Sim, o indeferimento do auxílio-doença pelo INSS pode gerar uma situação delicada tanto para o trabalhador quanto para a empresa. O empregado, por considerar-se doente, pode entender que está inapto para o trabalho, enquanto o INSS, por outro lado, o considera apto. A empresa, por sua vez, encontra-se em um impasse: deve aceitar o retorno ao trabalho? Pode dispensar o funcionário? Deve aguardar nova perícia ou recurso? Essas são dúvidas frequentes e que precisam ser respondidas com base na legislação e na jurisprudência atual. Neste artigo, vamos explicar o que o empregador deve fazer diante do indeferimento do auxílio-doença e como agir com responsabilidade, segurança jurídica e respeito aos direitos trabalhistas.
O que é o auxílio-doença
O auxílio-doença, atualmente chamado de benefício por incapacidade temporária, é um benefício concedido pelo INSS ao segurado que fica temporariamente incapacitado para o trabalho em razão de doença ou acidente. Para ter direito ao benefício, o trabalhador deve cumprir alguns requisitos:
- Ter qualidade de segurado no momento do afastamento
- Ter cumprido a carência de 12 contribuições mensais (salvo nos casos de acidente ou doenças graves)
- Estar temporariamente incapacitado para suas atividades habituais, conforme avaliação médica pericial
O benefício é requerido junto ao INSS e, se aprovado, o trabalhador fica afastado do trabalho e recebe o pagamento diretamente da Previdência Social, a partir do 16º dia de afastamento (nos primeiros 15 dias, a empresa é responsável pelo pagamento).
Quando o auxílio-doença é indeferido
O auxílio-doença pode ser indeferido (negado) pelo INSS em diversas situações. Os principais motivos incluem:
- A perícia médica do INSS entendeu que o trabalhador está apto para o trabalho
- Ausência de documentos médicos suficientes para comprovar a incapacidade
- Falta de qualidade de segurado
- Ausência de carência mínima
- Inexistência de nexo entre a doença e o trabalho, nos casos de acidente de trabalho
Quando o INSS nega o auxílio-doença, ele emite um comunicado formal ao segurado, indicando o motivo do indeferimento. Essa decisão, porém, nem sempre reflete a real condição de saúde do trabalhador.
O impasse entre INSS, trabalhador e empresa
O indeferimento do benefício cria um impasse entre as partes envolvidas. De um lado, o INSS diz que o trabalhador está apto para retornar ao trabalho. De outro, o empregado, muitas vezes munido de atestados e laudos médicos, afirma que ainda está incapacitado. E a empresa, por sua vez, não sabe se deve aceitar o retorno, encaminhar novamente ao INSS, ou considerar o abandono de emprego.
Esse conflito é comum e exige cautela por parte do empregador, pois decisões precipitadas podem resultar em ações trabalhistas, com pedidos de indenização, reintegração ou nulidade de dispensa.
A empresa é obrigada a aceitar o retorno ao trabalho?
Não há uma regra fixa que obrigue a empresa a aceitar o retorno imediato do empregado após o indeferimento do auxílio-doença. O que ocorre, na prática, é que a empresa deve avaliar se o trabalhador realmente está apto para retomar suas funções, considerando a documentação médica apresentada e, se necessário, submetê-lo ao serviço médico da empresa ou a uma avaliação clínica particular.
Se o médico do trabalho da empresa atestar que o trabalhador está inapto para suas atividades, a empresa pode recusar o retorno ao trabalho e orientar o empregado a buscar nova avaliação no INSS ou a judicializar a questão.
Por outro lado, se o médico da empresa considerar que o trabalhador está apto, a empresa pode permitir o retorno às atividades, ainda que o empregado discorde da decisão.
