Assédio moral aos servidores públicos do Poder Judiciário – Contornos de uma relação jurídica delicada

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Resumo: Este trabalho científico analisa o fenômeno do assédio moral aos servidores públicos dentro do Poder Judiciário, partindo de uma análise cronológica sobre o assédio moral na Administração Pública, desde a sua origem até os dias atuais. O resultado deste trabalho mostra que não há uma legislação específica a ser posta em relação aos fatos aqui analisados, gerando grande insegurança e dúvidas da eficácia de qualquer medida paliativa a ser imposta. Ao decorrer do trabalho é notório o resultado e quão incidentes são os acessos de assédio moral, e como se dão de forma clara em todos os setores do Poder Judiciário, sejam nas instâncias inferiores às mais altas. Pretendemos expor os fatos e mostrar os seus efeitos, e como esses efeitos podem prejudicar os jurisdicionados, tanto quanto os sujeitos partícipes da relação jurídica delicada.


Palavras-chave: Assédio Moral – Serviço Público – Poder Judiciário.


Abstract: This scientific work analysis the phenomenon of the moral blockade to the public attendant into of the judiciary power, starts of a chronological analysis about the phenomenon, since of its origin (or detection) in the Brazilian public administration to the actual days. The result of this work show that there isn’t a specific legislation to be put in relation to the facts here analysis, begetting big insecurity and doubts as to the efficacy of any palliative measure to the what been imposed . The work concludes that the phenomenon of the moral blockade happen of form vehement in all the sectors of the judiciary power, can be in the inferior instance to the higher. On expose the facts and show your effects, the work intend show like these effects can harm the under jurisdiction, such as the subject practicing of this relation delicate juridical.


Keywords:  Moral blockade –  public attendant –  judiciary power.


Sumário: 1. Introdução. 2. Aspectos históricos do assédio moral. 3. O Assédio moral dentro das arestas do serviço público (Poder Judiciário). 4. Do princípio da supremacia do interesse público sobre o privado. 5. A subordinação hierárquica. 6. A estabilidade. 7. A exoneração por avaliação periódica de desempenho- Um delicado instrumento. 8. Medidas assediadoras. 9. Ponderações finais. Referências bibliográficas


1. Introdução


A depressão, durante o século passado, foi considerada por muitos cientistas e pesquisadores, como o grande mal do século XX. Hodiernamente, muito se discute a respeito do que seria classificado como a chaga maior do novo milênio. Com efeito, ousa-se dizer que o mal ainda se repete, agora, desnudado em suas mais diversas variantes.  


A depressão do novo milênio não é mais aquela produzida pelas paredes frias e sombrias de um quarto escuro qualquer. A depressão moderna atravessou a rua, até chegar a um mar bravio nunca antes navegado: o meio ambiente do trabalho, advinda de ações desencadeadas pelo fenômeno jurídico denominado por assédio moral.


Em tempo, atualmente, diversos casos de assédio moral se verificam presentes no seio laboral, vitimando centenas, quiçá, milhares de trabalhadores no mundo inteiro. O século XXI trouxe o acirramento das concorrências, do mercantilismo social, do confinamento. O trabalhador não é mais o mesmo de tempos atrás, o seu habitat e o seu “senhorio” também não são mais os mesmos.


O universo jurisdicional também acompanhou as mais diversas mudanças sociais, físicas e estruturais do capitalismo. Todavia, esse sistema econômico, hoje considerado por muitos como falido, trouxe conseqüências desastrosas às relações de trabalho, e, por conseqüência, às relações entre o Estado e seus servidores públicos.


Por conseguinte, o homem vem sendo tratado como mais um dos produtos do sistema e não o contrário. Neste entendimento, se asseverou o atingimento irreal de metas, o cumprimento de absurdas tarefas, a sobreposição do número ao elemento humano.


A agressão esporádica do empregador ao seu subordinado aos poucos se tornou contínua, habitual e contumaz. O assédio moral se fez carne, saindo do métier comercial e instalando-se nos diversos setores burocráticos do Estado. E foi mais longe, chegou e hoje também se encontra presente nos corredores do Judiciário.


Este trabalho analisa de forma singular a nua e perversa face do assédio moral dentro das instituições públicas judiciais. Um universo pouco explorado por livros e pouco discutido. Porém, presente na realidade das mais diversas instituições públicas, com um viés delicado e controverso ao ser escancarado dentro do Poder mais coercitivo e fechado em suas arestas, o Poder Judiciário.


2. Aspectos históricos do assédio moral


A História recente do país trouxe à baila a perversa face do assédio moral, através do estudo científico de mestrado realizado pela pesquisadora e médica do trabalho Margarida Barreto. O trabalho da pesquisadora foi produto da tese de mestrado em Psicologia Social realizado no ano de 2000, na Pontifícia Universidade Católica, em São Paulo.


