Entenda as etapas e expectativas em torno da Proposta do Governo, que inclui unificação e simplificação de tributos
Que o sistema tributário brasileiro é complexo, caro e, em larga medida, vai contra a lógica de eficiência tão em voga no ambiente de negócios atual, não é exatamente uma novidade. Para termos uma ideia, hoje as empresas gastam mais de 1.500 horas por ano, apenas para declarar impostos e tributos para a Fazenda.
O impacto desses desafios, vale frisar, não pesa só no bolso do contribuinte. Segundo dados divulgados pela própria equipe econômica da Presidência da República, atualmente, nada menos que espantosos 51% do PIB são gastos com contencioso tributário federal.
Tão antigo quanto essas mazelas, reside o desejo (ao menos no discurso) dos mandatários que governaram o país ao longo dos últimos 26 anos, em aplicar uma ampla reforma tributária que traga mais simplicidade para o modelo fiscal nacional. Todavia, em todo esse tempo, não tivemos grandes avanços e, de Fernando Henrique Cardoso a Michel Temer, pouco se concretizou para reformularmos o, já celebre, carnaval tributário brasileiro.
Dentro deste contexto, no último dia 21 de julho, o Governo Federal enviou uma proposta de reforma tributária para o Congresso a ser aplicada em 4 fases e que promete reduzir custos, simplificar tributos, trazer mais segurança jurídica, transparência, maior equidade e “fim de privilégios”.
Ao longo deste artigo, analiso, em linhas gerais, cada fase da proposta e as especulações em torno do tema. Teremos, enfim, avanços?
1ª Fase: Unificação do PIS e da COFINS
O primeiro passo para a reforma tributária do Governo Federal envolve a criação do CBS (Contribuição Social sobre Operações com Bens e Serviços), tributo que unificaria as contribuições sociais do PIS e COFINS, com alíquota de 12% e validade imediata após a publicação da Lei – o projeto de criação do CBS já foi apresentado ao Congresso, por meio da PL 3887/2020.
Segundo o Governo Federal, uma das grandes vantagens deste primeiro passo envolve um ganho de transparência, pois o tributo incidiria sobre a receita bruta, e não mais sobre todas as receitas das empresas.
Por outro lado, uma das grandes críticas em torno do tema envolve a linearidade da cobrança, uma vez que áreas como a de serviços seriam diretamente impactadas com a mudança.
2ª Fase: Transformação do IPI em um Imposto Seletivo
O próximo passo da Reforma, segundo informou o secretário especial da Receita, José Barroso Tostes Neto em reportagem do Valor Econômico, será a simplificação do Imposto Sobre Produtos Industrializados (IPI) e sua transformação em um imposto eletivo, sobre bens específicos como cigarros e bebidas.
3ª Fase: Reformulação IR Pessoa Física e Jurídica
Na terceira etapa, o Governo vem discutindo a redução de alíquotas e retirada de deduções no Imposto de Renda da Pessoa Física. Já para as Pessoas Jurídicas, é prevista a redução de impostos sobre as empresas e, em contrapartida, a tributação de lucros e dividendos, hoje isentos.
4ª Fase: Desoneração da Folha e criação de imposto sobre transações digitais
Na última fase da proposta de Reforma Tributária do Governo Federal reside, possivelmente, um dos pontos mais discutíveis do projeto. Em um primeiro momento, o Governo pretende desonerar a folha de pagamento das empresas e estimular, com este movimento, a criação de empregos no país. A polêmica está no fato de que, para compensar as perdas com a desoneração, a equipe econômica do Governo discute a criação de um imposto sobre transações financeiras eletrônicas e que guarda semelhanças com a CPMF.
Repercussões
Além das análises que apontamos acima em alguns pontos da proposta, vale a pena resumirmos outras repercussões em torno do projeto de Reforma Tributária do Governo Federal.
O Congresso, por exemplo, fez críticas a proposta, classificando-a da “tímida” e pouco ambiciosa, segundo reportagem recente da Folha de S. Paulo.
No plano da unificação do PIS e da COFINS, por exemplo, há outras duas propostas tramitando na Câmara e no Senado, as quais, são mais abrangentes na unificação de impostos – a primeira englobando 5 tributos (IOF, PIS, COFINS, ICMS-estadual e ISS-municipal) e a segunda englobando 9 tributos (IPI, IOF, PIS/Pasep, Cofins, Salário-Educação, Cide-Combustíveis; ICMS-estadual e ISS-municipal).
Por sua vez, especialistas da área econômica vem criticando a ideia da criação de uma “CPMF Digital”. Um dos grandes riscos de um possível novo imposto neste sentido seria a geração de impactos no comércio eletrônico – uma das áreas que, segundo o próprio Governo – mais tem crescido na economia do país. Além disso, trata-se de um custo que, possivelmente, será repassado ao consumidor no preço-final dos produtos.
O que esperar?
Pesando todos os lados da discussão, a proposta de Reforma Tributária do Governo Federal traz alguns avanços importantes, devendo, todavia, passar por ajustes para dar mais clareza ao projeto e uma melhor resolução de pontos que tem dividido a câmara, como o imposto sobre transações digitais ou os impactos do CBS em determinadas áreas econômicas importantes para o desenvolvimento do país.
A grande questão que permanece – sobretudo com um aparente enfraquecimento das relações da equipe econômica do Governo com o presidente Jair Bolsonaro – avançaremos realmente com a Reforma? Ou ela ficará para a próxima estação, como em governos anteriores?
Pode ser que a resposta já tenha sido dada: em reportagem do Valor Econômico de começo de setembro, é apontado que “para votar o projeto de lei que flexibiliza o Código Brasileiro de Trânsito (CBT) na Câmara dos Deputados na próxima semana, o governo Bolsonaro desistiu do requerimento de urgência para o projeto de lei (PL) da reforma tributária”. A retirada do requerimento de urgência da Reforma Tributária era necessária pois o projeto trancava a pauta da Câmara dos Deputados e estava causando “pressão desnecessária na discussão sobre o tema”.
Diria que o tempo não está a nosso favor, e só a história dirá os desdobramentos do nosso atraso em discutir um tema tão importante e vital para manter o Brasil na competição mundial.
*Ana Campos é Especialista em Aquisições e Reestruturações e sócia fundadora da empresa Grounds, empresa de consultoria inteligente especializada nas áreas contábil, tributária, trabalhista, previdenciária e financeira.
Sobre a Grounds
A Grounds é uma empresa de consultoria inteligente especializada em transações societárias. Oferecendo consultoria específica nas áreas contábil, tributária, trabalhista, previdenciária e financeira, o core business da companhia abrange todas as áreas da empresa, se diferenciando assim dos serviços de advogados, por exemplo. A empresa traz ao mercado um novo olhar estratégico sobre o processo de análise fiscal financeira e contábil, e oferece uma visão analítica e integrada com total eficiência. Em sua atuação, oferece projetos de due diligence, consultoria fiscal-financeira e assessoria permanente em vários segmentos de atuação: Investimentos e Private Equity, Energia e Infraestrutura, Serviços, Varejo e Indústria em geral. Saiba mais em: http://grounds.com.br/