Cumpre em primeiro lugar, esclarecer
em primeiro plano, acerca da jurisdição que é função estatal específica do
Poder Judiciário, e como assevera Joaquim Canuto Mendes de Almeida
no poder-dever pelos membros e órgãos assumido, ao serem investidos na função
judicante, de realização de justiça.
É, em suma, o poder-dever de fazer
justiça estatal através de juízes e tribunais que se realiza mediante atividade
substitutiva à dos membros da comunhão social. Como função monopolizada pelo
Estado a fim de evitar desordens e violências. É mesmo vedada a realização de
justiça pelas próprias mãos (art.345 do CP).
Ao conceito de jurisdição deve ser
analisadas as noções que segundo Carnelutti como a de interesse
corresponde a “posição favorável à satisfação de uma necessidade”; a de direito
subjetivo, a “um poder concedido à vontade de uma pessoa para
prevalência de seu interesse”, a de dever (do mesmo modo que a de
obrigação), a “um vínculo imposto à vontade para a subordinação de um
interesse”;
Direito à jurisdição, por sua vez
resultante da explicitada inibição de realização de justiça por si própria,
pela pessoa física ou jurídica integrante da coletividade, diz com a
permissibilidade que lhes é outorgada pelo ordenamento jurídico, de obtenção de
prestação jurisdicional, emanada de órgão estatal competente.
A de ação, a de concreção desse
direito subjetivo, consistente no respectivo exercício, com a solicitação ao
Poder Judiciário, da tutela de outro direito. Os referidos órgãos integrantes
do Poder Judiciário exercem o importantíssimo poder, precisado por Celso
Neves, como poder de tutela jurídica processual, essencial à soberania do
Estado, diferenciado em três aspectos: o dever de declarar o direito; o dever
de satisfazer o direito derivante do declarado; e, dever de assegurar o direito
cuja declaração, ou satisfação é invocada.
Chiovenda preleciona função do Estado que tem por escopo a
atuação da vontade concreta da lei por meio da substituição, pela atividade de
órgãos públicos, de atividades particulares ou de órgãos públicos já no afirmar
a existência da vontade da lei e, de torna-la praticamente efetiva.
Jurisdição consiste num poder-dever
de realização estatal, mediante aplicação de normas disciplinadoras da conduta
dos membros da comunhão social, incidentes sobre determinada relação jurídica
com a conseqüente finalidade de declaração, satisfação e assecuração de um
direito subjetivo material de um de seus destinatários.
Piero Calamandrei conferiu a jurisdição precisão conceitual
indicando os caracteres da função jurisdicional, como atividade secundária e de
natureza declaratória de sentença.
Michelli opina por não estar correto situar na substituição
o caráter distintivo entre jurisdição e administração, até porque não se
esclarece, que o elemento prevalente diz com a imparcialidade do órgão, em
relação ao efeito jurídico obtido.
Também Carnelutti toma a
imparcialidade do órgão judicante como critério diferenciador entre a função
judiciária e a administrativa, onde ressalta a contraposição da Administração
Pública como parte no processo.
Galeno Lacerda ressalta a precariedade do conceito de jurisdição
baseado nas concepções de Chiovenda e Alfredo Rocco, sublinhando
que a essência da atividade jurisdicional consistiria em seu caráter
substitutivo e secundário.
Manzini observa que o Direito Penal não se apresenta senão
como um “direito de coerção indireta”, em virtude de o poder de punir não ser
dotado de atuação imediata. Só se aplica pena ou sanção, tão-só por meio do
processo com estrita observância de todas as formalidades em leis prescritas.
Assim ressalta Frederico Marques
que o poder de punir do Estado é auto-executável e, sim mediante e depois do
pronunciamento jurisdicional. Assim o poder-dever de punir e o poder-dever de
tutela jurídica processual tornam-se necessário o desdobramento em
Estado-Administração, como titular do interesse punitivo, e em
Estado-Jurisdição, ou, mais simplesmente, Estado-juiz, como titular de
potestade-encargo jurisdicional.
Calamandrei enfoca que a guisa do processo civil inquisitório
com o processo penal, particularmente no tocante à vinculação do julgador à
perquirição da verdade material, independentemente da iniciativa ou de acordo
das partes. Ou a verdade atingível pelos meios e métodos processuais de
verificação.