A inovação do tema gerou diversos artigos e ainda no ano 2000, uma matéria da colunista Mônica Bergamo, publicada no jornal Folha de São Paulo, inaugurou as discussões sobre o novel tema: assédio moral no ambiente de trabalho.


Dentro da atmosfera laboral, o estudo sobre o assédio moral foi introduzido por diversos pesquisadores. No âmbito do assédio moral na Administração Pública, merece destaque, o livro Assédio Moral em face do Servidor Público, da autora Lilian Ramos Batalha, que principiou o conhecimento do fenômeno dentro das esferas públicas administrativas. 


No Brasil collorido do ano de 1989, o fenômeno do assédio moral ganhava ares estatutários, destacando-se as medidas tomadas pelo então presidente: Fernando Collor de Melo. A esse respeito, a autora afirma que:


“No Brasil, situa-se o conhecimento da matéria a partir do fenômeno nefasto personificado no pseudocaçador de marajás, capitaneado por Fernando Collor, que levou milhares de servidores públicos à disponibilidade, ato para o qual o critério eleito foi o de banir os indesejáveis, o que, por si só, reflete em uma absoluta falta de critério, configurando-se aquela prática como a primeira manifestação em massa do chamado mobbing de Estado no Brasil.” (BATALHA, 2009, p. 2)


Dentre estas medidas, destacaram-se: disponibilidades forçadas a servidores públicos federais e redistribuições. Estas medidas foram parte de um pacote de ações orquestradas pelo governo Collor que inauguraram o fenômeno do assédio moral na Administração Pública brasileira.


3. O Assédio moral dentro das arestas do serviço público (Poder Judiciário)


Envolto a uma série de especificidades e peculiaridades, o fenômeno do assédio moral inserto na iniciativa privada, ganha enorme diferença ante as relações estatuárias desenvoltas aos servidores públicos.


Vê-se que, de um lado, nas relações privadas, têm-se a subordinação jurídica dos empregados, a indeterminação do prazo do contrato de trabalho, os princípios da continuidade do serviço, da proteção integral, da primazia da realidade, dentre outros que norteiam e disciplinam as relações jurídicas celetistas.


No entanto, ainda que os servidores públicos não possuam todas as características essenciais de um empregado celetista regular, não se pode olvidar que detêm alguns traços que os diferenciam dos demais trabalhadores da iniciativa privada.


É salutar frisar que ainda existem, no Brasil, servidores públicos admitidos sob o regime celetista, haja vista a emenda constitucional 19/98 que aboliu a previsão do artigo 39 da Constituição Federal de 1988- CF/88, que estabelecia o sistema do regime jurídico único. Na oportunidade, a União, os estados, o Distrito Federal e os municípios tiveram a possibilidade de utilizar mais de um regime jurídico.


O professor José dos Santos Carvalho Filho (2008, p.547) ilustra bem esta disposição asseverando que: 


“Desse modo, tornou-se possível, por exemplo, que um estado tenha um grupo de servidores estatutários e outro de servidores trabalhistas, desde que, é claro, seja  a organização funcional estabelecida em lei. O mesmo foi permitido para as demais pessoas  federativas. Aliás, a própria União Federal, como já  vimos, tem a previsão de servidores estatutários (Lei  nº 8.112/90) e de servidores trabalhistas (Lei nº 9.962/2000 e legislação trabalhista).”


Cabe ressaltar, porém, que o Supremo Tribunal Federal julgou a ADin 2135-4, em sede de liminar, restabelecendo-se a redação original do artigo, ao qual voltou a dispor sobre a obrigatoriedade do regime jurídico  único para os servidores da administração pública direta, das autarquias e das fundações públicas.


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Nesta ótica, embora com a possibilidade da convivência dos dois regimes: celetista e estatutário, este último se revela bem mais rígido em relação aos deveres do servidor. Princípios como a continuidade do serviço público, bem como o da supremacia do interesse público sobre o privado acabam por tolher as possibilidades de reação do servidor quando este se torna vítima de um assédio moral.


Ademais, outras ações como: distribuição de funções comissionadas e a mitigação da estabilidade com a inclusão da avaliação periódica de desempenho são fatores que acabam eternizando o silêncio, já que os assediadores se utilizam destas armas, para ameaçar e perpetuar suas ações.


Para ilustrar este entendimento, alguns princípios administrativos são utilizados para corroborar a dificuldade em se caracterizar e punir os feitores desta prática dentro das esferas públicas. Com efeito, cite-se o princípio que rege como corolário de todos os atos da Administração Pública: o princípio da supremacia do interesse público sobre o privado.  


