto.
Em sua formação básica, a previdência social, é um direito fundado na dignidade da pessoa humana, na solidariedade, na cidadania e nos valores sociais do trabalho (CF/88, art. 1°, II, III e IV), bem como nos objetivos da República de construir uma sociedade livre, justa e solidária, avançar na erradicação da pobreza e na redução das desigualdades sociais (CF/88, art. 3°, I e III).
2. Critérios para concessão do auxilio doença
A Lei 8,213/91 coloca a disposição dos segurados, um rol de benefícios, dentre eles está o auxilio doença, que tem como característica principal a temporariedade da incapacidade laborativa.
Para a Organização Mundial da Saúde – OMS, incapacidade é qualquer redução ou falta de capacidade para realizar atividades consideradas normais para o ser humano.[7]
Para a previdência social, a incapacidade deve ser laborativa, temporária ou permanente, ou seja, a impossibilidade do desempenho das funções específicas para a atividade que exerce em consequencia de alterações provocadas por doença ou lesão[8].
Sendo temporária, o segurado ficará afastado de suas atividades, em gozo de auxilio doença. Caso esta incapacidade seja permanente, o segurado que já estiver em gozo de auxilio doença, terá este transformado no benefício de aposentadoria por invalidez.
Todos os segurados da previdência social têm direito ao benefício de auxilio doença, que tem sua principal característica na temporariedade, ou seja, é concedido em caráter temporário, após o décimo sexto dia de afastamento da atividade labortiva, para que o segurado possa se tratar da enfermidade ou lesão que lhe acomete, mas só terá direito ao benefício após passar por perícia médica e ser constatada a incapacidade laborativa.
Este benefício tem previsão constitucional, artigo 201, inciso I da Constituição Federal de 1988 e é regulado pelos artigos 59 a 64 da Lei 8.213/91. Com a edição da Medida Provisória 767/2017, muitas mudanças foram introduzidas no que tange a concessão, manutenção e restabelecimento, além da carência para readquirir a qualidade de segurado para àqueles que já perderam.
Muitas dessas mudanças, podemos considerar um retrocesso, por punir o segurado e ferir sua dignidade num momento que se encontra fragilizado, acometido por doença.
Os direitos humanos são construídos pelas sociedades ao longo dos anos. Novas conquistas vão sendo agregadas aos direitos fundamentais já existentes.
O princípio da pessoa humana terá como consequência, a afirmação dos direitos específicos de cada ser, o reconhecimento de que na vida social o homem não se confunde com o Estado, prevalecendo-o das interferências do Poder Público, assim, num conflito entre individuo e Estado, privilegia-se o individuo.
Comparato[9] enfrenta a polêmica dizendo que:
“A dignidade da pessoa humana não consiste apenas no fato de ser ela, diferentemente das coisas, um ser considerado e tratado como um fim em si e nunca como meio para consecução de determinado resultado. Ela resulta também do fato de que, pela sua vontade racional, só a pessoa vive em condições de autonomia, isto é, como ser capaz de guiar-se pelas leis de que ele próprio edita. Daí decorre, como assinalou o filósofo, que todo homem tem dignidade e não um preço, como as coisas”.
Já Sarlet[10] propôs uma conceituação jurídica para a dignidade da pessoa humana, colocando que:
“Temos por dignidade da pessoa humana a qualidade intrínseca e distintiva de cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade, implicando, neste sentido, um complexo de direitos e deveres fundamentais que asseguram a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como venham a lhe garantir as condições existenciais mínimas para uma vida saudável, além de propiciar e promover sua participação ativa co-responsável nos destinos da própria existência e da vida em comunhão dos demais seres humanos”.
Nossa Constituição estabelece em seu artigo 1º, inciso III, que a dignidade da pessoa humana é um dos fundamentos da República Federativa do Brasil, portanto, o Estado existe em função de todos e não estes em função do Estado.
Nos dizeres de Daniel Sarmento[11]:
“O Estado não tem apenas o dever de se abster de praticar atos que atentem contra a dignidade humana, como também o dever de prover esta dignidade através de condutas ativas, garantindo o mínimo existencial para cada ser humano em seu território. O homem tem sua dignidade aviltada não apenas quando se vê privado de alguma de suas liberdades fundamentais, como também quando não tem acesso à alimentação, educação básica, saúde, moradia, etc”.
O direito à vida, vai muito além da existência pura e simples, não apenas o sobreviver, envolve também os aspectos morais, emocionais, que certamente são atingidos em sua mais profunda forma. Quando se nega ou cessa um benefício a alguém já fragilizado pela doença, leva o segurado a falta de estímulo para continuar vivendo e desrespeitando suas principais condições como ser humano portadores de necessidades básicas.