José Alberto dos Reis aponta que é remota a distinção havida entre a
jurisdição voluntária e contenciosa, mas a doutrina não conseguiu fixar
nitidamente a linha divisória entre as duas espécies.
A mais difundida idéia
processualista alega que a jurisdição voluntária se exerce inter volentes,
enquanto que a contenciosa opera-se inter invictos, ou, inter
nolentes. A jurisdição voluntária tem um escopo constitutivo tendente
sempre a constituição de estados jurídicos novos, ou cooperam com o
desenvolvimento das relações existentes.
Assim a jurisdição voluntária
implica no exercício de atividade substancialmente administrativa e a
contenciosa implica no exercício de atividade verdadeiramente jurisdicional.
Cristofolini assevera que a distinção entre a contenciosa e a voluntária
reside no terreno da natureza material da atividade desenvolvida pelo órgão
jurisdicional. Alcalá-Zamora y Castilo incisivamente fulcra a
finalidade distintiva em litígio e negócio, sendo certo que, na denominada
jurisdição voluntária, o litígio está ausente, e, por vezes latente, mas jamais
presente.
A segunda referência diz respeito à
natureza jurisdicional, quer positiva, quer negativa, para fixada a noção da
genuína jurisdição. A terceira referência é a coisa julgada, meta final do
processo contenciosa e totalmente estranha à jurisdição voluntária.
Amiúde a jurisdição contenciosa se
caracteriza: a) pela existência de partes a lide ou litígio constitui objeto do
processo indispensável à respectiva composição; b) pela possibilidade de
contraditório; c) pelo fato de, com a preclusão dos prazos para recursos,
formar-se a coisa julgada material, peculiar, exclusivamente, aos atos
decisórios concernentes ao meritum causae.
A jurisdição voluntária versa sobre
interesses não em conflito, constituindo administração de interesses privados
pelos órgãos jurisdicionais. Nada mais há que um processo sem lide ocorre
tão-só coisa julgada formal, com a possibilidade de revisão do decidido, ante a
alteração das circunstâncias fáticas que sustentaram o decisum.
Fernando Luso Soares entende ser a jurisdição penal, voluntária
enquanto que Frederico Marques a tem como contenciosa, ao asserir
que a jurisdição ordinária se divide em penal e civil.
A simples verificação da
irrelevância processual da lide em processo penal, quer pelo fato de estarem em
jogo, sempre , interesses indisponíveis, quer pela conceituação carneluttiana
de lide e de pretensão.
Aliás, a respeito dessa irrelevância
processual da lide, pois o processo penal não visa remover um desacordo
existente entre acusador e acusado a respeito da existência do crime ou da
medida da pena;
O processo penal só pode ocorrer
mediante pronunciamento jurisdicional jurídico da punição do réu, aquele mesmo
caráter de necessidade. Inexiste a lide no processo penal, e, sim mera
controvérsia. Também inaceitável a transposição do conceito civilístico de
pretensão para o processo penal.
Não há no processo penal
efetivamente pretensão, e só o ius ut procedatur.A finalidade da
jurisdição penal é a de concretizar o fato delituoso e não de satisfazer um
interesse de terceiras entidades distintas dos ius cuius re agitur.
Também não há tecnicamente partes,
tendo em vista o fato de ser a acusação obrigatória e, ainda apurar-se a
verdade material ou atingível inicialmente inquisitivo e, em segunda fase da persecutio
criminis correspondente à instrução criminal, ou mais especificamente, da
ação penal e que se realiza sob a forma acusatória.
Assim, o processo penal moderno
delinea-se inquisitório, substancialmente, na sua essencialidade, ao mesmo
tempo em que é, formalmente, no tocante ao procedimento, acusatório.
Não se deve confundir embora andem
lado-a-lado, os conceitos de contrariedade e contenciosidade, o que não
significam serem inseparáveis. Há sentenças penais de natureza condenatória que
transitam em julgado apenas formalmente, podendo ser revogadas em qualquer
tempo e, em variadas circunstâncias (habeas corpus, revisão criminal e,
etc.).