4. Do princípio da supremacia do interesse público sobre o privado


No exercício de suas atribuições, a Administração Pública possui diversas prerrogativas, sem as quais não poderiam atuar no exercício do múnus público.


Reza a disciplina do Direito Administrativo que para o exercício regular da máquina administrativa, só é possível e permitido se fazer o que está disciplinado em lei. Em respeito ao princípio constitucional da legalidade, também disposto no rol dos princípios da administração pública, insertos no artigo 37 da Magna Carta; restando, em contrapartida, ao particular, a liberdade de se fazer tudo aquilo que não seja legalmente proibido.


Com isso, a responsabilidade do Estado tornou-se muito mais complexa e necessária em face da relacionada ao particular; pois, ao primeiro, cabe assegurar a escorreita administração da tutela do interesse público, este, sempre alçado ao patamar superior frente a qualquer interesse privado.


Sobre esta supremacia do Estado, também assevera brilhantemente o professor José dos Santos Carvalho Filho (2008, p.26):


“Não é o indivíduo em si o destinatário da atividade administrativa, mas sim o grupo social num todo. Saindo da era do individualismo exacerbado, o Estado passou-se a caracterizar-se como Welfare  State (Estado /bem estar), dedicado a atender ao interesse público. Logicamente, as relações  sociais vão ensejar, em determinados momentos, um conflito entre o interesse público e o  interesse privado, mas, ocorrendo esse conflito, há de prevalecer o interesse público”.


Sabe-se, contudo, que mesmo ao Estado, se impõem limites. Em consonância a princípios constitucionais e administrativos, um destes limites refere-se à possibilidade do particular rescindir o contrato realizado com a administração, sob a ocorrência de fatos alheios à sua vontade, como por exemplo, o aumento desarrazoado de uma prestação do contrato administrativo que não possa mais ser suportado pelo particular.  


Nesse mister, há que se buscar a mediação entre os diversos agentes, visto que a soberania do primado do interesse público em face do privado não deve ser levado às últimas consequências. Ressalte-se, ainda, que por carecer de limites objetivos, a primazia do interesse coletivo deve respeitar os limites constitucionais individuais. Tais limites constitucionais individuais são tutelados por princípios. Nesse diapasão, cite-se como grande sustentáculo dos demais: o princípio da dignidade humana.


Sabe-se que, em nome da soberania do Estado e do primado do interesse público (no qual se norteia toda a administração pública, emanando-se seus efeitos aos demais poderes), muitas ações duvidosas estão sendo levadas a efeito. É sutil o limiar entre se considerar o macro frente ao mínimo, no entanto, princípios que fundamentam o nosso arcabouço constitucional-ideológico, jamais podem ser olvidados, sob pena de se privilegiarem coisas, acima de pessoas.


5. A subordinação hierárquica


O assédio moral ou intramuros no âmbito do serviço público, em especial no Poder Judiciário, possui a delicadeza de ser anônimo e quase invisível aos olhos de um observador mais acurado.


Isso não se dá por acaso, afinal seus agentes possuem intensa formação científica, acadêmica e jurídica para entenderem o quão de criminoso possuem com tais atitudes.


Quando submetido às relações de subjugação, exploração ou utilização de forças superiores que possam caracterizar e subsidiar uma reclamação trabalhista em torno de assédio moral, o obreiro celetista tem em suas mãos a ferramenta de poder exigir o cumprimento do art. 483 do Diploma Consolidado Trabalhista, a saber, a utilização da rescisão injusta indireta.


Esta ferramenta não se faz presente na realidade do serviço público, nem aparece adaptada às suas regras pertinentes. O que também torna delicada a relação entre servidores públicos e sua chefia imediata é o fato de que esta relação de trabalho não possui a proteção integral da lei, ou seja, os servidores públicos não são considerados hipossuficientes, como asseveram os protetivos dispositivos contidos na Consolidação das Leis do Trabalho- CLT. 


Os servidores públicos do Poder Judiciário têm, ainda, mais diferenças. Embora advindos de concurso público, excetuados os ocupantes de cargo de livre nomeação e exoneração, os servidores possuem estrita relação de subordinação não apenas hierárquica com seus chefes (juízes, desembargadores ou ministros), possuem subordinação funcional e na maioria das vezes, intelectual. Explica-se, pelo fato de seus imediatos serem agentes políticos e não somente agentes administrativos, como assim são os seus subordinados. Os agentes políticos atuam na sociedade de forma indiscutível e possuem superior destaque face aos princípios constitucionais.


