Não há sinceramente um conceito unânime quanto à definição do direito constitucional, mas também não é escorreito acreditarmos que esse conceito se restringe somente ao estudo da constituição.
O Direito constitucional é ramo autônomo do Direito Público e que se ocupa do estudo sistematizado das normas integrantes das Constituições, a compreender as normas jurídicas no desempenho do poder constituinte, dirigidas precipuamente à divisão territorial e funcional do exercício do poder político, e isso, incluo a hermenêutica constitucional.
O Direito Constitucional é dividido em três matérias de ensino, a saber: o Direito Constitucional Geral que compreende institutos que permeiam todos os ordenamentos jurídicos positivos, para reconduzi-los a uma unidade harmônica. O Direito Constitucional Comparado que confronta as normas constitucionais de ordenamentos jurídicos positivos, por intermédio de critérios espaciais e temporais. E o Direito Constitucional Particular que congrega normas constitucionais do mesmo ordenamento jurídico positivo, delimitado no espaço e tempo, com a finalidade de conhecer, sistematizar, e, por vezes, criticar as normas que integram a Constituição de determinado Estado.
Afonso Arinos de Mello Franco preceitua que o direito constitucional congrega normas constitucionais do mesmo ordenamento jurídico positivo, delimitado no espaço e no tempo, com a finalidade de conhecer, sistematizar e, por vezes, criticar as normas que integram a Constituição de determinado Estado.
Uma das maiores preocupações é delimitar com presteza os campos de atuação de direito constitucional e do direito administrativo que apesar de manterem íntima relação, na medida em que o primeiro é correlativo ao Estado em seu aspecto estático (o exercício do poder político, a estrutura do governo) enquanto que o segundo é correlato ao Estado em seu aspecto dinâmico (a interna estrutura no estudo do funcionamento da Administração Pública, no exercício dos poderes administrativos).
O direito constitucional é ramo do direito público interno que estuda a Constituição, ou seja, a lei de organização do Estado em seus aspectos fundamentais (a forma do Estado, a forma do governo, o sistema de governo, o modo de aquisição, exercício e perda do poder político, os órgãos de atuação do Estado, os princípios postulados da ordem econômica e social e os limites à atuação do Estado – direitos fundamentais).
O direito constitucional apresenta-se, dentro da clássica dicotomia jurídica direito público / direito privado, como um dos ramos do primeiro. Embora contemporaneamente essa velha dicotomia seja mais um muro de Berlim derrubado e, já nos acostumamos a ouvir fartamente em doutrina a respeito da crescente constitucionalização de tradicionais ramos jurídicos privados.
Para estabelecer possível diálogo com a ordem jurídica , a elaboração habermasiana de espaço público identifica que foi no campo do Direito Constitucional onde mais se avançou o debate sobre a democracia e cidadania.
De fato, o direito constitucional representa o direito público fundamental por delinear a arquitetura e funcionamento do Estado e ao estabelecimento das bases estruturais da política. Daí ser, de fato, o tronco central do qual se separam os demais ramos do direito.
Para Pontes de Miranda (em Comentários à Constituição de 1967, com a Emenda n. 1 de 1969, t.1, p. 169) o direito constitucional é a parte do direito público que fixa os fundamentos estruturais do Estado.
No entanto, os problemas da realidade fazem que os objetos de estudo da ciência política e do direito constitucional sejam bastante semelhantes, mas num contexto e espaço discursivos, completamente distintos.
O direito constitucional se revela em ser estudo sistemático das normas que integram o Estado. Alguns doutrinadores pretendem limitar o objeto do direito constitucional. Para Santi Romano esse é o direito que marca a própria existência do Estado, que só começa a existir quando há alguma constituição.
Nesse sentido, alguns respeitados constitucionalistas ingleses como Dicey e o moderno Hood Philips, os quais invejavam os países de constituição escrita sendo uma matéria-prima mais palpável aos juristas e estudiosos do direito constitucional.