Carnelutti expõe que o processo penal de conhecimento de
caráter condenatório se apresenta como processo executivo quando absolvido o
acusado, o juiz afirma que o processo não deve prosseguir; já quando o juiz
efetivamente condena, dispõe juntamente sobre o prosseguimento da aça penal.
Daí o doutrinador italiano vicejar
no prosseguimento do feito penal ou da condenação, a ostentação da natureza
puramente processual. Em matéria penal, é preferível cogitar em preclusão, ao
invés de coisa julgada (ne bis in idem).
No processo penal, há duas distintas
situações quanto à coisa julgada: quando se tratar de sentença absolutória ou
de extinção de punibilidade, por jamais poder ser modificado o seu conteúdo,
com a preclusão dos prazos recursal forma-se a coisa julgada de autoridade
absoluta.Porém, se a condenação for mutável, ver-se-á tutelada apenas, pela
coisa julgada de natureza relativa.
Assim inserida somente no processo
penal ter-se-ia a coisa julgada bivalente, sui generis, peculiaríssima da
jurisdição penal. Destaque-se a inevitabilidade do processo penal perante toda
a prática criminosa, e, com isso, o corolário da necessidade impostergável do
processo penal.
O jus puniendi, portanto, é
um direito de coação indireta, podendo a norma penal ser aplicada apenas
judicionalmente e através do processo. A jurisdionalização da pena significa
uma verdadeira garantia da pessoa tida como infratora da norma penal. É quando
se substitui o império da violência privada pelo regime do Direito, da
violência institucionalizada só aplicada somente mediante devido processo
legal.
A tarefa judiciária é autêntica
garantia de estabelecer a justa aplicação da sanção prevista em lei e, aplicada
ao caso concreto submetido à cognição de órgão competente do Poder Judiciário.
No âmbito da jurisdição penal há um
conflito interssubjetivo de interesses sempre públicos, retratados, por um
lado, na intenção punitiva do Estado, ínsita ao jus puniendi, e tendo
como pressuposto a prática, pelo membro da comunidade, envolvido na persecutio
criminis.
Esses dois contrastantes interesses
tanto na aparência como na essência traduzem na realidade o conteúdo da causa
penal, cingindo-se à verificação da materialidade de fato típico, antijurídico
e culpável (ilícito penal), à determinação da respectiva autoria, e à
incidência ou não (até mesmo a sua exclusão), Àquele da norma penal material
incriminadora.
Em síntese, a abstração da
existência da lide, contraditório real e indispoisitivo ou indisponível e coisa
julgada sui generis, referida à causa penal objetivada no processo, mostra que
a jurisdição penal é distinta da dita contenciosa e, se apresenta de forma
autônoma e peculiar.
Há muito tempo que o processo penal
não é mais a Cinderela do Direito Processual conforme alcunhou Carnelutti,
pois que dotado plenamente de dignidade e autonomia científica.
João Mendes de Almeida Junior intuiu precisamente “forma que dá realidade à
operação”, o processo é o natural atributo de toda ação em movimento no tempo e
no espaço, é a realidade da ação, e, portanto, a sua forma.
E, ainda complementa adiante, o
processo judicial refere-se ao movimento dos atos da ação judiciária, ou seja,
dos atos da ação em
juízo. O processo é o instrumento do exercício da jurisdição.
E o processo penal se traduz no
poder-dever estatal em decorrência da prática de um fato penalmente relevante,
isto é, sendo típico, antijurídico e culpável, daí ser importante a adequação
típica do fato.
Aduz Magalhães Noronha por
ser o Estado um meio e, não um fim, tendo como objetivo a realização do bem
comum, não o conseguiria se não estivesse investido do jus puniendi.
Dotado o Direito Penal como já
salientados do caráter indireto de coação, para torna-la então finalmente
efetiva necessita o Estado ostentar a titularidade de outro direito, igual e
inequivocamente público e subjetivo, o chamado ius persequendi ou ius
persecutionis.
O processo penal é instaurado em
regra pela ação de uma das partes concebidas processualmente, visando ao
julgamento da causa, que deriva diretamente da jurisdicionalização da sanção
penal e o da afirmação do ius libertatis.