Bem assevera o grande doutrinador José dos Santos Carvalho Filho (2008, p. 532) ao afirmar que:


“Agentes políticos são aqueles aos quais incumbe a execução das diretrizes traçadas pelo Poder Público. São estes agentes que desenham os  destinos fundamentais do Estado e que criam as  estratégias políticas por eles consideradas necessárias e convenientes  para que o Estado atinja os seus fins.”


Ademais, por estarem imbuídos deste papel institucional, os membros gozam de garantias constitucionais peculiares ao seu mister, quais sejam: a vitaliciedade,  a inamovibilidade e a irredutibilidade de subsídios, conforme asseveram os termos do artigo 95  da Constituição Federal de 1988.


Diante de tais prerrogativas, qualquer exercício de independência ou autonomia originário de um subordinado diante da ocorrência de atos de assédio moral, torna-se como uma afronta à sua superioridade e é classificado como uma espécie de insubordinação. Como argumentar e exigir o cumprimento de direitos com um assediador que diariamente julga casos (vidas), alguns, até mesmo, com idêntico pedido e causa de pedir do assédio moral sofrido pelo servidor (vítima).


Com efeito, a subordinação hierárquica também pesa quando a vítima tenta promover uma denúncia relativa à situação de horrores das quais está sendo vítima. Não obstante, alguns colegas do magistrado sob suspeita, diminuem ou mesmo desconsideram as alegações da vítima, sob o argumento de que suas funções institucionais lhe dão fundamento para agir ao seu livre alvedrio, sem tolhimento de possíveis ações sancionatórias impostas aos seus colaboradores (servidores). Argumentam ainda, que tampouco se submetem à prestação de contas no âmbito de suas secretarias ou gabinetes, haja vista que o papel fiscalizatório e correicional dos órgãos superiores a que estão vinculados (leia-se Conselho Nacional de  Justiça), se subsumem basicamente à estrita observância do controle da atuação administrativa e financeira do  Poder Judiciário e do cumprimento dos deveres funcionais dos juízes, cabendo-lhes, além de outras  atribuições, as que lhe forem conferidas pelo Estatuto da Magistratura.


Por fim, é necessário frisar que o sistema judiciário atual corrobora para a chamada desconsideração ou mitigação dos direitos dos servidores, dando margem a situações de assédio, pois coloca dois sujeitos (magistrado e servidor público), regidos por regimes diferentes (com direitos, deveres e punições diferentes), trabalhando lado a lado, em busca de um resultado comum: a excelência de resultados. Em algum momento, essas diferenças vêm à tona. E nessa hora a violência moral torna-se uma realidade do cotidiano.


Reconhecer a existência do assédio moral dentro das instituições judiciárias é o primeiro passo em busca da concretização desta excelência, pois não há como trabalhar dignamente, se não se tem um bom ambiente e mínimas condições de trabalho, e nisso incluem-se o respeito e o reconhecimento pelo legislador do fenômeno do assédio moral. 


6. A estabilidade


Durante muitos anos, o servidor público foi visto como um trabalhador privilegiado. Parte desta visão da população deve-se ao fato de que os servidores públicos possuem o direito à estabilidade, conforme assevera o artigo 41 da Carta Magna : “São estáveis após três anos de efetivo exercício os servidores nomeados para cargo de provimento efetivo em virtude de concurso público.” O dispositivo assevera, ainda, que o servidor só pode ser demitido em hipóteses restritas.


Ademais, as relações de trabalho que envolvem servidores públicos colacionam características bem singulares. A primeira, já conhecida, é a presença da estabilidade – conseguida após o cumprimento do estágio probatório e da conseqüente avaliação especial com finalidade específica, após o cumprimento do lapso temporal de 3 (três) anos. A segunda característica, não menos complexa, é a subordinação jurídico-hierárquica entre um agente político (magistrado/desembargador/ministro) e um agente administrativo (servidor público).


Sabe-se que o fenômeno do assédio moral no Brasil inserto no serviço público, em especial no Poder Judiciário, não é um fato isolado nem recente. Há muito já se discute sobre sua incidência, inclusive, daquele escondido sob o manto das instituições judiciárias. Segue abaixo, trecho do artigo “O assédio moral no âmbito da administração pública”. Destaque-se a parte final do ilustrado artigo, na qual a autora menciona trechos do artigo: Assédio moral apressa pedido de demissão, escrito por Luciano Grüdtner Buratto, o qual relata que os profissionais com estabilidade, como, por exemplo, os servidores públicos, atualmente são um dos principais alvos do assédio moral:


“A partir de então, vêm saindo reportagens em todos os meios de comunicação de circulação nacional abordando a exposição dos (as) servidores (as) públicos (as) a constrangimentos no exercício oficial de seu cargo ou função pública. Nos jornais, a primeira matéria saiu na Folha de São Paulo, em 25.11.2000, na coluna de Mônica Bérgamo: “[…] trabalho que não será utilizado está cometendo psicoterror, ou assédio moral”; depois, mais um artigo na Folha de São Paulo, como numa das edições de junho de 2001, denominado: Assédio moral apressa pedido de demissão, escrito por Luciano Grüdtner Buratto, para cujo Free-lance: “o maior alvo é quem tem estabilidade”, conforme podemos verificar alguns dos parágrafos dessa matéria, verbo ad verbum : “Foi-se o tempo do chefe grosseiro. Hoje o mercado oferece uma variedade de métodos mais sutis para quem quer demonstrar poder ou apressar o pedido de demissão de algum funcionário. […] Um dos principais alvos de assédio moral são os profissionais com estabilidade, como diretores de sindicato e servidorespúblicos. Para eles o terror é mais prolongado devido a dificuldade de demiti-los. A estratégia usada é tentar vencê-los pelo cansaço” (grifos nossos)[1]


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O que não se sabia, ou pelo menos, não se desconfiava, era o fato de haver determinadas pessoas que pudessem estar mais suscetíveis, ou mesmo, fossem o alvo preferencial de ações de assédio moral. Em tempo, os servidores públicos. O texto acima é bem claro ao afirmar que esta classe é um dos focos buscados pelo assediador.


Não obstante a impossibilidade de promoção direta da demissão, pela garantia da estabilidade, alguns servidores são submetidos a forçoso e prolongado sofrimento e são vítimas de intensas sessões de “psicoterror”.


Algumas dessas medidas assediadoras são acobertadas pelo manto da exigência do cumprimento do princípio da eficiência, largamente asseverado nas instituições públicas, e, com efeito, o Poder Judiciário também lhe deve cumprimento.


Porém, são impostas grandes metas (ou metas inalcançáveis) ou exige-se o zeramento de pendências administrativas (das quais o desfecho independe do servidor). Até aí, não haveria o que se falar em contrário.


Contudo, muitos magistrados erram na medida e lançam mão do perigoso instrumento da intimidação, com seu poder disciplinar e hierárquico trazido por sua peculiar função. Esta intimidação provoca medo e angústia aos expectadores do ambiente de trabalho. Servidores públicos ou não. Ademais, o pavor não se resume apenas ao servidor (alvo da violência), mas acomete a todo o ambiente organizacional, restando-o prejudicado. Afinal, se hoje eles são vítimas, amanhã, os demais colegas também poderão ser.


Desta situação, indubitavelmente se originam incontáveis licenças médicas, para tratamentos psíquicos ou físicos, desencadeados pelas habituais ações assediadoras. É uma relação de causa e efeito. Não há como se considerar isoladamente uma ação de assédio moral e o desencadeamento desta para todo o serviço público. Quando um servidor público falta ao serviço por licença-médica, o Estado paga duas vezes. Paga pelo prejuízo ao serviço, cuja ausência do servidor colabora para o andamento mais lento dos trabalhos e paga à vítima, que, por direito, tem seus dias de falta abonados.
7. A exoneração por avaliação periódica de desempenho- Um delicado instrumento


É sabido que os servidores públicos federais adentram as esferas estatutárias, por intermédio da aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração. Este direito foi constitucionalmente assegurado por intermédio do artigo 37, inciso II da atual Carta Política.


O referido artigo traz ainda em seu bojo outras garantias constitucionais destinadas aos servidores públicos, as quais se destacam: a possibilidade de uso do direito de greve, a destinação das atribuições de direção, chefia e assessoramento, às funções de confiança exercidas exclusivamente por servidores ocupantes de cargo efetivo, e a exigência que certos cargos em comissão, sejam preenchidos por servidores de carreira nos casos, condições e percentuais mínimos previstos em lei.


Com efeito, a Constituição Federal traz dois institutos de avaliação de desempenho sobre os servidores públicos federais. O primeiro é a avaliação especial de desempenho. A exigência deste instituto se faz obrigatória para a aquisição da estabilidade, tendo natureza obrigatória, sendo realizada por comissão especial instituída para esta finalidade, com fulcro no artigo 41, § 4º da CF/88. O segundo instituto é a avaliação periódica de desempenho.


Os dois institutos, embora sejam parecidos, não se confundem. Esta última avaliação refere-se a uma das três hipóteses de perda do cargo de servidor público estável, insertas no artigo 41 da Constituição Federal de 1988.