De existência discutível, a constituição britânica, que é tecnicamente adequada em restringir o estudo do direito constitucional à constituição.
A constituição escrita seria mais programática, do tipo racional normativo. O direito constitucional positivo é o conjunto de leis, regras, convenções, costumes que regulam a forma do Estado, de governo, e os direitos públicos individuais.
É nesse particular é pontual destacar que a Emenda Constitucional n. 45 /2004 que passou amalgamar as convenções e tratados internacionais sobre direitos humanos ratificados pelo Brasil como normas com força de emendas constitucionais.
Dando um elastério a própria Constituição Federal Brasileira nunca antes experimentado, exigindo-se uma hermenêutica cada vez mais sistêmica e balizada dando uma globalização na proteção a dignidade da pessoa humana.
Importante ressaltar que embora haja no preâmbulo da Carta Magna a invocação de proteção de Deus, o Brasil é um Estado laico. Não obstante em alguns recintos solenes, como o de uma audiência haja um ostensivo crucifixo.
O direito constitucional comparado é o estudo das normas jurídicas vigentes, de vários Estados, procurando destacar suas singularidades, similitudes e contrastes. No fundo, o possui como objetivo de confrontar as normas constitucionais de alguns diferentes ordenamentos jurídicos positivos, por intermédio de critérios espaciais e temporais.
Para Santi Romano o direito constitucional geral delineia uma série de princípios, conceitos, de instituições que se encontram em diversos direitos positivos ou em grupo deles para classificá-los e sistematizá-los em uma visão unitária.
Manuel Garcia-Pelayo propõe para melhor compreensão do conceito de direito constitucional sua divisão em três disciplinas: o direito constitucional particular, o comparado e o geral.
O direito constitucional particular tem como objeto a interpretação e a sistematização, além da crítica das normas jurídico-constitucionais vigentes em certo Estado.
O constitucionalista ianque Rocco Tresolini que considerando o fato de que a lei fundamental dos EUA é constituição escrita, sua interpretação pelo Presidente pelo Congresso, pelas cortes judiciais e pelos agentes públicos incluindo os hábitos governamentais e, os costumes, fazem parte do mesmo direito constitucional.
Leon Duguit considera direito público como conjunto de regras de direito que se aplicam ao Estado. No sistema criado por esse doutrinador, o Estado é uma abstração, sendo realidade os governantes.
Esmein vê o direito constitucional como parte crucial do direito público, e determina a forma do Estado, o governo, os limites dos direitos do Estado diante dos cidadãos.
Sem dúvida, o direito constitucional abarca toda a esfera do ordenamento jurídico estatal fixando os seus pressupostos existenciais, determinando seus elementos constitutivos, fixando poderes suas atribuições e, finalmente regulando as relações entre os órgãos do Estado e seus cidadãos.
Pinto Ferreira narra, a luta de duas correntes do direito constitucional. De um lado, Hans Kelsen, mestre da escola de Viena e criador da teoria pura do direito, o direito constitucional é uma ciência normativa, desprovida de conteúdo sociológico, econômico e histórico.
Para o doutrinador inglês Laski, o direito constitucional tem vários aspectos, a partir da indagação do próprio conceito do Estado, que extrapolam o puro normativismo kelseniano.
Bidart Campos já visualiza o conceito de direito constitucional em três ordens intimamente vinculadas: a ordem do sistema normativo, a ordem da realidade existencial, e a ordem axiológica da justiça.
Para se conhecer a fisionomia constitucional dos Estados, e em particular o fenômeno da inconstitucionalidade, ou a desconstitucionalização gera uma carta em paralelo, diferente e oposto à escrita.
Assim in stricto sensu, o direito constitucional é o direito da constituição. É, em lato sensu, alcança a organização do Estado com conteúdo histórico-social.