O processo penal é instrumento de
preservação da liberdade jurídica do acusado em geral, há quem chegue afirmar
que enquanto o Código Penal é o diploma do delinqüente, o Código de Processo
Penal é o estatuto do inocente (Mestre Canuto).
As partes no processo penal, na
relação jurídica penal concreta objetivada na persecutio criminis,
compreende sempre duas situações jurídicas justapostos: a titularidade do ius
puniendi, e outra à titularidade do ius libertatis.
O que vem acentuar seu caráter
notadamente publicístico pela relevância dos interesses em conflito (punitivo e
de liberdade) e a instrumentalidade da atuação dos agentes do Poder Judiciário
no exercício da jurisdição penal.
Induvidosamente na ação penal de
conhecimento de caráter obrigatório, o MP é um das partes, parte em sentido
processual (é parte como órgão e não como representante do Estado). Assim o
aspecto ritualístico do processo tanto leva o MP a atuar como fiscal da
aplicação da lei como também a exercer a função de acusar.
A outra parte processualmente dita é
o acusado, ao qual deve ser assegurado, o devido processo penal, como todos
seus corolários como o contraditório e a ampla defesa.
Os pressupostos processuais penais
tidos como indispensáveis tanto à constituição como ao desenvolvimento do
processo correspondem aos elementos de natureza estritamente formal e
indispensáveis ao julgamento do mérito.
Antes de o juiz manifestar-se sobre
o meritum causae, obrigatoriamente deve verificar a regularidade do processo,
desde a sua incoação, e relativamente a todos os atos processuais, que se
sucedem, uns aos outros, e no procedimento se coordenam.
Duas espécies de pressupostos são
conhecidas: os de existência e os de validez (nome preferido por Tornaghi)
ou validade do processo. Os primeiros devem coexistir para que o processo
validamente se constitua, e, portanto obviamente exista.
Já os de validez são imprescindíveis
para que o processo possa desenvolver-se regularmente até o momento da entrega
final da prestação jurisdicional.
Três pressupostos de constituição válida
do processo, a saber: a) propositura ou incoação de ação; b) órgão dotado de
jurisdição; c) partes que se apresentem como sujeitos de direito.
Outrossim, são de duas modalidades:
os subjetivos e os objetivos.Quanto aos subjetivos, deve o juiz ser competente
e imparcial; e às partes devem ser capazes e estar em juízo representadas por
advogado legalmente habilitado.
Sinteticamente anota detalhadamente Moacyr
Amaral Santos referentes ao juiz que se trate de órgão estatal investido de
jurisdição, dotado de competência originária ou adquirida, seja imparcial. E
quanto às partes que tenham capacidade de ser parte, que tenham capacidade
processual e que tenham capacidade para postular em juízo.
Quanto aos pressupostos de
desenvolvimento cingem-se a inexistência de quaisquer nulidades prescritas na
legislação em vigor. A
aguda observação de Pontes de Miranda que o legislador ao cuidar das
nulidades mais se preocupou com as regras jurídicas a elas contrárias, do que
com a sua declaração, manifestando, explicitamente, o seu propósito político de
salvar o processo.
Prelecionam Ada Pellegrini
Grinover e outros que deve ser considerada em geral a distinção entre a
nulidade absoluta e relativa; no tocante àquela, a gravidade do ato viciado é
flagrante e manifesto prejuízo que sua permanência acarreta para a efetividade
do contraditório ou para a justiça da decisão.
A irregularidade atinge o próprio
interesse público de escorreita aplicação do direito; e, uma vez percebida, o
próprio juiz deve de ofício e decretar-lhe a invalidade.
Já no tocante a nulidade relativa o
legislador deixa ao alvedrio da parte prejudicada a faculdade de pedir ou não a
invalidação do ato irregularmente praticado, subordinando também ao
reconhecimento do vício, a efetiva demonstração do prejuízo sofrido.
Há ainda os pressupostos processuais
inerentes ao processo penal atinentes à existência do processo e s/ao: um órgão
jurisdicional penal legitimamente constituído (ou seja, juiz que possua
jurisdição penal in genere); uma relação concreta de direito penal
deduzida como objeto principal do processo, sito é, uma causa penal; a presença
de um órgão regular da acusação e a intervenção da defesa.