“Art. 41. São estáveis após três anos de efetivo exercício os servidores  nomeados para cargo de provimento efetivo em virtude de concurso público.


§ 1º O servidor público estável só perderá o cargo:


I – em virtude de sentença judicial transitada em julgado;


II – mediante processo administrativo em que lhe seja assegurada ampla defesa;


III – mediante procedimento de avaliação periódica de desempenho, na forma de lei complementar, assegurada ampla defesa. “(grifos nossos)


Merece registro, o fato do primeiro instrumento (avaliação especial de desempenho), embora não com estes termos, estar disposto no artigo 20, da Lei 8.112/90, que dispõe sobre o Regime Jurídico dos servidores públicos civis da União, das autarquias e das fundações públicas federais. No entanto, verifica-se que a avaliação periódica de desempenho não está elencada entre as hipóteses legais de perda de cargo público inseridas na referida lei, conforme disciplina o artigo 41, § 1º da Constituição Federal.


Embora não presente no referido diploma, a avaliação periódica de desempenho está disciplinada na atual Carta Magna e é, sem dúvida, um instrumento de controle bastante utilizado pela administração pública.


Embora necessite de regulamentação própria, por meio de lei complementar, a avaliação periódica de desempenho é regulada em muitos órgãos públicos, por intermédio de resoluções internas.


Atualmente, existem diversas resoluções que tratam acerca da avaliação periódica de desempenho e sua utilização para fins de promoção a servidores públicos federais. No âmbito do Poder Judiciário, cite-se o exemplo da Resolução nº 22.582 do Tribunal Superior Eleitoral, que dispõe sobre o desenvolvimento nas carreiras, dos servidores ocupantes de cargos de provimento efetivo dos quadros de pessoal dos Tribunais Eleitorais e dá outras providências.


Inicialmente, o procedimento de avaliação periódica de desempenho foi instituído na Carta Política, por intermédio da emenda constitucional nº 19/98, para listar as hipóteses de perda de cargo público do servidor público estável.    


Posteriormente, a instituição da citada avaliação buscou adequar-se também para outras atividades da administração pública, como por exemplo, a utilização para fins de promoção e desenvolvimento na carreira de servidores públicos. 


Com efeito, em alguns casos, o referido mecanismo vem sendo utilizado como forma de intimidação a servidores públicos, realizada por magistrados como instrumento de coação para a submissão de servidores e colegas de trabalho, que, por acaso, sejam testemunhas de atos de assédio moral.  


Ademais, calha frisar que, usualmente, esta avaliação de desempenho é realizada pelo superior imediato, ou seja, pelo magistrado (agente assediador). Ao impor o seu uso como necessário para a progressão funcional, o Estado mune o assediador com instrumentos privilegiados de força e de pressão.


Nas secretarias judiciárias, este instrumento é bastante utilizado como pontuação para o preenchimento de chefias ou cargos de confiança.


Com isso, o assediador detém o meio certo e eficaz para prolongar a jornada de sofrimentos psicológicos, fazendo a vítima pensar, diversas vezes, antes de denunciar qualquer ato insidioso de assédio moral, afinal, esta terá muito mais a perder.


Em muitos casos, o assediador aproveita este instrumento para humilhar, subjugar, diminuir “em números” o trabalho do servidor, provando o quão distante são as relações de poder que os cercam, mostrando, com isso, a superioridade do cargo que ocupa, em detrimento do hipossuficiente e dependente de “pontos”: servidor público.      


8. Medidas assediadoras


O rol de atitudes caracterizadoras do assédio moral no serviço público não é taxativo, como exemplo, citem-se algumas ações: a negação do superior em orientar adequadamente seus subordinados quanto aos procedimentos de trabalho e de rotinas administrativas, o silêncio maldoso em não responder perguntas sobre o trabalho ou o ambiente organizacional, a realização de tarefas impossíveis de serem cumpridas ou com prazos extremamente exíguos,  humanamente improváveis de conclusão.


Em alguns casos, verifica-se que depois do cumprimento da meta estipulada e a apresentação do resultado do trabalho, o superior hierárquico ignora consideravelmente o trabalho da vítima, riscando ou mesmo rasgando o seu objeto. Em alguns casos, colocando-o, até mesmo, em uma gaveta qualquer de seus gabinetes, sem a menor intenção de utilizar o trabalho posteriormente, usando-o, na melhor das hipóteses, como forma de exibição da incompetência da vítima para os demais subordinados.


No âmbito do Poder Judiciário, alguns magistrados utilizam suas prerrogativas constitucionais como escudo para ações insidiosas de assédio moral. Merece registro a utilização de gratificações como moeda de troca e barganha, como um instrumento de intimidação para diretores de secretaria, servidores comissionados, requisitados ou cedidos.  