O ministro do STJ Carlos Alberto Menezes Direito em seu trabalho primoroso “Breves notas sobre o primado da Constituição” adotou como correta a segunda corrente (que admite que o direito constitucional possui vários aspectos) posto que é imperfeito reduzir o direito constitucional ao puro normativismo.
Mas, o direito constitucional vai além da disciplina normativa, alcançam todos os atos e fatos de qualquer natureza que constituem o Estado, e abarca o que chamamos de quadro constitucional.
Ponto relevante é definir o poder constituinte e ato constituinte. O ato constituinte abrange fato ou fatos históricos reveladores da vontade política e tem seus laços históricos no contratualismo. O ato constituinte é decisão primária de reunir a comunidade política.
Poder constituinte é a vontade que define a forma da existência comum. É o poder originário e essencialmente do povo que não pode ser exercido sem sua direta intervenção.
Com amparo na melhor doutrina podemos definir o poder constituinte como o poder de produção de normas constitucionais, por meio de processo de elaboração e/ou reforma da Constituição, com o fim de atribuir, legitimidade ao ordenamento jurídico ao Estado.
Canotilho bem salienta três experiências históricas. A primeira conforme a doutrina inglesa que frisa que o poder constituinte é exercido para revelar as normas constitucionais.
A segunda conforme a doutrina norte-americana que alega que o poder constituinte é exteriorizado para dizer ou ditar as normas constitucionais.
A terceira corrente é a francesa que indica que o poder constituinte é destinado à criação das normas constitucionais (…) para os ingleses o poder constituinte é processo histórico da revelação da constituição, enquanto que para os americanos entendem que o poder constituinte é poder de ditar sob forma escrita a lei fundamental da nação; e para os franceses é a criação de uma nova ordem jurídico-positiva através da destruição do antiga, traçando a arquitetura política da nova cidade através de um texto escrito.
Desta forma, podemos em síntese revelar que dizer ou ditar e criar a Constituição são os modi operandi das três experiências histórico-constituintes. Importante tema situado dentro da Teoria da Constituição, da Teoria do Estado e também do Direito Constitucional é o estudo da força que é capaz de constituir uma nova sociedade política estatal: o poder constituinte.
Bidart de Campos nos informa que o poder constituinte é a competência, capacidade ou energia para constituir ou dar constituição ao Estado, ou seja, para organizá-lo.
Já Carl Schmitt conduz à idéia de que “poder constituinte é a vontade política cuja força ou autoridade é capaz de adotar a concreta decisão de conjunto sobre modo e a forma da própria existência política, determinando assim a existência da unidade política como um todo”.
Do poder constituinte nasce a Constituição que tecnicamente é ato do poder estatal através do poder constituinte. A convocação e o exercício do poder constituinte são atos pré-constitucionais. Toda interrupção da constitucionalização que pode ocorrer pelas revoluções e golpes de Estado quando surge então a necessidade de nova convocação do poder constituinte. E nesse sentido o poder constituinte reforça a legitimidade da constituição.
Se a Constituição é elaborada por quem não é titular do poder constituinte resulta em ser ilegítima. Tornar-se-á legítima se houver mesmo que tardia a devolução ao titular: intervenção do poder constituinte legítimo através de referendo, plebiscito e iniciativa popular conforme nos ensina o grande mestre Pontes de Miranda.
A teoria do poder constituinte é de autoria de Emmanuel Joseph Sièyes (abade de Chartres) pela qual eram manifestadas as reivindicações burguesas contra o então absolutismo com a finalidade de legitimar e limitar o poder político inerente ao Estado.
Não é unívoca em doutrina a descrição sobre a natureza jurídica do poder constituinte seria para alguns, poder de direito vinculado ao seu titular pelo Direito Natural.
Já para os juspositivistas (Carl Schmitt, Carré de Malberg, Celso Ribeiro Bastos e Raul Machado Horta) seria poder de fato desvinculado da legitimidade, posto que seria legitimado por si mesmo, transcendendo ao Direito Positivo.