Imprescindível a efetividade de uma
causa penal onde incluídos os ius puniendi do Estado e ius libertatis do
acusado ou indiciado. Enquanto que os pressupostos objetivos, em prima facie,
em relação aos extrínsecos: a) a existência de causa penal pendente
(litispendência), o que é inadmissível em matéria penal; b) ocorrência de coisa
julgada de autoridade absoluta formada em processo anterior inteiramente
desenvolvido e referente os mesmos fatos;
Os pressupostos intrínsecos são
aqueles concernentes à regularidade do iter procedimental observado com
exatidão, o due processo of law. Livre de quaisquer nulidades estatuídos
no ius positivum em vigor.
Esclarece Hélio Tornaghi que:
“Negado o processo pro falta de pressuposto não se nega à ação, que pode ser
proposta em outro processo, nem o pedido, que neste pode ser satisfeito”.
O direito de petição segundo a exata
definição de Pontes de Miranda consiste no poder de requerer, observar e
reclamar contra a autoridade ou denunciar abusos delas, mediante petição,
exercitável em face de qualquer um dos Poderes do Estado. È certo que é direito
subjetivo material público.
Todavia, se distingue do direito à
tutela jurisdicional que apesar de possivelmente terem uma origem comum e
siamesa, tal direito, contudo, é incluso na mais importante das declarações de
direitos humanos, a saber, a Declaração Universal dos Direitos dos Homens,
proclamada pela ONU em 10/12/1948, art. 10.
Também previsto na Convenção
Européia para a Salvaguarda dos Direitos dos Homens e das Liberdades
Fundamentais de 04.11.1950 e, ainda no Pacto Internacional de Direitos Civis e
Políticos, de 16.12.1966, art. 14, I; e a Convenção Americana sobre Direitos
Humanos conhecida também como Pacto de San José da Costa Rica de 22.1.1.
1969,art. 8o.
O direito à tutela jurisdicional ou
à jurisdição é conferido indistinta e incondicionalmente de forma genérica e
abstrata a todos os membros da comunidade, pro força da vedação à lei de
exclusão da apreciação pelo Poder Judiciário, de qualquer lesão ou ameaça de
direito.
Especifica-se o devido processo
penal através das seguintes garantias:
a)acesso à justiça penal; b) do juiz
natural em matéria penal; c) de tratamento paritário dos sujeitos parciais do
processo penal; d) da plenitude de defesa do indiciado, acusado ou condenado,
com todos os meios e recursos a ele inerentes desde que legítimos e lícitos; e)
publicidade dos atos processuais penais; f) da motivação dos atos decisórios
penais; g) da fixação de prazo razoável de duração do processo penal; h) da
legalidade da execução penal.
Assim, tais garantias servem para
impedir que a pessoa física não seja privada de sua liberdade, ou de outros
bens correlatos sem o devido processo penal em que se realize a ação judiciária
atrelada aos preceitos constitucionais e as normas penais a fim de tornar
efetiva a atuação da Justiça Criminal, sanção penal imposto, como também na
afirmação do ius libertatis.
Além dos três postulados basilares
quais sejam os atinentes à inadmissibilidade de sujeição de ser humano a persecutio
criminis sem que tenha ocorrido a prática de fato típico, antijurídico e
culpável e, haja, correlatamente, indícios de autoria (nulla informatio
delicti sine crimen et culpa); à jurisdicionalização da sanção penal (nulla
poena sine iudicio) e à vedação de realização satisfativa do ius
puniendi antes de transitada em julgado sentença condenatória (nulla
executio sine titulo).
Antes da imposição de qualquer
sanção penal, tem direito a um processo prévio, em regra, antecedido de
procedimento investigatório. Estatuído por lei regularmente elaborada e
promulgada, e vigente, de um procedimento destinado à investigação, instrução e
posterior julgamento acerca de fato tido como penalmente relevante.
Esclareça-se que a publicidade dos
atos processuais constitui, em realidade, em garantia do direito de defesa,
tanto para o acusado como para o juiz onde deve ostentar sua independência e
imparcialidade. E, ainda, a correlação entre a acusação e a sentença de mérito.