Negociam-se o silêncio e a honra, em nome de posição, promoção ou mesmo a “estabilização” de servidores.  Na verdade, quem não quer galgar posições funcionais, também não quer regredir.


Vê-se também nas instâncias judiciárias ações assediadoras de transferência ex officio de servidores, a redistribuição com fundamentos técnicos não comprovados, a retirada de gratificações, funções de confiança ou cargos comissionados, com intuito puramente despótico e punitivo. 


Ainda, em relação ao fenômeno do assédio moral no Judiciário, merece destaque a entrevista da psicóloga Lúcia Maria Amaral, inserta no Jornal do Judiciário nº 224, de 23 de setembro de 2005, intitulada “O assédio moral no Judiciário é gritante”, afirmando que o assédio moral está disseminado no Judiciário Federal, mesmo que de formas sutis.


A citada psicóloga trabalhou como credenciada ao Tribunal Regional Federal da 3ª Região, de 1999 a 2004. Neste trabalho, acompanhou centenas de casos e relatos de assédio moral sofridos por servidores públicos federais do Poder Judiciário. Curioso observar que a psicóloga foi descredenciada logo após questionar um procedimento realizado pelo Departamento da Justiça Federal.[2] Para aclarar o entendimento do assédio moral nas instâncias judiciárias, segue abaixo um trecho da entrevista da psicóloga:


“As pessoas chegavam com queixas de depressão, que estavam ‘perdidas’, não sabiam o que fazer. Em geral, tinham medo de tudo, até de trabalhar. Essas eram as queixas principais. ‘Estou procurando você porque eu estou muito depressivo’. Alguns estavam com Síndrome do Pânico. A pessoa começa a somatizar e ter problemas emocionais. Até para justificar, ela precisa de ajuda, precisa gritar de alguma forma. Às vezes, a depressão ou somatização de doenças orgânicas é uma maneira do corpo pedir socorro. Mas nem isso é considerado, quando é caso de assédio moral, pela chefia. Ao contrário, quando a pessoa procura atendimento psicológico e esse chefe  fica sabendo, começa a boicotar os horários, mesmo sendo um serviço que o tribunal disponibiliza  para o funcionário. […]


[…] Minha experiência teve haver mais com o acompanhamento aos casos no Judiciário. Aí foi gritante, realmente complicou. E é uma  coisa que salta aos olhos, porque você pensa: ‘poxa, dentro do Judiciário, da Justiça? Como isso pode acontecer’. Acho que o assédio também pode ser caracterizado como no meu caso, quando se dispensa  uma pessoa que presta um serviço direta ou indiretamente e que era competente no serviço por pelo  menos seis, sete anos. É muito comum as pessoas chegarem e não encontrarem seu computador no local, ou sua mesa ou suas incumbências, enfim, retiram a sua identidade. E a pessoa pergunta para os colegas e não têm nenhuma explicação. Você não pode pensar. Tem que pensar como eles ou não faz parte do esquema.”


Para coibir a prática abusiva do assédio moral dentro das repartições públicas judiciárias, no ano de 2008, a Federação Nacional dos Trabalhadores do Judiciário Federal e Ministério Público da União (FENAJUFE) lançou a cartilha “Venha para a luta contra o Assédio Moral” com tiragem de 30 mil exemplares, em comemoração aos 15 anos de luta em defesa dos interesses dos trabalhadores, além de lançar a campanha sobre o assédio moral nos locais de trabalho. Calha mencionar pequeno trecho da cartilha, acerca dos atributos do assédio moral no serviço público:


“É importante considerar, entretanto, que o assédio moral apresenta contornos diferentes no serviço público, sendo uma das razões a garantia da estabilidade no vínculo funcional. Diante dessa situação e em face da difusão dessa espécie de prática, é relevante que o tema seja discutido por toda a sociedade e, especialmente pelos servidores públicos”.(Cartilha sobre Assédio Moral  da FENAJUFE)


Estas formas de mobilização de sindicatos de trabalhadores e de servidores públicos traduzem uma chamada de atenção para a utilização da informação direta como um mecanismo de defesa e de prevenção contra futuras ações assediadoras, haja vista que, enquanto não há a conscientização do mal, não há a cura deste. E se não se conhece  o problema, não há como se combatê-lo com  eficácia.


9. Ponderações finais


Com efeito, do presente estudo impendem-se diversas considerações.


O corolário ideológico de nosso arcabouço jurídico não admite que o interesse privado sobressaia-se, em face do primado do interesse público. Contra isso, não se fazem ponderações. O fato em que se cuida analisar é o de não existir reconhecimento do assédio moral como uma prática orquestrada, não apenas por empregadores particulares, mas em nome do grande empregador (Estado).