A terceira corrente capitaneada pelo Paulo Bonavides, José Horácio Meirelles Teixeira e Guilherme Peña de Moraes defende que é poder político, precedente ao processo de edição de normas constitucionais, ora com a natureza fática, visto produzir o fundamento da validade da ordem jurídica do Estado.
O poder constituinte originário consiste em poder de elaboração da Constituição da República. O derivado ou reformador com base no art. 60 CF temos, hoje, já 53 (cinqüenta e três emendas) constitucionais, todas promulgadas pelas mesas da Câmara dos Deputados e pelo Senado Federal, em dois turnos em cada casa do Poder Legislativo, por maioria de 3/5 (três quintos), bem como as 6 (seis) Emendas Constitucionais de Revisão a Constituição da República, promulgadas pela mesa do Congresso Nacional, em sessão unicameral, por maioria absoluta são produtos do poder constituinte derivado reformador.
Para Burdeau, o poder constituinte revela a “idèe de droit”, ou seja, idéia de direito dominante em certa época histórica e, que, inclusive o legitima. Pouco importa se o titular do poder constituinte desde que a “idéia de direito” esteja presente. Afasta definitivamente Burdeau a ilegitimidade do poder constituinte nos processos revolucionários.
A idéia de direito é mais do que certo modo de organização social do qual decorre o reconhecimento de princípios que podem valer como regra de direito, decorre daí, a legitimidade da constituição, alega Burdeau, quanto maior for a sua identidade com a idéia de direito.
É indispensável manter intacta a natureza e importância do poder constituinte para preservar dentro dos limites do possível, a liberdade conquistada pelo homem diante do Estado e demais entidades sociais, preservando-se como cidadão e, não como mero súdito. Tal escopo é fundamental para o constitucionalismo.
O Poder de reforma da Constituição da República é caracterizado pela derivação, limitação e condicionamento.
A derivação é fundamentada pelo art. 60, caput, §2º, 3º, e 5º. e art. 3º da CRFB e ADCT. Respectivamente, sob pena de inconstitucionalidade formal e/ou material.
Não é pacífica a doutrina quanto à admissibilidade das normas constitucionais inconstitucionais, tendo havido essa sobre a caracterização de quatro correntes doutrinárias fundamentais, a respeito do tema.
A primeira corrente congregada por Klaus Stern salienta a inadmissibilidade da inconstitucionalidade material das normas constitucionais, a despeito das espécies de poder constituinte dos quais provenham.
A segunda corrente acolhida por Hans Uwe Erichsen trata da admissibilidade da inconstitucionalidade material das normas constitucionais, desde que produzidas pelo poder constituinte derivado, em razão da contradição com limitações ao poder de reforma à Constituição a República.
A terceira corrente admitida por Herbert Krüger sublinha admissibilidade da inconstitucionalidade material das normas constitucionais, ainda que derivadas do poder constituinte originário. Pela transgressão de normas constitucionais de grau superior.
A quarta e última corrente defendida por Otto Bachof sustenta a admissibilidade da inconstitucionalidade material das normas constitucionais, ainda que produzidas pelo poder constituinte originário, pela violação de direito suprapositivo.
Com efeito, o Tribunal Constitucional da Alemanha reconheceu explicitamente a existência de direito suprapositivo, vinculativo para o próprio constituinte, ao declarar que “uma norma constitucional pode ser nula se ofender de modo insuportável os postulados fundamentais da justiça subjacentes às decisões fundamentais da Constituição”.
Por outro lado, Habermas critica fulminantemente ao lembrar da discussão da lei do aborto pelo Tribunal Constitucional Alemão onde identificou que este desempenhou o triste e infeliz papel de ser mero legislador em paralelo, enquanto deveria ser um intérprete e um zelador da ordem concreta e dos valores da Constituição.