Com isso, ao cessar indevidamente um benefício, o INSS está negando ao segurado um direito que lhe é garantido pela Constituição, que é a vida, à dignidade, à saúde, levando-o a ficar reduzido a uma condição de insignificância, degradante e desumana, vedando o mínimo existencial ao segurado.
A dignidade da pessoa humana representa um vetor interpretativo, verdadeiro valor, traduzindo-se como um dos fundamentos do Estado brasileiro. Entretanto, se por um lado existe grande preocupação para tutelar a dignidade da pessoa humana, por outro, evidencia-se lesões de toda ordem que aviltam esse direito.
3. Das mudanças apresentadas
As mudanças nos artigos da Lei 8.213/91 seguem da seguinte forma, com a nova redação:
“Art. 27- A – No caso de perda da qualidade de segurado, para efeito de carência para a concessão dos benefícios de auxílio-doença, de aposentadoria por invalidez e de salário-maternidade, o segurado deverá contar, a partir da nova filiação à Previdência Social, com os períodos previstos nos incisos I e III do caput do art. 25.”
Art. 43 (…).
§ 5º – O segurado aposentado por invalidez poderá ser convocado a qualquer momento para avaliação das condições que ensejaram o afastamento ou a aposentadoria, concedida judicial ou administrativamente, observado o disposto no art. 101.”
Art. 60 (…)
§ 11 – Sempre que possível, o ato de concessão ou de reativação de auxílio-doença, judicial ou administrativo, deverá fixar o prazo estimado para a duração do benefício.
§ 12 – Na ausência de fixação do prazo de que trata o § 11, o benefício cessará após o prazo de cento e vinte dias, contado da data de concessão ou de reativação, exceto se o segurado requerer a sua prorrogação junto ao INSS, na forma do regulamento, observado o disposto no art. 62.
§ 13 – O segurado em gozo de auxílio-doença, concedido judicial ou administrativamente, poderá ser convocado a qualquer momento para avaliação das condições que ensejaram a concessão ou a manutenção, observado o disposto no art. 101.
Art. 62 – O segurado em gozo de auxílio-doença, insusceptível de recuperação para sua atividade habitual, deverá submeter-se a processo de reabilitação profissional para o exercício de sua atividade habitual ou de outra atividade.
Parágrafo único – O benefício a que se refere o caput será mantido até que o segurado seja considerado reabilitado para o desempenho de atividade que lhe garanta a subsistência ou, quando considerado não recuperável, seja aposentado por invalidez.
Art.101.(…)
§ 1º – O aposentado por invalidez e o pensionista inválido que não tenham retornado à atividade estarão isentos do exame de que trata o caput após completarem sessenta anos de idade”[12].
4. Considerações finais
Sob debates calorosos e opiniões conflitantes, no último dia 31/05/2017, foi aprovada no Plenário do Senado Federal, por 41 votos favoráveis e 16 votos contrários[13], a Medida Provisória 767 de 2017, sendo encaminhada para sanção presidencial, levando a profundas alterações na Lei 8.213/91, que dispõe sobre os Planos de Benefícios da Previdência Social, além de instituir o Bônus Especial de Desempenho Institucional por Perícia Médica em Benefícios por Incapacidade.
Com a aprovação, entende os defensores da MP que deve ocorrer à aceleração ao atendimento de quem aguarda por perícia, além de trazer economia aos cofres públicos, já que, num grupo de 20 mil beneficiários de auxílio doença, 16.700 mil voltaram ao trabalho por ter a perícia concluído estarem aptos a exercer suas atividades profissionais[14].
Por outro lado, a MP retira direitos dos trabalhadores que estão em gozo de auxilio doença e/ou aposentadoria por invalidez, que estão tendo seus benefícios cessados e não estão sendo aceitos pelo médico do trabalho da empresa, por constatar que estão sem condição de retornar à suas funções.
“O nome da Previdência é Previdência Social, é Seguridade Social. Tem um compromisso aí[15]!”
Com a aprovação da MP o número de benefícios cessados está crescendo vertiginosamente, sendo atropelado o que determina a Lei 8.213/91 que, seguindo o Princípio da Solidariedade, dispõe que o segurado em gozo de auxilio doença, insusceptível de recuperação para sua atividade, deverá submeter-se ao processo de reabilitação profissional para o exercício de outra atividade que lhe garanta a subsistência.
Portanto, entre o que diz a Lei e o que é praticado pelos peritos do INSS há um imenso abismo, um desrespeito ao principio da dignidade humana, deixando os segurados cada dia mais vulneráveis, em condições humilhantes, não atendendo os princípios constitucionais de cidadania.
Informações Sobre o Autor
Adriana Dalboni Santos Muniz
Advogada, atuante na cidade de Volta Redonda/RJ, em diversas áreas do direito, exceto criminal, Pós Graduada em Direito Previdenciário pela Faculdade Legale