Sabe-se que o Estado é responsável pelo bem-estar social e também pelo efetivo e regular cumprimento das funções administrativas, não se olvidando da proteção e a garantia dos direitos humanos fundamentais.


O dever do Estado não se resume apenas ao poder de fiscalização, controle e observância dos preceitos da tutela coletiva, pois atua também frente ao desenvolvimento econômico e social de seus cidadãos, e os servidores públicos, entes de qualquer denominação, assim também os são.


Neste desiderato, ao serviço público cumpre a efetiva realização de todos os procedimentos legais em consonância com os princípios da Administração Pública e os princípios gerais do direito.


O que não se admite é o fato de os próprios agentes da Lei, serem acusados de condutas criminosas (não toleradas) de opressão, humilhação, violência moral e psicológica. E, ainda, em nome de uma supremacia de prerrogativas constitucionais presentes não em razão da pessoa, mas em razão do cargo que ocupam, e do papel institucional que desempenham na coletividade jurídica.


Os servidores públicos são os principais agentes que movem a grande máquina estatal, na busca da efetivação das políticas públicas de desenvolvimento público, sejam nas áreas de: saúde, educação, bem-estar, segurança pública. É a base organizacional da pirâmide.


Não é razoável que alguns agentes políticos do Estado (magistrados) se valham dos cargos para proporcionar verdadeiros acessos de fúria contra empregados inferiores. Não se deve tolerar qualquer atitude desta natureza. Seja no serviço público federal, estadual ou municipal. O papel da sociedade é de fiscalizar os serviços e cobrar a efetiva prestação jurisdicional do Estado, bem como o bom trato para com os seus servidores.


Os princípios da dignidade humana e o da supremacia do interesse público se colidem, na proporção em que são submetidos ao crivo do “permitido e tolerado” procedimento de assédio moral presente nas repartições públicas, especialmente no âmbito do Poder Judiciário. Este Poder, fechado em suas arestas é o responsável pelo cumprimento efetivo da Lei. Ab initio, constitucionalmente não lhe cabe a fiscalização, por já existir o Órgão Ministerial, porém, ao Poder Judiciário cabe o principal ato: dizer o Direito e fazer cumpri-lo, dentro e fora de suas arestas.


 


Referências bibliográficas:

AMARAL,  L. M.  O assédio moral no Judiciário é gritante. Jornal do Judiciário nº 224, de 23 de setembro de 2005. Disponível no sítio<http://www.sintrajud.org.br> Acesso em 06 set. 2008.

BARRETO, Marco Aurélio Aguiar. Assédio   moral no trabalho: da responsabilidade do empregador: Perguntas  e Respostas– 2ª edição- São Paulo: LTr, 2009

BATALHA, Lílian Ramos, Assédio Moral em face do Servidor Público, 2ª edição. Editora Lumen Juris, 2009.

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil: promulgada em 5 de outubro de 1988. Senado Federal, 2008.

BRASIL. Decreto-Lei n.º 5.452/43. Consolidação das Leis do Trabalho. Congresso Nacional. Brasília: 1943.

BRASIL. Lei nº 8.112/90. Dispõe sobre o regime jurídico dos servidores públicos civis da União, das autarquias e das fundações públicas federais. Congresso Nacional. Brasília: 1990.

CARVALHO FILHO. José dos Santos. Manual de Direito Administrativo,19ª edição, revista, ampliada e atualizada. São Paulo: Editora Lumen Juris, 2008.

FRANCA, Inácia. O assédio moral no âmbito da administração pública. Disponível em:<www.google.com.br>,  20. maio.08. Acesso em 06/09/2008

HIRIGOYEN, Marie-France. Assédio moral: a violência perversa no cotidiano. 11ª edição, Rio de janeiro, Editora Bertrand Brasil, 2009.

 

Notas:

[1]FRANCA, I. O assédio moral no âmbito da administração pública. Correio Forense, Paraíba, set. 2008.  Disponível em:<http://www.google.com.br> Acesso em 06 set. 2008.

[2]AMARAL, L. M. O assédio moral no Judiciário é gritante. Jornal do Judiciário nº 224, de 23 de setembro de 2005. Disponível no sítio<http:// www.sintrajud.org.br> Acesso em 06 set. 2008.

 


Informações Sobre o Autor

Derniere Temoteo Monteiro Maia

Técnica do Ministério Público do Rio Grande do Norte. Bacharela em Direito pela Universidade do Estado do Rio Grande do Norte. Especializanda em Direito e Processo do Trabalho pela Universidade Anhanguera- UNIDERP.


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