Apesar disso, o Tribunal Constitucional português repeliu veemente a existência de normas constitucionais originárias inconstitucionais, ao decidir que “a proibição do lock-out (fechamento patronal da empresa por conflito entre patrão e empregados), consagrada originariamente no art. 57 n. 2, da Constituição da República portuguesa, não é inconstitucional”.
Finalmente, na ordem constitucional brasileira, a doutrina predominante bem como a prevalente jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (STF) consubstanciam a segunda corrente, que restringe a inconstitucionalidade das normas nacionais à hipótese em que esteja em jogo regra proveniente do poder constituinte derivado reformador, consistente no caso das normas constitucionais, veiculadas por emenda ou revisão, que violem limitações do poder de reforma. Não se cogitando em exceção ao princípio da unidade hierárquico-normativa da Constituição da República, na medida em que, malgrado a probabilidade de existência de hierarquia axiológica, pois as normas constitucionais são informadas por valores diferentes.
Frise-se que não existe a possibilidade de hierarquia normativa, porque as normas constitucionais estão sistematizadas no mesmo plano do ordenamento jurídico, posto que seja incompreensível no sistema de constituição rígida onde pelo texto constitucional vigente compete ao STF velar precipuamennte pela guarda da Constituição, ou seja, para impedir que se desrespeite a Constituição como um todo orgânico, e não para, com relação a esta, exercer o papel de fiscal do poder constituinte originário.
Classicamente aduziu Herman Heller que o poder constituinte é aquela vontade política, com poder e autoridade, capaz de fixar a existência da unidade política do Estado. Também salientou que a simples dominação fática e instável não era suficiente para plena caracterização da constituição.
Schmitt define o poder constituinte como a vontade política cuja força e autoridade é capaz de adotar a concreta decisão de conjunto sobre modo e forma da própria existência política.
O poder constituinte só encontra limitações no tocante aos valores jurídicos ideais e nas exigências de bem comum em uma determinada circunstância histórica. É mais alto poder do Estado.
Para os normativistas é um poder dotado de faticidade histórica, o mesmo para a tese positivista para quem a Constituição é um fato apenas, não é gerada por um poder de direito, é simplesmente uma força social (Hans Kelsen).
Três são as características do poder constituinte: é inicial (exprimindo a idéia predominante na coletividade); é autônomo (porque somente ao titular soberano cabe decidir qual a idéia de direito prevalente naquele momento histórico e que moldará a estrutura jurídica do Estado); é incondicionado (não está regido pelo direito positivo do Estado e não há fórmula pré-estabelecida para sua manifestação).
Há limitações implícitas ao poder de reforma constitucional como as famosas cláusulas pétreas (limitações materiais, questões de fundo, relativas aos direitos fundamentais; as concernentes ao titular do poder constituinte; as referentes ao titular do poder reformador; as relativas ao processo da própria emenda constitucional; são direitos supraconstitucionais decorrentes diretamente da própria natureza humana).
O fundamento da ordem jurídica é a constituição, assim com sua modificação se retira o fundamento de validade da ordem jurídica anterior que com esta conflita. Para se evitar o caos jurídico existe o chamado princípio da recepção, ou seja, a regra jurídica com seu fundamento de validade na constituição revogada é recepcionada com a nova constituição se com esta não for incompatível.
Canotilho distingue o poder constituinte originário do poder constituinte derivado posto que aquele permaneça fora e sobre a constituição, não sendo, pois, um poder vinculado pela constituição.
Grande discussão teórica envolve o poder derivado como sendo um poder limitado de revisão ou reforma da constituição. Dentro do contexto constitucional rígido, onde são fixados processos mais solenes para a modificação das normas constitucionais, há maior dificuldade de se alterar a constituição do que a lei ordinária, em tais situações aparecerá a figura do legislador constituinte derivado. Esse é o processo formal de mudança da constituição, porém, não é o único.
O fenômeno denominado de mutação constitucional decorre das inevitáveis acomodações do direito constitucional à realidade constitucional, onde podemos identificar a reforma constitucional e a mutação constitucional.