O que impede a invocação dos ius
novorum no juízo recursal, não havendo possibilidade, por força do
regramento da imutatio libelli, de ser ele condenado por fatos não
perfeitamente descritos e narrados na proposição acusatória.
A possibilidade de ampla defesa, ou
seja, dotada de todos os meios e recursos a esta inerentes, tanto no aspecto
material como tecnicamente. Reveste-se a garantia da ampla defesa da conjugação
simultânea de três realidades procedimentais: a) o direito à informação; b) a
bilateralidade de audiência (contrariedade);c) o direito à prova legitimamente
obtida ou produzida ou a comprovação de inculpabilidade.
Ressalte-se que o direito de ser
informado de todo teor da acusação conforme aponta Alex Caroca Pérez se
constitui num requisito indispensável. O imputado deve ser considerado como
parte ou sujeito processual e, ademais, como titular de direitos fundamentais.
Daí justifica-se plenamente a intimação editalícia se for preciso do réu revel
condenado.
O direito de defesa deve ser
constituído por um conjunto de garantias, direitos e faculdades suficientes,
para oposição efetiva à pretensão penal. Descreve Vicente Greco Filho
que se consideram meios inerentes à ampla defesa, ter conhecimento da
imputação; o poder de apresentar alegações contra a acusação; o poder
acompanhar prova produzida e fazer contra-prova; ter defesa técnica pro
advogado que aliás é essencial À Administração da Justiça ( art.133); e poder
recorrer da decisão desfavorável.
Não se confunde a indicada defesa
técnica com autodefesa sendo esta atinente aos atos defensivos praticados pelo
próprio imputado inclusive com o exercício do direito ao silêncio e de caráter
facultativo;
José Barbosa Moreira expressando a dificuldade da exata significação e
alcance do princípio do duplo grau de jurisdição, endossado por Nelson Nery
Junior argumentando a notória falibilidade humana daí decorrente a
necessidade de permitir-se nova apreciação da causa, por órgão situado em nível
superior na hierarquia judiciária, mediante a interposição de recurso ou
expediente análogo após a primeira decisão.
Desta forma, a garantia do duplo
grau de jurisdição serve como ferramenta fundamental da boa justiça. O
não-reconhecimento do indiciado, ou acusado senão quando transitada a sentença
condenatória. O due processo of law possui importante corolário que é o
devido processo penal, e, mais outro, a presunção de inocência do acusado.
No direito moderno o significado de
“ser imputado” mostra que as normas processuais não são destinadas a tutelar
uma apriorística presunção de inocência, mas a contemplar a complexidade de
fins a que tende a instauração e o desenvolvimento do processo especialmente
nas relações decorrentes da pessoa e a concreta situação.
Assim consiste na garantia ao
imputado de ter o direito ser considerado inocente até que a sentença penal
condenatória, dada a preclusão temporal para a interposição recursal, transite
formalmente em julgado, dando azo a coisa julgada de autoridade relativa.
A presunção de inocência sendo regra
tradicional do common law fora consagrada graças às idéias liberais que
impuseram a reforma do sistema repressivo do século XVIII e, se faz presente no
art. 9o, da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789
e, no art. XI da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão da ONU em 1948,
e, nas cartas magnas dos povos civilizados, assim também como no nosso país no
qual se encontra expressa no inciso LVII do art. 5o, in verbis:
“ninguém será considerado culpado até o trânsito da sentença condenatória”.
Aliás, também assegurado pela
Convenção Americana sobre Direitos Humanos ou Pacto de São José da Costa Rica a
presunção de inocência constitui uma expressivo favor libertatis determinante,
como visto, de que, sem a necessária certeza de ser o imputado autor da
infração penal cuja prática lhe é atribuída, que somente se concretiza com o
trânsito em julgado da sentença condenatória, não há como considera-lo culpado.
Preceitua Canotilho e Vital
Moreira além de ser um direito subjetivo é também uma imposição dirigida ao
juiz no sentido de este se pronunciar de forma favorável do réu, quando não
tiver certeza sobre os fatos decisivos para a solução da causa, e vem também
previsto na Constituição portuguesa, de idêntico senso, é o magistério de Daniele
Saint-Laurent.