Afastamento limbo: o que é e como agir
O “afastamento limbo” é a situação em que o trabalhador:
- Não tem o auxílio-doença concedido pelo INSS
- Não é considerado apto pelo médico da empresa para retomar o trabalho
- Fica sem receber salário nem benefício
Essa situação é extremamente prejudicial ao trabalhador e, se mal conduzida, pode gerar responsabilização da empresa. O Tribunal Superior do Trabalho (TST) já consolidou entendimento no sentido de que a empresa não pode deixar o trabalhador sem qualquer fonte de sustento, ainda mais quando o próprio médico da empresa reconhece que o empregado está inapto.
Nessas situações, a empresa tem algumas alternativas:
- Manter o contrato de trabalho suspenso e ajudar o trabalhador a agendar nova perícia médica
- Ingressar com ação judicial para reconhecer o direito ao benefício previdenciário
- Pagar o salário do empregado enquanto ele estiver comprovadamente incapacitado
O ideal, do ponto de vista jurídico e humanitário, é que a empresa não abandone o empregado no limbo, sob risco de futura condenação judicial.
A empresa pode dispensar o trabalhador após o indeferimento?
A demissão de um empregado após o indeferimento do auxílio-doença é um tema delicado. Em regra, não há estabilidade automática para o trabalhador que teve o auxílio-doença indeferido. No entanto, se ele estava de fato incapacitado no momento da dispensa, ou se houver relação entre a doença e o trabalho, a dispensa pode ser considerada nula ou discriminatória.
Alguns cuidados são essenciais antes de uma eventual demissão:
- Verificar se o trabalhador apresenta laudos que comprovam a incapacidade
- Solicitar exame médico ocupacional para atestar a aptidão
- Registrar todas as comunicações com o empregado
- Avaliar se há estabilidade acidentária (em caso de acidente de trabalho)
A jurisprudência tem considerado abusiva a dispensa de empregados em período de convalescença, especialmente quando a empresa tem ciência da condição de saúde do trabalhador. Por isso, a dispensa só deve ocorrer após a constatação formal da aptidão.
O trabalhador pode judicializar a negativa do INSS
Sim. Caso o auxílio-doença seja indeferido, o trabalhador pode ingressar com ação judicial contra o INSS, com ou sem advogado, dependendo do valor da causa. Na Justiça, é comum que se realize nova perícia médica judicial, que poderá ter entendimento diferente do perito do INSS.
Se a ação for procedente, o juiz pode determinar:
- O restabelecimento do benefício desde a data do requerimento
- O pagamento dos valores retroativos
- A suspensão do contrato de trabalho enquanto durar a incapacidade
É importante que a empresa saiba dessa possibilidade e, se possível, acompanhe o andamento do processo, para evitar erros na gestão contratual do funcionário.
O papel do médico do trabalho da empresa
O médico do trabalho tem papel fundamental na definição da situação do empregado após o indeferimento do auxílio-doença. Ele é o profissional responsável por:
- Avaliar se o trabalhador está apto ou inapto para o retorno ao trabalho
- Realizar o exame de retorno ao trabalho (previsto na NR-7)
- Emitir o Atestado de Saúde Ocupacional (ASO)
- Indicar eventuais limitações ou necessidade de readaptação
Com base no parecer do médico do trabalho, a empresa poderá tomar decisões mais seguras, inclusive para evitar o afastamento limbo ou a demissão irregular.
Caso o médico do trabalho declare o trabalhador inapto, mesmo com indeferimento do INSS, a empresa deverá resguardar o contrato de trabalho e colaborar com o empregado para buscar nova perícia ou ajuizar ação judicial.
A empresa pode ser responsabilizada por deixar o trabalhador sem salário?
Sim. Quando a empresa se recusa a receber o trabalhador e também não paga salário, mesmo tendo ciência da incapacidade, ela pode ser responsabilizada por:
- Salários atrasados
- Danos morais
- Multas rescisórias, em caso de demissão sem justa causa
- Reintegração, se houver estabilidade
O TST entende que a omissão da empresa no afastamento limbo é falha grave na conduta do empregador, especialmente quando o médico do trabalho declara o empregado como inapto.