Na mutação constitucional se produz transformação na realidade da configuração do poder político, da estrutura social ou do equilíbrio de interesses, sem que fique incorporada dita transformação no documento constitucional; o texto constitucional permanece virgo intacta.
Não há uniformidade doutrinária para a escolha da terminologia adequada para designar o fenômeno relativo à mudança informal da constituição. Prefere Canotilho a expressão “transição constitucional” que não implica em alteração do texto constitucional. Muda-se o sentido, mas não mudo o texto.
Jorge Miranda escolhe a expressão “vicissitude constitucional” que revela ruptura na continuidade da ordem jurídica ou alterações constitucionais stricto sensu que podem ser totais ou parciais.
É normal que as mutações constitucionais surjam em momentos cronologicamente distintos que podem ressonar nas decisões judiciais, na modificação dos usos e costumes e na interferência de grupos de pressão. Nessa esteira na mutação informal temos a derradeira característica que é a intermitência.
Mesmo as constituições ditas flexíveis (que adotam processos menos rigorosos para sua reforma) ocorre mutação que é devida para se consumar adequação da norma constitucional ao contexto social-político e econômico, há a necessidade de tornar a Carta Magna um instrumento normativo sempre apto a atender às necessidades e demandas dos indivíduos, o que irá ser o mote da mutação constitucional. Que é fato, e seu aparecimento está vinculado a injunções outras que não aquelas referentes à opção do poder constituinte originário por um sistema flexível ou rígido.
É curial informar que a palavra “constituição” é polissêmica, apesar de que o sentido que mais particularmente nos interessa, seja o de ser lei fundamental do Estado. Carl Schmitt apresenta quatro conceitos de constituição: conceito absoluto, conceito relativo, conceito positivo e, por fim, conceito ideal.
Em seu conceito absoluto, a constituição é devenir dinâmico da unidade política. Significa, desde logo, a unidade política estatal. Desta forma, o Estado que não tem uma constituição não possui o status de unidade e ordenação, deixando de existir como tal.
Reconhecido pela influência nitidamente tomista, o teórico Lorenzo Von Stein, baseado na Summa Theologica, sublinha duas coisas essenciais ao conceito de constituição: a participação de todos os cidadãos na formação da vontade do Estado, e a espécie de governo e ordenação. É nesse sentido, um simples dever-ser (de inspiração kantiana).
O conceito relativo da constituição a entende como a pluralidade de leis particulares. Fixa-se apenas na lei fundamental, concreta que é fixado segundo as características externas e acessórias, chamadas de formais.
Surge a dificuldade da reforma constitucional que só se dá mediante certas condições especiais de forma, ficando assim o texto protegido por certa duração e estabilidade, conforme a própria definição terminológica de Schmitt.
Nasce daí, a grande distinção entre as constituições rígidas e flexíveis. Estas são aquelas que nenhuma proteção oferecem para sua reforma, não havendo qualquer diferença entre as leis constitucionais e as leis ordinárias.
Em sentido absoluto e radical não existiria nenhuma constituição rígida. Embora algumas partes das constituições sejam blindadas vigendo proibição constitucional de reforma.
Em sentido positivo, a constituição surge como ato do poder constituinte onde reside uma decisão política do titular do poder constituinte, isto é o povo, se for democrática, ou do monarca se for monárquica.
Vejamos a Constituição de Weimar onde ocorreram várias decisões políticas fundamentais: em favor da democracia, da república, do regime parlamentar representativo, em favor do Estado Federal, com seus princípios: direitos fundamentais e divisão de poderes.
A Constituição é intangível enquanto que as leis constitucionais podem ser suspensas durante o estado de exceção, e violadas por medidas do Estado contra a Lei Maior apenas quando se destina a preservá-la.