Essas garantias como da
imprescindibilidade da estrita observância do título executivo penal e da
assecuração, ao condenado, de todos os direitos não atingidos pelo julgamento,
ou pela lei, ou seja, da legalidade da execução penal, no dizer de Railda
Saraiva é que asseguram a legitimidade do procedimento, a imparcialidade do
julgador e a justiça das decisões.
Em suma, é o que justifica a
sociedade fazer justiça com dignidade, e, com a preservação dos elevados
interesses sociais e, não meramente a vingança passional. Nem mesmo a
bestialidade do crime não pode autorizar a adoção de meios repressivos, que
agridem a consciência do país democrático, violando a dignidade da pessoa
humana e reduzindo e amesquinhando o valor da liberdade e da igualdade.
Levando o Estado à imoral competição
com os criminosos na prática da violência, em atos de desumanidade (cf. Valiante,
Il nuovo processo penale: processo per l’uomo, Milão, 1975,
p.45).
A legalidade da execução penal é
definida pelos incisos XLV, XLVI, XLVIII, XLIX, e LXXV do art.5o. da
CFRB. Tais garantias ainda possuem sucedâneos constitucionais como: a) o
princípio da reserva legal; b) a irretroatividade da lei penal, em regra
(inciso XL; c) a intocabilidade da coisa julgada penal pelo inciso XXXVI; d) a
preservação da vida e da integridade física do indiciado, acusado ou condenado,
no caput do art. 5o., e nos incisos III, LXIV e LXV; e) à
inviolabilidade do domicílio(inc.XI); f) a guarda e manutenção do respeito ao
sigilo da correspondência e de outras formas de comunicação e de informação
(inciso XII); g) a não-consideração prévia de culpabilidade (inciso LVII); h) a
insubmissão à identificação criminal a não ser em situações excepcionais
legalmente determinadas no inciso LVIII; i) a inadmissibilidade de prisão a não
ser em flagrante delito ou por ordem escrita e devidamente fundamentada da
autoridade judiciária competente, salvo nos casos de transgressão militar ou
crime propriamente militar definidos em lei (inciso LXI); j) à imediata
comunicação da prisão (inciso LXII); k) ao direito à não auto-incriminação e ao
silêncio, bem como à assistência da família e de advogado no inciso LXIII; l) a
liberdade provisória no inciso LXVI.
Todos integrados possuem o mesmo
significado, pois completam a grandiosidade da proteção da liberdade de
locomoção da pessoa física, e cuja tutela se realiza pelos agentes do Poder
Judiciário mediante atuações apropriadas que se efetuam no âmbito da justiça
criminal.
A bem da verdade, a enumeração de
tais corolários procedida não é exaustiva havendo outros tantos preceitos que
não foram considerados como, por exemplo, o inciso LIX do art. 5o,
referente ação penal de iniciativa
privada subsidiária da pública.
O presente artigo mais uma vez
percorrendo o viés didático tenta expor os aspectos diferenciadores da
jurisdição penal.
Bibliografia:
LIMA, Marcellus Polastri. Curso de
Processo Penal, Editora Lumen Juris, Rio de Janeiro, 2002.
NORONHA, E. Magalhães. Curso de
direito processual penal. São Paulo, Editora Saraiva, 2002.
TOURINHO FILHO, Fernando da Costa.
Processo penal. 22a. edição verificada, atualizada e ampliada, São
Paulo, Saraiva, 2000.
SMANIO, Gianpaolo Poggio. Processo
Penal, 2a. edição, São Paulo, Atlas, 2000 (Série Fundamentos
jurídicos).
TUCCI, Rogério Lauria. Teoria do
direito processual penal: jurisdição, ação e processo penal (estudo
sistemático), São Paulo, Editora Revista dos Tribunais, 2002.
CAPEZ, Fernando. Curso de processo
penal. 10a edição, revisada e atualizada, São Paulo, Saraiva, 2003.
ROMEIRO, Jorge Araújo. Da ação
penal, 2a edição Rio de Janeiro, Forense, 1978.
Informações Sobre o Autor
Gisele Leite
Professora universitária, Mestre em Direito, Mestre em Filosofia, pedagoga, advogada, conselheira do Instituto Nacional de Pesquisas Jurídicas.