Por isso, manter o contrato em aberto, sem remuneração, é uma prática juridicamente arriscada, que deve ser evitada.
Como agir em conformidade com a legislação
Para evitar litígios e garantir segurança jurídica, a empresa deve seguir alguns passos:
- Exigir do trabalhador a apresentação da comunicação oficial do indeferimento do INSS
- Submeter o trabalhador ao médico do trabalho
- Caso seja considerado apto, permitir o retorno ao trabalho normalmente
- Caso seja considerado inapto, orientar o trabalhador a buscar nova perícia
- Se necessário, colaborar com a obtenção de novos laudos e documentos
- Evitar dispensar o empregado sem antes avaliar sua real condição de saúde
- Registrar tudo por escrito: contatos, laudos, pareceres médicos e medidas adotadas
Empresas que atuam com responsabilidade nesse processo demonstram boa-fé e evitam prejuízos judiciais futuros.
Exemplos práticos de situações e como agir
Exemplo 1
Funcionário João teve o auxílio-doença indeferido, mas apresentou atestado do seu médico particular indicando afastamento de 30 dias. A empresa o submeteu ao exame médico do trabalho, que atestou sua inapetência. A empresa manteve o contrato suspenso e orientou João a agendar nova perícia no INSS. Fez acompanhamento do processo e colaborou com a documentação. Evitou limbo e não foi acionada judicialmente.
Exemplo 2
Funcionária Ana teve o benefício negado e foi impedida de retornar à empresa, sem receber salários. A empresa não ofereceu orientação e considerou a situação como abandono de emprego. Ana entrou com ação na Justiça do Trabalho e foi reintegrada, com pagamento de salários atrasados e indenização por danos morais.
Perguntas e respostas
O que a empresa deve fazer se o INSS negar o auxílio-doença?
Deve submeter o empregado ao exame médico do trabalho e, conforme o resultado, decidir se ele pode retornar ou se deve buscar nova perícia.
A empresa pode considerar abandono de emprego após o indeferimento?
Não. O trabalhador pode estar incapacitado mesmo com o indeferimento. É necessário avaliação médica e comunicação formal antes de tomar qualquer medida.
Se o médico do trabalho disser que o empregado está inapto, o que fazer?
Orientar o empregado a buscar nova perícia ou recorrer da decisão do INSS. A empresa deve manter o contrato suspenso e não pode deixá-lo sem remuneração indefinidamente.
A empresa pode ser processada se deixar o trabalhador no limbo?
Sim. A Justiça do Trabalho entende que é responsabilidade da empresa zelar pela saúde do trabalhador e garantir meios de sustento enquanto há conflito entre perícias.
A empresa pode aceitar o retorno mesmo com atestado de afastamento do médico do empregado?
Sim, desde que o médico do trabalho da empresa ateste aptidão. O atestado do médico particular não é vinculante.
É necessário fazer novo pedido de benefício ou é melhor recorrer?
Depende do caso. Em alguns, é mais estratégico recorrer da decisão do INSS. Em outros, o novo pedido pode ser mais rápido. O ideal é o trabalhador ter orientação jurídica.
Conclusão
O indeferimento do auxílio-doença não encerra a responsabilidade da empresa em relação ao trabalhador. Pelo contrário, inicia uma fase crítica de gestão do contrato de trabalho, que exige cautela, avaliação médica e ações bem fundamentadas. A empresa não pode se omitir ou presumir que o trabalhador está apto apenas porque o INSS assim decidiu. Deve tomar decisões baseadas em parecer técnico, respeito à dignidade do trabalhador e à legislação vigente.
Ao agir de forma preventiva e colaborativa, a empresa evita ações judiciais, indenizações e danos à sua reputação. O correto tratamento do indeferimento do auxílio-doença é parte da boa prática empresarial e demonstra compromisso com os direitos humanos e trabalhistas. Se bem conduzido, o impasse pode ser resolvido com equilíbrio e segurança para ambas as partes.