Segundo Carl Schmitt a Constituição de Weimar é uma constituição posto que contém as relevantes decisões políticas fundamentais do povo alemão. O referente doutrinador é mais exigente quando traça que só considera constituição aquela que assegura às garantias de liberdade burguesa, bem como os direitos fundamentais, a divisão dos poderes e, a participação do povo no Poder Legislativo, mediante representação popular. Assim, teoricamente, as ditaduras e os gov3ernos arbitrários e totalitários não conhecem realmente a constituição.
O conceito racional normativo de constituição a focaliza como um complexo normativo no qual na forma global e sistemática, se estabelecem as funções fundamentais do Estado. A Constituição e tudo que deriva dela,é soberana.
Soberania para Kelsen é uma propriedade de ordem jurídica que se tem como válida e vigente. O conceito racional-normativo de constituição supõe certa deificação desta.
Pelayo evidencia que da soberania constitucional derivam as competências, é vinculada a uma situação social, concreta e que adquire sentido dentro da realidade social. Nesse sentido, se justifica a supremacia do texto constitucional dentro de certo sistema positivo.
É, sem dúvida, conceito político, mas não é todo sistema normativo que pode valer como constituição. Só possui efetivamente essa índole, a Carta Magna que fixa limitação à atividade estatal, que fixa garantia dos direitos fundamentais e a divisão dos poderes.
Pelayo sublinha a existência desenvolvida por um direito consuetudinário, ou de criação judicial e fixa claramente a distinção entre poder constituinte e poder constituído, de modo que só o primeiro é dado decidir sobre a constituição como todo ou sobre suas reformas parciais.
Embora a tese racionalista pretenda defender a imutabilidade absoluta da Lei Fundamental, a realidade impõe a reforma, que é atuante pelo poder constituinte derivado.
O conceito histórico-tradicional ou puro é reação ao conceito racional-normativo. Sua base é o historicismo, e traduz que a constituição não é um produto da razão, mas de uma estrutura resultante de lenta transformação histórica, na qual freqüentemente intervêm motivos irracionais e fortuitos irredutíveis a um esquema.
A constituição de um país não é fruto de criação de um único ato total, mas de atos parciais reflexos de situações concreta, e usualmente, eivada de usos e costumes formados lentamente ao longo do existir da sociedade que pretende ser Estado.
Dentro do conceito histórico tradicional há dois grupos que se digladiam: o primeiro que a considera como uma situação puramente histórica, e a História como um campo rebelde à razão e planificação humanas. Burke é um de seus representantes, para quem a constituição é herança vinculada que nos foi legada pelos nossos antepassados e que deve ser transmitida para nossos sucessores tal como uma propriedade. A legitimidade desta constituição radica-se no passado.
O outro grupo se posiciona a favor da razão que é capaz de modelar a história em certa medida, de planificar o futuro considerando os dados de certa situação histórica. Para o conceito histórico-tradicional a constituição não precisa necessariamente de ser escrita em sua totalidade, e o costume assume papel relevante sempre que estamos ante a uma teoria do direito de base historicista.
Nesse conceito, não se conhece a distinção formal e precisa entre as leis constitucionais e leis ordinárias. Também não cabe a despersonalização da soberania. Que pode residir numa pessoa ou em órgãos concretos, é o caso do direito político inglês que enxerga como soberano o Parlamento. É corrente a afirmação de que a única lei fundamental inglesa é o Parlamento que é supremo. Assim, no Reino Unido, não existe direito constitucional, mas, apenas, o poder arbitrário do Parlamento inglês.
O conceito sociológico de constituição nutre coincidências inevitáveis como o conceito histórico-tradicional. E, parte de algumas afirmações, a saber: A) a constituição é primordialmente uma forma de ser e, não de dever ser; b) a constituição não é o resultado do passado, mas a imanência de situações e estruturas sociais presentes, que para grande parte dos pensadores do século XVIII, e não apenas para Marx, se identificam com situações e relações econômicas; c) a constituição não se sustenta em norma transcendente, tem a sua própria estrutura e deve adaptar-se ao dever-ser; d) o conceito racional gravita em torno do momento de validez, e o histórico sobre o momento de legitimidade, enquanto que o conceito sociológico pertine ao o momento de vigência.
Dois exemplos de conceito sociológico de constituição são de Lassalle e De Maistre. Para o primeiro, a constituição é soma de fatores reais de poder que existem num certo país, ou seja, depois de identificados os fatores reais, estes são reduzidos à expressão escrita e, a partir desse momento, passa ser o direito.
Para De Maitre, a constituição nada mais é que a solução do seguinte problema: dadas a população, riquezas, as boas e más qualidades de um certa nação, encontrar as leis convenientes. A principal característica do conceito sociológico significa entender a estrutura política real de um povo não é criação de uma normatividade, e que se tal normatividade quer vigorar esta, tem de ser expressão e sistematização daquela realidade social subjacente.
É possível desacordo da constituição real com a estrutura real, o que acarreta a oposição entre a constituição vigente e real ou sociológica e a constituição jurídico-política, que será tanto mais vigente e eficaz quanto mais coincida com a primeira.
Lorenzo Von Stein formulou nitidamente esse conceito, onde o Estado é aquela organização na qual a pluralidade de vontades individuais se converte em personalidade unitária; a pluralidade se condensa; o Estado é portador do interesse geral e está dominado pela idéia de liberdade e de igualdade.
Nesse sentido, a constituição é a forma pela qual a pluralidade da vontade do povo se transforma em vontade unitária do Estado. Para Stein em virtude da dominação sobre as coisas cede lugar para a dominação sobre as pessoas, a própria sociedade produz algumas normas jurídicas, à margem das estatais, quando a distribuição de riquezas não tem sua correspondência no direito formal.
Diante do antagonismo entre direito e à constituição real e vigente, há a proposta de reforma e de revolução. O autêntico motor da revolução não é a idéia da igualdade, mas a desigual distribuição do bem social, e não são as verdades filosóficas, mas as classes sociais que fazem a revolução e que configuram a constituição.
A cidadania, hoje está igualmente incluída dentro dos mecanismos de proteção constitucional. Por isso, é curial citar Rui Barbosa que aponta o conceito de constituição como a miniatura política da fisionomia de uma nacionalidade.
Mas, voltando ao tema poder constituinte, é relevante delinear que enquanto o poder constituinte originário é de caráter eminentemente político, o poder constituinte derivado é de caráter eminentemente jurídico posto que revela o exercício de competência reformadora.
Há, contudo limites ao Poder Constituinte derivado, de diversas naturezas: a) materiais – conforme as matérias previstas no art. 60, § 4º da CF e seus incisos I ao IV;
b) circunstanciais – não pode haver emenda constitucional, na vigência de intervenção federal, estado de defesa ou estado de sítio;
c) procedimentais – durante o processo de emenda, se esta for rejeitada ou prejudicada, só poderá ser novamente apresentada, na sessão legislativa seguinte.
Há também os limites explícitos que se encontram nos princípios constitucionais (objetivos e fundamentos do Estado brasileiro previstos no art. 3º e, nos incisos do art. 1º da CF).
O constituinte brasileiro de 1988 também tratou de fixar uma forma de alteração constitucional extraordinária que está prevista no art. 3º nos Atos das Disposições Constitucionais Transitórias da CF (ADCT) só após cinco anos, contados da promulgação, pelo voto da maioria absoluta dos membros do Congresso Nacional, em sessão unicameral.
Não há como entender que o Poder Constituinte Revisional é ilimitado. O princípio de simetria consolidado jurisprudencialmente determina que os princípios magnos e os padrões estruturantes do Estado, traduzem efetivamente mais um limite ao poder constituinte decorrente.
Informações Sobre o Autor
Gisele Leite
Professora universitária, Mestre em Direito, Mestre em Filosofia, pedagoga, advogada, conselheira do Instituto Nacional de Pesquisas Jurídicas.